quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Síria: Para onde vai a revolução confiscada e a preparação de intervenção militar imperialista

 


Em dezembro de 2010 teve início um movimento revolucionário que se espalhou pelo Magreb (Norte da África) e Oriente Médio. Começou na Tunísia derrubando a ditadura de Ben Ali, derrubou Mubarak no Egito e ameaçava todos os regimes da região.
As formas e o próprio desenvolvimento da situação revolucionária variaram em cada país, mas seu conteúdo era o mesmo, uma revolta das massas contra as condições de vida que lhes eram impostas pelas tiranias a serviço do imperialismo. A autoimolação do jovem Mohamed  Bouazizi foi o estopim, mas a situação que levou a água à borda do copo foi a crise econômica mundial que atinge violentamente as condições de vida dos povos e o aumento da exploração e repressão sobre os trabalhadores.
Na Líbia frente a uma verdadeira insurreição popular que se iniciava o regime começava a se desagregar e o imperialismo toma a iniciativa de buscar legitimar os opositores burgueses e assim assumir o controle da situação, impedindo um aprofundamento revolucionário. Em nome de um hipócrita humanitarismo o imperialismo intervém na Líbia diretamente. Esta intervenção provoca por um lado um recoesionamento dos setores leais a Kadafi e por outro coloca o controle da situação nas mãos dos seus agentes locais. O resultado foi o recrudescimento da guerra, sectarização da luta e a destruição do país, com a população que havia iniciado a insurreição afastada da cena tendo confiscada sua revolução e o controle do país tomado por bandos armados.
Na Síria, o imperialismo, notadamente o norte-americano e francês, além dos regimes reacionários locais, como Arábia Saudita e outros, todos se lançaram imediatamente para impedir a generalização da revolução e se dedicam a deturpar a revolução, desviá-la conduzindo e preparando a situação para uma intervenção militar imperialista da ONU, ou de outra força imperialista diretamente.
Na Líbia no inicio eles foram surpreendidos e não estavam seguros de assumir o controle frente a independência do movimento. Entretanto a falta de organização e de direção política, a violência de Kadafi e a transformação da insurreição nas cidades em combate de exércitos colocou a direção nas mãos daqueles que o imperialismo armava e deslocou os métodos e o resultado final da luta popular chegando a estabelecer um governo abertamente pró-imperialista e desagregando o país em uma guerra de milícias e tribos. Agora, eles tomam iniciativas mais rapidamente inclusive pelo lugar e grau de desenvolvimento da Síria na região.
A Síria está sendo levada a destruição enquanto o imperialismo deturpa a verdadeira insurreição popular que buscava se livrar de Assad, e prepara uma intervenção. Em todos os casos, tanto na Líbia como na Síria, trata-se de criar condições para impedir que uma verdadeira revolução tenha lugar e coloque o problema da exploração e da opressão na mesa para ser resolvido. Tanto na Líbia como na Síria no inicio do processo as insurreições populares começaram a constituir Conselhos Populares com delegados eleitos e revogáveis que assumiam as tarefas de direção e controle de cidades. Para os capitalistas e seus agentes este é um processo que é preciso interromper a qualquer custo.  
Só no último mês de agosto estima-se que 100 mil pessoas abandonaram a Síria de Bashar Al-Assad, no poder desde 17 de julho de 2000, quando substituiu seu pai, Hafez al-Assad que assumiu o controle do país, em 1970, em um golpe dentro do golpe que ele e outros haviam dado em 1963.
A TV não pára de mostrar cenas de guerra e de horror. A imprensa burguesa apresenta os fatos fingindo-se alarmada e preparando o terreno para uma intervenção militar imperialista.
O conflito na Síria, assim como foi na Líbia, coloca questões políticas importantes. Ex-estalinistas, grupos pequeno-burgueses e diversas seitas se colocaram desde o início contra as manifestações populares que enfrentavam a ditadura de Assad gritando que se tratava de “ações imperialistas infiltradas” contra um regime progressista e anti-imperialista. Essa lamentável posição de capitulação a um regime reacionário e sanguinário é expressão da falência política destas correntes.
Por um lado, afastam a história e por outro não levam em consideração os sentimentos das massas revoltadas, mas apenas as declarações hipócritas do regime. E por fim, de fato, consideram as massas populares como uma manada sem discernimento e sem objetivos, capaz de ser “levantada” por intrigas imperialistas secretas. O absurdo de conceder ao imperialismo a capacidade de em ações secretas conseguir jogar as massas contra um regime progressista é a prova de que estas correntes não têm nenhuma confiança no povo trabalhador e se movem pela ação dos aparelhos. Eles não se movem pelas necessidades profundas dos oprimidos. São meros impressionistas incapazes de distinguir a realidade da farsa.
O fato é que ninguém organizou ou previu a explosão popular contra o regime assassino, nem mesmo os serviços de Inteligência do imperialismo ou seus melhores analistas. O influente "The Economist Intelligence Unit" previa um futuro de paz para Damasco. Ninguém viu a insurreição que chegava.
Em fevereiro de 2011, poucos dias após o ditador Hosni Mubarak foi derrubado no Cairo, Bashar Al-Assad, dizia em público que “as revoluções recentes na Tunísia e no Egito nunca poderiam ser repetidas em seu país porque o povo sírio apreciava seu regime e sua  resistência contra o sionismo e imperialismo”.
Apenas Assad fez esta previsão e milhares de habitantes da cidade de Derá, no sul do país, tomaram as ruas para protestar contra a detenção e interrogatório de vários adolescentes que tinham escrito grafites contra o governo. Era 15 de março, o primeiro dia de uma rebelião que foi inicialmente pacífica, mas que desde o início sofreu uma repressão contundente e sangrenta.  A rebelião logo se espalhou a partir do epicentro de Derá para as províncias periféricas do país até ser deslocada pela fabricação do Exército Livre Sírio que transformou a insurreição em guerra de guerrilha nas cidades afastando o componente de luta de massas.
Mas, o prognóstico de Al-Assad não foi o único errado. Especialistas de todo tipo fizeram previsões semelhantes nos meses anteriores. Um relatório da Economist Intelligence Unit (EIU), de junho de 2010, analisa a situação política e econômica na Síria e faz previsões para o segundo semestre de 2010 e todo o ano de 2011. Diz o relatório que o regime de Assad “talvez faça algumas reformas políticas limitadas" nesse período, mas insiste que a sua posição não está ameaçada. "O presidente Assad deve permanecer no poder em 2010 e 2011 e apesar de algumas tensões dentro do regime, não há nenhuma ameaça significativa para seu governo", prevê o relatório.
O levante sírio veio como uma surpresa da mesma forma que as revoltas na Tunísia e no Egito não foram previstos por ninguém, incluindo os próprios regimes, até que estouraram. E isso inclui os serviços de inteligência das potências ocidentais, entre os quais estão os Estados Unidos que se aprontavam para enviar um novo embaixador para a Síria já que não tinha ninguém ali neste posto há cinco anos. Mas, os eternos conspiradores que nunca confiam nas massas são incapazes de compreender isso.
A insurreição popular iniciada contra Assad apavorou não só o regime, mas seus aliados e adversários imperialistas. A derrubada do regime e a extensão de Conselhos Populares controlando cidades não é o tipo de regime e estado que os capitalistas possam apoiar, em nenhum caso. Era preciso por um lado intensificar a repressão para aterrorizar e estancar a revolução e por outro criar as condições para tirar as massas da cena e organizar um conflito de tipo militar entre frações armadas pelo regime e por seus adversários. Esse foi o papel reservado ao autoproclamado Exército Livre Sírio.
Os massacres ordenados por Assad levaram a uma situação em que a violência com que os soldados eram obrigados a reprimir seu próprio povo propiciou deserções massivas no exército. Muitos desses soldados não tinham outra coisa a fazer que juntar-se à iniciativa de grupos religiosos armados pela Arábia Saudita, Qatar e outras organizações integristas muçulmanas que constituíam o autoproclamado Exército de Libertação Sírio (ELS). Muitos dos massacrados sobreviventes também fugiram e se enredaram no ELS, única força com meios de propiciar a sobrevivência e armas. Estes soldados desertores e os sobreviventes, sinceros combatentes pela derrubada de Assad, engrossaram o que até então era um grupo armado por regimes rivais.
No ELS entraram oficiais que apoiavam o regime, mas mudaram de lado como ratos que abandonam um navio naufragando assim como mercenários dos países vizinhos cujo soldo é bancado pelos mais reacionários regimes da região. O Qatar e Arábia Saudita, e diversas lideranças religiosas pretendem derrubar Assad e impor um regime a sua imagem. O fato de Assad pertencer à minoria alauita em um país predominantemente sunita é apontado por essa gente como a causa de todos os seus crimes. Fomentando o ódio religioso, buscando transformar a revolução em uma jihad (guerra santa), contra os inimigos do Islã.
A ação do ELS iniciando a luta armada interrompeu os protestos de massas e o processo dos conselhos populares que se desenvolvia. O ELS não representa uma vanguarda revolucionária que poderia constituir-se uma milícia proletária independente, mas é a expressão da degeneração da revolução em contrarrevolução através do predomínio de forças e interesses em oposição à insurreição das massas cansadas da exploração capitalista que o regime representava. O ELS pede armas às monarquias locais e um intervenção militar imperialista, o que já mostra seu caráter.
A dita luta armada do ELS impede as massas de utilizarem seus métodos de luta e as atomiza em “civis” ou “soldados”. Torna impossível que as manifestações continuem e impede a organização da classe trabalhadora nos seus locais de trabalho fazendo uso de suas armas históricas, como as greves e paralizações para golpear regime e classe inimiga.
Paralelamente à constituição do ELS, uma parcela da burguesia nativa da Síria, ao perceber que Assad não teria condições de se manter no poder e que era uma questão de tempo para sua deposição, autoproclamou-se direção da revolução sob o nome de Conselho Nacional da Síria (CNS). Um conglomerado de burgueses liberais, que deseja a deposição de Assad tanto quanto teme a tomada do poder pelas massas de trabalhadores. E por isso mesmo tem clamado abertamente pela intervenção militar imperialista no país.
Hoje não há uma organização revolucionária de massas dos trabalhadores na Síria, uma  organização à qual eles possam se agarrar nesse momento revolucionário para golpear Assad. A falta de organizações de massa dos trabalhadores cria um vácuo que em política nunca permanece muito tempo sem ser ocupado.
As massas deram início a uma experiência de Conselhos Populares de tipo soviético na cidade de Zabadani, na fronteira com o Líbano, ao final de 2011. Não por acaso esta cidade foi alvo de ataques sucessivos até que ao final de janeiro desse ano foi tomada pelo exército. O resultado foi massacre, repressão, prisões, tortura e estupros de pessoas de todas as idades. A intenção de Assad era fazer fracassar a experiência dos Conselhos antes que seu exemplo permitisse apontar para uma nova ordem social.
As consequências dessa repressão foram dramáticas. Desde as crescentes deserções engrossando as fileiras do ELS até o crescimento de lideranças religiosas na revolução com consignas reacionárias. Eles apenas dividem os trabalhadores ocultando que os interesses do conjunto da classe não são distintos, seja de um sunita, xiita, alauita, curdo, cristão ou druso. O resultado é também um coesionamento das forças sob controle de Assad.
A forma de impedir a completa degeneração do processo revolucionário em curso, de barrar uma intervenção militar imperialista ou dos regimes da região diretamente, é a entrada em cena das massas trabalhadoras com seus métodos históricos de greves gerais, manifestações de massas, ocupação de fábricas e empresas colocando-as sob o controle dos trabalhadores, demonstrando quem é que comanda e controla a economia da sociedade, paralisando o regime até a sua liquidação. Este é o caminho para uma saída positiva frente a atual situação e ao sofrimento das massas sírias.
O que necessita a revolução síria para salvar-se é a constituição imediata de conselhos populares de trabalhadores, em todas as fábricas e locais de trabalhos, mas também nos bairros, democraticamente eleitos, a organização de milícias armadas proletárias sob controle dos Conselhos, armamento geral das massas, para depor Assad e varrer o regime. Frente a estas ações o regime seu exército se desagregarão. Foi assim no Irã em 1979, foi assim na Tunísia e em tantas outras revoluções.
A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores, como disse Marx, assim repudiamos e nos opomos a qualquer intervenção estrangeira, mesmo que envolta no véu “humanitário”. Que o povo sírio, através de conselhos revolucionários e da tomada do poder resolva a situação tomando seu destino em suas próprias mãos. Nenhuma confiança no CNS ou no ELS que apenas militarizou a revolução apagando o protagonismo e participação popular do processo, transformando em guerra civil sangrenta de duas frações reacionárias em luta pelo poder, sem que nenhuma represente um futuro digno ou o final das condições que propiciaram o início dos protestos das massas sírias.
As massas são plenamente capazes de concluir o processo revolucionário que iniciaram.
Uma união de todos os trabalhadores do campo e da cidade, sem divisões religiosas ou  étnicas, a partir da deposição de Assad, deve constituir o único poder legítimo e reconhecido, para que as tarefas da revolução sejam conduzidas até o fim.
Essas são as condições para que a revolução não se perca e tenha por consequência mais que a deposição de um tirano sanguinário, mas o início de um tempo onde todas as riquezas socialmente produzidas deixem de ser apropriadas por uma camarilha de parasitas e passem a ser distribuídas e utilizadas no interesse social do povo sírio.
Fora disso, se as tropas imperialistas entrarem na Síria as armas dos revolucionários estarão voltadas contra eles. De uma intervenção imperialista só se pode esperar a desagregação da Síria, como fizeram na Somália e agora na Líbia, e um aumento do sodfrimento de todo o povo e ameaças sobre toda a revolução árabe e do Magreb.   
Fora com a intervenção imperialista! Viva a primavera árabe!

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