sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Vinte anos depois, Web luta para manter espírito livre original


Aplicativos produzidos por corporações vão, aos poucos, restringindo o uso da World Wide Web | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Nascida para ser veículo da livre circulação de informações entre as pessoas, a World Wide Web (WWW) chega aos 20 anos lutando para escapar da prisão. O perigo, porém, não está exatamente na censura direta, e sim na força crescente de intermediários – que, se não sofrerem controle, podem condicionar o uso da internet aos próprios interesses.
No dia 6 de agosto de 1991, a internet tornou-se viável. Criada pelo cientista de computação Tim Berners-Lee, a World Wide Web recebeu nesta data sua primeira menção pública, quando um breve sumário do projeto foi publicado no alt.hypertext, um fórum de discussão da rede Usenet. Não foi a invenção da internet, que já existia em forma embrionária desde o final dos anos 60. Mas foi passo fundamental para que ela fosse além de alguns poucos (e gigantescos) computadores universitários e governamentais.
Marcelo Zuffo, professor do Laboratório de Sistemas Integráveis da USP, diz que o sistema WWW foi o grande passo para que a internet saísse do círculo acadêmico e fosse incorporada por toda a sociedade. “Isso mudou tudo. Revolucionou a economia, a sociedade, acelerou a interação informacional, gerando essa impressão de que as distâncias diminuíram”, enumera.
Web fez com que Internet se tornasse visível
O sistema de hipertextos interligados que constitui a Web foi criado para ser uma ferramenta de troca de informações de todos os tipos. O WWW passou a permitir o acesso, por meio de browsers (navegadores), a conteúdo armazenado nos mais diferentes servidores ao redor do mundo, sempre partindo do próprio interesse dos usuários, sem restrições técnicas ou contratuais. A partir daí veio tudo que hoje conhecemos como internet – tanto que os dois conceitos, na cabeça de muitas pessoas, se misturam.
“A Web viabilizou e popularizou a internet”, resume Sérgio Amadeu, professor do Centro de Engenharia Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da UFABC. Ele explica que conceitos hoje amplamente disseminados, como o comércio eletrônico e a criação de sites pessoais, só se tornaram possíveis a partir da WWW. “A internet passou a ser visível, as pessoas foram convidadas a entrar”, diz Amadeu.
No dia 6 de agosto de 1991, Tim Berners-Lee oficializou World Wide Web, que viabilizou a internet | Foto: Divulgação

Isso foi possível, segundo ele, pelo espírito aberto que guiou a criação da World Wide Web. “Ela surge baseada na adoção de padrões abertos e na universalidade de uso”, explica. A construção de Berners-Lee, diz Sérgio Amadeu, parte da ideia que a Web seja acessível a qualquer software que aceite os protocolos necessários. “Inovações tecnológicas como o YouTube e os sistemas BitTorrent (processo de compartilhamento de arquivos) surgiram motivadas pela ampla liberdade da rede, e são inconcebíveis sem isso”.
O professor Eduardo Pellanda, da Faculdade de Comunicação da PUCRS, lembra que já estão surgindo aparelhos como o Chromebook, que permitem armazenamento em rede de todos os dados e aplicativos. “Fica tudo na nuvem”, diz Pellanda. “Se essa ideia se consolidar, morre o Windows, morre o Mac. A Web se torna uma janela, uma porta de entrada para todas as atividades digitais”.

Aplicativos trazem restrições ao uso

Antes associado ao computador pessoal ou desktop, o acesso à internet está pulverizado em um grande número de aparelhos, que utilizam a rede em aplicativos (ou apps). A tendência, segundo dados da agência de consultoria financeira Morgan Stanley, é que os dispositivos móveis de acesso à internet ultrapassem os desktops entre 2013 e 2014. Esses aparelhos e aplicativos permitem navegar na Web de qualquer lugar, com grande mobilidade, mas podem estar compensando a liberdade que oferecem com outros tipos de restrição.

“Há um perigo, já que o acesso à informação fica sempre sujeito a algumas regras”, admite Eduardo Pellanda, da PUCRS. Segundo ele, existem dois problemas básicos. Primeiro, a necessidade de preenchimento de formulários faz com que informações fiquem à disposição de quem oferece os mecanismos de acesso à Web. Por outro lado, são poucos grupos controlando o acesso de uma quantidade imensa de pessoas – o que prejudica a regulamentação e a fiscalização independente. “Fala-se em passar esse poder (de fiscalização) para a ONU”, lembra Pellanda, dizendo acreditar que seria uma solução “perfeita” para a situação.

Sérgio Amadeu, por sua vez, teme que empresas como a Apple e o Facebook estejam trabalhando na formação de “ilhas digitais”, ainda que em sentidos diferentes. “Para usar o Facebook, é necessário aceitar o contrato de serviço e as regras para conexão”, exemplifica. “Isso cria uma restrição, na medida em que o conteúdo só existe para quem aceitar as imposições do Facebook. Já a Apple e o iPhone vão contra a ideia de acesso livre à Web, já que os aplicativos só fazem o que o hardware permite. Ou seja, as pessoas só podem navegar dentro das regras que a Apple impõe”, critica.

Ainda que admita essas dificuldades, Marcelo Zuffo analisa a questão sob outra perspectiva. “O browser ainda é muito importante. Um aplicativo pouco mais é do que um browser empacotado”, afirma o professor da USP. Segundo ele, há uma “confusão momentânea”, que deve ser clareada com o passar do tempo. “Essa dinâmica comercial (dos aplicativos) corresponde apenas à primeira fase de um longo processo. Não sabemos nem mesmo se ainda existirá a Apple ou o Facebook no ano que vem”, diz Zuffo. “Mesmo os conglomerados que exploram a internet são bastante instáveis, os critérios de valoração variam muito. Ainda tem muito pano para manga nessa história”, acentua.
Sérgio Amadeu: "Talvez estejamos vivendo uma batalha derradeira pelo futuro da internet" | Foto: wilson Dias/ABr

“Batalha derradeira” pela internet

Eduardo Pellanda descreve o momento que se desenha como uma “era pós-PC”. A tendência, segundo ele, é de uma internet distribuída de forma cada vez mais generalizada, com o uso de diversos dispositivos e o barateamento das conexões e aparelhos. “Antes tudo isso parecia meio futurista, mas hoje em dia já está consolidado”, diz o professor da Faculdade de Comunicação da PUCRS.
Marcelo Zuffo, da USP, prevê para os próximos anos o crescimento contínuo do uso da Web em dispositivos cada vez menores (“a internet mudando para as coisas”, descreve) e a ampliação das tecnologias tridimensionais (3D). Mas coloca um desafio extra para a World Wide Web: achar caminhos para ir ainda mais longe. “Dos atuais 7 bilhões de habitantes da Terra, pelo menos 1 bilhão jamais teve qualquer tipo de contato com a internet”, afirma. “São pessoas que moram em rincões, que nunca puderam desfrutar de nenhum dos benefícios da Web. Como lidar com essa situação? Quais as estratégias para que a internet consiga melhorar a situação de vida dessas pessoas?”, questiona.
“Talvez estejamos vivendo uma batalha derradeira pelo futuro da internet”, acentua Sérgio Amadeu. O professor da UFABC acredita que existe o risco das corporações aprisionarem a internet do ponto de vista técnico, subvertendo seu espírito livre em nome dos próprios interesses. Uma crítica que também se aplica às empresas responsáveis pelas conexões físicas, como as operadoras de telefonia, que podem estabelecer filtros ao fluxo de informações e quebrar o princípio de neutralidade da rede. Caso isso ocorra, a facilidade de acesso aos sites não será a mesma – quem pagar mais terá carregamento mais rápido, o que ativistas sociais veem como uma restrição próxima da censura.

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