sexta-feira, 13 de maio de 2011

Bancada religiosa impede votação do projeto que criminalizaria homofobia no Brasil


Marta Suplicy, relatora do projeto, espera obter um texto de consenso - Wilson Dias/ABr

Rachel Duarte no Sul21

A pressão da bancada evangélica impediu a votação, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, do projeto de lei complementar 122/06 que criminaliza os atos de homofobia. Ele seria votado hoje (12) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. Em uma sessão que ao final contou com troca de xingamentos e ofensas entre o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), o projeto foi retirado de pauta sem previsão de retorno, a pedido da própria relatora, senadora Marta Suplicy (PT-SP). A senadora espera chegar a um texto de consenso.
Antes do término da discussão — encerrada a pedido do senador Humberto Costa (PT-PE) –. parlamentares se manifestaram sobre o assunto. A polêmica girou em torno de dois temas: a punição de crimes resultantes de discriminação por orientação sexual e o direito à liberdade de expressão e à liberdade religiosa, assegurados pela Constituição.
Ao salientar a necessidade de acabar com os preconceitos, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou ser preciso aprovar um projeto de consenso que estabeleça a punição para ações contra homossexuais, mas que garanta a liberdade de manifestação de pensamento fundada na liberdade de crença. “Talvez seja a hora de esgotamos todos os diálogos necessários e possíveis e que deixe claro que o Estado regulamenta a criminalização de preconceito, mas que o Estado não se meta na ‘pecamização’ de qualquer coisa. É preciso esgotar as conversas para que o texto final não crie outro preconceito, o preconceito contra as igrejas, contra as crenças”, disse.
Magno Malta (PR-ES) elogiou a decisão de adiar o debate e defendeu a realização de audiências públicas para ouvir todos os segmentos da sociedade que querem se manifestar sobre o assunto, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os religiosos (católicos e evangélicos), e homossexuais. Ele informou que apresentaria requerimento com esse propósito. Segundo o parlamentar, o projeto de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP) apresenta uma “série de inconstitucionalidades” desde sua origem e define uma série de privilégios para os homossexuais.
Segundo a relatora, Marta Suplicy (PT-SP), uma modificação feita no texto da proposta preserva a liberdade religiosa. A mudança excluiu do alcance da lei “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”. O texto final exclui do alcance das punições “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”. E argumentou: “Quando me colocaram que o problema não era a intolerância e o preconceito, e sim uma questão de liberdade de expressão dentro de templos e igrejas, aceitei. A liberdade está preservada”.
A proposta do PL 122/06 modifica a Lei de Racismo para criminalizar também os atos de homofobia, estendendo a eles as mesmas punições impostas aos crimes de preconceito racial. O projeto pune com reclusão de um a três anos condutas discriminatórias, como recusar o atendimento a gays em bares e restaurantes e reprimir trocas de afeto em locais públicos, como beijos ou abraços. O item mais polêmico pune com prisão, de um a três anos, e multa aqueles que induzirem ou incitarem a discriminação ou preconceito contra os homossexuais.
Para atender às reivindicações da bancada evangélica, Marta incluiu uma emenda permitindo que todas religiões e credos exerçam sua fé, dentro de seus dogmas, desde que não incitem a violência. “O que temos na fé é o amor e o respeito ao cidadão. Me colocaram que o problema não era intolerância nem preconceito, mas liberdade de expressão dentro de templos e igrejas. O que impede agora a votação? O que, além da intolerância, do preconceito, vai impedir a compreensão dessa lei?”, questionou Marta.
Ao deixar a reunião, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) afirmou que a proposta extrapola os direitos à religião, garantidos pela Constituição, ao punir não apenas as ações, mas também as expressões de pensamento. “Ninguém é a favor de que os homossexuais sofram agressões psicológicas ou físicas. Agora, a proposta extrapola pelo fato de não querer punir os fatos, mas punir as expressões do pensamento e as palavras”, afirmou.

Como fica com a retirada?

Márcia Kalume /Ag.Senado

Apesar de ter pedido a retirada da proposta da pauta da CDH, Marta Suplicy disse que o Senado não pode mais “caminhar na contramão”. “Como é que a Comissão de Diretos Humanos não vota uma lei que protege milhares de pessoas?” questionou.
O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas,Gays,Bissexuais,Travestis e Transsexuais (ABGLT), Toni Reis, está confiante que o PL122/06 seja aprovado e diz que a proposta tem maioria no Congresso Nacional. “Está bem costurado. Será só uma questão de tempo”, disse. Segundo ele, a maioria dos parlamentares e senadores sabem que a intenção do projeto não tem a intenção de “acabar com as igrejas, mas de garantir o respeito às minorias”. Ele disse que o Brasil está atrasado na regulamentação da lei que criminaliza a homofobia em relação a outros 53 países. “O Brasil está sendo reconhecido internacionalmente sobre tantos aspectos, temos que nos tornar uma potência também em direitos humanos. Propor um plebiscito para aceitar os homossexuais é um absurdo. A Constituição Federal diz que todos são iguais perante a lei”, falou.
Segundo ele, diferente do Supremo Tribunal Federal, que considerou legal a união homoafetiva na última semana, o Congresso Nacional tem setores “retrógrados que não sabem interpretar a lei”.

Representação contra Bolsonaro 

J.Freitas/Ag.Senado

Durante uma entrevista em que a senadora Marta Suplicy (PTSP) explicava os motivos da retirada do PL nº 122 da pauta do dia da Comissão de Direitos Humanos, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) criava tumulto exibindo para as câmeras um folder que, que classificou de “plano nacional da vergonha”. “O governo está distribuindo nas escolas de primeiro grau uma cartilha estimulando nossas crianças a serem gays”, afirmou o deputado. A senadora Marinor Brito (PSol/PA) reagiu às agressões e à tentativa de intimidação durante a entrevista, e exigiu que ele se retirasse com os panfletos, que pregam a violência contra homossexuais.
Na discussão, Bolsonaro demonstrou uma atitude recorrente de misoginia. Marinor afirma que a atitude do deputado é desrespeitosa e que se sentiu ofendida em sua feminilidade.
Na semana que vem, o PSOL entrará com representação na Corregedoria da Câmara dos Deputados. Além disso, a senadora entrará com uma ação penal na justiça, pelos crimes de injúria e danos morais.

*Com informações da Agência Senado e de assessorias dos senadores.

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