terça-feira, 8 de março de 2011

Mzuri Issa luta pelo poder das mulheres de Zanzibar

 Por Paula Torres de Carvalho, em Bruxelas 
Mzuri Issa. É como se chama a mulher, de lenço colorido, olhos amendoados, sorriso inteiro. Veio da Tanzânia, na África Oriental, onde nasceu e onde vive há 35 anos, que é a sua idade. Quase 20 horas foi o tempo que demorou a viagem que fez até Bruxelas. À sua frente, numa sala do Centro de Imprensa Internacional, estão 15 jornalistas de vários países da Europa e alguns funcionários da Comissão Europeia que participam num seminário sobre igualdade entre sexos que decorreu de 27 de Fevereiro a 2 de Março, promovido pelo Centro de Jornalismo Europeu.
Mzuri Issa  
Mzuri Issa (Charlotta Asplund)

Mzuri vem falar da Associação de Mulheres para os Media da Tanzânia (TAMWA) que há 20 anos se dedica à defesa dos direitos humanos, particularmente das mulheres. E vem pedir ajuda para a continuação de um dos projectos da associação que, há três anos, é financiado pela União Europeia. Chama-se The Women Empowerment in Zanzibar Project (Weza), um projecto para fortalecer o poder das mulheres de Zanzibar, arquipélago formados pelas ilhas de Unguja e Pemba, ao largo da costa da Tanzânia.

Longa distância e muito dinheiro separam a realidade em que vivem as mulheres de Zanzibar da que faz parte do dia-a-dia das mulheres dos países europeus. E, contudo, são realidades contemporâneas.

Mzuri Issa conserva o seu sorriso largo, apesar das desigualdades de que fala. A questão, afirma, está no desenvolvimento.

O que ela quer dizer aos jornalistas, primeiro, e ao mundo, depois, é que o aumento do poder para as mulheres das ilhas de Zanzibar e da igualdade de direitos em relação aos homens, "passa pela diminuição da pobreza, por mais justiça social, condições essenciais para o desenvolvimento".

É esta ideia que tem estado na base do projecto, no qual a União Europeia já investiu 750.000.00 euros. Este projecto é dirigido a cerca de seis mil mulheres rurais, pobres e analfabetas, tendo em vista o desenvolvimento das comunidades existentes nas duas ilhas. Elas foram envolvidas em diferentes actividades económicas e sociais, tais como a agricultura, a indústria e o artesanato, o aproveitamento dos recursos naturais e os programas de saúde primária.

Os objectivos específicos, explica Mzuri Issa, são o aumento dos salários e ultrapassar as barreiras sociais, culturais e políticas que impedem que a mulher tenha mais influência na sociedade tanzaniana. "O que se pretende é melhorar as suas vidas e dar-lhes possibilidade de alcançar o seu potencial humano", afirma a activista.

A maioria das participantes no projecto tem entre 25 e 50 anos, religião muçulmana e mais de três crianças em casa. Muitas vezes, porém, a intervenção junto das comunidades "não tem sido fácil", confessa Mzuri ao P2. Porque "há muitas mulheres que só aderem depois da autorização dos maridos".

Além da pobreza extrema, a activista refere também a iliteracia como outro obstáculo para o progresso das mulheres e conta como a TAMWA tem contribuído para divulgar esta realidade no seu país e a nível internacional. Mostra números e slides, fala de conquistas e de obstáculos.

Mzuri Issa acredita no papel do jornalismo "para mudar a sociedade", informando e "agitando os poderes". E conta que são cada vez mais as mulheres que aderem às campanhas para a defesa dos seus direitos. Esta é uma causa que tem perseguido na TAMWA, de que é uma das fundadoras, para "lutar contra a violência e a humilhação de que as tanzanianas são vítimas há tantos anos", diz.

Espancada "de gatas"
"O meu nome é Purcherie Mbonimpa, casei-me com 18 anos, quando o meu marido tinha 26. Temos sete filhos, quatro rapazes e três raparigas. Vivemos sobretudo da agricultura, cultivando feijões e batata-doce e temos uma pequena plantação de bananas". É assim que começa um dos depoimentos recolhidos durante o trabalho de campo das activistas tanzanianas e que consta de um relatório entregue em Bruxelas. Este é bem esclarecedor da desigualdade entre sexos e dos mecanismos de poder em Zanzibar.

Purcherie continua o seu relato, contando que, nos primeiros meses de casamento, o marido lhe disse: "Eu casei contigo, mas nunca saberás quem eu sou".

"Como o meu marido não fala muito, reflecti sobre o que aquilo queria dizer. Não sabia o que ele queria dizer. Éramos muito pobres. Eu só tinha um pano, uma peça de roupa tradicional que as mulheres usam aqui. O meu marido tinha um par de calças e uma camisa, gostava muito de álcool e não ligava muito à família. Não havia muita comunicação entre nós e eu não sabia o que podia e não podia fazer."O marido de Purcherie não a deixava sair para visitar amigos ou a família, nem que participasse em qualquer reunião da comunidade. "Eu era constantemente espancada sem saber o que tinha feito de errado", revela.

E Purcherie estava num buraco sem saída: "Não podia divorciar-me dele porque, na nossa cultura, quando uma mulher volta para casa dos pais, é um insulto e uma desgraça para a nossa família". As mulheres devem submeter-se "totalmente ao seu marido, obedecer-lhe mesmo quando é injusto, ou em situações de tortura e de violência."

"Um dia o meu cunhado encontrou-me de gatas, com os joelhos no chão, a ser violentamente espancada pelo meu marido. Olhou para mim e não disse nada, mas, quando regressou a casa, contou às minhas cunhadas", continua. Foram elas que a salvaram e que lhe abriram os olhos. "Elas vieram ter comigo e disseram-me: "Aceitas ser espancada de gatas pelo teu marido? És uma desgraça para as outras mulheres, não podes aceitar isso"". Foi naquele dia que Purcherie decidiu nunca mais se sujeitar àquilo e fugir do marido.

Pressão sobre o Governo

São mulheres como Purcherie que a TAMWA acompanha e divulga. Foi uma campanha, nos anos de 1990, para a criação de uma lei de protecção das vítimas da violência baseada no género, particularmente a violência sexual, que mais contribuiu para que esta associação se tornasse conhecida. As suas activistas investigam e divulgam a prática deste tipo de violência contra as mulheres e conseguiram pressionar o Governo para actuar e extinguir a lei.

A intervenção da TAMWA foi também decisiva para mudar uma outra lei que proibia as mulheres de terem filhos fora do casamento. Se não conseguissem provar que o acto sexual tinha sido cometido por coerção, eram punidas com dois anos de cadeia. Era uma "violação dos direitos humanos da mulher grávida e da criança recém-nascida", consideraram as activistas.

Mzuri Issa, sorriso brilhante, lenço colorido na cabeça, cumpriu mais uma missão importante em defesa dos direitos das mulheres de Zanzibar. Veio a Bruxelas pedir ajuda para continuar. Nas ilhas, as mulheres pobres, rurais e analfabetas, esperam.

A jornalista viajou a convite da Comissão Europeia

Um comentário:

Unknown disse...

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