segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Movimento indígena fragmentado

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Por Luis Ángel Saavedra desde Quito
Tradução: ADITAL


Comunidades Kichwas em Puerto El Carmen,
Sucumbíos, protestam pela militarização da
fronteira (Foto> Janet Cuji)

O governo nacional conseguiu fracionar as bases de diversos setores do movimento indígena equatoriano através da cooptação de vários de seus dirigentes, a quem nomearam como funcionários de alto nível; ou mediante acordos feitos com as bases indígenas à margem de suas organizações regionais e nacionais.
Por seu lado, os indígenas tampouco conseguiram articular uma plataforma de luta que enfrente o embate governamental, vinculando suas demandas históricas com os novos problemas que as comunidades enfrentam e nas quais o discurso do governo cada vez tem maior acolhida.
A mediados de setembro desse ano, a Confederação de Organizações Indígenas do Equador (Conaie) reuniu-se em Assembleia Geral na cidade de Bañops, situada na província central de Tungurahua. Dois temas preocupavam essa organização indígena: a nomeação de seu líder histórico, Ricardo Ulcuango, como embaixador na Bolívia e o acordo assinado entre o governo e a Federação Interprovincial de Centros Shuar (FICSH), pela qual o governo se compromete a realizar obras de infraestutura esportiva, viária e sanitária nas comunidades Shuar, enquanto que os compromissos da FICSH não são especificados nesse acordo.
Ulcuango foi vice presidente da Conaie e presidente da Confederação Kichwa do Equador (Ecuarunari) por duas ocasiões. Lidera uma das regiões indígenas com maior capacidade de mobilização, como é Cayambe, na serra norte, e por isso surpreendeu quando, no início de agosto, foi divulgada sua designação diplomática.
A Ecuarunari reagiu e decidiu, em 17 de agosto, expulsá-lo dessa organização. O líder indígena não aceitou a decisão e questionou a atual direção, a quem acusou de aliar-se com a direita e de não entender o processo de mudança vivida no país e de ter-se separado de suas bases.
"Os dirigentes estão longe de sentir as bases; longe de suas necessidades reais”, disse Ulcuango durante a cerimônia de posse de seu cargo de embaixador, realizada em Cayambe, no dia 16 de agosto de 2011.
Ulcuango não é o único dirigente indígena destinado ao serviço no exterior; em setembro passado foi designado a Segundo Andrango, de Cotacachi, província de Imbabura, como novo embaixador em El Salvador. Esse dirigente é pai de Luis Andrango, presidente da Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin), organização aliada ao governo; porém, que se estava mostrando crítica em temas como a lei de águas, a lei de mineração e a de soberania alimentar, por considerar que são leis elaboradas pelo governo sem consensos com os movimentos sociais e com os usuários das bacias hídricas. A Fenocin voltou a respaldar incondicionalmente ao govenro.

Aproximação com o governo

Francisco Shiki, presidente da FICSH, justificou o acordo assinado com o governo.
"Em vista de tantos discursos vazios, de opositores débeis, como FICSH tomamos a decisão coletiva de sustentar um diálogo e um convênio em benefício das comunidades Shuar”, afirmou, no Congresso da Conaie, em Baños, ao mesmo tempo em que ameaçava com um processo de revocatória do mandato das autoridades Shuar de eleição popular, como Marcelino Chumpí, prefeito de Morona Snatinago, província amazônica de maior população Shuar, e à assembleísta dessa mesma província, Diana Atamaint, caso se oponham a esse acordo.
Apesar dos questionamentos das outras federações indígenas, a FICSH manteve sua posição na Assembleia da Conaie. "Como povo, temos que ser beneficiados com todos os programas de governo”, afirmou Galo Puanchir, vice presidente da FICSH. "Os povos não vivem de discursos, de palavras, mas de ações concretas”.
A decisão da FICSH dividiu a Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia (Confeniae), organização regional amazônica pertencente à Conaie, pois seu presidente, Tito Puanchir, também de nacionalidade Shuar, decidiu respaldar o convênio assinado, enquanto que a nacionalidade Kichwa o questionou.
"A Confeniae pedirá que a Conaie formalize o diálogo com o governo”, assegurou, na Assembleia Galo Puanchir; porém, suas declarações foram rechaçadas pelos dirigentes da Federação de Organizações da Nacionalidade Kichwa de Sucumbíos, Equador (Fonakise).
Os Shuar e os Kichwa amazônicos são as duas maiores nacionalidades representadas na Confeniae. Qualquer desacordo entre elas imobiliza essa organização, pois as outras nacionalidades amazônicas são muito débeis para solucionar problemas em um conflito interno de sua organização regional.
A Assembleia da Conaie não pode dar uma resposta a esses problemas e se limitou a reivindicar sua luta histórica pela construção do Estado Plurinacional, o exercício do direito à consulta prévia, a defesa da água e dos territórios. Além de expressar sua solidariedade com as lutas locais das organizações indígenas. Da mesma forma que em ocasiões passadas, a Assembleia concluiu fazendo um chamado a todas as organizações sociais para unir-se em uma "Marcha Nacional pela construção das verdadeiras mudanças profundas no país”, como afirma o Comunicado Final, sem, contudo, marcar a data da realização da marcha.
Para a líder indígena amazônica Mónica Chuji, a aceitação da proposta governamental em setores indígenas obedece a que o movimento indígena não tem podido articular suas demandas históricas com os novos temas que preocupam as comunidades.
"O emprego, a migração, a produção agrícola e as formas de comércio, a educação e a saúde são temas que devem ser incorporados no debate das organizações indígenas e, enquanto isso não seja feito, o governo terá um espaço para ganhar a confiança das comunidades e dividir as organizações”, afirma Chuji.

O Estado de Bem Estar

A proposta governamental é muito mais concreta para as comunidades indígenas e daí o distanciamento com seus dirigentes, pois a oferta do governo pode ser vista e medida, uma vez que é material; enquanto que o discurso de reivindicação indígena tem se repetido por anos e, apesar dos avanços constitucionais alcançados, para as comunidades indígenas não se materializa em resultados tangíveis.
"A Constituição contem uma parte da normativa que o movimento indígena propôs durante anos; porém, essa nova normativa parece não ter um benefício concreto para as bases indígenas porque não se identificou com a forma de vida diária das comunidades”, diz Chuji.
O governo, por outro lado, aparece com um discurso de bem estar geral que tem grande acolhida em setores vulneráveis da sociedade, como são os indígenas. Assim o afirmou Nelson Reascos, decano da Faculdade de Sociologia da Universidade Católica de Quito. Esse discurso se refere a investimento social homogêneo (educação, saúde, habitação etc.) como fonte de bem estar geral. Sem considerar a diversidade social ou a aquisição dos recursos econômicos necessários com base na depredação da natureza.
"O discurso do bem estar, baseado na oferta de maiores serviços sociais, como mais casas, mais escolas, mais hospitais”, sustenta Reascos. "É um discurso assimilável por todos, enquanto que o discurso da plurinacionalidade é um enigma para as pessoas mais simples”.
Para Reascos, o discurso do bem estar geral encerra um perigo, pois se entende por bem estar a uma forma de sociedade homogênea com benefícios iguais, o que contradiz o direito à diversidade.
"Para alcançar o bem estar geral tudo é válido, desde atingir o direito das comunidades a viver sua própria cosmovisão até a depredação da natureza, passando pela repressão aos que não pensam igual”, indica Reascos.
Chuji manifesta que "articular uma nova resistência, que pressione ao governo a cumprir em sério o mandato constitucional implica articular um novo discurso que coordene as demandas históricas do movimento indígena com as novas dinâmicas sociais, pois é necessário dar respostas às necessidades das novas gerações indígenas”.
Enquanto esse debate não é assumido por seus dirigentes nacionais, as comunidades indígenas começaram a mobilizar-se por demandas locais, como a oposição aos danos ambientais provocados pela indústria petroleira em Sucumbíos e Orellana, a declaratória de bosque protetor e a militarização em zonas de fronteira, a ausência de investimentos sociais em setores rurais da costa equatoriana, e, inclusive, a luta antimineração e a defesa da água.
Esses pequenos brotes de resistência são ignorados pelo governo, como o protesto contra a contaminação petroleira que desde o dia 25 de setembro mantém os habitantes fronteiriços do Triángulo de Coembí, na fronteira com a Colômbia e com o Equador da província de Sucumbíos, ou são deslegitimados, como acontece com a autoconsulta que fizeram os habitantes de Kinsakocha, na província de Azuay, na qual decidiram opor-se majoritariamente à mineração.
Entretanto, a fragmentação dos dirigentes indígenas e a ausência de uma agenda nacional que incorpore as demandas das comunidades continuarão alimentando a capacidade de penetração que o governo tem nas bases das organizações indígenas.

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