A passagem para o século XXI
veio acompanhada de profundas e complexas transformações no modo de
produção capitalista. Uma delas – talvez a principal – resulta da
emergência da economia do conhecimento que passou a redefinir
categorias básicas como o capital, valor e trabalho. Esta última
categoria, aliás, termina por incorporar crescentemente o saber em
novas bases, o que torna antiquado os atuais sistemas de educação e
formação laboral.
Com a elevação das competências laborais e a possível ampliação da
expectativa de vida para próximo de 100 anos, expande-se a demanda pela
formação por toda a vida e rompe-se a lógica educacional do século
passado comprometida somente com as fases mais precoces da vida humana
(crianças, adolescentes e alguns jovens). Adiciona-se a isso o avanço da
sociedade pós-industrial focado na geração de postos de trabalho no
setor terciário das economias (trabalho imaterial), cuja natureza
formativa diverge da inserção e trajetória laboral contínua no interior
das atividades primárias e secundárias da produção (trabalho material).
Novas formas de organização da produção de bens e serviços extrapolam o exercício
laboral para além do exclusivo local de trabalho. Ou seja, a
realização crescente do trabalho imaterial em qualquer local
proporcionado pelo uso recorrente das tecnologias de comunicação e
informação inovadoras, capaz de manter o ser humano plugado no trabalho
heterônomo por “24 horas ao dia”.
Não obstante o avanço tecnológico gerador de ganhos importantes de
produtividade material e imaterial na sociedade pós-industrial, aumenta a
pressão por maior tempo de uso do trabalho para a sobrevivência.
Trata-se do paradoxo contemporâneo concentrado na dissintonia entre a
possibilidade da menor dimensão do tempo de trabalho heterônomo e o
avanço das novas doenças do trabalho geradas pela intensificação do
trabalho nos tradicionais locais de emprego da mão de obra e extensão
das jornadas laborais em outras localidades (em casa ou em espaços
públicos) impostas pela combinação patronal das mudanças organizacionais
com inovações tecnológicas comunicacionais.
Com a transição para a sociedade pós-industrial abrem-se novas perspectivas de valorização do trabalho humano
para além da obrigação estrita à sobrevivência. A crescente
postergação do ingresso dos jovens no mercado de trabalho e a maior
redução no tempo do trabalho dos adultos, em combinação com a ênfase no
ciclo educacional ao longo da vida, representam possibilidades
inéditas para o mundo do trabalho, especialmente com a expectativa de
vida mais longa.
Para além da tradicional divisão laboral que demarcou o século XX,
por meio da setorização do trabalho urbano-industrial e agropecuário, há
avanços significativos nas atividades humanas centradas na concepção e
execução do processo de produção. Mas isso não se manifesta sem a
plena subsunção do trabalho não material, com a evolução da
intelectualização nos procedimentos de trabalho nos setores industriais
e de serviços, bem como pelo consumismo imposto pelo padrão de
produção insustentável ambientalmente.
De certa forma, prevalece um conjunto de intensas disputas
empresariais associadas à apropriação do conhecimento e da tecnologia, o
que contribui para a constituição de um novo paradigma organizacional
do trabalho, muito distinto do que prevaleceu durante o auge da
economia industrial no século passado. Mesmo que o padrão
fordista-taylorista de organização do trabalho urbano-industrial venha
sendo reprogramado, com as modificações introduzidas por uma série de
novidades processuais no âmbito da produção flexível (toytismo, just in
time), permanecem ainda os sinais de sua incapacidade plena no
atendimento das determinações laborais impostas por diferenciados e
inovadores espaços da acumulação capitalista.
A predominância das atividades de serviços no interior da estrutura
produtiva faz do exercício do trabalho imaterial objeto distinto do
material vigente na produção urbano-industrial. Pelo lado da
produtividade, registra-se a sua ascensão, embora de difícil mensuração
pelos tradicionais cálculos que relacionam avanços na produção física
com hora efetivamente trabalhada ou quantidade de trabalhadores. Por ser
cada vez mais direto, relacional, e informacional, bem como pela
demarcação de relações de tipo produtor e consumidor, o trabalho de
natureza imaterial expande-se pelo autosserviço e terceirização.
Nesta perspectiva, a economia do conhecimento faz com que o trabalho
desmaterializado deixe de ser mensurável em unidades de tempo,
conforme identificado desde a época de Adam Smith como um valor comum a
todas as mercadorias. Cada vez mais, o trabalho imaterial gerador de
valor pressupõe a presença de componentes comportamentais. Não mais o
tempo de trabalho comprometido, mas a motivação incorporadora do saber
vivo a ser estabelecido por método distinto do ensino e formação laboral
tradicionais.
Em síntese, o saber que não se compõe de conhecimentos específicos e
fragmentados a serem ensinados por formação especializada e formalizada
por escolas técnicas, faculdades e cursos setoriais. Com a
informatização, o aprendizado setorializado e formalizado impede o
desenvolvimento do conhecimento totalizante, ou seja, o saber da
experiência, da coordenação, da comunicação, da auto-organização, do
discernimento e das iniciativas criativas. Esse saber a ser incorporado
no trabalho imaterial não torna possível a sua aprendizagem pelo modo
tradicional de educar e formar mão de obra.
Talvez por isso, as grandes corporações empresariais aprofundem as
chamadas universidades corporativas (UC) com formação dos seus
empregados ao longo do tempo. Nos EUA, por exemplo, as UCs ultrapassaram
em quantidade as universidades tradicionais, enquanto no Brasil, as
400 maiores empresas já comprometem com formação para o trabalho o
equivalente a um quarto de todos os recursos comprometidos na educação.
A repetição de políticas públicas adotadas no passado compromete a
formação adequada para o trabalho imaterial, tornando o patronato da
grande empresa protagonista na difusão de uma educação favorável
estritamente aos objetivos privatistas. É necessário outro sistema de
formação pública, que resgate a totalidade dos valores do trabalho dos
antiquados métodos fragmentados e especializados no ensino e
aprendizagem formalmente setorializados.
Este texto é parte integrante da edição 108 de Fórum
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