domingo, 1 de julho de 2012

O racismo e a transformação social do Brasil

Por Dennis de Oliveira na REVISTA FORUM

O movimento negro brasileiro notabilizou-se em lutar contra injustiças sociais mais radicalizadas, como a violência social e policial, o extermínio de crianças e adolescentes negros, o aumento da miserabilidade, entre outros. Destaca-se a denúncia feita nos anos 1990 do documento da Escola Superior de Guerra, intitulado “Estrutura do Poder Nacional para o Século XXI”.
Esse texto, produzido em 1988 pelo think tank da ditadura militar, alertava que havia dois focos “perigosos” para a estabilidade do sistema: os “menores” de rua e os cinturões de pobreza. Por essa razão, o documento da ESG sugeria que os poderes constituídos lançassem mão de todos os mecanismos, inclusive “pedir o concurso das Forças Armadas para enfrentar esta horda de bandidos, neutralizá-los e mesmo destruí-los para que seja mantida a lei e a ordem”.

Uma entidade, a União de Negros pela Igualdade (Unegro) denunciou esse documento no I Encontro Nacional de Entidades Negras, realizado em 1991 no ginásio do Pacaembu,em São Paulo, lançando a palavra de ordem “Combate ao extermínio programado da população negra e pobre no Brasil”.
Foi um momento de resistência à ampliação da violência racial por conta da implementação do modelo neoliberal no País. O movimento negro participou ativamente da mobilização em prol do Estatuto da Criança e Adolescente, da campanha contra a esterilização indiscriminada de mulheres negras, contra o recrudescimento da violência policial, entre outras campanhas.
A pressão do movimento negro foi fundamental para que o Estado brasileiro reconhecesse, em1995, aexistência do racismo na sociedade brasileira. Naquele ano, de celebração do tricentenário de Zumbi dos Palmares, dois grandes eventos foram realizados. O primeiro, foi a Marcha Zumbi à Brasília, ocasião em que foi entregue ao então presidente da República um documento reivindicando políticas públicas de enfrentamento do racismo. O governo, ao receber o documento e constituir um grupo de trabalho interministerial, reconheceu publicamente a existência do racismo na sociedade brasileira.
Mas outro evento importante foi o Congresso Continental dos Povos Negros das Américas, realizado no Memorial da América Latina,em São Paulo, em que lideranças de organizações negras do continente se reuniram para discutir o panorama das relações raciais. O resultado disso foi a constituição de redes de articulação de entidades antirracistas na América Latina, que foi fundamental na participação na Conferência da ONU de Combate ao Racismo, em 2001, em Durban, África do Sul.

Racismo estrutural

No decorrer da preparação da Conferência de Durban, participei do Foro Social de las Americas na cidade de Quito, organizado pela Agência Latinoamericana de Información (Alai). Apresentei um texto intitulado “Racismo estrutural: apontamentos para uma discussão conceitual” (disponível em http://www.movimientos.org/dhplural/foro-racismo/noticias/show_text.php3?key=96).

A ideia básica desse texto é discutir o racismo como um mecanismo ideológico que legitima desigualdades sociais, culturais e de acesso ao poder. É retirar o tema do racismo do “comportamento individual” apenas e tão somente e discuti-lo na perspectiva das estruturas sociais de poder. Naquele momento, o neoliberalismo radicalizava a exclusão e a concentração de renda, razão pela qual as formas mais cruéis de racismo apareciam no cenário político – como a ideologia nazista em países europeus.
Dessa forma, o enfrentamento do racismo tem uma natureza política. E, aí, entram aspectos importantes que precisam ser refletidos pelos movimentos sociais na sua atuação.

Primeiro:O racismo como ideologia reproduz e consolida estruturas sociais de poder desigual e de concentração de renda. Dessa forma, a construção de uma sociedade mais justa e igualitária passa, necessariamente, pelo enfrentamento do racismo.

Segundo:O racismo cria privilégios de caráter racial, em maior ou menor grau, que beneficiam sujeitos mesmo entre classes sociais equivalentes. Assim, a vigilância antirracista tem de ser permanente, e não “seletiva” no sentido de “perdoar” eventuais manifestações racistas porque elas acontecem dentro de segmentos sociais que lutam por um mesmo ideal.

Terceiro:A luta contra o racismo necessita de uma ampliação do protagonismo das lideranças negras nos espaços de visibilidade pública dos movimentos sociais e organizações partidárias.
E, finalmente, o quarto aspecto: É preciso que a luta contra o racismo incorpore elementos importantes para a afirmação dos afrodescendentes como portadores de valores simbólicos próprios. A defesa das manifestações culturais de matriz africana não pode ser feita de forma meramente instrumental e até demagógica: deve ser parte efetiva de um projeto de transformação radical do País. 

Nenhum comentário: