Felipe Prestes no SUL21
Em sua primeira eleição presidencial, Marine Le Pen já superou o pai.
Em cinco eleições disputadas pela Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen
nunca havia chegado aos mais de 6,4 milhões de votos – ou 17,9% —
conquistados pela filha mo último domingo (22), resultado que a colocou
na terceira colocação, atrás do socialista François Hollande e do atual
presidente Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular, de
direita. Nem em 2002, quando alcançou o 2º turno, o Le Pen pai alcançou o
feito da filha. Naquela ocasião, fez 4,8 milhões de votos no 1º turno e
apenas 5,25 milhões no 2º, chegando a 17,79% do eleitorado francês.
Com discurso xenófobo e contra a União Europeia, Marine assusta os
países vizinhos e o mundo. Sua votação expressiva, entretanto, não deve
pautar o próximo governo da França, porque as pesquisas indicam a
vitória do socialista François Hollande, mesmo com a demonstração de
força da direita.
Ao contrário do Brasil, o 2º turno na França ocorre apenas duas
semanas após o 1º. Há pouco tempo, portanto, para reviravoltas.
Pesquisas de quatro diferentes institutos feitas neste domingo (22) ou
nesta segunda (23) mostram Hollande tendo entre 53 e 56% dos votos
válidos. O atual presidente Nicolas Sarkozy teria entre 44 e 47%. É bem
verdade que há tendência de crescimento de Sarkozy. Na semana que
antecedeu o 1º turno, as projeções de diversos institutos mostravam
Hollande com 54 a 57%.
A votação de Sarkozy no primeiro escrutínio chegou a ser maior do que
apontavam as pesquisas. O presidente obteve 27,18%, mas havia chegado a
estar abaixo de 20% em alguns levantamentos. Mas Hollande ficou mesmo
na frente, conforme apontavam os institutos. E isto tem forte
significado. É a primeira vez que um presidente não vence o 1º turno
desde a fundação da 5ª República, em 1958. A desaprovação do francês a
Sarkozy levou-o, portanto, a um feito negativo único, histórico.
Os socialistas, por sua vez, não venciam um 1º turno desde que Lionel
Jospin venceu Jacques Chirac, em 1997, mas acabou perdendo no 2º turno.
Hollande obteve a primeira vitória dos socialistas em Paris na história
e abocanhou 35 departamentos em que Sarkozy havia vencido em 2007 (ao
todo são 100 departamentos). Após a confirmação dos resultados, Hollande
afirmou que o resultado era um “castigo” para Sarkozy.
Como ficará o voto dos eleitores derrotados no 1º turno
Com a enorme desaprovação, não surpreende, portanto, que Sarkozy não
esteja conseguindo capitalizar boa parte dos votos da extrema-direita.
Em quatro diferentes pesquisas feitas no último domingo, Hollande oscila
entre 18 e 31% dos votos dos eleitores de Marine Le Pen para o 2º
turno. Sarkozy tem entre 48 e 60% dos votos da candidata da Frente
Nacional e calcula-se que precisaria chegar a 80% dos eleitores dela
para vencer.
Além disto, o número de pessoas que saíram de casa
para votar foi considerado bastante alto, aproximadamente 80%. Assim, é
difícil capitalizar em cima dos que não votaram. E uma pesquisa do
instituto CSA mostra que Hollande teria 28% dos votos dos que não
compareceram, brancos e nulos contra 13% de Sarkozy.
O atual presidente também deve lutar pelos votos do centrista
François Bayrou, que ficou na quinta colocação, com 9,13% dos votos.
Segundo quatro institutos de pesquisa, Sarkozy tem entre 25 e 38% das
intenções de voto dos eleitores de Bayrou; Hollande tem entre 32 e 40%.
À esquerda, as chances de abocanhar votos para Sarkozy são quase
nulas. Entre 83 e 91% dos eleitores do quarto colocado, o comunista
Jean-Luc Mélenchon, que teve 11,1% dos votos, devem votar em François
Hollande. Sarkozy deve ter entre 3 e 6% dos votos dos comunistas.
Proporção semelhante entre os que votaram na candidata verde Eva Joly,
que teve 2,31% dos votos.
Ainda no domingo eleitoral, Mélenchon e Joly conclamaram seus
eleitores a derrotar Sarkozy. Mélenchon pediu que no dia 6 de maio seus
eleitores votem “para vencer Sarkozy, como se estivessem votando em
mim”. Joly pediu a “todos que compartilham dos meus valores republicanos
a vencer Sarkozy e reunir-se em torno de Hollande”. O centrista Bayrou,
por sua vez, manifestou sua preocupação com o crescimento da
extrema-direita, mas disse que quer ouvir Sarkozy e Hollande sobre
pontos fundamentais de seu programa para então definir-se por uma das
candidaturas.
Sarkozy deve acenar ainda mais para a direita
Analistas apontam que em 2007, ano em que a votação de Jean-Marie Le
Pen caíra muito em relação a 2002, Nicolas Sarkozy havia conseguido já
no 1º turno abocanhar os votos da extrema-direita. Agora, ela o rejeitou
na primeira votação. Mesmo correndo o risco de perder os votos do
centro, Sarkozy acenou que deve correr atrás dos extremistas.
Em seu discurso após a divulgação dos resultados, ele afirmou que o
“respeito às fronteiras” e a “luta contra a imigração”, além da “família
e do trabalho” deveriam ser temas prioritários do debate político do 2º
turno. Ele também mostrou-se compreensivo com o eleitor de
extrema-direita. “Vejo esta votação (em Le Pen) como um grito de dor. Meu dever é ouvir os franceses”.
Surpreendentemente, Marine Le Pen não deve se definir por nenhum dos
candidatos. Segundo um porta-voz, a Frente Nacional considera que
Hollande e Sarkozy têm “programas semelhantes”. Ela deve fazer uma
manifestação sobre o 2º turno no dia 1º de Maio, quando tradicionalmente
a Frente Nacional faz ato em memória a Joana D’Arc, mas dificilmente
irá abrir voto a alguém e, com um discurso contra a “política
tradicional”, é provável que ela peça o voto em branco.
No xadrez político, diz-se que Le Pen, que se considera a única
oposição possível à esquerda, torce por uma vitória socialista. Assim,
ela, que tem apenas 43 anos, contaria com a derrota de Sarkozy para
arrebanhar aliados em seu partido e se credenciar como grande liderança
da direita no país.
Buscando votos à extrema-direita, Sarkozy pode não conquistar o apoio
do centro. Com François Bayrou, a estratégia do atual presidente é
diferente, buscando apoio político, mas não necessariamente ideológico.
Nos bastidores, diz-se que o candidato à reeleição irá prometer a
indicação de Bayrou para primeiro-ministro. Ao mesmo tempo, Sarkozy
também tenta um discurso quase esquizofrênico, buscando acenar
timidamente para a esquerda. Após o pleito deste domingo, ele afirmou
que foi alvo de mentiras, criticou a cobertura da imprensa, e acusou os
socialistas de não irem onde estão os trabalhadores, mas em “jantares
caros”. Sarkozy também disse que sua campanha é voltada aos aposentados e
aos trabalhadores rurais “que não querem morrer”.
Crise empurra a Europa para os extremos
A ascensão da extrema-direita na França preocupa a União Europeia e
até governos de direita em países vizinhos. Segundo reportagem do El Pais,
um porta-voz da UE disse que estes ideais se chocam com os ideais
promovidos pelas instituições europeias. O ministro das Relações
Exteriores da Espanha, que é governada pela direita, também mostrou
preocupação, ressaltando que as duas grandes guerras foram precedidas
por “este tipo de ideologias, o que se acentua com as crises
econômicas”.
O jornal espanhol aponta que há crescimento da extrema-direita não só
na França, mas na Holanda, Áustria, Suécia, Dinamarca, Hungria, Itália e
no próprio Parlamento europeu. No país onde a crise financeira é mais
latente, a Grécia, houve crescimento dos dois extremos, esquerda e
direita. Fenômeno semelhante ocorre na França. É impossível ignorar o
enorme crescimento dos comunistas. Em 2007, eles haviam tido 2% dos
votos para presidente contra 11% no pleito atual, resultado mais de
cinco vezes superior.
O discurso da Frente de Esquerda capitaneada por Mélenchon era também
flagrantemente contra o status quo – o que não deixa de ser verdade,
mas 180 graus oposto, para o discurso de Le Pen. Até ao pedir voto para
Hollande, o comunista foi claro: era para votar contra uma Europa
sequestrada pelo sistema financeiro, ou, nas palavras do candidato
derrotado, “acabar com o diktat de Merkel e Sarkozy”.
Socialistas prometem não fazer concessões à extrema-direita
Para os socialistas, em uma análise que é corroborada por analistas,
Sarkozy é culpado pelo crescimento da ultra-direita. Ao fazer um governo
dúbio, que ora joga para a extrema-direita, ora joga contra ela, ele
acabou alimentando o monstro, por assim dizer. Já que o presidente
alimenta a extrema-direita, mas não chega a se assumir como tal, a
própria Frente Nacional foi quem mais ganhou com isto.
“Estou ciente de que há uma parte de nossos cidadãos que têm sido
tentados a ir para a extrema-direita, porque não sabem como traduzir as
suas decepções e desilusões. O chefe da ascensão da extrema direita é
aquele que, por vezes, usou as palavras da extrema-direita para tentar
impedir o seu progresso”, disse Hollande, no domingo à noite, apontando o
dedo para o adversário.
A estratégia de campanha do socialista não será a de alimentar a
extrema-direita. Ao contrário, será a de mostrar ao eleitor descontente
com o status quo, com o desemprego e a crise econômica, o voto na
esquerda pode ser a melhor opção. “Temos que provar que nós somos uma
resposta a esta raiva, não Sarkozy”, disse o dirigente socialista
Stephane Le Foll.
O dirigente afirmou ainda que Hollande não irá retroceder em nenhum
dos 60 compromissos de seu programa de governo. Não é um programa de
mudanças radicais, mas difere muito da agenda de Sarkozy e nem de longe
tangencia as ideias da extrema-direita.
No campo econômico, Hollande se propõe a ter um Estado muito maior do
que pregam Merkel, Sarkozy e o sistema financeiro. Um dos pontos
centrais é o aumento da carga tributária, com a recuperação de 29
bilhões de euros, eliminando “brechas fiscais”. Há também um aumento de
15% na taxação do lucro de bancos. Com os recursos, o socialista promete
a criação de um banco público de investimento para pequenas e micro
empresas, aumento dos subsídios à educação e à habitação. Outra medida
do programa de governo de Hollande vai totalmente na contramão das
reformas trabalhistas que estão sendo feitas em países europeus: o
socialista promete dificultar as demissões.
Quanto a questões ligadas à moral e os bons costumes, Hollande
promete opor-se totalmente à extrema-direita. Seu programa de governo
inclui o direito de casamento e adoção por casais homossexuais e a
permissão da eutanásia em alguns casos. No que diz respeito à imigração,
o socialista propõe aumentar os direitos dos estrangeiros, permitindo
que aqueles que vivem legalmente há cinco anos possam votar.
Com informações de Le Monde, Le Fígaro, RFI, El Pais, BBC, Carta Maior e PolicyMic
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