terça-feira, 30 de agosto de 2011

A nova escravidão moderna: o consumo


Os riscos da busca de dinheiro fácil...
                    O golpe da HERBALIFE

                                                          UM POUCO DE HISTÓRIA
          
Sou engenheiro civil, formado pela UFRJ, com mais de 10 anos de carreira.
          Minha especialização em estruturas metálicas e de concreto armado me garantiu sempre uma boa posição profissional e respeito dos colegas.
          Possuía um bom emprego, casa própria, carro do ano, uma boa poupança, família com esposa e dois filhos.
          Era um ótimo estilo de vida, inalcançável à maioria dos brasileiros. Nada do que reclamar. Mas, por mais duro que seja admitir, existem em todos nós os vírus da AMBIÇÃO e da PREGUIÇA.

          Sinceramente falando: quem não quer ganhar mais e trabalhar menos?
          Por isso, sempre fiquei atento às oportunidades de negócios e franquias, pois tinha em mente ter uma atividade paralela para garantir uma segunda forma de renda e assegurar um futuro ainda mais confortável.

          A maioria das pessoas são atraídas para a Herbalife pela Internet, através de sites camuflados. Eles não dizem o nome da empresa e nem do que trata o negócio. Normalmente se identificam com nomes pomposos como WorkVip, STC, Gold Life, Sistema Trabalhe em Casa, SMD, e muitos outros disfarces...

          Da mesma forma fui atraído por um desses sites, mas não consegui saber, de forma alguma, do que se tratava o tal negócio antes de estar dentro.


          E, pra estar dentro, eu tinha que comprar algo chamado 'pacote de decisão'. Movido pela curiosidade decidi desembolsar cerca de R$ 50,00 para saber qual era esse negócio tão maravilhoso.

          Só aí, quando você já está 'amaciado' e já é presa fácil, é que a primeira pessoa "de carne e osso" aparece. Fui contatado pelo meu 'patrocinador', ou como dizem alguns, meu 'mentor', que iria me orientar em meus passos na empresa. Fiquei sabendo que precisava adquirir um kit de inscrição (esse sim, fornecido pela Herbalife) que custava 'apenas' R$ 120,00 e que era meu 'ingresso na empresa'. Além disso, se eu realmente quisesse ter sucesso precisaria participar de um STS, que custava mais R$ 120,00 por pessoa. Para levar minha mulher e meus dois filhos gastei nada menos do que R$360,00.

                                     ENVOLVIDO, FISGADO E FORA DE CONTROLE
          Em pouco tempo eu estava completamente envolvido. Vendi um de meus carros para comprar um estoque enorme de produtos e me tornar supervisor, pois meu 'mentor' garantiu que essa era a melhor forma de garantir o sucesso rapidamente. Passei a tentar vender os produtos e recrutar novos distribuidores. Não que seja impossível fazer essas duas coisas, mas, com absoluta certeza, é extremamente desgastante.
          Fiquei tão enfeitiçado com a Herbalife que passei a assediar as pessoas do meu círculo de relacionamento com esse assunto o tempo todo. Eu respirava Herbalife.
          Eu tinha certeza de que o mundo todo estava errado e que meus parentes e amigos eram 'cegos' por não enxergarem as maravilhas dos produtos e as vantagens da oportunidade de negócios que essa maravilhosa empresa (Herbalife) oferecia.
          Afinal, eu estava convencido de que estava lutando por um mundo melhor, que estava trabalhando para a melhor empresa do mundo, que tinha os melhores produtos e a melhor oportunidade de sucesso...
          Na prática, dinheiro que é bom, até ganhava, mas era menos do que eu tinha que gastar para manter a atividade. Ou seja, estava tendo prejuízo e gostava.

                                                    LADEIRA ABAIXO
          Toda a credibilidade que desenvolvi durante anos de carreira e convívio social começou a ser destruída. Passei a ser evitado pelos amigos e parentes. Já era conhecido como 'aquele chato da Herbalife' ou o 'Herbabaca'. Quando perdi meu emprego, ainda fui arrogante o bastante para dizer a todos que 'melhor assim, pois agora poderei me dedicar 100% à Herbalife'.
          Imaginei que agora sim, trabalhando em tempo integral, meu sucesso seria astronômico.
          Só que eu já estava trabalhando em tempo integral e não sabia, pois falava de Herbalife no trabalho, nos passeios, com a família...
          Ao perder o emprego não ganhei nenhum tempo adicional para a Herbalife e não tive nenhum incremento no ritmo de meus trabalhos.
          Por outro lado, meus gastos mensais com Herbalife eram enormes, e por mais que eu ganhasse algum dinheiro com a Herbalife, tudo, absolutamente tudo ia para garantir a continuidade do negócio.
          Só com o STS, panfletos, anúncio em jornal, Internet, telefonemas e gasolina eu gastava cerca de R$ 2.000,00 mensais, tudo com e pela Herbalife.

                                                ALGO CHEIRAVA A PODRE
          Quanto me tornei o que eles chamam de 'equipe mundial', 'algumas coisas' já começaram a aparecer. Nesse ponto você passa a ter treinamentos nos quais as coisas vão ficando mais claras. Você começa por saber que o sistema sobrevive às custas do dinheiro dos distribuidores. Se eles vendem ou não o produto é um mero detalhe, problema deles; o importante é que comprem, estoquem e joguem no lixo, se quiserem.
          Nas reuniões, cansei de ouvir a liderança dizer que 'nesse evento temos que convencer as pessoas a fecharem supervisão... '(que corresponde a comprar R$ 9.000,00 em produtos)'... pois isso nos garantirá quase R$ 1.000,00 em comissões', ou então 'precisamos convencê-los a trazer pelos menos 5 pessoas no próximo evento', ou ainda: 'temos que mexer com o sonho das pessoas; desse jeito a gente os convence a vender até a própria mãe'. Essas pérolas saíram das bocas dos digníssimos presidentes da Herbalife.

                                                       A REVELAÇÃO
          Quanto cheguei a GET (nível de gerência) entendi o que aconteceu com o meu 'mentor' e o que fez com que ele saísse da Herbalife.
          Nesse ponto você passa a ter acesso à maioria das verdades até então disfarçadas ou distorcidas. Nas reuniões das equipes 'TAB', que é como são chamadas as lideranças da Herbalife, não é raro ouvir termos do tipo 'fazer os trouxas soltarem o dinheiro' ou 'transformá-los em Herbalóides' ou então 'se o cara não tiver mesmo mais dinheiro então livre-se dele'. Isso tudo mostra que a Herbalife não é uma oportunidade para as pessoas melhorarem de vida e ganharem dinheiro, e sim para as pessoas que tem algum dinheiro, mesmo que de suas economias, injetarem tudo na Herbalife. Não importa se isso será bom pra elas ou não.

                                             A REALIDADE LHE CAIRÁ NA CABEÇA
          O golpe final aconteceu quando minhas finanças entraram em colapso.
          Isso, mesmo tendo me tornado GET e mesmo tendo o que todos consideravam um sucesso incrível na Herbalife.
          Aliás todos na Herbalife fingem ter um sucesso incrível, pois não querem desmotivar suas equipes.
          Além disso não querem ficar por baixo de todos outros, que também estão fingindo.
          Estava cada vez mais difícil vender os produtos e recrutar pessoas.
          A cidade onde eu morava estava absolutamente saturada de Herbalife. Os produtos, em contrapartida, cada vez mais raros. A Internet absolutamente poluída de sites da Herbalife, disfarçados ou não.
          Minha poupança havia secado. Cartão de crédito estourado. Minhas contas estavam todas atrasadas. O dinheiro saía em grandes quantidades para os gastos com a Herbalife (produtos, eventos, etc.) e entrava picadinho, bem aos poucos e o que sobrava mal cobria as despesas da casa.
          Insistir até o último instante, pois a lavagem cerebral era tão potente que eu sempre tinha a certeza de que faltava apenas mais um dia para que eu 'decolasse' na Herbalife. É como o jogador de Poker - 'vai ser na próxima cartada'.
          Minha esposa, que até então suportou e até ajudou em muitas de minhas loucuras, agora já não estava tão contente. Tive que colocar as crianças em uma escola muito inferior. Tudo isso somado ao pouco tempo que eu dedicava à família por estar sempre ocupado com a Herbalife, acabou por afetar até meu casamento.
          Era exatamente o oposto à qualidade de vida que haviam me prometido. Como acontece com 99,9% das infelizes vítimas dessa falcatrua, eu também naufraguei, e fundo.
          O pior é que isso faz parte do sistema, pois dessa forma o sistema se recicla e os desgastados são descartados.

          Os presidentes subsistem justamente por causa dessa reciclagem. Abaixo deles, os 'milionários' administram o resto da massa - dos GETs pra baixo...
          Esses se alternam ciclicamente, se desgastam e caem, mas antes deixando vários outros recrutados, que fazem com que esse sistema sórdido se perpetue. Como eles mesmos dizem nas reuniões: 'todos os meses milhares de brasileiros completam 18 anos, por isso nosso mercado é inesgotável', ou seja, todo dia haverá um novo otário para que lhe arranquemos as economias de uma vida.

                                                      EM RESUMO
          Antes da Herbalife eu era um engenheiro bem sucedido, com uma família feliz, uma vida confortável e dinheiro no banco.
          Hoje estou falido, devo para o banco, para o cartão de crédito, para parentes e amigos e não tenho a mínima perspectiva de poder saldar tais dívidas.
          Perdi os dois carros que tínhamos, perdi o emprego, corro o risco de perder a esposa que agora mora com os pais, junto com meus filhos, por absoluta falta de condições de sustentabilidade aqui em casa.
          Meus amigos me odeiam, meus ex-colegas de trabalho têm pena e não confiam mais em mim.
          Minha família acha que enlouqueci e que estou colhendo os frutos dessa loucura. Todos têm razão!
          Fui enlouquecido por um esquema maldito e criminoso, organizado de forma ardilosa e inteligente por uma quadrilha muito bem organizada.
          Esses bandidos usam roupas de grife, têm curso superior, falam inglês e tem ótima aparência. A maioria deles figura nesses sites como testemunhos de como o sistema funciona.
          Sim, funciona para eles, e para alguns poucos selecionados de seu próprio círculo de influências. Os outros serão apenas espremidos e seus bagaços descartados como lixo.
          Parte do dinheiro ficará com esses crápulas, enquanto outra parte vai para fora do Brasil, para a Herbalife nos Estados Unidos.
          Até nesse ponto somos duplamente prejudicados, pois são nossas divisas escoando para o exterior, de uma forma direta e contínua, às custas da miséria e sofrimento dos distribuidores. Sem dúvida uma atividade criminosa e cruel.

                                                       LAVAGEM CEREBRAL
          
Um site americano anti-herbalife define muito bem: 'Herbalife é uma armadilha emocional e financeira'.        Distribuidores da Herbalife são como ovelhas. Os líderes são lobos que, antes de comê-las, as ensinam a trazer mais ovelhas. Dessas novas, eles comem algumas e ensinam as outras a trazerem mais, e assim por diante...
          Os lobos não precisam sequer sair da toca. As próprias ovelhas irão trazer mais ovelhas. Se uma dessas ovelhas for bastante eficiente e trouxer centenas de outras ovelhas, poderá um dia transformar-se em lobo em a partir daí, ela também passará a comer ovelhas.
          É por isso que a liderança raramente se expõe. Suas ovelhas são seus 'testas-de-ferro', descartáveis e substituíveis.
          A liderança não precisa vender produtos, nem entregar panfletos, nem fazer spam na internet, muito menos ouvir insultos ou levar calotes dos clientes.
          Eles têm um batalhão de ovelhas fazendo tudo isso para e por eles, e cada um usando seus próprios recursos. São mais que escravos, são empregados que pagam para trabalhar.
          Alguns líderes da Herbalife ainda obtém um lucro adicional, vendendo para seus subalternos livros, CDs, camisetas, broches, adesivos e outras quinquilharias.
          Mas não de forma natural e sim, compulsória, afinal 'quem não comprar hoje 20 camisetas não está comprometido com o negócio'.
          Na Herbalife tudo funciona assim, 'rápido, rápido, rápido', sem tempo pra pensar.
          Eles lhe dirão que o momento é agora, que só trabalham seriamente com pessoas de decisão rápida e que esse é um dos fatores da 'seleção'.
          Que piada! Na verdade eles não querem que você tenha tempo para pensar, analisar e investigar.

          Tenho certeza de que muitos distribuidores da Herbalife, novatos ou veteranos, estão me amaldiçoando ao lerem essas palavras. Eles defendem a Herbalife como uma religião, como um time de futebol.
          Não há mais espaço para a razão, apenas para um emocionalismo inflamado, como se fosse uma seita de fanáticos.
          Não é raro ver pessoas dignas, senhoras e doutores, dançando músicas do Village People nos palcos dos eventos da           Herbalife pois, de acordo com a liderança 'Quem não dança o YMCA não vira presidente!'
          São completamente manipulados.
          É o cúmulo da degradação da dignidade humana.
       Você pode fazer a diferença ajudando na divulgação desta mensagem para que cada vez menos pessoas (ambiciosos babacas) caiam nesse golpe. 

Recebido por email, o autor não se identificou

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Mas Que Coisa!

Por Sergio Weber, Professor Estadual no blog  14NUCLEOCPERS 

A palavra "coisa" é um Bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português.

A natureza das coisas: gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há "coisar": "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?".

Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as "coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha. Em Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu estandarte.

Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande, há também o Segura a Coisinha.

Na literatura, a "coisa" é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica O Coisa em 1943. A Coisa é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu A Força das Coisas, e Michel Foucault, As Palavras e as Coisas.

Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é chamado de "a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".

Devido lugar
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)". A garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca." Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.

Sampa também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).

Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! A Coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".

Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira "coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB.

No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".

Cheio das coisas
As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não se esquece, Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coisas. Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade (afinal, "são tantas coisinhas miúdas"). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô coisinha tão bonitinha do pai"). Todas as Coisas e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa... Já qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música Qualquer Coisa, de Caetano, que canta também: "Alguma coisa está fora da ordem."

Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.

A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a coisa vai." Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!

Coisa à toa
Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira "cousa".

Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para ser usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.

Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas".
ENTENDEU O ESPÍRITO DA COISA?

O Terrorismo de estado Americano ameaça a Humanidade e impede a Paz



Miguel Urbano Rodrigues * Odiario.info

O Irão, por não capitular perante as exigências do sistema de Poder hegemonizado pelos EUA, é há anos alvo permanente da hostilidade dos EUA. Washington tem saudades do governo vassalo do Xá Pahlevi e cobiça as enormes reservas de gás e petróleo iranianas.

A humanidade enfrenta a mais grave crise de civilização da sua história. Ela difere de outras, anteriores, por ser global, afectando a totalidade do planeta. É uma crise política, social, militar, financeira, económica, energética, ambiental, cultural.
O homem realizou nos últimos dois séculos conquistas prodigiosas. Se fossem colocadas a serviço da humanidade, permitiriam erradicar da Terra a fome, o analfabetismo, as guerras, abrindo portas a uma era de paz e prosperidade.
Mas não é o que acontece. Uma minoria insignificante controla e consome os recursos naturais existentes e a esmagadora maioria vive na pobreza ou na miséria.
O fim da bipolar idade, após a desagregação da URSS, permitiu aos Estados Unidos adquirir uma superioridade militar, política e económica enorme que passou a usar como instrumento de um projecto de dominação universal. As principais potências da União Europeia, nomeadamente o Reino Unido, a Alemanha e a França tornaram-se cúmplices dessa perigosa política.
O sistema de poder que tem o seu pólo em Washington, incapaz de encontrar solução para a crise do seu modelo, inseparável da desigualdade social, da sobreexploraçao do trabalho e do esgotamento gradual dos mecanismos de acumulação, concebeu e aplica uma estratégia imperial de agressão a povos do chamado Terceiro Mundo.
Em guerras ditas de baixa intensidade, promovidas pelos EUA e seus aliados, morreram nos últimos sessenta anos mais de trinta milhões de pessoas. Algumas particularmente brutais, definidas como «preventivas» visaram o saque dos recursos naturais dos povos agredidos.
Reagan criou a expressão «o império do mal» para designar a URSS no final da guerra-fria. George Bush pai vulgarizou o conceito de «estados canalhas» para satanizar países cujos governos não se submetiam às exigências imperiais. Entre eles incluiu o Irão, a Coreia Popular, a Líbia e Cuba.
Em Setembro de 2001, após os atentados que destruíram o World Trade Center e demoliram uma ala do Pentágono, George W. Bush (o filho) utilizou o choque emocional provocado por esse trágico acontecimento para desenvolver uma estratégia que fez da «luta contra o terrorismo» a primeira prioridade da política estado-unidense.
Uma gigantesca campanha mediática foi desencadeada, com o apoio do Congresso, para criar condições favoráveis à implantação da política defendida pela extrema-direita. Segundo Bush e os neocon, «a segurança dos EUA» exigia medidas excepcionais na esfera internacional e na interna.
Os grandes jornais, as cadeias de televisão, as rádios, a explorando a indignação popular e o medo, apoiaram iniciativas como o Patriot Act que suspendeu direitos e garantias constitucionais, legalizando a prática de crimes e arbitrariedades. A irracionalidade contaminou o mundo intelectual e até em universidades tradicionais professores progressistas foram despedidos e houve proibição de livros de autores célebres.
A campanha adquiriu rapidamente um carácter de caça às bruxas, com perseguições maciças a muçulmanos. Uma vaga de anti-islamismo varreu os EUA, com a cumplicidade dos grandes media. O Congresso legalizou a tortura.
No terreno internacional, o povo do Afeganistão foi a primeira vítima da «cruzada contra o terrorismo». Os EUA, a pretexto de que o governo do mullah Omar não lhe entregava Bin Laden- declarado inimigo numero um de Washington - invadiu, bombardeou e ocupou aquele pais.
Seguiu-se o Iraque após uma campanha de desinformação de âmbito mundial. O Governo de Bagdad foi acusado de acumular armas de extermínio massivo e de ameaçar portanto a segurança dos EUA e da Humanidade. A acusação era falsa, como se provou mais tarde, e os EUA não conseguiram obter o apoio do Conselho de Segurança. Mas, ignorando a posição da ONU, invadiram, vandalizaram e ocuparam o país. Inicialmente contaram somente com o apoio do Reino Unido.
Crimes monstruosos foram cometidos no Afeganistão e no Iraque pelas forças de ocupação. A tortura de prisioneiros no presidio de Abu Ghrabi assumiu proporções de escândalo mundial. Ficou provado que o alto comando do exército e o próprio secretário da Defesa, Donald Rumsfeld tinham autorizado esses actos de barbárie. Mas a Justiça norte-americana limitou-se a punir com penas leves meia dúzia de torcionários.
Simultaneamente, milhares de civis, acusados de «terroristas» -muitos nunca tinham sequer pegado numa arma - foram levados para a base de Guantanamo, em Cuba, e para cárceres da CIA instalados em países da Europa do Leste.
As Nações Unidas não somente ignoraram essas atrocidades como acabaram dando o seu aval à instalação de governos títeres em Kabul e Bagdad e ao envio para ali de tropas de muitos países. No caso do Afeganistão, a NATO, violando o seu próprio estatuto, participa activamente, com 40 000 soldados, da agressão às populações. Dezenas de milhares de mercenários estão envolvidas nessas guerras.
Em ambos os casos, Washington sustenta que essas guerras preventivas representam uma contribuição dos EUA para a defesa da liberdade, da democracia, dos direitos humanos e da paz e foram inspiradas por princípios e valores éticos universais. O presidente Barack Obama, ao receber o Premio Nobel da Paz em Oslo, defendeu ambas, num discurso farisaico, como serviço prestado à humanidade. Isso no momento em que decidira enviar mais 30 000 soldados para a fogueira afegã.
Os factos são esses. Apresentando-se como líder da luta mundial contra o terrorismo, o sistema de Poder dos EUA faz hoje do terrorismo de Estado um pilar da sua estratégia de dominação.
A criação de um exército permanente em África - o Africom – os bombardeamentos da Somália e do Iémen, a participação na agressão ao povo da Líbia inserem-se nessa politica criminosa de desrespeito pela Carta da ONU.
Mas a ambição de poder absoluto de Washington é insaciável.
O Irão, por não capitular perante as exigências do sistema de Poder hegemonizado pelos EUA, é há anos alvo permanente da hostilidade dos EUA. Washington tem saudades do governo vassalo do Xá Pahlevi e cobiça as enormes reservas de gás e petróleo iranianas.
A campanha de calunias, apoiada pelos media, repete incansavelmente que o Irão enriquece urânio para produzir armas atómicas. A acusação é gratuita. A Agencia Internacional de Segurança Atómica não conseguiu encontrar qualquer indício de que o país esteja a utilizar as suas instalações nucleares com fins militares. O presidente Ahmanidejah, alias, de acordo com o Brasil e a Turquia, numa demonstração de boa fé, propôs-se a enriquecer o urânio no exterior. Mas essa proposta logo foi recusada por Washington e pelos aliados europeus.
Sobre as armas nucleares de Israel, obviamente, nem uma palavra. Para os EUA, o Estado sionista e neo fascista, responsável por monstruosos crimes contra os povos do Líbano e da Palestina, é uma democracia exemplar e o seu melhor aliado no Médio Oriente.
O agravamento das sanções que visam estrangular economicamente o Irão é acompanhado de declarações provocatórias do Presidente Obama e da secretaria de Estado Clinton, segundo as quais «todas as opções continuam em aberto», incluindo a militar. Periodicamente jornais influentes divulgam planos de hipotéticos bombardeamentos do Irão, ou pelos EUA ou por Israel, sem excluir o recurso a armas nucleares tácticas. O objectivo é manter a tensão na guerra não declarada contra um pais soberano.
Lamentavelmente, uma parcela importante do povo dos EUA assimila as calunia anti iranianas como verdades. A maioria dos estadounidenses desconhece a gravidade e complexidade da crise interna. A recente elevação do teto da divida publica de mais de 14 biliões de dólares para 16 biliões - total superior ao PIB do pais – é, porem, reveladora da fragilidade do gigante que impõe ao mundo uma politica de terrorismo de estado.
Entretanto, o discurso oficial, invocando os «pais da Pátria», insiste em apresentar os EUA como o grande defensor da democracia e das liberdades, vocacionado para salvar a humanidade
Sem o controlo pelo grande capital da esmagadora maioria dos meios de comunicação social e dos áudio visuais pelo sistema de poder imperial, a manipulação da informação e a falsificação da História não seriam possíveis. Um instrumento importante nessa politica é a exportação da contra-cultura dos EUA, país-registe-se-onde coexiste com a cultura autêntica.
A televisão, o cinema, a imprensa escrita e, hoje, sobretudo a Internet cumprem um papel fundamental como difusores dessa contra cultura que nos países industrializados do Ocidente alterou profundamente nos últimos anos a vida quotidiana dos povos e a sua atitude perante a existência.
A construção do homem formatado principia na infância e exige uma ruptura com a utilização tradicional dos tempos livres. O convívio familiar e com os amigos é substituído por ocupações lúdicas frente à TV e ao computador, com prioridade para jogos violentos e filmes que difundem a contra cultura com prioridade para os que fazem a apologia das Forças Armadas dos EUA.
A contra cultura actua intensamente no terreno da musica, da canção, das artes plásticas, da sexualidade. A contra musica que empolga hoje multidões juvenis é a de estranhas personagens que gritam e gesticulam, exibindo roupas exóticas, berrantes em gigantescos palcos luminosos, numa atmosfera ensurdecedora, em rebeldia abstracta contra o vácuo.
O jornalismo degradou-se. Transmite a imagem de uma falsa objectividade para ocultar que os media ao serviço da engrenagem do poder insistem, com poucas excepções, em justificar as guerras americanas como «cruzada anti-terrorista» em defesa da humanidade porque os EUA, nação predestinada, batalhariam por um mundo de justiça e paz.
É de justiça assinalar que um número crescente de cidadãos americanos denunciam essa estratégia de Poder, exigem o fim das guerras na Ásia e lutam em condições muito difíceis contra a estratégia criminosa do sistema de poder.
Nestes dias em que se multiplicam as ameaças ao Irão, é minha convicção de que a solidariedade actuante com o seu povo se tornou um dever humanista para os intelectuais progressistas.Visitei o Irão há cinco anos. Percorri o pais de Chiraz ao Mar Cáspio. Escrevi sobre o que vi e senti. Tive a oportunidade de verificar que é falsa e caluniosa a imagem que os governos ocidentais difundem do país e da sua gente. Independentemente da minha discordância de aspectos da politica interna iraniana nomeadamente os referentes à situação da mulher - encontrei um povo educado, hospitaleiro, generoso, amante da paz, orgulhoso de uma cultura e uma civilização milenares que contribuíram decisivamente para o progresso da humanidade.
Para mim o Irão encarna muito mais valores eternos da condição humana do que a sociedade norte americana, cada vez mais robotizada.


*Este texto foi enviado ao Festival Internacional Justiça e Paz que se realizará no Irão em Outubro próximo

Alunos de baixa renda recebem menos conteúdo, aponta pesquisa



Apenas uma em cada seis escolas públicas do país que recebem alunos de classes sociais mais baixas consegue cumprir mais de 80% do conteúdo previsto para o ano letivo. Já entre as unidades escolares onde estudam as crianças de nível social mais elevado, essa taxa sobe para 45,2% - ou seja, metade das escolas que têm as matrículas de alunos com melhores condições socioeconômicas conseguem cumprir quase todo o currículo.


Os dados fazem parte de um tabelamento dos microdados da Prova Brasil 2007 feito pelo pesquisador Ernesto Martins Faria, do site Estudando Educação. Os dados de 2009 ainda não foram divulgados e não há previsão de publicação.

Faria levou em conta os questionários socioeconômicos que compõem a avaliação. Foram consideradas todas as 47.976 escolas que fizeram a prova. Delas, 11.994 têm alunos com condições socioeconômicas precárias matriculados.

A maior parte dessas escolas se situa nas Regiões Norte e Nordeste do País. Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins têm pelo menos uma escola pública com esse perfil.

Para Faria, a situação é preocupante porque os alunos que são atendidos nessas escolas são justamente os que chegam mais defasados. São esses que mais necessitam de atenção porque, normalmente, vêm de famílias em que os pais têm escolaridade baixa, explica.

Para ele, o contexto se agrava porque essas escolas são aquelas que não apresentam uma infraestrutura de qualidade - geralmente, não têm grandes bibliotecas, prédios em condições adequadas e boas equipes pedagógicas. O aluno precisa estudar numa escola onde ele sinta que há incentivo. Não é o que acontece numa escola que não dá todo o conteúdo programado.

Problemas. O não cumprimento do currículo escolar nesses colégios pode ter origem em diversas fontes, segundo os especialistas. As faltas dos alunos são apontadas como um dos fatores e podem ocorrer por diversos motivos, como a dificuldade de acesso ao colégio - em municípios do interior do País, por exemplo - e as condições ruins de infraestrutura da escola - que não são suficientes para garantir as aulas.

É claro que entre o que está programado e o que é cumprido existe sempre uma diferença, afirma Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Mas existem escolas onde faltam luz e cadeiras.

O absenteísmo dos docentes também aparece entre as possíveis causas. As escolas situadas nas regiões mais pobres têm mais dificuldades para atrair e manter professores, afirma Alavarse. Tudo isso pesa no conteúdo a ser desenvolvido.

Antonio Batista, coordenador de desenvolvimento de pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), chama a atenção para o fato de que o Brasil não tem um currículo único - ou seja, cada cidade e Estado tem suas próprias programações de conteúdos.

Em tese, o não cumprimento do currículo significa menos conteúdo e um cerceamento do direito da criança a uma aprendizagem de qualidade, afirma.

Apesar disso, em certos casos, cumprir todo o currículo não implica necessariamente que a criança aprenda tudo, porque, para alcançar a abordagem completa de currículos muito extensos, o ensino pode se tornar muito superficial ou sobrecarregar a criança de informações.

Para os pesquisadores, procurar soluções para resolver o quadro passa por meios que fixem o professor nessas escolas. Em vez de dar bônus, o melhor seria investir na melhoria da infraestrutura e dar adicionais a esses docentes dentro de uma política de carreira, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Pesquisa Prova Brasil

A pesquisa dividiu as escolas que participaram da Prova Brasil em quatro faixas de renda, de acordo com a quantidade de bens que os alunos declararam possuir - como TV, rádio, carro e geladeira, por exemplo. Entraram também nessa conta o serviço de empregada mensalista e a quantidade de banheiros de cada casa.

A somatória de todos os itens deu uma pontuação a cada aluno, que foram divididos em quartis de acordo com a classe socioeconômica.

A Prova Brasil avalia, de dois em dois anos, os alunos de 5.° e 9.° anos do ensino fundamental da rede pública. Além das questões de matemática e língua portuguesa, os estudantes respondem a questionários socioeconômicos que podem ser associados ao desempenho deles na avaliação. Professores e diretores também respondem a questionários.

Fonte: O Estado de S. Paulo via PORTAL VERMELHO

Venezuela: um país mudando o eixo

Escrito por Alexandre Haubrich, de Caracas, para o Correio da Cidadania   

 
Em um pequeno mercado de um bairro na região oeste da cidade, não se pode comprar duas caixas de leite. Uma caixa por pessoa é o limite determinado pela senhora que atende atrás do balcão gradeado. O motivo comentado pelas ruas: mais um boicote das distribuidoras de alimento ao tabelamento dos preços da cesta básica. O racionamento informal não é novidade na Venezuela. O enfrentamento entre o governo do presidente Hugo Chávez e setores do empresariado ligados à oposição é intermitente, e perpassa toda a sociedade venezuelana nas grandes e nas pequenas ações.

Os boicotes da oposição são uma realidade na Venezuela. Havia o boicote ao processo eleitoral, que terminou no ano passado com a participação nas eleições de deputados. Mas seguem se repetindo casos de boicote alimentar. O sufocamento e a queda de popularidade do presidente são os objetivos. A resposta do governo vem na forma de incentivos morais – e institucionais – às tomadas de fábricas pelos trabalhadores e à criação de cooperativas que produzam e distribuam alimentos. Nas estações de metrô que ligam uma ponta da cidade à outra, painéis destacam o aumento de produtividade nas indústrias ocupadas pelos trabalhadores e mostram operários felizes com seu trabalho. Todos os painéis, como muitas outras coisas em Caracas, carregam um slogan como uma marca do sucesso da revolução: “Hecho en socialismo”. 


A Praça Bolívar cheia para comemorar o aniversário do presidente

Caracas está profundamente dividida. Não há meio termo: ou se está com o processo revolucionário ou se está contra ele. Em cada um desses grandes grupos existem variações de comprometimento e ideário, mas ninguém está indiferente às mudanças ocorridas na Venezuela desde que o Comandante Hugo Chávez venceu sua primeira eleição, em 1998. Na verdade, o processo já iniciara antes, com o Caracazo de 1989 – uma rebelião popular contra o governo de Carlos Andrés Pérez – e a tentativa de Chávez de tomar o poder pelas armas em 1992. Mas o avanço institucional da revolução bolivariana teve como impulso a chegada do Comandante à presidência e a divisão política que tomou conta do país a partir daí.

Na capital, o chavismo se espraia pela região central e pelo oeste da cidade. A leste, redutos de anti-chavismo, de defesa do neoliberalismo e até de certa indiferença política. Porém, sempre com o ódio por Chávez à flor da pele. Não é desgosto, não é indiferença. As elites venezuelanas nutrem verdadeiro ódio pelo líder idolatrado pelo povo. Povo este que não deixa por menos, e devolve o ódio das elites com ódio às elites. E com ainda mais respeito por Chávez.

O aniversário do presidente, comemorado no dia 28 de julho, foi momento de grande comoção popular em Caracas. Em frente ao Palácio Miraflores, a sede do governo federal, milhares de pessoas se aglomeraram para ouvir Chávez falar. Na Praça Bolívar, centro político da cidade, outras milhares participaram das comemorações cantando, dançando e ouvindo poesias e discursos. Pessoas de todas as idades, vestidas com as cores da Venezuela ou com o vermelho revolucionário. Nem a chuva e o calor que se alternaram durante todo o dia fizeram o povo se recolher. O gigante que esse povo tem vencido dia-a-dia é muito maior do que o clima instável. 


Painel no metrô comemora controle operário em fábrica ocupada

Foram espalhados pela Praça Bolívar alguns painéis para que fossem deixados recados de aniversário ao presidente. Mas o povo segue sua própria ordem, sua própria lógica, e os desejos de saúde e muitos anos de vida se direcionaram menos ao aniversário de Chávez do que à doença que o líder enfrenta. Sobre o câncer muito se fala e pouco se diz efetivamente. A oposição já oscilou entre acusar Chávez de inventar a doença e defender a idéia de que ele não terá condições de saúde para seguir no poder. O governo, por sua vez, divulgou que Chávez estava saudável quando já sabia da doença. Nenhuma informação sobre o assunto é confiável, de lado a lado. Nenhuma informação sobre qualquer assunto repassada pela oposição é confiável.

O discurso anti-chavista ganha forte eco nos meios de comunicação privados. Globovisión e Venevisión lideram os ataques desde que a concessão da RCTV venceu e não foi renovada, em 2007. Não há a falsa neutralidade que caracteriza parte da mídia brasileira. A mídia privada venezuelana é abertamente contra o governo, assim como a mídia estatal é abertamente a favor. Há ainda um crescimento importante da chamada “mídia alternativa, comunitária e independente”. Em dez anos, o número de rádios comunitárias saltou de zero para quatrocentas, e o número de emissoras de TV comunitárias foi de zero para cinqüenta. O governo apóia esses veículos, que por sua vez apóiam o governo – mas de forma extremamente crítica. O apoio é ao “processo”, não necessariamente a Chávez.

A mídia comunitária é construída pelo povo, mas a participação popular não se esgota aí. Os Conselhos Comunais são um mecanismo importante de inclusão das comunidades no processo decisório e o interesse é efetivo. Há dificuldades, há uma burocracia corrupta no meio do caminho entre o poder popular e o governo, mas as pontes vão sendo construídas – e derrubadas – na dinâmica do processo. 


Che e Lênin nos muros de Caracas

Parte importante dessa dinâmica são as diversas organizações sociais espalhadas pela Venezuela, incluindo um grande número de coletivos operando em Caracas. Tais coletivos levam variadas oficinas às comunidades, de forma que possuem papel importante na formação política dos venezuelanos. São oficinas culturais, que vão desde a operação de rádios comunitárias até o hip hop e o circo, sempre de forma politizada e politizante, sempre com um fundo político fundamental. Os coletivos são, de modo geral, independentes do governo, mas muitos trabalham ombro a ombro com a parte institucional da revolução. Os muros grafitados estão por toda Caracas lembrando à população sua própria história e a luta atual, com referências a Bolívar, Sucre, Miranda, Che Guevara, Fidel Castro e Hugo Chávez.

Com as oficinas, a mídia alternativa e os muros, a política está por todos os lados. A polarização não deixa espaço para meios termos ou para a indiferença. Às vezes Chávez segue o povo, às vezes o povo segue Chávez. Liderança e liderados, lideranças e liderado, difícil determinar até que ponto as ordens vêm de baixo, até que ponto vêm de cima. Fato é que, nos últimos anos, a Venezuela se reinventou. Nas praças, discute-se o rumo do país, o petróleo e a revolução. “Há dez anos éramos todos ignorantes” é uma frase que se ouve facilmente, sempre complementada com o olhar sonhador da mudança em processo: “hoje sabemos quem somos e pra onde queremos ir”.


Alexandre Haubrich é jornalista e editor do Jornalismo B.

domingo, 28 de agosto de 2011

Da necessidade de um novo paradigma para a Segurança Pública no Brasil


Os partidos vistos, ou que se apresentam como partidos de esquerda, não disputaram a visão de segurança pública e de polícia com a direita, da mesma forma que ainda disputam educação, saúde e desenvolvimento com os setores conversadores da nossa sociedade.


“Passamos os anos da ditadura encarando os policiais como repressores e defendemos os direitos humanos, mas nos esquecemos dos direitos humanos dos próprios policiais” (Marcos Rolim)

INTRODUÇÃO
Não é por acaso que no imaginário popular os heróis são os policiais como os “Capitães Nascimento” (no que se refere ao primeiro filme Tropa de Elite), e que as torturas e até mesmo os assassinatos no referido filme sejam ovacionadas pela grande maioria.

Também não é por acaso que as redes de comunicação tem como grande atração programas - campeões de audiência - que sensacionalizam a violência. Mostrando perseguições em viaturas, entradas em residências e prisões, tudo ao vivo, com a narração “espetaculoza” de apresentadores que usam termos como vagabundos, chibungos, filhos do ECA, bandidagem etc.

A vitória destes programas e personagens, fictícios ou reais, é fruto da nossa derrota enquanto campo político. Temos que ter maturidade para avaliarmos qual nossa contribuição e/ou omissão neste quadro. Um reconhecimento que manifeste posicionamento crítico e político, sem dramatizações e sem dar a este fato maior ou menor importância que realmente o tenha. A óbvia relação entre omissão e efeito, causa e conseqüência.

Os partidos vistos, ou que se apresentam como partidos de esquerda (PT, PC do B, PSB, para falar dos mais antigos), não disputaram a visão de segurança pública e de polícia com a direita, da mesma forma que ainda disputam educação, saúde e desenvolvimento com os setores conversadores da nossa sociedade.

Tal omissão é que fortaleceu e ainda fortalece a visão de que bandido bom é bandido morto, que devemos ter prisão perpétua e de pena morte, que deve-se reduzir a menor idade penal, e até mesmo o posicionamento de não descriminalizar o aborto, haja vista que esta discussão – mesmo contendo posicionamentos machistas e religiosos - esta diretamente relacionada com a visão maximizadora do direito penal. Estado mínimo e direito penal máximo.

Aliás, a história das administrações dos partidos conservadores ou programáticamente de direita, (no Brasil mais especificamente DEM, PSDB) nos demonstrou esta estreita e, para eles, quase necessária relação: quanto menos Estado, mais Direito Penal, quanto menos políticas sociais, mais repressão policial, quanto menos distribuição de renda, mais presídios e presidiários, ou seja, quanto menos Estado tivermos mais os mecanismos de repressão – direito penal e polícias – são chamados para atuarem na sua ausência.

A esquerda brasileira disputou com organização e propriedade os vários setores do mundo do trabalho, tal organização resultou na criação da Central Única dos Trabalhadores, e da própria Força Sindical, e, mais atualmente, da CONLUTAS. Cada central sindical tendo majorativamente as influências do PT, PDT e PSTU, respectivamente.

Estas centrais sindicais nasceram com o objetivo de organizar e dirigir os trabalhadores no país, influenciando – logicamente - nas políticas públicas de cada setor trabalhista, ou se preferirem, de cada profissão ou categoria de trabalhadores.

O referido campo político também disputou e disputa os grêmios estudantis, os diretórios acadêmicos, os sindicatos de professores (aqui no estado sempre sendo maioria no CPERS- Sindicato), mas, no entanto não disputaram, e não disputam com a mesma ferocidade e organização, as associações dos servidores da área de segurança pública. A omissão de uma intervenção política, conjunta e organizada neste setor foi o que tornou a direita hegemônica, pois atuava (e de certa forma ainda atua) sem concorrência.

Acreditamos que a visão majoritária sobre segurança publica, a qual não compactuamos, tem sua maior explicação na falta de atuação conjunta e organizada dos partidos de esquerda (e/ou centro-esquerda) e dos setores mais progressistas.

Observamos um revelador e interessante debate no jornal Zero Hora entre o ex Deputado Federal do PT Marcos Rolim e o Cel. Mendes, ex Comandante da Brigada Militar do Governo de Yeda Crusius do PSDB, sobre o que seria ter vocação para ser policial. Debate este que desnuda a base teórica e ideológica nas posições antagônicas dos debatedores e que pode servir de norte para sabermos o tamanho da luta e da disputa ferrenha que temos pela frente [1] .

Há de se ter uma visão estratégica para esta área problemática e importante da sociedade brasileira. Para tal propósito é mister fazer disputas programáticas que tenham, entre outras medidas:

i- produção teórica, no sentido de pesquisas e artigos dentro e fora do mundo acadêmico;

ii- apropriação da sociedade civil e de todos os órgãos da administração pública direta e indireta, no que se refere a não “guetizar” o saber e o viver da segurança pública;

iii- e principalmente aproximação com os servidores da segurança pública, que em última análise são os administradores e executores da política de segurança pública. No sentido de formação e capacitação política, bem como colocação em espaços políticos partidários e demais estruturas, como acontece com professores, profissionais da comunicação, administradores, juristas etc.

Os candidatos de esquerda, ao executivo ou legislativo, sempre mostraram domínio em assuntos como saúde, educação, moradia, reforma agrária, desenvolvimento sustentável, no entanto, encontravam dificuldades na temática segurança pública, nada mais revelador para a compreensão do distanciamento real e equivocado deste campo político haja vista que tal fragilidade não é exclusividade de um só partido.

Neste sentido o governo Lula revolucionou o ver e o fazer a segurança pública no país. Tal mutação começou com o então Ministro da Justiça Marcio Thomas Bastos, se solidificando e aprofundando com seu sucessor, Tarso Genro.

O governo Lula é um marco pois tranformou a relação do governo federal com os governos dos Estados e do Distrito Federal e até mesmo os municípios dando uma outra abordagem hermenêutica ao artigo 144 da Constituição Federal.

A implantação dos programas como PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), UPP (Unidades de Polícias Pacificadoras), mudaram concretamente a atuação dos servidores da segurança pública, bem como, as relações entre União e Estados Membros e ainda, as estatísticas da violência e da criminalidade.

Os desafios

É necessário pautar, disputar organizadamente uma nova relação entre sociedade e Estado.

As disputas coorporativas, aliado a uma frágil militância impediram avanços nas reformulações das instituições, neste sentido - o das reformas - há uma dívida real com instituições como polícia civil e polícia militar.
Os aperfeiçoamentos institucionais feitos pela Constituição Federal de 1988 deixaram de fora - erroneamente - às polícias estaduais. Se analisarmos, mesmo que superficialmente, o que era o Ministério Público antes, e no que se transformou após a promulgação da nova e atual Constituição, veremos o quanto progrediu e o quanto acompanhou a nova visão jurídica e social estabelecida com a nova proposta de ordenamento jurídico.

No entanto, as polícias, civil e militar, ainda usam os mesmos métodos ultrapassados, ainda tem a mesma estrutura administrativa e operacional, ainda formam, com as mesmas ideologias seus quadros técnicos, de soldado a coronel, e de investigador e/ou escrivão a delegado.

Tal afirmação é confirmada num importante estudo intitulado “O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil” [2]. Pesquisa que foi feita com 64 mil policiais em todo o país pelo Ministério da Justiça e em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Com 115 páginas, o estudo mostra em números como o Policial brasileiro é despreparado, e humilhado por seus superiores, torturados nas corporações e discriminado na sociedade, Lembra Nelito Fernandes da Revista Época.

Se o diagnóstico feito pelos próprios agentes é confiável, diz Marcos Rolim, a situação que eles vivem é desalentadora:

Um em cada três policiais afirma que não entraria para a polícia caso pudesse voltar no tempo. Para muitos deles, a vida de policial traz mais lembranças ruins do que histórias de glória e heroísmo.

A pesquisa revela que 20% dos agentes de segurança afirmam terem sido torturados durante treinamento, isto é, um em cada cinco.

Além da tortura, os policiais são vítimas de assédio moral e humilhações em todos os níveis, de soldado a coronel.

Salário baixo, corrupção, assédio moral, rispidez, insensibilidade, autoritarismo e discriminação por parte da população, são as maiores queixas e preocupações dos operadores da segurança pública.

O Tenente da PM do Rio, Melquisedec Nascimento diz que um namoro recente acabou porque os pais da moça não aceitavam que ela ficasse com um policial. “Você só pode dizer que é da polícia depois que a mulher está apaixonada. Se disser antes, ela corre. Todo mundo acha que o policial é um brucutu corrupto. Outro dia eu ia a uma festa e o amigo soletrou para mim o nome da rua: ‘Claude Monet’. Ele achou que só porque eu sou policial não saberia quem foi Monet”, diz ele. (mesma fonte)

Outra importante revelação: apenas 20,2% dos policiais se declararam a favor da manutenção do modelo atual, que mantém PM e Polícia Civil separadas, uma atuando no patrulhamento, outra na investigação. Para 34,4% dos policiais ouvidos, o ideal seria a unificação das duas forças, formando apenas uma só polícia civil, dita “de ciclo completo” – ou seja, encarregada de patrulhar, atuar em conflitos e também de investigar os crimes. A maior resistência à unificação vem dos oficiais da PM. Apenas 15,8% deles defendem o novo modelo de polícia. “Não só temos duas polícias, como também temos duas polícias dentro de cada polícia. A situação dos praças e dos agentes de polícia civil é muito diferente da dos delegados e dos oficiais”, diz Luiz Eduardo Soares.

Continua Soares alertando:

“Hoje, um praça da PM que quiser ser oficial precisa fazer concurso. Ao passar, recomeça a carreira do zero. Quem chega a sargento não vira oficial, a menos que concorra também com os civis, fazendo provas. Na Polícia Civil acontece o mesmo. Um detetive que queira ser delegado, hoje, tem de fazer um concurso e concorrer com qualquer advogado que não seja policial. Esse advogado recém-formado chega às delegacias mandando em agentes que têm 30 anos de polícia e é boicotado. Temos milhares de detetives que são formados em Direito, mas não viram delegados".

Logicamente que o debate não se esgota na reformulação das instituições policiais, e demais órgãos da segurança pública. É preciso unificar, transversalizar o entendimento e atuação dos vários órgãos e instituições.

Não se trata tão somente de repressão ou prisão, mas também, e principalmente de um debate forte e estratégico para avançarmos na complexa relação entre: Polícias, Judiciário, Ministério Público, IGP, SUSEPE, Guardas Municipais, FASE, Conselhos Tutelares, além de políticas de inclusão social, distribuição de renda, fortalecimento do trabalho formal, cursos profissionalizantes, combate ao tráfico de drogas, direito penal mínimo (ou ultima ratio), penas alternativas, justiça restaurativa, etc.

Propostas

Os setores mais progressistas devem chamar para si a responsabilidade de pautar uma nova visão de segurança pública e bancar no Congresso Nacional as mudanças legislativas necessárias, e ainda, um debate firme, propositivo e sistemático com a sociedade civil, de forma tão organizada e intensa como acontece com outras temáticas tão caras, sensíveis e importantes da nossa sociedade.

Deve ser feito uma aliança com a sociedade civil, partidos políticos, ONGs, servidores públicos e necessariamente com os trabalhadores da segurança pública para demonstrarmos a população que a maximização do direito penal já se demonstrou totalmente ineficaz.

Que a inteligência policial é melhor que o franco combate (onde inclusive acontecem várias mortes de inocentes).

Que é urgente uma reformulação das instituições (que atendam minimamente as necessidades e expectativas dos servidores, combinando com a modernização da sociedade, a maturidade da democracia e do Estado Democrático e Social de Direito, além das necessidades da população em geral).

Também é premente uma mudança da visão da própria sociedade que só acontecerá com uma mobilização política intensa.

Para revolucionar de forma democrática o entendimento sobre segurança pública devemos ter - entre outras - algumas movimentações pontuais [propostas aqui apresentadas para o contexto de um debate travado no Rio Grande do Sul, onde o autor atua]:

* Fazer uma Conferência Estadual de Segurança Pública para mapearmos as especificidades regionais e contexto político, cultural e institucional do nosso estado e tirarmos metas de curto, médio e longo prazo.

* Fortalecer a Susepe e retirar a Brigada Militar dos Presídios e Casas Prisionais.

* Debater na Assembléia Legislativa Gaúcha a reforma total da Lei 10. 990, conhecida como Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul fazendo este instrumento avançar para servir de proteção e resgate da dignidade e da cidadania dos trabalhadores, indo ao encontro do Neoconstitucionalismo e pós-positivismo [3] .

* Enfrentar o tema da maximização do direito penal sugerindo e pautando a nível regional e federal as penas alternativas e a justiça restaurativa.

* Reformular o sistema penitenciário, debater este tema a nível regional e federal, dando condições dignais aos seres humanos que se encontram sob tutela estatal.

* Implementar programas de aperfeiçoamento dos servidores e das instituições e órgãos da segurança pública.

* Enfrentar o tema da reforma nas polícias estaduais, (este talvez um dos mais importantes) promovendo estudos e debates com os servidores, acadêmicos, associação de classe, partidos políticos, ONGs, militantes e ativistas dos Direitos Humanos, Parlamentares e a sociedade como um todo para caminharmos efetivamente em direção de uma polícia para o século XXI.

* dentro do tópico de reforma, solidificar os mecanismos para que as políticas de segurança pública sejam políticas de Estado e não (ou no mínimo o menos possível), de governo. Diga-se de passagem, um dos maiores problemas da segurança pública é que sempre tem sido tratada – pois assim é a sua atual estrutura administrativa - como política de governo (passível de mudança ideológica, operacional e programática de quatro em quatro anos) e não como política de Estado mais estável e duradoura.
.
*Debater a proporcionalidade de gênero nas instituições que impedem formalmente a ascensão das mulheres a cargos de chefias. No Rio Grande do Sul não existe e nunca existiu, uma só mulher no cargo de coronel, são banidas do topo da carreira.

O presente texto não tem a pretensão de ser onisciente e absoluto, mas tão somente, de contribuir para este debate sempre acalorado e hoje, mais do que nunca, indispensável.

Os partidos progressistas, os intelectuais e militantes devem olhar de forma mais comprometida com este debate, ajudar na construção de novas visões e derrotarem dinossáuricos conceitos ainda presentes na atuação e formulação das políticas de segurança pública, (sejam elas teóricas ou operacionais), para alicerçarmos de vez um novo paradigma para a segurança pública no Brasil.

NOTAS

[1] O referido debate aconteceu quando Marcos Rolim escreveu um artigo no dia 28 de outubro de 2008 em Zero Hora intitulado Vocação. No outro dia, 29 de outubro de 2008 no mesmo veículo de comunicação o Cel. Mendes, então Comandante Geral da Brigada Militar do Governo Yeda Crusius (PSDB), rebate o referido artigo discordando da postulação feita pelo ex Deputado Federal, com o artigo Brigada Militar: Vocacionada pela Lei. Tendo em vista que Zero Hora não dá o direito a tréplica Marcos Rolim escreveu no seu Blog Tréplica de Marcos Rolim o qual contém na íntegra os três artigos citados e um quarto com autoria de Fernando Fedozzi Moralidade e formação dos Policiais, no link chamado Moralidade e Formação dos Policiais: polêmica Marcos Rolim e Cel. Mendes. Disponível em http://rolim.com.br.

[2] A análise da pesquisa é encontrada num artigo de Luiz Eduardo Soares e Marcos Rolim intitulado, Arqueologia da Gestão de Segurança Pública: Potencialidades e Limites. Marcos Rolim retifica e explica a necessidade reformas nas instituições em Repensando as Polícias Brasileiras.

[3] Neoconstitucionalismo no marco do que ensina Luís Roberto Barroso em Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil e Lenio Luis Streck em hermenêutica Jurídica (em) Crise ou ainda em Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas.
(*) Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS, Pós-Graduando em Direito Público pelo IDC, Militante dos Direitos Humanos e Movimento Negro.

Um balaço que feriu todo o Chile


Na noite de 24 de agosto, último dia da greve nacional convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), Manolito saiu de sua casa para acompanhar seu irmão Gerson, em uma cadeira de rodas, a fim de observar os “panelaços” da população contra o atual governo de direita, presidido por Sebastian Piñera. Mas Manuel nunca voltou para casa. Uma bala perdida o atingiu no tórax. A reportagem é de Christian Palma, correspondente da Carta Maior em Santiago.


Manuel Gutiérrez Reinoso tinha 16 anos e era um fiel integrante da Igreja Metodista Pentecostal, da vila Jaime Eyzaguirre, um dos setores populares da comunidade de Macul, localizada na zona sudeste de Santiago. Na noite de 24 de agosto, último dia da greve nacional convocada pela Central Unitária de Trabalhadores (CUT), “Manolito” saiu de sua casa para acompanhar seu irmão Gerson, em uma cadeira de rodas, a fim de observar os “panelaços” da população contra o atual governo de direita, presidido por Sebastian Piñera.

Mas Manuel nunca voltou para casa. Uma bala perdida o atingiu no tórax. “Estávamos caminhando na direção da passarela que está no final da rua quando apareceu um carro patrulha dos carabineiros e eles começaram a disparar. Estou certo que foram eles. Um dos tiros atingiu meu irmão no peito e ele caiu no chão”.

Os dois irmãos estavam acompanhados pelo amigo Giuseppe Ramírez, de 19 anos, quando escutaram o ruído três tiros. “Manuel colocou a mão no peito e me disse “me acertaram”. Estava cheio de sangue e tentei animá-lo, despertá-lo, para que não dormisse, e ele me dizia estou bem, irmão, tranquilo, vou sair desta”, contou entre soluços Gerson Gutiérrez.

Jacqueline, outra irmã da vítima, relatou que, no princípio, acharam que o jovem tinha sido ferido por um estilhaço ou por uma bala de borracha, “mas depois os médicos nos disseram que não puderam salvá-lo, porque era uma bala de grosso calibre”.

A natureza do projétil, precisamente, é fundamental para determinar sua origem e os eventuais responsáveis. A bala foi extraída do corpo de Manuel Gutiérrez durante a autópsia que ocorreu na sexta-feira no Serviço Médico Legal (SML) e entregue aos peritos da Polícia para análise.

“Era um bom estudante, um exemplo para seu colégio, era um jovem tremendamente cristão”, conta sua irmã, o que foi corroborado por seus vizinhos.

Dois dias depois da tragédia, começou a discussão entre aqueles que imputam a morte do jovem aos carabineiros e os meios de comunicação próximos ao governo que se inclinam pela tese de que Manuel teria relações com uma das gangues que operam nos bairros populares e que o assassinato teria sido resultado de um ajuste de contas entre torcidas organizadas de futebol.

No entanto, o testemunho do irmão da vítima abriu uma investigação para ver se, efetivamente, as forças policiais abriram fogo. Frente a estas acusações, o general Sergio Gajardo, segundo chefe da Zona Metropolitana de Carabineiros, descartou que os efetivos da corporação estejam envolvidos no ocorrido. “Sei que há uma versão de pessoas que estavam com ele, que teria passado um veículo pelo lugar onde estavam e que atribuíram o tiro aos carabineiros”.

O subsecretário do ministério do Interior, Rodrigo Ubilla, pediu que se deixe as instituições investigarem de maneira efetiva a morte de Manolito e pediu que “não se especule” sobre o fato. “O governo espera de forma decidida que tudo se resolva de maneira rápida e que se esclareça o falecimento deste jovem”, acrescentou.

Segundo Ubilla, “frente à morte de qualquer cidadão, de qualquer pessoa, a situação é gravíssima. Vínhamos dizendo isso há bastante tempo. Neste cenário, devemos manter uma atitude responsável e não especular. Deixemos que as instituições trabalhem. Neste momento, a informação está chegando à Justiça que é quem tem a tarefa de esclarecer o caso”.

A prefeita de Santiago, Cecilia Pérez, disse que o fato deve ser investigado e que ninguém deve se apressar a emitir juízos. Já o porta-voz Andrés Chadwick afirmou que é preciso ser cauteloso neste momento e esperar o informe dos investigadores para determinar as circunstâncias da morte.

Mas, ainda que as autoridades do governo se apressem em descartar a participação dos carabineiros, o certo é que, nos últimos dois dias de greve, os policiais cometeram uma série de graves erros em outras zonas periféricas da cidade, como ter ingressado a força em casas de bairros populares ou ter lançado bombas de gás lacrimogêneo no interior de alguns sindicatos sem que tivesse ocorrido provocação alguma.

Miguel Fonseca, vizinho de Manuel e porta-voz da família, disse à Carta Maior que serão apresentadas seis testemunhas sobre o caso. Além de Gerson e Giuseppe, testemunharão três vizinhos e outro jovem atingido por uma bala no braço perto de onde Manuel foi morto, bala esta que ainda não foi retirada do seu corpo.

A morte de Manuel da populosa Vila Jaime Eyzaguirre demonstrou que a repressão dos Estado ocorre de forma mais visível nas zonas periféricas da cidade. Na tarde de sexta, as estreitas ruelas deste bairro popular estavam de luta pela perda do vizinho. Sua Igreja organizou uma despedida de acordo com a fé que o jovem professava, uma esperança de uma vida melhor, o que também pedem milhões de chilenos.

Enquanto isso, Mireya Reinoso, mãe de Manuel, vela o filho falecido na igreja localizada a duas quadras de sua casa. A mulher se aferra à fé para suportar tanta dor. Generosa, também pede que se faça justiça para que esta tragédia não se repita. “Nada vai devolver o meu filho, mas creio que poderiam ter disparado para o ar, poderiam ter se dado conta de que estavam fazendo algo errado, mas sei que a justiça vem de cima. É uma dor muito grande”, disse entre lágrimas.

Tradução: Katarina Peixoto

Elogio à preguiça

Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver”, afastar-se do mundo sem se perder dele, sendo por isso acusado de não contribuir p/ o progresso. Além de crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete ainda pecado capital. Pela lógica do trabalho e da Igreja, deve, assim, pagar pelo que não faz
por Adauto Novaes no LEMONDE-BRASIL
O crítico e ensaísta Jean Starobinski começa assim o livro Ação e reação:“Em A comédia humana, Balzac descreve as deliciosas viagens de Louis Lambert em meio às palavras: ‘Que belo livro escreveríamos narrando a vida e as aventuras de uma palavra!’”.
É isso que o ciclo “Elogio à Preguiça”propõe. Filósofos franceses e brasileiros narram em oitenta conferências, em quatro estados – Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília – a vida e as aventuras da preguiça, e mostram que sua história sempre foi mal contada.
Apesar da oposição, preguiça e trabalhoguardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular. As palavras preguiça e trabalhotêm história. Como nos lembra o filósofo francês Francis Wolff, o trabalho, no sentido moderno do termo, consiste em uma relação intrínseca entre duas ideias: a ideia de labor (pena) e a ideia de atividade socialmente útil. Vemos que para os gregos, diz Wolff, as atividades produtivas, mesmo socialmente úteis, não são moralmente valorizadas. Nada corresponde ao valor “trabalho” nem, em consequência, a desvalorização da preguiça. Acontece mesmo o contrário: “Scholein em grego, que corresponde ao latim otium, designa o que se pode fazer quando não se tem nada a fazer: o ócio. Ascholia, ao contrário, designa o fato de ser privadodessa liberdade... Em latim, ascholia vai se tornar neg-otium, negação do otium, que deu em negócio nas línguas latinas modernas. O negócio é, portanto, desvalorizado, ao contrário daquilo que vai se tornar, no cruzamento de certa moral ascética e do espírito do capitalismo. O negócio é tão desvalorizado na Antiguidade grega, que, na maioria das vezes, é deixado aos escravos. Com efeito, se numerosos escravos eram forçados a trabalhos manuais, por exemplo, nas minas, havia escravos banqueiros, como havia escravos policiais. Nem finanças nem ordem pública eram atividades valorizadas, uma vez que deixadas aos escravos”.
Ora, se saltarmos no tempo, vemos que os laços que atam preguiça e pecado tecem um nó invisível que prende imagens sociais do preguiçoso como improdutivo, indolente, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente... Mas eis a questão posta por Marilena Chaui em sua conferência: não é curioso que o desprezo pela preguiça e a extrema valorização do trabalho possam existir em uma sociedade que não desconhece a maldição que recai sobre o trabalho, visto que trabalhar é castigo divino e não virtude do livre-arbítrio humano? A hipótese que passa por quase todas as conferências pode ser assim resumida: no mundo dominado pela tecnociência, nunca se trabalhou tanto e se pensou tão pouco não apenas sobre as condições do trabalho, mas principalmente sobre a ausência do trabalho do espírito, entendendo por espírito “potência de transformação da inteligência”.
A vida íntima que a preguiça leva com o trabalho pode revelar que o preguiçoso trabalha muito. Como?
Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver” (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele, sendo ele, exatamente por isso, acusado de em nada contribuir para o progresso. Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete ainda pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da Igreja, o preguiçoso deve, portanto, sentir-se culpado e pagar pelo que não faz.
Ao ver de modo peculiar o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: “o que devo fazer?”. Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode dizer um pouco mais precisamente, não apenas o que fazemos, mas também o que o trabalho faz em nós. Na era do grande desenvolvimento tecnocientífico e digital, maravilhosas máquinas “economizam” o trabalho mecânico, mas criam, ao mesmo tempo, dois novos problemas: primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, “mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos”. Isto é, mais precisamente, a máquina governando quem a devia governar; daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir “nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental”, o que se relaciona aos seguintes fenômenos: impaciência, rapidez e volatilidade nunca antes vistas. Assim escreveu Valéry: “Adeus trabalhos infinitamente lentos, catedrais de trezentos anos cuja construção interminável acomodava curiosas variações e enriquecimentos sucessivos... Adeus perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras, ao mesmo tempo, comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão! [...] Eis-nos no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada”.
Certamente o preguiçoso tem muito a dizer sobre o mundo acelerado do progresso e do trabalho que cria objetos indispensáveis, mas também nos deixa, como herança, neurose, depressão, alienação, desastres ecológicos, excesso de ruídos artificiais e técnicos, apressamento, economia de guerra, morte do sujeito, inconsciência de si e, enfim, 191 milhões de vítimas em massacres nos últimos cem anos, entre outros feitos. É certo que o trabalho investiu muita ciência e técnica para criar esse mundo.
A mobilização veloz e incessante do trabalho cego hoje não permite ao homem dizer qual o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e, muito menos, consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais que os objetos que fabrica. Há um excedente invisível, entendendo-se por “excedente” tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho “normal e produtivo” que se manifesta na poluição da natureza, nos desastres ecológicos resultantes do descontrole dos sistemas de produção, no esquecimento e na desconstrução de si. Como lembra Robert Musil em O homem sem qualidades, foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças ao sucesso dos “homens de guerra, caçadores e mercadores”. Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez se pudesse resumir assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo ao mesmo tempo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos “não naturais e não necessários”. Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.
Mas, afinal, quem é o preguiçoso? Enfim, como se pode, então, pensar essa figura que sempre teve péssima reputação no Ocidente? Talvez uma boa definição seja a de um autor inglês, Jerome K. Jerome, em seu livro Pensamentos preguiçosos de um preguiçoso:“A preguiça sempre foi o meu forte. Não é nenhuma glória, é um dom. Um dom raro. É certo que existem muitos farniente, mas um autêntico preguiçoso é exceção. Isso nada tem a ver com alguém que anda com as mãos nos bolsos. Ao contrário, o que melhor caracteriza um verdadeiro preguiçoso é o fato de ele estar sempre intensamente ocupado. De início, é impossível apreciar a preguiça se não há uma massa de trabalho diante de si. Não é nada interessante nada fazer quando não se tem nada a fazer! Em revanche, perder seu tempo é uma verdadeira ocupação, e uma das mais fatigantes. A preguiça, como um beijo, para ser agradável deve ser roubada”. Jerome K. Jerome leva-nos a pensar que a preguiça não é uma coisa passiva. Perder o tempo mecânico dá trabalho e exige enorme atividade do espírito. O farnientesubmete-se à lógica do capital; é parte do processo, porque já está nos cálculos da mão de obra excedente do processo de produção: a existência de excluídos. O ocioso não é propriamente quem se opõe ao trabalho. É quem sabe usar a inteligência.

Adauto Novaes

foi jornalista e professor. Estudou filosofia na França. Foi diretor, durante 20 anos, do Centro de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional de Arte/Ministério da Cultura. Organizou diversos ciclos de conferências, sendo o último deles "Mutações – a experiência do pensamento" (mais informações em www.cultura.gov.br/pensamento).