sexta-feira, 11 de maio de 2012

Visitar ou (porque não?) revisitar Magritte

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José Goulão no BEINTERNACIONAL


Se estiver por Bruxelas, se passar por Bruxelas, se já visitou ou não visitou vale a pena passar um tempo no Museu Magritte. Não apenas pelo fantástico acervo reunido do pintor do cachimbo que não é um cachimbo, do livro que não é um livro, do surreal como real que ainda não existe. Sobretudo será um reencontro compensador com uma Europa de polémica, criatividade, cultura e ideias que vai desaparecendo a vertiginosa velocidade.
A obra de Magritte foi criada durante períodos gloriosos e trágicos do Continente que é conhecido por “velho” pelo seu papel como epicentro da cultura ocidental, dos movimentos ideológicos, sociais, culturais, filosóficos, científicos e humanistas que o atravessaram com riqueza prodigiosa repercutida em toda a História Universal. Magritte nasceu nas antevésperas do século das luzes e a sua obra cruza as duas guerras mundiais, a loucura dos anos vinte, as esperanças e ilusões do período de quarenta e cinco a cinquenta, o auge da guerra fria e ainda assimilou cores e sons dos renovadores anos sessenta.
Olhar para a sucessão de quadros expostos no museu instalado no Museu Real das Belas Artes de Bruxelas, sem restrições de tempo e obrigações de compromissos, é como deixar-se levar por uma viagem fantástica e pessoal através da Europa em vias de extinção, atingida agora pelos cratas de várias géneses manobrando ali nas vizinhanças, paradoxalmente também em Bruxelas, na ostentação do seu quartel de destruição.
Não há como sentir as cores, as formas, as ilusões, as distorções, as provocações os delírios para se perceber de modo inquietante e assustador o contraste entre a genialidade da criatividade e da liberdade humanas e a brutalidade feroz e repressiva das ideias quadradas com que se procura formatar em sistema operativo global o inesgotável potencial de progresso pulsando nos cérebros individuais.  Está aqui tudo, no espaço de alguns quarteirões - fragmentos do apogeu e armas de liquidação.
A viagem pelo Museu Magritte faz-se de tela em tela e passo a passo por um espólio documental onde encontramos a escrita, o desenho, as edições de revistas e manifestos, os artigos, as polémicas entre os maiores nomes da cultura, do humanismo e da cidadania europeias contemporâneos de Magritte, seus companheiros uns, seus rivais de tendências outros, numa vertigem capaz de derrubar barreiras de preconceitos, demolir muros de práticas inquisitoriais, alguns tão fortes que continuam a resistir – e a reconstruir-se.

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