terça-feira, 27 de março de 2012

As mulheres e o narcotráfico: entre uma guerra delirante e a impunidade

Há centenas de milhares de mulheres - sem nome, sem idade, sem rosto - que por circunstâncias da vida ou por decisão própria somam-se às filas do narcotráfico


Gabriela Oliveros e Marcela Salas
Desinformémonos

Cidade do México. Carregam cartuchos, o mesmo que carregar bebês. Disparam, e amam também. Transportam drogas, às vezes em suas roupas, às vezes em seus corpos, às vezes em seus filhos. Lidam com sangue, com ossos. Explodem granadas, e algumas vezes são explodidas. São as mulheres do narcotráfico, as quais, no vai e vem da compra e venda de substâncias ilícitas, oscilam entre os limites da vítima ou do agressor. Seu papel se manteve velado durante décadas, mas, diante do crescimento do clima de violência que flagela o país, adquirem cada vez mais visibilidade. 
As mulheres também estão desaparecidas, raptadas com fins de exploração sexual pelas mesmas redes, torturadas e assassinadas. E, por outro lado e no mesmo âmbito, estão as mulheres jornalistas que mostram com valentia os bastidores das máfias, as defensoras de direitos humanos, as mulheres que combatem. Todo um mundo feminino que denuncia, se rebela e se defende.

No mundo do narco 
Digna rainha das rainhas 
diante da lei, não se inclina 
caminha com pés de gato 
domina a corda solta
entre a mais bela rosa 
mais perigoso o espinho 

Sandra Ávila Beltrán - Foto: Desinformémonos
Esse é um trecho da música “A rainha das rainhas”, que o grupo Os Tigres do Norte dedicou a Sandra Ávila Beltrán, mulher ligada ao narcotráfico cujo nome se soma ao de outras – todas elas com a característica em comum de serem mulheres bonitas – que estão relacionadas com o mundo do contrabando de drogas como Zayda Peña, Liliana Lozano, Alicia Machado, Dolly Cifuentes, Laura Zúñiga. 
No entanto, além da beleza e da fama, há centenas de milhares de mulheres – sem nome, sem idade, sem rosto – que por circunstâncias da vida ou por decisão própria unem-se às filas do narcotráfico. 
Recentemente a Central de Organizações Camponesas e Populares informou que existem cerca de 200 mil mulheres mexicanas que trabalham de forma direta ou indireta para quadrilhas de narcotráfico, e que sete em cada dez mulheres no norte do país estão ligadas ou são beneficiadas pelo dinheiro do narcotráfico. 
Dados da DEA mostram que há 10 mil mulheres encarceradas por crimes relacionados à fabricação, venda e distribuição de drogas, e que a porcentagem de detidas por esta causa aumentou 400% desde 2007. 
A participação feminina no negócio das drogas não é inédita, mas os papeis que ocupam dentro das organizações criminosas está mudando. Liliana Carbajal Larios, especialista em mulheres e segurança nacional, destaca os três principais papeis desempenhados atualmente nas fileiras do narcotráfico: articulação e mediação, administração e distribuição de recursos e agentes de reestruturação e coesão no núcleo familiar, quando morre o chefe da família. 
Elas, no entanto, têm o custo de muitas outras tarefas. Entre elas, Carbajal Larios destaca “as mulheres troféu, que desempenham o papel de ‘acompanhantes’ dos narcotraficantes, as ‘burreras’ ou ‘mulas’ que transportam drogas de uma fronteira para outra, carregando bebês mortos que também estão carregados com drogas, ou fazendo-se enxertos de cocaína e outras substâncias no busto; as ‘buchonas’, que são mulheres que estão em pontos estratégicos e informam os grupos de narcotraficantes quando policiais ou militares estão para prendê-los, e que não podem ser julgadas devido à impossibilidade de comprovar sua participação no negócio”. 
As mulheres também estão consumidoras, cuja atuação é indireta, e as mães, irmãs, filhas e esposas de narcotraficantes, que não participam ativamente, mas tampouco podem sair dessa situação – apesar de viverem na mais pródiga opulência – são focos de sequestros e ajustes de contas. 
Outras mulheres desempenham papeis que antes estavam destinados apenas aos homens, como as varejistas, diretamente relacionadas com a venda de substâncias ilegais em pequena escala, ou as mulheres mercenárias, que “se preparam para assassinar a sangue frio, veem como decapitar e logo reproduzem, o que tem ocasionado também que aumentem os assassinatos sangrentos de mulheres cometidos por mulheres”, pontua Liliana Carbajal. 
Em 2011, por exemplo, “Monterreu começou o ano com a notícia da “ruiva da ponte Gonzalitos’, uma mulher que apareceu enforcada em 31 de dezembro na zona de Linhares”, explica San Juana Martínez, jornalista especializada em violência de gênero, direitos humanos e narcotráfico. 
A jornalista assinala que, somente em Nuevo León, seu estado natal, os crimes contra mulheres aumentaram 689% de 2005 a 2011, com três feminicídios em 2005 e 211 em 2011. 
“Há mulheres desaparecidas que se enquadram como vítimas do tráfico ou de exploração sexual. Também ocorrem casos de os “arrastões do prazer”, onde os narcotraficantes recolhem as meninas que eles gostam e às vezes as devolvem, mas em outras ocasiões não”, explica Martínez e assinala que o “México é uma terra de feminicídios, produto do redemoinho da barbárie do narcotráfico que já não faz distinções de nenhuma classe”. 

Mulheres que combatem o narcotráfico 

Em meio ao aumento generalizado da violência, registra-se um aumento da presença feminina em forças policiais. Não somente há mais mulheres policiais, mas também agora elas querem ocupar chefias e altos postos, cargos em que anteriormente não podiam se posicionar. Esse fenômeno, no entanto, “não deve necessariamente ser considerado como um triunfo de gênero”, adverte a doutora em Sociologia Olivia Tena Guerrero, coordenadora do Programa de Investigação Feminista da UNAM.
Em alguns casos, destaca Olivia Tena, as mulheres conseguiram alcançar altos postos “somente porque os homens os recusaram”. Esse é o caso de Marisol Valles García, jovem de 20 anos que foi nomeada por alguns meios de comunicação “a mulher mais valente do México” depois de aceitar a chefia da polícia do violento município de Praxedis Guerrero, em Chihuahua. O cargo que ocupou ninguém mais quis, pois seu sucessor, Manuel Castro, havia sido sequestrado, torturado e decapitado. Dois meses depois de assumir o cargo – e de logo receber numerosas ameaças – Marisol foi tirada do posto por ausentar-se de seus trabalhos e solicitou asilo nos Estados Unidos. 
Apesar dos avanços no reconhecimento do direito que as mulheres têm de se empregar no que elas decidirem, as causas que levam muitas às instituições policiais não são precisamente a vontade de ajudar “os demais a servir a sociedade”. “Muitas delas”, reconhece Tena Guerrero, “aproximam-se desse trabalho porque se dão conta que – apesar do perigo que implica – podem ganhar mais sem ter muitos estudos, e porque buscam a obtenção de um poder que antes não conheciam”. 
A também diretora de um projeto de empoderamento de mulheres policiais na Cidade do México acrescenta que, por causa do aumento da violência e criminalidade, que se originam de não haver modificações da estratégia de combate ao crime organizado no momento oportuno, “a função das mulheres policiais é mais repressora que preventiva”. 
Seja qual for seu papel no narcotráfico, é claro que as mulheres têm adquirido paulatinamente poder e têm deixado de desempenhar tão somente papeis auxiliares ou de acompanhamento. “Escutamos e lemos histórias diariamente”, disse a jornalista Sanjuana Martínez, autora do livro “A fronteira do narcotráfico”. “Às vezes são difundidas e muitas outras ficam no esquecimento, mas é preciso ter em conta a situação em que estamos imersas como gênero. Devemos nos cuidar entre nós, fazer redes e nos protegermos, essa é a única maneira de nos defendermos diante dessa guerra delirante”, adverte a repórter de La Jornada.

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