domingo, 1 de maio de 2011

Marcio Pochmann: "A inflação não está fora de controle"

Autor(es): Denize Bacoccina - Isto é Dinheiro

Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) desde 2007, já foi criticado por ter direcionado pesquisas do órgão para respaldar programas do governo Lula.

Dias atrás, o instituto, ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, surpreendeu ao publicar uma pesquisa afirmando que os aeroportos não estarão prontos para a Copa de 2014. Não se trata de mais autonomia sob Dilma, diz Pochmann. “A autonomia do Ipea sempre existiu.” No que diz respeito à inflação, o economista está alinhado com o Planalto. Ele explicou à DINHEIRO por que vê “terrorismo de mercado” nessa discussão. Acompanhe:

DINHEIRO – Na semana passada, um pesquisador do Ipea disse que o mercado faz terrorismo com a inflação. Faz mesmo?

MARCIO POCHMANN – Sim, porque a agenda da inflação, associada ao receituário de corte de gastos e juros elevados, fez parte do debate eleitoral do ano passado. O resultado eleitoral estabeleceu um compromisso com o desenvolvimento nacional e, com ele, o enfrentamento das mazelas que o Brasil carrega, como é o caso da pobreza. O governo está enfrentando a pressão inflacionária por outros métodos, mais heterodoxos. Temos uma pressão inflacionária oriunda de fatores internacionais, mas também temos inflação decorrente de serviços. Isso é consequência justamente das mudanças na sociedade brasileira.

  DINHEIRO – Há mais gente consumindo, pessoas que antes não tinham dinheiro e agora passaram a ter?

POCHMANN – Não é exatamente isso. Houve uma mudança na estratificação da sociedade. São serviços vinculados a trabalhos muito precários: cabeleireiro, serviços autônomos, que se prestam às famílias em geral. Como estão sendo abertos postos de trabalho com remuneração superior, há uma escassez relativa de mão de obra. De um lado, tem menos pessoas disponíveis a esse tipo de atividade, e de outro, as pessoas que ficam tendem a elevar sua renda. Enfrentar essa pressão de preços como sendo uma inflação de demanda, com uma elevação na taxa de juros, é matar a possibilidade dessa mobilidade social. Em países desenvolvidos, esses serviços têm preços bem maiores que os praticados no Brasil.

DINHEIRO – Mas há reajustes em outros preços. Não é a volta da indexação?

POCHMANN – Não acho que existe uma indexação, apenas os mecanismos que o Plano Real permitiu. Por exemplo, tivemos uma elevação de preços vinculados a tarifas municipais. Essa alta tem impacto num período do ano e gradualmente perde importância. O diagnóstico do governo Dilma, e até do final do governo Lula, é que a economia vinha num ritmo muito acelerado. A Dilma, enquanto ministra, teve a ousadia junto com o presidente de construir um Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) quando não havia crescimento. Podemos dizer, agora, que ela criou um plano de desaceleração do crescimento, que estava muito forte. É justamente essa adequação do crescimento que a levou a atender uma pressão de elevação dos juros, optar por uma restrição fiscal, para que a expansão da economia se desse num quadro mais adequado ao ritmo de expansão da oferta. Para além disso, radicalizar a política monetária e fiscal significa não apenas desacelerar o crescimento, mas impossibilitar os investimentos. E em médio e longo prazos, a melhor política de combate à inflação é a ampliação da capacidade de produção. Hoje, os investimentos estão crescendo três vezes mais do que a expansão do consumo.


DINHEIRO – É possível crescer entre 4% e 5% do PIB, como prevê o Ipea, e ter inflação abaixo de 6%?

POCHMANN – Uma elevação descontrolada do custo de vida, para além da meta da inflação, está fora do horizonte. Estamos vendo no governo da presidente Dilma, depois de muito tempo, uma convergência entre o Ministério  da Fazenda e o Banco Central. Há um esforço de enfrentar a inflação sem que isso signifique a postergação ou interrupção dos investimentos.

DINHEIRO – Daí a aplicação de medidas macroprudenciais em vez da elevação da taxa de juros?

POCHMANN – Sim, porque a opção pela política de juros é de uma preguiça enorme. Basta elevá-los para segurar o consumo, mas seus efeitos vão além dos setores afetados pela inflação. Uma elevação de juros afeta toda a atividade econômica. E a intenção do governo é olhar os setores em dificuldade. Ninguém está dizendo que não tem pressão inflacionária hoje. A questão é olhar para o que provoca essa elevação de preços, e como enfrentá-la, sem afetar os setores que estão à margem.


DINHEIRO – Qual o impacto do salário mínimo de R$ 616 em 2012 na inflação e em outros setores da economia?

POCHMANN – Ele é compatível com a ampliação real que a economia teve dois anos atrás. Havendo crescimento econômico, a elevação do salário mínimo é plenamente compatível com o ganho de produtividade e com a escala de produção do País. Um reajuste desses terá um impacto positivo na medida em que se amplia a base da Previdência, eleva o poder de compra da base da pirâmide social, uma das locomotivas da expansão da economia brasileira. Mas é evidente que terá um impacto desfavorável nas contas públicas. Poderíamos reduzir gastos desnecessários e improdutivos, que são os gastos com os juros da dívida.

DINHEIRO – Os juros poderiam cair para quanto?

POCHMANN – Uma taxa de juros real acima de 2% já é pouco civilizada. Nós sabemos que o diferencial dos juros no Brasil em relação a outros países é um fator que torna nossa moeda extremamente valorizada.

DINHEIRO – Em fevereiro, a taxa de desemprego foi de 6,4%. Com a economia desacelerando, podemos dizer que o  desemprego já chegou no piso?

POCHMANN – Teremos uma acomodação no mercado de trabalho nos níveis atuais. Isso dará um desemprego médio praticamente igual ao do ano passado.

DINHEIRO – Qual o limite do pleno emprego no Brasil?

POCHMANN – É difícil falar em pleno emprego num país que não tem um mercado de trabalho or-ganizado. Temos um mercado de trabalho ainda muito desorganizado pela presença da  informalidade e relações de trabalho não assalariadas, como na agricultura familiar, de trabalhadores autônomos e de empregados sem carteira assinada.

DINHEIRO – Não temos problemas de qualificação? Pesquisa do Ipea mostra que o desemprego é de 0,9% entre os 10% que ganham mais e de 30% entre os 10% que ganham menos.

POCHMANN – É possível que o Brasil, mesmo não tendo um contexto de pleno emprego, tenha problemas de escassez de trabalhadores porque há um descompasso entre a necessidade das empresas e a capacidade de oferta do ponto de vista dos trabalhadores adequados a esse tipo de ocupação. Isso pode ser resolvido com um bom sistema público de emprego. Mas ainda estamos longe de ter um sistema que combine a formação de mão de obra, a intermediação e os benefícios para quem está desempregado. É preciso formar gente para o amanhã.

DINHEIRO – A Foxconn anunciou um investimento de US$ 12 bilhões com criação de 100 mil empregos no Brasil. Vamos ter de  importar engenheiros?

POCHMANN – Hoje, praticamente dois terços dos engenheiros formados no Brasil exercem outra profissão. For-maram-se nos anos 80 e 90, quando o País não crescia. Temos um problema sério de evasão muito elevada no ensino superior e na engenharia não é diferente. O Brasil só forma 15% dos engenheiros que entram no curso em cinco anos. A cada ano, entram 322 mil estudantes nos cursos de engenharia, mas só formamos 47 mil.

DINHEIRO – A China é um parceiro bom para resolver os problemas de infraestrutura que o Brasil precisa para se tornar um país mais competitivo?

POCHMANN – Estamos num deslocamento do centro dinâmico do mundo. Os Estados Unidos continuarão sendo um país grande, competitivo, mas não serão mais o centro do mundo. O Brasil tem que se adequar a esta perspectiva. A China lembra a Inglaterra, que, no século XIX, produzia manufatura e dependia de matéria-prima. É um país que desenvolve sua tecnologia, mas tem problemas sérios de matéria-prima e de alimentos. O Brasil é um país grande, um dos poucos com capacidade de dobrar a área plantada. Tem uma excelente capacidade de produção alimentícia, excelentes recursos naturais. Então, esse é um risco da “fama”: fazenda com maquiladora. Não estamos condenados à “fama”. É possível, pela diplomacia, constituir uma relação menos desequilibrada.
 
DINHEIRO – O Ipea publicou uma pesquisa dizendo que as obras dos aeroportos estão atrasadas para a Copa de 2014. Aumentou a autonomia?

POCHMANN – A autonomia do Ipea sempre existiu. Nos anos 1990, o órgão produziu diversos estudos justificando a política de privatização. No período atual, o Ipea tem se voltado para o desenvolvimento em longo prazo e as políticas públicas. O que o Ipea torna público é apenas um terço de tudo o que produz. Dois terços estão associados às políticas públicas, aos ministérios, ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo, ao Poder Judiciário. Fazemos coisas que não são divulgadas porque somos uma instituição de pesquisa aplicada às políticas públicas.

DINHEIRO – Houve críticas dentro do governo por causa dessa pesquisa sobre os aeroportos?

POCHMANN – Estou à frente do Ipea há quase quatro anos e já me acostumei a ser criticado, tanto pela imprensa quanto pela oposição. Uma instituição se mantém integra, transparente e comprometida com a pluralidade, que é natural dentro da sua autonomia, quando ela recebe críticas de todos os lados. Isso é um sinal de que o que ela produz está comprometido com a verdade e não com a política de “p” minúsculo.

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