terça-feira, 12 de julho de 2011

EUA: A classe trabalhadora contra a classe média: Solidariedade ou competição no enfrentamento da crise?


 
James Petras 
Um ambiente de profunda crise económica e social não produz, só por si, a organização e a acção comum daqueles sobre cujas vidas impacto da crise se faz sentir mais duramente. E não existe pior fraqueza para os trabalhadores do que a sua divisão.
“Creio que não percebe quão difícil é para os oprimidos tornarem-se unidos. A sua miséria une-os (…) Mas por outro lado a sua miséria é capaz de separá-los uns dos outros, pois são forçados a arrancar as pobres migalhas das bocas uns dos outros”.
Bertolt Brecht, Collected Plays Vol. 9 (Pantheon Books New York 1972) p. 379


Há dois factos incontestáveis acerca dos Estados Unidos: a economia e a classe trabalhadora experimentam uma crise económica prolongada a qual perdura há mais de três anos e não mostra sinais de acabar; não houve grande revolta, resistência em massa nacional ou mesmo protestos em grande escala com quaisquer consequências. Poucos escritores tentaram abordar este paradoxo aparente e aqueles que o fizeram deram respostas parciais que de facto levantam mais questões do que as que respondem.


Linha de investigação

No essencial, a maior parte dos que escrevem enfatizam um dos dois lados do “paradoxo”. Os analistas da “crise” focam a extensão, duração e natureza duradoura da ruptura económica, descrevendo seu duro impacto sobre a classe trabalhadora e a média em termos de perdas de emprego, benefícios, salários, hipotecas, etc. Outros, principalmente na esquerda progressista, enfatizam os protestos locais, respostas críticas em inquéritos de opinião, queixas ocasionais de burocratas sindicais e as esperanças e sermões de académicos e sabichões de que uma “revolta” está a caminho no futuro próximo.
Dentre a minoria de analistas críticos menos confiantes há desespero ou, pelo menos, uma visão mais pessimista do “paradoxo”. Apontam vários obstáculos psicológicos, organizacionais e políticos profundamente enraizados que impedem qualquer revolta ou inquietação de massa de apossar-se do público dos Estados Unidos.
Em geral, estes críticos vêem a classe trabalhadora e média como “vítimas” do sistema, influenciada por líderes falsos, manipulação dos media, capitalismo corporativo e o sistema de dois partidos, o que os impede de perseguir os seus interesses de classe.
Neste ensaio, buscarei uma linha alternativa de análise a qual argumentará que os “inimigos externos” bloqueando a resistência da classe trabalhadora e da classe média são ajudados e encorajados pelo comportamento e interesse percepcionado dentro das classes. No prosseguimento desta linha de investigação, argumentarei que tanto a natureza como o âmbito da “crises” foi mal compreendido no seu impacto sobre as classes trabalhadora e média e, em consequência, o grau de contradições internas dentro daquelas classes não tem sido adequadamente entendido.

Conceitos chave: clarificando ‘crises’ e o seu impacto

Crises económicas, mesmo severas, prolongadas, tal como a que afecta hoje os EUA, não têm um impacto uniforme sobre todos os sectores das classe trabalhadora e média. O impacto desigual segmentou as classes trabalhadora e média entre aqueles que são afectados adversamente e aqueles que o não são, ou quem em certas circunstâncias saiu beneficiado. Esta segmentação é um factor chave responsável pela falta de solidariedade de classe resultou em “contradições” dentro e entre as classes trabalhadora e média.
Em segundo lugar o desenvolvimento da organização social – especialmente a sindicalização – entre trabalhadores do sector público e privado levou os primeiros a assegurar e reter maiores benefícios sociais e aumentos e salários, ao passo que os últimos perderam terreno. Os trabalhadores do sector público valem-se de financiamento público para financiar os seus “interesses corporativos” ao passo que os do sector privado são forçados a pagar impostos acrescidos, devido à legislação fiscal regressiva. O resultado é um aparente ou real conflito de interesses entre trabalhadores públicos bem organizados unidos em torno de um estreito conjunto de interesses (próprios) e a massa de trabalhadores não organizados do sector privado a qual, incapaz de aumentar seus salários através da luta de classe, posiciona-se ao lado dos “conservadores fiscais” (financiados pelo big business ) para exigir cortes entre trabalhadores do sector público.
O sectarismo político, especialmente entre democratas da classe média e trabalhadora, mina a solidariedade de classe e enfraquece a resistência social unificada. Isto é evidente em relação a questões de guerra e paz, de crise económica e de cortes em programas sociais. Quando os democratas ocupam posição [no governo], quando anunciam guerra e os gastos de guerra se multiplicam, o grosso do movimento da paz desapareceu, protestos do trabalho contra cortes orçamentais concentram-se sobre governadores republicanos, não democratas, mesmo quando as classes trabalhadora e média (incluindo empregados do sector público) é afectada adversamente.
Os milionários dirigentes sindicais de topo (salário médio anual de mais de US$300 mil mais benefícios) aprofundam a divisão ao dar prioridade à segurança da sua posição através de contribuições de milhões de dólares para os democratas, comprando portanto segurança quanto aos fluxos de rendimento decorrentes de pagamentos devidos. A segurança do funcionalismo, através do alinhamento com legisladores, governadores, presidentes de municipalidades e líderes executivos do Partido contribui mais uma vez para a divisão no interior da classe trabalhadora entre “funcionários seguros” e seus seguidores por um lado e o resto da classe média e da trabalhadora.
A operar com estes conceitos chave, voltaremos agora para a descrição das “condições objectivas de crise”, um levantamento crítico de algumas explicações para o “paradoxo”, prosseguiremos com um exame pormenorizado das “contradições internas” e concluiremos esboçando alguns pontos de partida para a resolução do paradoxo.

A crise económica é real, profunda e prolongada

Os sintomas e estruturas de uma crise económica profunda são facilmente visíveis para qualquer um, mesmo o mais obtuso apologista do governo ou economista de prestígio: os desempregados e subempregados atingiram 18 a 20 por cento. Uma em cada três famílias dos EUA é directamente afectada pela perda de emprego. Um em cada dez proprietários de casa americanos está ou atrasado nos pagamentos da hipoteca ou enfrenta o arresto. Mais da metade dos desempregados actuais (9,1 por cento) esteve sem trabalho durante pelo menos seis meses. Cortes maciços em despesas públicas e investimentos levaram ao fim de programas de saúde, educacionais e de bem-estar para dezenas de milhões de famílias de baixo rendimento, crianças, os deficientes, os pensionistas idosos. Firmas privadas eliminaram ou reduziram pagamentos de seguro de saúde, deixando mais de 50 milhões de trabalhadores americanos sem seguro de saúde e outros 30 milhões com cobertura médica inadequada. Isenções fiscais, tributação reduzida e regressiva aumentaram pagamentos de impostos sobre salário e trabalhadores assalariados, reduzindo seu rendimento líquido. Aumentos sobre pagamentos de pensões e de saúde forçaram empregados da classe média e trabalhadora a sofrerem nova redução do rendimento líquido. As despesas acrescidas para pelo menos quatro guerras (Iraque, Afeganistão, Paquistão e Líbia), preparativos para uma quinta (Irão) e apoio ao estado mais militarista do mundo (Israel) e um altamente expandido e custoso aparelho de segurança interna (só o Homeland Security custa US$180 mil milhões) deterioram muito o ambiente, os lugares de trabalho, o espaço de lazer e os padrões de vida.
O poder político corporativo e o controle absolutamente tirânico sobre o lugar de trabalho aumentaram o medo, a insegurança e o terror virtual entre empregados que enfrentam ritmos acrescidos e eliminação arbitrária de qualquer intervenção na saúde e segurança do lugar de trabalho, na programação do trabalho, nas cargas de trabalho acima e abaixo dos prazos. Empregos em serviços de baixo pagamento proliferam, empregos bem pagos são exportados do país; fábricas manufactureiras são relocalizadas no exterior; profissionais e trabalhadores imigrantes mal pagos são importados aumentando a pressão sobre os trabalhadores americanos para competir por pagamento mais baixo e menores benefícios. A “crise económica” está incorporada na estrutura profunda do capitalismo estado-unidense e não é um “fenómeno cíclico” sujeito a uma recuperação dinâmica, restaurando empregos, lares, padrões de vida e condições de trabalho perdidos.

Respostas das classes trabalhadora e média à crise económica

A crise económica profunda, enraizada e generalizada não produziu quaisquer revoltas proporcionais, rebeliões ou mesmo um movimento nacional de protesto constante. Na melhor das hipóteses, protestos de segmentos específicos da classe trabalhadora e da média tem procurado defender estreitos interesses organizativos e económicos. Os movimentos de protesto dos empregados públicos em Wisconsin foram tão excepcionais na sua militância quanto ficaram isolados e limitados no seu impacto nacional. Quando governadores republicanos na Califórnia e democratas em Nova York eliminaram dezenas de milhares de milhões de dólares em salários, pensões e benefícios de saúde para centenas de milhares de empregados públicos sindicalizados, responsáveis sindicais guincharam de modo impotente do lado de fora, incapazes de organizar quaisquer protestos sérios e muito menos movimentos populares. Embora inquéritos de opinião pública registem altos níveis de preocupação individual acerca das crises económicas e insatisfação com a resposta de ambos os partidos políticos às crises, isto não levou à actividade prática, nem tão pouco daí emergiu qualquer “movimento” de massa – o descontentamento permanece privado e inconsequente.
Até que milhões de membros das classes média e trabalhadora estejam profundamente preocupados com as crises económicas em cursos não pode haver repercussões sociais ou políticas significativas passadas, presentes ou no futuro previsível.
Todas as esperanças bombásticas e “prognósticos ameaçadores” da parte de liberais e gente de esquerda, socialistas e progressistas, que escreveram e previram uma próxima “revolta da massas” estavam redondamente erradas. A crise continua e as altamente insatisfeitas classe média e trabalhadora continuam a sofrer privadamente, a resmungar seus descontentamentos isoladamente, pouco desejosas de empenhar-se em qualquer acção colectiva de massa.
Mesmo quando os mass media, mesmo quando a Internet, o Facebook e o Tweeter apresentam milhões a manifestarem-se, a golpearem e mesmo a derrubarem regimes opressivos no Médio Oriente e na África do Norte, mesmo quando nos noticiários transparecem repetidas greves gerais e ocupações de massa de praças públicas por empregados, trabalhadores e desempregados na Grécia, Espanha, Portugal, Itália e França, os trabalhadores dos Estados Unidos permanecem apáticos, indiferentes e impotentes para “aprender as lições” e “efectuar acções colectivas” mesmo quando as questões de emprego e dos cortes são semelhantes.

Explicações para a imobilidade social face às crises económicas

Não há falta de “reconhecimento” de que “alguma coisa está errada” quanto a isto nos Estados Unidos. Não há falta de sabichões a tentarem agarrar o paradoxo das crises económicas e da imobilidade social.
Vários assaltos explicativos estão a pairar através dos media e da Internet. Alguns autores recorrem a explicações psicológicas para a passividade social destacando o “medo” generalizado da retaliação patronal, da repressão do estado ou uma sensação de “futilidade” e de indiferença e hostilidade a partidos políticos. Os argumentos psicológicos têm algum mérito pois apontam para algumas das causas imediatas do não envolvimento, mas falham em explicar o que provoca o “medo” e a sensação de futilidade.
Em resposta, muitos críticos progressistas citam a ausência ou fraqueza de organizações sociais e apontam em particular para o declínio de organizações sindicais, que deixam 93 por cento do sector privado não organizado e os trabalhadores sindicalizados do sector público com poderes limitados de negociação. Se bem que estes críticos estejam certos ao enfatizar a relutância de dirigentes sindicais milionários em romperem novo terreno político e iniciarem novos esforços organizativos, é preciso explicar porque as não organizadas classe média e trabalhadora não lançaram por si próprias quaisquer novas iniciativas. Dirigentes sindicais têm um longo historial de “retornos” que remontam a pelo menos duas décadas e ainda assim aqueles que são afectados directamente e de modo adverso e aqueles que perderam os seus empregos não organizaram uma rede alternativa de solidariedade.
Analistas políticos enfatizam a natureza oligárquica e restritiva do sistema eleitoral que esvazia previamente a emergência de novas iniciativas políticas. O custo de muitos milhões de dólares da concorrência a eleições, a dominância quase monopolista dos mass media pela elite dos dois partidos e o obstáculo legal de assegurar um lugar na votação desencorajam eleitores desencantados a apoiar novas iniciativas políticas. Mas a questão mais profunda é porque movimentos de massa, fora da estrutura dos partidos eleitorais, não emergiram de modo a poder finalmente desafiar a oligarquia política, o monopólio corporativo dos media e mudar os constrangimentos legais quanto à entrada efectiva na arena eleitoral. Por que em outros países ainda mais repressivos emergem movimentos de massa, enfrentando constrangimentos semelhantes quanto a acesso legal e confrontando oligarquias estabelecidas?
Se “constrangimentos externos” semelhantes àqueles encontrados nos EUA levam a respostas comportamentais divergentes, isto levanta a questão de se as diferenças dentro das classe média e trabalhadora podem ser a fonte da passividade e da imobilidade.
Alguns poucos autores, principalmente na esquerda, mencionam o divórcio entre intelectuais/académicos e a mobilidade declinante das classes média e trabalhadora. Nos Estados Unidos há poucos intelectuais politicamente empenhados e conferencistas políticos.
O que se passa quanto às classes educadas é que são profissionais académicos em tempo integral que pouco diferem na sua vida social e diária, pouco importando as suas filosofias ideológicas declaradas. A vasta maioria dos académicos de esquerda concebe o seu “activismo” como leitura de documentos uns para os outros em “fóruns sociais” de “esquerda”, os quais pouco diferem em formato e consequências das reuniões dos profissionais da corrente dominante.
Mesmo aqueles académicos quando tomam um papel político fazem-no principalmente em relação aos multimilionários altos dirigentes sindicais e ao seu leal aparelho. Em consequência, os académicos progressistas acabam por conseguir pouca penetração junto à vasta maioria de trabalhadores que estão fora dos sindicatos e cujas facções sindicais dissidentes desafiam o nexo corporativo sindicato/Partido Democrata.

Uma explicação alternativa para o “paradoxo”

Um dos problemas chave que inibe um entendimento do paradoxo é o tratamento do conceito chave – “crises”. Muitos autores concebem as “crises” de um modo “holístico”, presumindo que é “geral” ou “sistémica” e tem um efeito homogéneo sobre as classes média e trabalhadora. De facto a vasta maioria, digamos três quartos, não sofreu um impacto sério com as “crises”. Assumindo que os desempregados e o subempregados compreendam cerca de vinte por cento e acrescentando aqueles que sofreram grave mobilidade para baixo, ainda temos pelo menos 70 por cento cuja preocupação principal é manter sua posição “privilegiada” e desconectar-se daqueles que caíram para fora da órbita da sua classe social. Nos EUA, mais do que em qualquer outro país, as agudas diferenças internas entre empregados sub/desempregados levaram à “competição” e não à solidariedade. Na maior parte dos países do mundo, trabalhadores “desempregados” e “subempregados” podem esperar apoio, suporte activo dos trabalhadores sindicalizados; nos EUA uma vez que empregados da classe média e trabalhadores perdem o seu emprego e não podem pagar dívidas eles são abandonados. Mesmo em termos de vida social, familiar e de vizinhança, são vistos como um “custo”, uma drenagem potencial dos recursos daqueles que estão empregados. O empregado vê o desempregado e mal pago como um custo para a previdência, portanto um fardo tributário acrescido ao invés de um aliado na luta para fazer com que a elite corporativa pague impostos mais altos e reduza despesas de guerra. Impostos mais altos entre trabalhadores empregados significa fuga de capital; menores despesas militares significa poucos empregos na indústria de guerra.
A segmentação dentro da classe média e trabalhadora opera a muitos níveis. O mais gritante é entre a escala de pagamento de dirigentes sindicais de topo que ganham mais de US$ 300 mil mais benefícios e os desempregados/subempregados que vivem com menos de US$ 30 mil. Estas diferenças económicas são exibidas política e socialmente. O aparelho sindical compra “segurança de emprego” ao contribuir com dezenas de milhões principalmente para os democratas, para assegurar que os sindicatos mantêm a sua legalidade formal e direitos de negociação colectiva. Por outras palavras, os sindicatos dos “organizados”, 12% da força de trabalho, são “prisioneiros forçados” do estado “infestado de crises”, as quais excluem quaisquer novas iniciativas sociopolíticas que reflectiriam as exigências e os interesses dos sub/desempregados e trabalhadores não sindicalizados com baixa remuneração.
As classes média e trabalhadora sofrem o impacto das crises de modo diferente: aqueles com empregos e ligações ao Partido Democrata colocam as suas lealdades partidárias acima de qualquer noção de solidariedade de classe. Os que têm emprego não apoiam os desempregados – vêem-nos como competidores numa fatia de rendimento que se contrai.
Se examinarmos estes dois grupos em pormenor descobriremos que os mal pagos e ou sub/desempregados tendem a ser jovens com menos de 30 anos, negros, hispânicos e pais/mães solteiros; os empregados mais bem pagos das classes média e trabalhadora tendem a ser mais velhos, brancos educados e de procedência anglófona ou judaica. As divisões geracionais, raciais, étnicas desempenham um papel muito maior nos EUA do que em qualquer outra parte, devido ao apagamento da identidade de classe e de perspectivas, as quais diluíram qualquer noção de solidariedade de classe.
A segmentação da classe média e trabalhadora é aprofundada nos EUA pelo facto de que aqueles com emprego estável em muitos casos beneficiam das consequências adversas que afectam a mobilidade descendente (desemprego) dos empregados e trabalhadores.
Os arrestos hipotecários afectam mais de 10 milhões de famílias americanas incapazes de cumprirem os seus pagamentos. Bancos ansiosos por recuperar alguma parte dos seus empréstimos, põem à venda casas a preços drasticamente reduzidos. Empregados da classe média e trabalhadora ficam exultantes em comprar casas, mesmo quando membros da sua classe são expulsos para a rua ou para reboques de campismo. Não há movimento para impedir ou protestar contra os despejos por parte de vizinhos, colegas de trabalho e/ou parentes; ao invés disso são feitas investigações discretas acerca da data do leilão.
Trabalhadores mais bem pagos procuram obter bens de consumo mais baratos em super-lojas que empregam trabalhadores de salário mínimo. Os “interesses” dos trabalhadores são definidos pelos interesses imediatos do consumidor individual e não em termos da melhoria de interesses estratégicos resultando do poder social e político potencial de uma classe organizada.
Proprietários de casa das classes média e trabalhadora vêem-se como “contribuintes” aliados a magnatas corporativos e imobiliários no combate pela redução de impostos através de cortes na previdência e serviços sociais para a classe trabalhadora de baixa remuneração e os desempregados. O crescimento da revolta das classes superior e média contra o estado previdência é com efeito uma guerra de um segmento da classe contra outro. Claramente um segmento combate para apanhar as migalhas da boca do outro segmento.
Mesmo entre a classe trabalhadora organizada há segmentação. Grupos de trabalhadores sindicalizados do sector público mais bem pagos asseguram aumentos de pagamentos, pensões e planos de saúde através de luta colectiva, ignorando os interesses, pedidos e necessidades do mar de trabalhadores não sindicalizados, os quais estão em processo de mobilidade descendente ao pagarem impostos mais altos. Portanto as suas diferenças socioeconómicas foram politizadas pela direita – e os sectores público-privado das classes média e trabalhadora competem pelas migalhas de um orçamento em contracção.
Quando instalações públicas de saúde e educação declinam, as classes média e trabalhadora dividem-se entre aqueles que se voltaram para clínicas e escolas privadas e aqueles que permanecem dependentes de instalações públicas, baseadas em investimentos estatais. Os segmentos ligados ao “privado” rejeitam impostos para financiar o “público”, minando qualquer solidariedade de classe para melhorar o financiamento e a qualidade da saúde e educação públicas.

Conclusão

É claro que a crise do capitalismo provocou respostas contraditórias entre diferentes segmentos das classes média e trabalhadora com base no seu impacto diferencial. Ausência anterior de identidade de classe, divisão económica interna entre líderes e seguidores, divisões geracionais e lealdades partidárias minaram a solidariedade de classe e levaram a queixas inconsequentes e hostilidade difusa.
Competição – não solidariedade – dentro e entre as classes média e trabalhadora é razão da profunda imobilidade dos americanos face a uma crise económica prolongada e em aprofundamento.
Isto é assim agora e foi assim no passado. Haverá quaisquer perspectivas de um futuro diferente? Haverá qualquer possibilidade de unir segmentos das classe média e trabalhadora em alguma luta prolongada? Haverá caminhos alternativos para a solidariedade de classe e a mobilização popular?
O rumo mais promissor é começar ao nível local e regional e envolver em lutas organizações da comunidade local, dissidentes da base sindical e profissionais progressistas (advogados, médicos, etc.), os quais entram em sintonia com os grupos mais gravemente afectados que enfrentam desemprego, arrestos, ausência de planos de saúde, etc. Todos os inquéritos mostram uma profunda divergência entre a vasta maioria dos americanos e a elite política de ambos os partidos sobre questões de salvamentos bancários, isenções fiscais para os ricos, “reformas” (privatizações e reduções), Medicare, Medicaid e Segurança Social. Existem divergências sobre as perdas de vidas e as despesas das múltiplas e prolongadas guerras da América (Afeganistão). Referendos propondo (1) acabar com o tecto nas contribuições de segurança social para os ricos finalizariam a chamada “crise da segurança social”. (2) Um imposto de vendas sobre transacções financeiras financiaria o défice do Medicare. Investimentos públicos na nossa infra-estrutura em deterioração com base na transferência de fundos de guerra (US$790 mil milhões) criaria empregos, aumentaria a procura na economia interna e aumentaria a produtividade e competitividade da economia dos EUA. O apoio à saúde pública é uma questão que une a maior parte dos segmentos da classe média e trabalhadora, trabalhadores sindicalizados da saúde e organizações da comunidade numa confrontação potencial com a grande indústria farmacêutica e as corporações privadas das indústrias da saúde.
Um salário mínimo mais alto – arrancando nos US$12 por hora – podia mobilizar a maior parte dos segmentos das classes media e trabalhadora; iniciativas ao nível local podiam atrair trabalhadores imigrantes e nacionais com baixa remuneração.
Dados de entrevistas demonstram que a maior parte dos americanos tem atitudes aparentemente “contraditórias”: apoiam políticas progressistas e regressivas. Exemplo: muitos apoiam o Medicare e “pouco governo”, criação de emprego federal e redução do défice; tarifas de importação e importações de bens de consumo baratos. Um programa de educação política abrangente para activistas, que demonstrassem serem factíveis e financiáveis reformas sociais progressistas, pode ser convertido em organização e acção directa. Começamos com uma realidade objectiva, demonstrando que a crise contínua do capitalismo não atende e não pode atender as exigências mais elementares: empregos, habitação, segurança, paz e crescimento. Isso constitui uma grande vantagem sobre os advogados do sistema os quais argumentam em favor de medidas regressivas prolongadas e mais profundas no futuro previsível.
Em segundo lugar, começamos com a vantagem de saber que o país tem a riqueza, qualificação e recursos potenciais para ultrapassar as crises. Em terceiro, podemos argumentar a partir de programas populares relativamente bem sucedidos os quais têm um apoio amplo – segurança social, Medicare, Medicaid – como “exemplos” a estender a aprofundar na cobertura social.
Para a maior parte dos americanos o combate de hoje, para manter o que existe, é defensivo – esforços para preservar os últimos vestígios de organização independente, defender a segurança social, programas de saúde, educação pública razoável, pensões. A ofensiva corporativa está a “homogeneizar” cada vez mais as classes média e trabalhadora com os segmentos não organizados de baixa remuneração. Há cada vez menos “trabalhadores privilegiados” mesmo que eles ainda o não reconheçam.
A próxima extinção do sindicalismo do sector privado e da sua moribunda liderança milionária proporciona uma oportunidade para começar de novo com uma liderança horizontal, responsável para com os seus membros e integrada com organizações da comunidade de cooperativas, ecologistas, imigrantes e de consumidores. O que é absolutamente claro é que as “crises” sozinhas não resultarão em qualquer levantamento em massa; nem tão pouco “iluminados” académicos progressistas aninhados no seu micro-mundo oferecem qualquer liderança.
A estrada em frente começa com líderes locais a emergirem de coligações locais, a construírem organizações na base de iniciativas políticas e sociais independentes em sintonia com seus vizinhos, trabalhadores amigos e os americanos em mobilidade declinante, organizados e não organizados. Não vejo soluções fáceis ou rápidas para o “paradoxo” mas vejo condições objectivas para construir um movimento. Ouço uma multidão de vozes iradas e dissonantes. Acima de tudo, espero que os oprimidos cessem “arrancar as migalhas uns dos outros”.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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