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sábado, 30 de junho de 2012

A grande mídia ataca aprovação de 10% para educação

No blog do LUIZ ARAUJO
 
Os editoriais do Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo do dia de hoje expressam, de maneira límpida e clara, o pensamento do governo e do grande empresariado sobre a aprovação pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados de um percentual de 10% de investimento direto em educação ao final dos próximos dez anos.


Quais são os principais argumentos que a grande mídia, o governo e o grande empresariado enumeram nos dois editoriais:

1. A decisão da Comissão Especial representou um gesto eleitoreiro (“já comas atenções voltadas para a campanha eleitoral”);

2. Foi fruto da pressão das corporações da educação (de “movimentos sociais, ONGs e entidades de estudantes e de professores” ou de “de entidades ligadas ao ensino”);

3. Foi um gesto demagógico e de irresponsabilidade com as finanças nacionais (“Mais uma vez populismo, demagogia e chantagem política dão os braços no Legislativo para maquinar propostas que, sob a aparência de soluções generosas para os males do país, constituem gritante irresponsabilidade financeira” ou “sob o pretexto de valorizar o

magistério público e triplicar a oferta de matrículas da educação

profissional e técnica de nível médio”);

4. Os gastos atuais da educação já se encontram em patamar aceitável e semelhante à de outros países desenvolvidos (“o que está na média dos países desenvolvidos” ou “um percentual compatível com os padrões internacionais”);

5. A educação não precisa de mais recursos e sim gastar os existentes de forma mais responsável (“O problema da educação brasileira, contudo, não é de escassez de

recursos. É, sim, de gestão perdulária”)

6. O agravamento da crise econômica mundial indica que não se deveria apontar para aumentos de investimentos nas áreas sociais (“Como disse a presidente Dilma Rousseff, não é hora nem de promover aventuras fiscais nem de brincar à beira do precipício” ou “Um Congresso mais sério daria sua contribuição para melhorar, e não deteriorar, o quadro econômico”);

7. Certamente o Senado Federal será mais responsável que seus pares da Câmara dos Deputados (“No Senado, o Planalto espera que o projeto seja votado após as eleições, quando os senadores poderão agir mais responsavelmente do que os deputados”);

Não reconheço nos argumentos nada que não tenha sido dito e escrito por diferentes ministros da Educação e da Fazenda dos últimos governos (de FHC, passando por Lula e agora Dilma), mas cabe debatê-los de forma incisiva mais uma vez (e quantas vezes forem necessárias fazê-lo!):

1. As eleições sempre influenciam as decisões do legislativo. É justamente nesta época que os parlamentares precisam medir se seus votos implicarão em prejuízos eleitorais. Considero isso muito positivo, pois tal atitude de ouvir os anseios dos seus eleitores deveria ser seguida durante todo o mandato e não somente nos períodos eleitorais. É direito dos eleitores, dentre eles os milhões que possuem filhos em escolas públicas ou que não conseguiram exercitar este direito de forma plena, cobrar dos seus representantes que votem em propostas que ampliem e/ou consolidem direitos inscritos na Constituição, dentre eles o direito à educação de qualidade para todos e em todos os níveis;

2. Hás um reconhecimento importante feito pelos editoriais: a votação foi fruto da pressão da sociedade civil organizada. É óbvio que o olhar do empresariado (que financia a grande mídia) é que organizações não governamentais, entidades sindicais e estudantis são empecilhos ao desenvolvimento do país, leia-se desenvolvimento pleno do capital sem entraves que limitem a sua “desejável” taxa de lucros. Mesmo de maneira preconceituosa e conservadora os editoriais conseguiram captar uma verdade importante: com luta e organização a sociedade conquista direitos!;

3. Realmente os movimentos sociais se mobilizaram guiados pelo que a mídia chama de “pretexto”. Queremos a garantia plena do direito a educação. Isso significa mais vagas nas escolas (em todas as etapas), crescimento público da oferta de vagas, elevação do padrão de qualidade e assim por diante;

4. E, obviamente, que o centro das críticas é sobre a necessária responsabilidade fiscal e de como devemos enfrentar os efeitos da crise econômica mundial. Aqui fica clara uma concordância do empresariado e do governo: ambos advogam redução de gastos públicos como um bom remédio para equilibrar as finanças nacionais. Não há disposição para cortar recursos destinados aos bancos, especialmente os destinados a pagamentos de amortização, juros e rolagem da dívida pública, que é a principal fonte da crise mundial. Advogam a receita que está destruindo os direitos sociais gregos, portugueses, espanhóis e italianos. Todos que se levantarem contra esta política de jogar nas costas dos trabalhadores o ônus do pagamento de uma crise provocada pelo sistema financeiro serão tratados como “irresponsáveis”, que “querem jogar o país no precipício”. Eles jogaram o mundo no precipício e querem que nós paguemos a conta do resgate;

5. Não é verdade que o dinheiro aplicado em educação em nosso país seja suficiente, mesmo que parte destes recursos seja desviada pela corrupção e pela má gestão. No Nordeste, por exemplo, os governos municipais dispuseram de apenas R$ 1800,00 por aluno ano para garantir funcionamento de suas creches. Sem corrupção renderia um pouco mais estes recursos, mas mesmo assim seriam insuficientes. E temos milhões de brasileiros fora da escola, em todos os níveis e etapas. A campanha Nacional pelo Direito à Educação produziu Nota Técnica que demonstra a necessidade de pelo menos 10% para cumprir as metas necessárias à melhoria da educação brasileira;

6. Não é verdade que nossos investimentos estejam compatíveis com os realizados por outros países desenvolvidos. É necessário analisar duas variáveis: o quanto estes países desenvolvidos aplicaram em educação quando tinham desafios educacionais do tamanho dos que temos hoje no Brasil e qual o universo de educandos que precisam atender proporcionalmente ao PIB de cada país. Quem quiser conhecer melhor os limites destas comparações pode baixar a apresentação feita pelo professor Nelson Cardoso (UFG) em audiência pública da Comissão Especial da Câmara;

7. A esperança do governo, do empresariado e da mídia é que, passadas as eleições, os parlamentares voltem a se comportar de “maneira responsável”, ou seja, que no Senado Federal os nossos representantes ouçam a “voz do mercado” ou a “voz do governo” e tampem os ouvidos para “a voz do povo”. Certamente a sociedade civil organizada trabalhará para que as conquistas arrancadas pela mobilização na Câmara sejam consolidadas e novas conquistas sejam alcançadas.

Os editoriais são uma demonstração nítida de como será travada na próxima etapa de tramitação do Plano Nacional de Educação.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Protesto reúne indignados com as políticas do governo Tarso


Professores, funcionários de escola, estudantes e trabalhadores de outras categorias realizaram na tarde desta sexta-feira (29), em Porto Alegre, uma manifestação de protesto contra as políticas do governo Tarso para a área da educação e de outras áreas de responsabilidade do poder público.
Da sede do CPERS/Sindicato, na avenida Alberto Bins, os manifestantes se deslocaram até o Palácio Piratini. Bandeiras, faixas, banners e outros materiais com frases de protesto emprestaram cores à caminhada, que passou pelas ruas Otávio Rocha, Dr. Flores, Salgado Filho e Jerônimo Coelho.
Na Praça da Matriz foi lembrado que o governo Tarso realizou um concurso público feito para que a aprovação fosse a mínima possível. A contradição explicitada nos critérios de avaliação evidencia a proposta do governo. Tarso tinha como objetivo desmoralizar a categoria perante a opinião pública e manter a política de contratos emergenciais.
Tarso não quer nomear porque isso dá direito ao ingresso no plano de carreira. O governador prefere manter os contratos emergenciais, pois esse tipo de vínculo não oportuniza ao trabalhador as vantagens que o plano garante.
Os manifestantes lembraram que Tarso governa o estado que menos investe em educação no país. O governador também se nega a cumprir a lei do piso para professores e funcionários, mesmo que isso tenha sido promessa de campanha, e ainda aumentou a contribuição de todos os servidores para a previdência de 11% para 13,25%.

A manifestação foi encerrada com os presentes chutando baldes em frente ao Palácio Piratini. Chutar baldes foi o jeito encontrado para mostrar a indignação de todos que estão sendo prejudicados pelas políticas do governo, voltadas a atacar direitos e manter privilégios.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato
Foto: Cristiano Estrela

quinta-feira, 28 de junho de 2012

CNTE: A vitória da mobilização!

Sitio da CNTE

Ontem (26) parte do Congresso Nacional brasileiro fez história! A Comissão Especial do Plano Nacional de Educação concluiu a votação do PL 8.035/10 fixando o percentual de investimento na educação pública em 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Até o quinto ano de vigência do PNE o investimento direto na educação (pública) deverá ser de 7% do PIB e ao final do decênio, 10%. Foi uma vitória gigantesca da sociedade, que pressionou os parlamentares da Comissão para seguir a orientação da Conae 2010, devendo, agora, o trabalho de convencimento ser transferido para o Senado Federal. Antes disso, porém, é preciso afastar qualquer tentativa de procrastinação do trâmite do PNE na Câmara dos Deputados, através de eventual apresentação de recurso ao plenário da Casa.
Além do percentual de 10% do PIB, a Comissão Especial também estabeleceu prazo de um ano, após a aprovação do PNE, para o Congresso Nacional aprovar a Lei de Responsabilidade Educacional - outra reivindicação da sociedade. No que diz respeito à meta 17, o prazo para a equiparação da remuneração média do magistério com a de outras categoriais profissionais de mesmo nível de escolaridade foi reduzido para o sexto ano de vigência do plano decenal, impondo a necessidade de se preservar a política de valorização real do piso nacional da categoria.
Sobre a viabilidade dos 10% do PIB, é preciso esclarecer que a Comissão Especial amparou-se não apenas na vontade popular histórica, mas, sobretudo, nos estudos sobre a necessidade desse percentual específico - apresentados por acadêmicos renomados - e sobre a viabilidade do financiamento, demonstrado pelo próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Governo Federal.
Contudo, ainda falta ao Congresso aprovar o regime de cooperação entre os entes federados, previsto no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, o qual deverá fixar as parcelas contributivas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o financiamento da educação. Esse ponto equivale a uma minirreforma tributária e não há dúvida que será de grande embate no Congresso. Ele é fundamental para equilibrar o financiamento da educação, à luz da aplicação do Custo Aluno Qualidade, e para viabilizar as metas do PNE - atualmente, quem mais arrecada impostos, a União, é quem menos contribui para o investimento educacional.
Por outro lado, a cooperação institucional vinculará os compromissos fiscais das três esferas administrativas, que se autofiscalizarão sobre a potencialidade e a execução de suas receitas de impostos, visando à harmonia do pacto federativo e à qualidade da educação com equidade nacional em todos os níveis, etapas e modalidades.
Neste momento, a CNTE regozija-se com seus parceiros de luta na defesa da educação pública, laica, democrática e de qualidade socialmente referenciada para todos e todas, e espera reencontrá-los nas próximas jornadas pela aprovação do PNE - ou seja: na sequência do processo legislativo e na sanção - sem vetos - pela presidenta Dilma Rousseff. Em seguida, os nossos esforços concentrar-se-ão na efetiva aplicação de políticas públicas que conduzam ao cumprimento das metas do PNE e ao controle social das verbas públicas, a fim de que a educação se torne, efetivamente, prioridade para a superação dos gargalos que emperram a promoção do desenvolvimento social e sustentável de nosso país.

domingo, 17 de junho de 2012

Diane Ravitch: De onde sopram os ventos de destruição da educação pública


por Luiz Carlos Azenha

Os argumentos políticos e ideológicos são apenas pretexto para os que pretendem destruir a educação pública e gratuita para todos: eles correm atrás é de lucro. A matriz é estadunidense, mas o movimento é global e encontra forte apoio na mídia corporativa, já que grandes empresas do ramo também oferecem “serviços educacionais”. O lobby dos empresários do ramo conven$e à esquerda e à direita. Culpar os professores pela falência sistêmica abre espaço para a venda dos testes padronizados, das apostilas de apoio didático, de vagas e de outras invencionices que rendem bilhões de dólares e reais.
Por isso traduzimos o artigo a seguir, do New York Review of Books: é um mapa do que já está acontecendo ou pode vir a acontecer no Brasil.

A deseducação de Mitt Romney

por Diane Ravitch, no NYRB

Em 23 de maio a campanha [do pré-candidato republicano à Casa Branca Mitt] Romney divulgou o programa de educação do candidato intitulado “Uma oportunidade para toda criança: o plano de Mitt Romney para restaurar o futuro da educação estadunidense”. Se você gostou das reformas educacionais do governo George W. Bush, você vai amar o plano de Romney. Se você acha que entregar as escolas para o setor privado vai resolver o problema, o plano vai deixá-lo entusiasmado.
Os temas centrais do plano Romney são um requentado das ideias republicanas para a educação dos últimos trinta anos, ou seja, subsidiar os pais que querem mandar suas crianças para escolas privadas ou religiosas, encorajar o setor privado a operar escolas, colocar os bancos privados no controle de programas de financiamento de bolsas de estudos, cobrar de professores e escolas os resultados de exames obtidos por alunos e reduzir as exigências para a admissão de novos professores.
Estas políticas refletem a experiência dos assessores de Romney, dentre os quais há uma dúzia de ex-integrantes do governo Bush e vários acadêmicos conservadores, entre eles o ex-ministro da Educação Rod Paige, o ex-subsecretário de Educação Bill Hansen e os militantes pelo direito de escolha dos pais, John Chubb e Paul Peterson.
Ao contrário de George W. Bush, que negociou com um Congresso controlado pelos democratas para aprovar o [programa de educação] “Nenhuma Criança Deixada para Trás”, Romney não faz acordo com ninguém. Ele precisa provar à base do Partido Republicano — especialmente a evangélica — que é realmente conservador. E este plano é o seu “missão cumprida” [referência à anedótica "Missão Cumprida" de Bush, que celebrou a vitória no Iraque antes da insurgência que devastou o país].
Romney dá apoio total ao uso do dinheiro do contribuinte para pagar bolsas de estudos em escolas privadas [vouchers], às escolas gerenciadas pela iniciativa privada e às escolas online que buscam lucro, além de qualquer outra alternativa às escolas públicas. Como Bob Dole [candidato republicano] em 1996, Romney demonstra desprezo pelos sindicatos de professores. Ele assume posição firme contra a certificação de professores — as exigências mínimas de que futuros professores devem passar por exames estaduais ou nacional para demonstrar seu conhecimento –, alegando se tratar de uma barreira desnecessária. Ele acredita que o número de alunos por sala de aula não importa (embora ele e os filhos dele tenham frequentado escolas privadas de elite, onde as classes são pequenas). Romney alega que “escolha” na educação é “o direito civil de nossa era”, um tema familiar entre os reformistas da educação de hoje, que usam a ideia para fazer avançar suas tentativas de privatizar a educação pública.
Quando se trata de universidades, Romney ataca Obama pelo aumento nos custos da educação superior. Ele alega que ajuda federal leva ao aumento das anuidades, por isso não pretende dar financiamento aos estudantes endividados. O plano não menciona que as anuidades aumentaram também em universidades públicas (onde estudam 3/4 de todos os estudantes), já que os estados reduziram seus orçamentos para educação superior e transferiram o peso de pagar dos contribuintes para os estudantes.
Romney pretende encorajar o envolvimento do setor privado na educação superior ao dar a bancos privados o papel de intermediários nos empréstimos federais para a educação, o que Obama eliminou em 2010, por ser custoso. (Até 2010, os bancos recebiam subsídios do governo federal para fazer empréstimos a estudantes, mas o governo assumia todos os riscos da inadimplência. Quando o programa foi reformado pelo governo Obama, bilhões de dólares em lucro dos bancos foram redirecionados para dar bolsas a estudantes necessitados). Para cortar custos, Romney encoraja a proliferação de universidades privadas online.
O plano de educação de Romney diz que nenhum dinheiro novo será necessário, já que gastar mais com as escolas não resolve os problemas da educação. No entanto, ele propõe o uso de dinheiro público para promover suas prioridades, como bolsas em escolas privadas, escolas gerenciadas privadamente e escolas online. Ele também quer usar dinheiro federal para recompensar estados que “eliminarem ou reformarem a estabilidade de emprego dos professores, com foco no avanço dos estudantes”. Traduzido, isso significa que Romney se dispõe a dar dinheiro federal aos estados que eliminarem os direitos dos professores e se eles pagarem mais aos professores cujos estudantes tiverem resultados melhores em testes-padrão, demitindo os professores cujos alunos não conseguirem isso.
Ao defender as bolsas — nas quais o governo financia o pagamento das mensalidades em qualquer escola privada ou religiosa escolhida pelos pais — Romney exagera os dados; algumas de suas afirmações são simplesmente falsas. O plano de Romney diz que o programa de bolsas do Distrito de Columbia [onde fica Washington, a capital dos Estados Unidos], que começou em 2004, o primeiro a usar dinheiro federal para subsidiar escolas privadas, é “um modelo para a nação”. Afirma que “depois de três meses, os estudantes podiam ler em níveis que só seriam atingidos 19 meses depois por alunos de escolas públicas”.
É simplesmente falso. Uma avaliação do programa requisitada pelo Congresso descobriu que os estudantes que receberam as bolsas não tiveram ganhos de leitura ou matemática. Como disse o relatório final, “não há provas de que o OSP [Programa de Bolsas Oportunidade] tenha afetado as conquistas dos estudantes”. Romney alega que 90% dos estudantes que receberam bolsas em escolas privadas se formaram no ensino médio, comparado com 55% nas escolas de baixo rendimento do Distrito de Columbia. Mas é exagero. A avaliação federal disse que 82% dos que receberam bolsas se formaram, contra 70% entre os estudantes que pediram bolsas mas não conseguiram. É um ganho respeitável, mas nem de perto chega aos números citados por Romney. Como estudantes que disputam as bolsas tendem a ser mais motivados que os que não disputam, os cientistas sociais geralmente comparam o resultado final entre os que conquistaram as bolsas e os que ficaram de fora.
Paradoxalmente, a campanha de Romney assume crédito pelo fato de que [o estado de] Massachussets lidera a nação nos testes federais de leitura e matemática conhecidos como National Assessment of Educational Progress.
Mas Romney não foi o responsável pelo sucesso acadêmico do estado, que se deve a reformas completamente diferentes das que ele agora propõe para o país.
A reforma no estado se tornou lei pelo menos uma década antes de Romney começar seu mandato de governador, em 2003.
O Ato de Reforma de Educação de Massachusetts envolveu o compromisso do estado de dobrar o financiamento da educação de 1,3 bilhão de dólares em 1993 para 2,6 bilhões em 2000; o compromisso de financiamento mínimo para todo distrito escolar, de acordo com suas necessidades básicas; o desenvolvimento de um forte currículo de Ciências, Artes, Língua Estrangeira, Matemática e Inglês; a implementação de um programa de testes baseado no currículo completo (por causa do custo, o estado testava apenas para leitura e matemática); a expansão do desenvolvimento profissional dos professores; e o teste de futuros professores. No fim dos anos 90, antes que Romney assumisse o governo, o estado aumentou o financiamento para as crianças em idade pré-escolar.
O plano de Romney, em contraste, é animado pela reverência ao setor privado. Embora fale pouco sobre a melhoria ou o investimento em educação pública, que é tratada como instituição falida, um grande entusiasmo é dedicado à inovação e ao progresso que supostamente ocorrem quando pais usam dinheiro público federal para colocar os filhos em instituições privadas ou em escolas privadas online. Massachusetts conseguiu sucesso ao melhorar o padrão de exigência para novos professores, não ao reduzí-lo. Massachusetts não eliminou a estabilidade dos professores, ou seja, o direito que os professores experientes têm de serem ouvidos antes da demissão.
A educação superior, garante Romney, vai florescer quando “inovação e novas aptidões” forem mais importantes que “tempo em sala-de-aula”. Em português simples, a última sentença significa que a educação superior se tornará mais acessível quando estudantes se matricularem em escolas online, muitas das quais visam lucro e custam barato. Naturalmente que as universidades online são mais baratas; não envolvem custos de capital, bibliotecas, prédios e o pessoal é mínimo. Algumas estão sendo investigadas por fraude nos métodos usados para recrutar alunos; elas evitam regulamentação federal com um alto investimento (bipartidário) em lobby.
A primeira resposta do governo Obama às propostas de Romney foi dizer que as políticas de Obama para o ensino médio têm o apoio entusiástico de conservadores proeminentes como os governadores republicanos Chris Christie de Nova Jersey e Susana Martinez do Novo México. Infelizmente, é a verdade. Tirando a oferta de bolsas para escolas privadas e a redução da certificação de professores, o programa “Corrida ao Topo” de Obama promove virtualmente tudo o que Romney propõe — gerenciamento privado, competição, avaliação de professores baseada nos resultados de testes dos alunos. O ministro da Educação de Obama, Arne Duncan, tem defendido as escolas gerenciadas privadamente e a cobrança a partir de resultados de testes tanto quanto Mitt Romney. E, como Romney, Duncan despreza a ideia de que é preciso reduzir o número de estudantes por professor.
A proposta de Romney de dar bolsas em escolas privadas usando dinheiro federal é carne crua para a base direitista do Partido Republicano, especialmente os evangélicos. As bolsas são vendidas como o terceiro trilho da educação desde que foram propostas por Milton Friedman, em 1955; foram colocadas sob votação em vários referendos estaduais e foram rejeitadas consistentemente. De forma geral, o público não quer ver dinheiro público usado para promover escolas religiosas. E várias escolas religiosas não querem dinheiro público, que vem ligado a vários exigências federais. Mas nos últimos anos as bolsas foram reanimadas por legisladores estaduais de Indiana, Wisconsin e Louisiana, sem passar pelos eleitores.
Os resultados não são nada animadores. Em Louisiana, onde a reforma da educação do governador Bobby Jindal foi aprovada em abril, a nova lei declara que os estudantes de escolas com baixa performance nos testes-padrão podem transferir o dinheiro do financiamento público que recebem para qualquer escola privada ou religiosa pré-aprovada. Cerca de 400 mil estudantes (mais da metade do total) podem competir, mas há apenas 5 mil vagas nas escolas privadas ou paroquiais do estado. Quando o estado divulgou a lista de escolas, a que se propôs a receber o maior número de estudantes bolsistas foi a New Living Word School, que ofereceu 315 vagas. Hoje ela tem um total de 122 vagas, mas não dispõe de instalações ou professores para os futuros estudantes, embora prometa construir um novo prédio antes do início do ano escolar. A maior parte das aulas na escola é dada através de DVDs.
Outra escola, a Academia da Eternidade Cristã, que atualmente tem 14 estudantes, concordou em receber 135 bolsistas. De acordo com um artigo recente da agência de notícias Reuters, os estudantes da escola ficam a maior parte do dia sentados em cubículos e trabalham com livros didáticos cristãos, um deles, de Ciência para iniciantes, com um texto que explica “as coisas que Deus fez” em cada um dos seis dias de criação. As crianças não aprendem sobre a teoria da evolução.
O pastor-diretor explicou: “Tentamos ficar longe de todas as coisas que confundem nossas crianças”. Outras escolas aprovadas para receber estudantes bolsistas, pagas com dinheiro público, “usam textos de estudos sociais que advertem contra liberais que ameaçam a prosperidade global [por acreditarem na teoria do aquecimento global]; livros de matemática baseados na Bíblia que não tratam de conceitos modernos; e textos de biologia construídos em torno de negar a teoria da evolução”.
O repórter da Reuters descreveu a lei de Louisiana como “o mais ousado experimento nacional para privatizar a educação pública, com o estado preparado para transferir milhões de dólares em dinheiro do contribuinte para pagar à indústria privada, empresários e pastores para educar crianças”. No ano que vem, todos os estudantes de Louisiana poderão disputar bolsas para fazer cursos com empresas privadas ou corporações que ofereçam ensino ou treinamento. Podem esperar por um boom nos negócios da educação no estado.
O que o governador Jindal está fazendo soa como uma ensaio do plano Romney. Sem dinheiro novo no orçamento, todo o dinheiro para bolsas e empresas privadas e escolas online será deduzido do orçamento estadual das escolas públicas. O governador Jindal e Mitt Romney deveriam explicar como a educação vai melhorar nos Estados Unidos se o dinheiro público for usado para mandar estudantes para escolas sectárias ou pagando cursos em empresas privadas ou online. Pela visão apresentada por Romney, dinheiro público vai ser usado em escolas que ensinam criacionismo. Qualquer um poderá ensinar, sem passar por testes de conhecimento e habilidade e sem preparo profissional. Professores poderão ser demitidos por qualquer razão, sem a proteção garantida pela liberdade para ensinar. Em alguns estados ou regiões, professores vão temer dar aulas sobre a teoria da evolução, o aquecimento global ou questões controversas. Nem vão ousar ensinar sobre livros considerados ofensivos por qualquer um na comunidade, como Huckleberry Finn.
O candidato Romney deveria explicar como a privatização da forma como educamos nossas crianças vai nos fazer atingir o objetivo de “restaurar a promessa da educação norte-americana”. “Restaurar” sugere uma volta ao passado. Quando na história dos Estados Unidos as escolas foram colocadas a serviço do lucro? Que estado permitiu isso antes do advento das escolas gerenciadas privadamente e das corporações da educação online? Qual dos fundadores do país foi contra a educação pública? John Adams, aquele encardido conservador, disse: “Todo o povo deve assumir a educação de todo o povo e deve arcar com os custos disso. Não deve existir um só distrito de um quilômetro quadrado sem uma escola, não financiada pela caridade individual, mas mantida às expensas de todos”.
Restaurar a promessa da educação norte-americana deveria significar o rejuvenescimento das escolas públicas, não a destruição delas.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Professores contratados voltam à rua nesta quinta feira

Créditos: EsquerdaNet

O movimento de professores contratados e desempregados promove nesta quinta feira um protesto no Largo do Camões às 18 horas contra o ataque à Escola Pública, o aumento do número de alunos por turma, os mega-agrupamentos e a revisão curricular, que ameaçam dezenas de milhares de professores com o desemprego.
 
O protesto está marcado para esta quinta feira às 18 horas no Largo do Camões em Lisboa
O "Protesto dos Professores Contratados e Desempregados" está a ser divulgado na internet através do evento no facebook.
Em declarações à agência Lusa, Belandina Vaz da organização do protesto frisou que se prepara uma "machadada ainda maior" que nos outros anos na escola pública.
A professora salienta que medidas como a revisão curricular, através da qual o Governo pretende poupar "102 milhões de euros" e que consistiu na extinção e fins de desdobramentos de disciplinas nos currículos do ensino básico e secundário, visam "eliminar horários". Acrescenta ainda que juntamente com os "mega-agrupamentos", referentes às agregações de escolas, é um conjunto de medidas que fazem recear "25 mil professores no desemprego" no próximo ano letivo.
Belandina Vaz disse ainda à agência que estão também contra os contratos a termo certo mensais, que significam que os professores são postos no desemprego logo a seguir a acabarem as reuniões de fim de ano letivo.
O protesto está marcado para esta quinta feira às 18 horas no Largo do Camões em Lisboa, havendo um microfone aberto e iniciativas de animação de rua.

sábado, 9 de junho de 2012

‘Universidade de serviços’ explica intransigência do governo com universidades públicas federais

  Roberto Leher no CORREIO DA CIDADANIA   

A longa seqüência de gestos protelatórios que levaram os docentes das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) a uma de suas maiores greves, alcançando 48 universidades em todo país (28/05), acaba de ganhar mais um episódio: o governo da presidenta Dilma cancelou a reunião do Grupo de Trabalho (espaço supostamente de negociação da carreira) do dia 28 de maio que, afinal, poderia abrir caminho para a solução da greve nacional que já completa longos dez dias. Existem algumas hipóteses para explicar tal medida irresponsavelmente postergatória:

1) A presidenta – assumindo o papel de xerife do ajuste fiscal – cancelou a audiência, pois em virtude da crise não pode negociar melhorias salariais para os docentes das universidades, visto que a situação das contas públicas não permite a reestruturação da carreira pretendida pelos professores;

2) apostando na divisão da categoria, a presidenta faz jogral de negociação com uma organização que, a rigor, é o seu espelho, concluindo que logo os professores, presumivelmente desprovidos de capacidade de análise e de crítica, vão se acomodar com o jogo de faz de conta, o que permitiria ao governo Dilma alcançar o seu propósito de deslocar um possível pequeno ajuste nas tabelas para 2014, ano que os seus sábios assessores vindos do movimento sindical oficialista sabem que provavelmente será de difícil mobilização reivindicatória em virtude da Copa Mundial de Futebol, “momento de união apaixonada de todos os brasileiros”;

3) sustentando um projeto de conversão das universidades públicas de instituições autônomas frente ao Estado, aos governos e aos interesses particularistas privados em organizações de serviços, a presidenta protela as negociações e tenta enfraquecer o sindicato que organiza a greve nacional, para viabilizar o seu projeto de universidade e de carreira que ‘ressignificam’ os professores como docentes-empreendedores, refuncionalizando a função social da universidade como organização de suporte a empresas, em detrimento de sua função pública de produção e socialização de conhecimento voltado para os problemas lógicos e epistemológicos do conhecimento e para os problemas atuais e futuros dos povos.

Em relação à primeira hipótese, a análise do orçamento 2012 (1) evidencia que o gasto com pessoal segue estabilizado em torno de 4,3% do PIB, frente a uma receita de tributos federais de 24% do PIB. Entretanto, os juros e o serviço da dívida seguem consumindo o grosso dos tributos que continuam crescendo acima da inflação.

Com efeito, entre 2001 e 2010 os tributos cresceram 265%, frente a uma inflação de 90% (IPCA). Conforme a LDO para o ano de 2012, a previsão de crescimento da receita é de 13%, porém os gastos com pessoal, conforme a mesma fonte, crescerão apenas 1,8% em valores nominais. O corte de R$ 55 bilhões em 2012 (inclusive mais de 22% das verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT) não é, obviamente, para melhorar o Estado social, mas, antes, para seguir beneficiando os portadores de títulos da dívida pública que receberam, somente em 2012, R$ 369,8 bilhões (até 11/05), correspondentes a 56% do gasto federal (2).

Ademais, em virtude da pressão de diversos setores que compõem o bloco de poder, o governo federal está ampliando as isenções fiscais, como recentemente para as corporações da indústria automobilística, renúncias fiscais que comprovadamente são a pior e mais opaca forma de gasto público e que ultrapassam R$ 145 bilhões/ano. A despeito dessas opções em prol dos setores dominantes, algumas carreiras tiveram modestas correções, como as do MCT e do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Em suma, a hipótese não é verdadeira: não há crise fiscal. Os governos, particularmente desde a renegociação da dívida do Plano Brady (1994), seguem priorizando os bancos e as frações que estão no núcleo do bloco de poder (vide financiamento a juros subsidiados do BNDES, isenções para as instituições de ensino superior privadas-mercantis etc.). Contudo, os grandes números permitem sustentar que a intransigência do governo em relação à carreira dos professores das IFES não se deve à falta de recursos públicos para a reestruturação da carreira. São as opções políticas do governo que impossibilitam a nova carreira.

Segunda hipótese. De fato, seria muita ingenuidade ignorar que as medidas protelatórias objetivam empurrar as negociações para o final do semestre, impossibilitando os projetos de lei de reestruturação da carreira, incluindo a nova malha salarial e a inclusão destes gastos públicos na LDO de 2013. O simulacro de negociações tem como atores principais o MEC (Ministério da Educação), que se exime de qualquer responsabilidade sobre as universidades e a carreira docente, o MPOG (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), que defende a conversão da carreira acadêmica em uma carreira para empreendedores, e, como coadjuvante, a própria organização pelega que faz o papel dos truões, alimentando a farsa do jogral das negociações.

Terceira hipótese. É a que possui maior lastro empírico. As duas hipóteses anteriores podem ser compreendidas de modo mais refinado no escopo desta última hipótese. De fato, o modelo de desenvolvimento em curso aprofunda a condição capitalista dependente do país, promovendo a especialização regressiva da economia. Se, em termos de PIB, os resultados são alvissareiros, a exemplo dos indicadores de concentração de renda que alavancam um seleto grupo de investidores para a exclusiva lista dos 500 mais ricos do mundo da Forbes, o mesmo não pode ser dito em relação à educação pública.

Os salários dos professores da educação básica são os mais baixos entre os graduados (3) e, entre as carreiras do Executivo, a dos docentes é a de menor remuneração. A idéia-força é de que os docentes crescentemente pauperizados devem ser induzidos a prestar serviços, seja ao próprio governo, operando suas políticas de alívio à pobreza, alternativa presente nas ciências sociais e humanas, ou, no caso das ciências ditas duras, a se enquadrarem no rol das atividades de pesquisa e desenvolvimento (ditas de inovação), funções que a literatura internacional comprova que não ocorrem (e não podem ser realizadas) nas universidades (4).

A rigor, em nome da inovação, as corporações querem que as universidades sejam prestadoras de serviços diversos que elas próprias não estão dispostas a desenvolver, pois envolveriam a criação de departamentos de pesquisa e desenvolvimento e a contratação de pessoal qualificado. O elenco de medidas do Executivo que operacionaliza esse objetivo é impressionante: Lei de Inovação Tecnológica, institucionalização das fundações privadas ditas de apoio, abertura de editais pelas agências de fomento do MCT para atividades empreendedoras.

Somente nos primeiros meses deste ano o Executivo viabilizou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, um ente privado, que submete os Hospitais Universitários aos princípios das empresas privadas e aos contratos de gestão preconizados no plano de reforma do Estado (Lei nº. 12.550, 15 de dezembro de 2012), a Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), que limita ao teto de R$ 3.916,20, medida que envolve enorme transferência de ativos públicos para o setor rentista e que fragiliza, ainda mais, a carreira dos novos docentes - pois, além de não terem aposentadoria integral, não possuirão o FGTS, restando como última alternativa a opção pelo empreendedorismo que, ilusoriamente (ao menos para a grande maioria dos docentes), poderia assegurar algum patrimônio para a aposentadoria.

Ademais, frente à ruína da infra-estrutura, os docentes devem captar recursos por editais para prover o básico das condições de trabalho. Por isso, nada mais coerente do que a insistência do Executivo em uma carreira que converte os professores em empreendedores que ganham por projetos, freqüentemente ao custo da ética na produção do conhecimento (5).

Os operadores desse processo de reconversão da função social da universidade pública e da natureza do trabalho e da carreira docentes parecem convencidos de que já conquistaram os corações e as mentes dos professores e por isso apostam no impasse nas negociações. O alastramento da greve nacional dos professores das IFES e o vigoroso e emocionante apoio estudantil a essa luta sugerem que os analistas políticos do governo federal podem estar equivocados. A adesão crescente dos professores e estudantes ao movimento comprova que existe um forte apreço da comunidade acadêmica ao caráter público, autônomo e crítico da universidade. E não menos relevante, de que a consciência política não está obliterada pela tese do fim da história (6).

A exemplo de outros países, os professores e os estudantes brasileiros demonstram coragem, ousadia e determinação na luta em prol de uma universidade pública, democrática e aberta aos desafios do tempo histórico!

Notas:

(4) Mansfield, Edwin 1998 Academic research and industrial innovation: An update of empirical findings em Research Policy 26, p. 773–776.
(5) Charles Ferguson, A corrupção acadêmica e a crise financeira, disponível em: http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2012/05/27/a-corrupcao-academica-e-a-crise-financeira.jhtm
(6) Marcelo Badaró Mattos, Algo de novo no reino das Universidades Federais?

Roberto Leher é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), coordenador do Observatório Social da América Latina – Brasil/ Clacso e do Projeto Outro Brasil (Fundação Rosa Luxemburgo).

quarta-feira, 30 de maio de 2012

“Primavera do Quebec” sacode província canadense em defesa do acesso democrático à educação

 Ana Cristina Carvalhaes  no CORREIO DA CIDADANIA 


Claro que os processos de mobilização ampla sempre impressionam, em particular aos que simpatizam de antemão... De qualquer modo, não é exagero afirmar que há algo de novo no reino do Primeiro Mundo. No Quebec, a província mais populosa e mais rica do industrializado Canadá, uma greve começou estudantil e se tornou a maior mobilização popular do pós-guerra.

Os mais de 7 milhões de habitantes do Quebec são descendentes de colonizadores franceses, em contraste com as outras nove províncias anglófonas do país. 82% dos quebequianos são franco-canadenses e 10% anglo-canadenses. A província é de tradição ultracatólica e conservadora: até os anos 60, a Igreja Romana monopolizava a educação, por força da constituição provincial. À Universidade superelitista chegavam 3% dos jovens francófonos do lugar e não mais que 11% dos anglos.

Nos revolucionários anos 60, com o Partido Liberal do Québec (tido como progressista) no poder, a educação passou à responsabilidade do Estado provincial, que mantém os liceus secundários e universidades. Os liberais são os mesmos que, liderados pelo premiê Jean Charest, hoje enfrentam as passeatas e panelaços da rebelião. Nas Universidades, estuda-se em troca de uma taxa anual chamada de “direitos de escolaridade” ou simplesmente frais (custos), que começou nos 500 dólares canadenses (R$ 1.000 de hoje) ao ano e veio aumentando e se congelando de acordo com a correlação de forças.

É o equivalente à "tuitions" das universidades privadas norte-americanas. (Não é exatamente a soma das mensalidades das privadas brasileiras, porque inclui impostos.) Pois o governo de Monsieur Charest decidiu, em 2010, que a partir de 2012 até 2017 haveria um aumento progressivo da taxa, dos atuais 2.168 dólares canadenses (cerca de R$ 4.200) ao ano para o equivalente a R$ 7.300, o que significa 75% de aumento em cinco anos.

Como essas cifras anuais podem até parecer pouco para os castigados estudantes de escolas privadas no Brasil, é bom ressaltar os seguintes dados: dois terços dos universitários quebequianos não moram com os pais, 80% estudam e trabalham em regime parcial, 40% não recebem ajuda alguma da família e os outros 60%, além de ajuda, se endividam para bancar os estudos. Porque quase todos precisam de período integral, ou quase isso, para concluir os cursos.

Segundo o IBGE deles, a Statistique Canada, o aumento de 200% nos custos de estudos entre 1995 e 2005 fez saltar de 49% a 57% a proporção de secundaristas que desistem da universidade. Outro detalhe interessante: o mercado de empréstimos para pagar as "frais" criou, com a financeirização, uma bolha especulativa com papéis lastreados em empréstimos estudantis... Os analistas norte-americanos se arrepiam só de pensar...

Pois bem, enquanto o governo liberal preparava o pacotaço, as organizações estudantis preparavam a greve, que começou em 13 de fevereiro deste ano. Em 22 de março, uma data "nacional" quebequiana (com tradição de luta por autonomia frente ao governo central do Canadá), aconteceu a maior passeata da história de Montreal, a maior cidade da província. Incapaz e refratário a negociar, o governo liberal começou a ver cair mais rapidamente sua maioria nas pesquisas (até abril a opinião pública do Quebec ainda estava bem dividida em torno da necessidade do aumento das taxas).

Àquela altura, os estudantes já passavam a contar com o apoio de pais, mães, avós em passeatas diárias. Artistas, esportistas, personalidades, sindicatos e OAB local aderiram. Os jovens grevistas inventaram umas incríveis passeatas noturnas nas cidades quebequianas, com muitos tambores, cornetas e os indefectíveis paninhos vermelhos grudados nas lapelas. Em 13 de abril, o sindicato docente de uma das maiores universidades, Université du Québec en Outaouais (UQO), votou em assembléia partir para "ação direta" em defesa dos estudantes contra a polícia, o que desencadeou uma onda de adesões de professores. (Quem vir os vídeos das marchas no youtube vai identificar os docentes vestidos com trajes de “segurança” das manifestações.)

Acuado, Charest não teve melhor idéia do que fazer aprovar agora em maio, no parlamento provincial, que controla, uma Lei que restringe o direito de manifestação, impedindo aglomerações públicas de mais de 10 pessoas sem aviso prévio de 8 horas e licença da polícia, vetando reuniões a menos de 50 metros das universidades e proibindo o uso de máscaras, sob pena de multas altíssimas. A aprovação da lei foi o estopim de uma nova fase do movimento: os dirigentes chamaram a população a apoiar as passeatas, cada vez mais radicalizadas, com enfrentamentos, pedradas e pauladas com a repressão, com o barulho das panelas. As mesmas panelas do Chile de Allende e da Argentina do argentinazo.
O concerto das caçarolas
O Quebec vive há semanas um imenso e ininterrupto panelaço. A nova fase tirou da paralisia as velhas gerações. O movimento hacker Anonymous perpetrou uma invasão dos sites do ministério da Educação e do governo do Quebec. E a moçada autodenominou sua rebelião Primavera do Quebec, em analogia com a Primavera Árabe.

Este é um vídeo do movimento que se tornou um viral no mundo anglo-saxão, lindíssimo:

No dia 23 passado, depois de tentar excluir uma organização estudantil da mesa de negociações, a ministra da Educação caiu. Começaram sinais de concessões mínimas por parte do governo. Mas a radicalização do movimento parece estar impedindo os negociadores estudantis de qualquer recuo. E agora as ruas exigem a revogação da Loi 78, a que restringiu o direito de manifestação e expressão.

As principais organizações dos estudantes são a Federação dos Universitários do Quebec (FEUQ), a Federação dos Secundaristas (FECQ), e a interessante Classe, sigla em francês de Coalizão Ampla da Associação por uma Solidariedade Sindical Estudantil. Essa, organizada pela base, decide tudo em Congressos, não tem líderes, mas dois “co-porta-vozes”, e é ligada pelo menos a uma federação importante, a dos funcionários públicos do Quebec. A Classe tem como ponto programático a educação pública e gratuita e não aceita menos do que o congelamento das taxas.

No sábado, 26, o principal jornal de Montreal tinha como chamada de capa a decisão dos grevistas da fábrica da Rio Tinto Alcan, em Alma, Quebec, de se "somar à greve estudantil". Dizia um piqueteiro: "Nós nos manifestamos contra a obra de Charest. Chegou a hora de a voz do povo se fazer ouvir. Nós queremos denunciar a venda da eletricidade estatal à Hydro-Québec, mas também nossa solidariedade aos estudantes. O conflito é um conflito da sociedade contra o governo".

Impossível prever os desdobramentos dos fatos dos últimos 104 dias de luta. No entanto, há quem diga, como Jean Marc Léger, dono do Ibope canadense, uma das personalidades pró-movimento, que há no ar e nas ruas uma raiva maior do que a raiva contra o aumento dos "direitos de escolaridade". Léger é autor de um texto que já se tornou um manifesto do movimento. No estilo das pesquisas de opinião de que é especialista, ele diz: "E você? O que você defende? Retornar a seus velhos hábitos no conforto e na indiferença? Você acha essa greve super-simpática desde que não mexa na sua quietude e que passe logo para que tudo fique como antes? Muito bem, senhores babyboomers (cidadãos hoje entre 60 e 70 anos), vocês não entenderam nada desse movimento! Os meninos e meninas não querem mais carregar o fardo dos seus erros. Não os quebrem e dêem a eles a chance de vencer. Do contrário, vocês terão fracassado".

O movimento do Quebec, descaradamente boicotado pela grande mídia, conta com o apoio do Ocuppy Wall Street, dos estudantes da Universidade da Cidade Nova York, de universidades de todo o resto do Canadá e da Islândia! Bem que está precisando e merecendo um apoio fraterno dos sindicatos docentes, de professores e organizações estudantis brasileiras.

Ana Cristina Carvalhaes é jornalista.

sábado, 26 de maio de 2012

Considerações sobre a reprovação dos educadores



Eunice Couto*
Professora Estadual
Para o Amigos

Impossível não ouvir, sem despertar a indignação dos educadores, os comentários acerca da baixa aprovação no concurso do magistério gaúcho. Em primeiro lugar, creio ser importante analisar o resultado como consequência das políticas educacionais implantadas no país ao longo das últimas duas décadas.

No início da década de 90 a disciplina de Língua Portuguesa contava com quatro ou cinco horas-aulas semanais para o Ensino Médio e ainda eram ensinados conteúdos gramaticais relevantes, sem que os professores fossem tachados de pré-históricos. Atualmente a carga horária diminuiu (duas a três aulas semanais) e tais assuntos – cobrados em qualquer concurso público de forma tradicional – devem ser trabalhados de forma disfarçada. Leia-se: superficial!

Por outro lado, há que se refletir sobre quantos desses quase 70 mil inscritos são vítimas da “expansão universitária”, a qual, entre outros aspectos, possibilitou a criação de centenas de universidades a distância, dessas que “formam” licenciados em Letras, Pedagogia, História, Biologia, etc, em dois ou no máximo dois anos e meio, a baixo custo, “popularizando o acesso ao diploma”. Destaque para o termo ‘Popularizar’ que, aqui, significa baixar a qualidade.

Ainda importantíssimo pensar que, ao contrário do que apregoam os governos sobre avaliação escolar e reprovação – buscando inclusive responsabilizar os educadores pelo baixo rendimento dos alunos, sem considerar aspectos gerais da vida dos educandos – o formato da prova exigia pontuação mínima de 60% em cada uma das quatro partes que a compunha: Língua Portuguesa, Legislação, Conhecimentos Pedagógicos e Conhecimentos Específicos. Ou seja, o candidato poderia totalizar 70% da prova, mas se numa delas não atingisse os 60%, estaria desclassificado.

Além dessas observações, outros pontos necessitam de atenção:

• Foram abertas 10 mil vagas, porém o número de contratos, ditos emergenciais, é bem superior a este número. Assim, o problema da falta de profissionais não seria solucionado, nem mesmo para o ano de 2013 por este concurso;

• Existe uma lei que prevê um piso salarial nacional (proporcional às 20 horas semanais) de R$ 725,50, em 2012, mas o salário básico oferecido no Edital é de apenas R$ 395,54;

• O valor da inscrição variava entre R$ 53,38 (para a formação mínima: Ensino Médio/Magistério) e R$ 121,70 (para formação em curso superior) – um dos processos seletivos mais caros, observando, principalmente, a remuneração oferecida.

Ao considerar esses aspectos, pode-se imaginar que houvesse seriedade na promoção do certame? Real interesse na solução dos problemas de falta de professores na rede pública de ensino do RS? Ou seria, além de fazer um bom caixa – fala-se numa arrecadação aos cofres públicos em torno de R$ 8 milhões (!?) – passar a ideia de atender a uma reivindicação ou promessa eleitoral e, por fim, consolidar suas posições de desmoralizar a categoria e justificar o não cumprimento da lei salarial perante a sociedade?

Ainda há outro ponto importante: é necessário, ao Estado, manter o maior número de profissionais contratados, precarizados, ou seja, sob a ameaça da perda do emprego, caso não se submetam às suas determinações; como também é fundamental que esses trabalhadores não tenham vínculos, não tenham direito à estabilidade, não gerem ônus futuros.

Simplificando: este concurso foi apenas engodo, ilusão para toda a sociedade gaúcha, passando a ideia de que o governo é bom, os trabalhadores é que não se esforçam, são preguiçosos ou desinteressados e, assim, colocar a população contra si própria.

* Eunice Couto é natural de Caçapava do Sul, Licenciada em Letras - Língua e Literatura Portuguesa pela URCAMP/Bagé, em 1991, Especialista em Educação, Professora na rede pública há 25 anos, sendo 17 anos somente na rede pública estadual e militante no movimento sindical desde 2000. Há 3 anos leciono no Colégio Estadual Dom João Braga, no Ensino Médio e Fundamental diurno. "Acredito na mudança da sociedade, rumo à justiça social, mas esta passa, inevitavelmente, pela educação e pela explicação nítida e objetiva acerca dos fatos que nos cercam" - diz a autora.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Movimento sindical dá um passo à frente e dois para trás

Júnia Gouvêa e Jorge Luís Martins no CORREIO DA CIDADANIA 

Abril de 2012 corre o risco de ficar na memória como o momento de um revés importante para a classe trabalhadora brasileira. Realizaram-se no Rio de Janeiro e em Sumaré (São Paulo), na segunda quinzena do mês passado, dois encontros de diferentes dimensões, composição e grau de unidade, mas com o mesmo e trágico significado: a consolidação da divisão do movimento sindical combativo brasileiro em duas organizações diferentes.

No Rio de Janeiro, entre 20 e 22 de abril, sob a justa bandeira da luta contra a criminalização dos movimentos sociais, encontraram-se cerca de 500 lutadores da atual Intersindical, das correntes MTL e MES, TLS (Trabalhadores na Luta Socialista) e Unidos para Lutar do PSOL, além de MAS (Movimento Avançando Sindical). Ao fim da reunião, além de votarem um calendário indicativo de lutas e um programa para a ação, resolveram criar “uma mesa de diálogo permanente” entre as correntes que “não estão em nenhuma central”.

Em São Paulo, entre 28 e 30 de abril, a CSP-Conlutas, na qual têm folgada maioria os sindicatos e oposições dirigidos ou influenciados diretamente pelo PSTU, reuniu em seu 1º Congresso Nacional 1.800 delegados, de diversos sindicatos, movimento popular e estudantil. Além de separados, nenhum dos dois encontros deu sinal, nenhum tímido sinal, de lamentar a divisão de 2010 e ensaiar algum gesto de reaproximação, ainda que cuidadosa.

É indiscutível que ambos os encontros, pelo simples fato de reunirem dirigentes e lutadores e permitirem pautas comuns e um mínimo de articulação entre estados e categorias, tiveram resultados pontuais positivos para alguns setores. Afinal, alguma articulação é melhor do que nenhuma. O Congresso da CSP-Conlutas e o Encontro dos Lutadores realizado no Rio de Janeiro, por certo, sem entrar no mérito, aprovaram resoluções importantes. Mas é preciso fazer uma avaliação política do significado da divisão (comparando-se os dois encontros com um encontro unitário, se tivesse ocorrido), diante da força do sindicalismo oficial cooptado pelos governos Lula-Dilma.

A CSP-Conlutas se consolida também como um importante setor do movimento combativo. Mas sua maioria, do PSTU, foi a principal responsável pelo episódio que impôs a divisão no Conclat de Santos, há dois anos. O congresso de Sumaré teve, agora, a oportunidade de esboçar um gesto pela unidade, quando a representante do Andes-SN propôs que se rediscutisse a questão do nome da central – o lamentável mote da divisão em Santos – e a direção da CSP-Conlutas; no entanto, negou-se a dar este passo e sequer chegou a esboçar um balanço do Conclat, como se este simplesmente jamais tivesse acontecido. O mesmo se deu na reunião do Rio de Janeiro. Nenhuma referência ao Conclat, nenhum balanço, nenhuma resolução sinalizando sequer a necessidade genérica da unidade do sindicalismo combativo. Assim, lamentavelmente, começa a se cristalizar entre os lutadores desses dois setores históricos da resistência combativa a lógica da divisão como algo inevitável.

Assim, os dirigentes da esquerda socialista, sejam do PSTU, sejam das correntes do PSOL, sejam do PCB, sem falar evidentemente da ASS – todos do mesmo e importantíssimo campo político nesse debate de recomposição necessária –, levam para o terreno do movimento sindical a experiência de divisão, que já estão implementando há algum tempo no âmbito da participação eleitoral. Ou seja, também no terreno das lutas, deixam a bandeira socialista pulverizada em várias alternativas e enfraquecida aos olhos dos trabalhadores e do povo. Pois não é verdade que dá na mesma estarmos divididos ou não. Todos os que militam no cotidiano dos movimentos sabem bem que a divisão é um obstáculo real, que, dividido, o movimento perde amplitude e potencialidade. Basta ver o último 1º de maio, onde, depois de mais de uma década em que a esquerda socialista esteve unificada, se dividiu em duas manifestações, o que é mais um desastre e vitória da fragmentação em curso.

Há, no entanto, algo mais grave quando a divisão acontece na organização sindical dos trabalhadores. Não somente porque se torna um obstáculo a mais, além do patronal e seus ataques, às vitórias da classe. Quem está ignorando ou menosprezando a divisão da classe, e mais ainda investindo nela, está fazendo exatamente o planejado pelos governos patronais desde FHC, passando por Lula e agora Dilma – cuja política é uma central para cada partido. Está, portanto, adaptando-se à “institucionalidade sindical” desejada por governos e patrões, iniciando um amoldamento ao regime do movimento sindical combativo.

O retrocesso, de 2010 para cá, no caminho da unidade dos socialistas e ativistas combativos numa mesma organização sindical é tão mais grave quanto mais se é consciente das lutas que podem vir por aí. Afinal, quem garante, diante do atual quadro internacional, que o crescimento e estabilidade de hoje se manterão? Quem garante que, no primeiro sinal de desequilíbrio nas contas e lucros, dona Dilma, banqueiros, industriais etc. não venham mais uma vez descontar nos nossos empregos, salários, pensões, aposentadorias, orçamentos da educação e saúde? Prestemos atenção na Europa...

Nesse quadro particularmente difícil, cabe aos militantes e dirigentes sindicais conscientes desse fracionamento nocivo se negarem a cristalizar a divisão. É necessária uma intensa batalha de convencimento político de todos os setores combativos para tentar reverter essa situação. Primeiro incentivando as lutas e sua unificação, independentemente da força da esquerda socialista que conduza cada conflito. E também defendendo ou voltando a defender, em todos os espaços em que nossas entidades participem, a construção de uma central sindical antigovernamental e unitária, compreendendo que as organizações atuais do movimento sindical e popular são todas insuficientes para o enfrentamento necessário ao capital e seus governos (razão pela qual devem ter todas um caráter transitório). Importante lembrar que várias categorias profissionais já aprovaram resoluções neste sentido no último período, o que ainda não tem sido capaz de sensibilizar a cúpula sindical das organizações.

Não é de forma alguma impossível reverter a divisão. Não é nada impossível retomar desde já a luta pela unidade da classe, pela base, nas mobilizações já em curso, e com uma plataforma política comum. Afinal, grande parte das resoluções do encontro do Rio coincide com a maior parte das resoluções do Congresso da CSP-Conlutas. Um movimento nacional pela base, pela unidade, com essa plataforma comum, pode ser um forte pólo de atração para uma nova geração de trabalhadores que estão começando a se mobilizar.

A natureza e o perfil das grandes mobilizações ocorridas na Europa e no mundo árabe mostram o quanto o capitalismo é questionado e quanto é possível um novo mundo – socialista quem sabe. Mas, para que esse novo mundo se construa, a classe trabalhadora precisa se constituir em si, na luta unitária, e para si, na consciência da sua força independente. É esse o sentido histórico da luta pela unidade.

Júnia Gouvêa é trabalhadora da previdência social; Jorge Luís Martins é advogado trabalhista.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Ensino à distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado

Otaviano Helene no CORREIO DA CIDADANIA  


Em qualquer direção que se olhe o cenário da educação no Brasil, há algum projeto “salvador” que serve como uma espécie de barreira a dificultar uma análise objetiva da realidade. Como em uma batalha, esses inúmeros projetos funcionam como proteção dos muitos flancos frágeis de nossa política educacional. Qualquer análise crítica pode ser “respondida”  apontando-se para algum desses projetos e afirmando-se que ele permitirá superar o problema analisado, bastando esperar. E sempre que um projeto se mostra inoperante, outro surge para ocupar seu lugar.

Um desses projetos, o Ensino à Distância (EaD) em nível superior, é apresentado como uma solução, em especial para a falta de professores no país. Entretanto, como veremos, é, de fato, um enorme problema.

O EaD cresceu de forma muito expressiva ao longo da década de 2000, passando de pouco mais do que seis mil vagas para 1,7 milhão de vagas em 2010, número praticamente igual ao de concluintes do ensino médio, que foi da ordem de 1,8 milhão em 2010 (1). Não há nenhum sentido nisso, ainda mais se considerarmos que o número de vagas em cursos presenciais é muito superior ao número de formados no ensino médio. Quem ganha com isso é certamente o setor privado, que detém mais do que 97 % das vagas em EaD, conquistando, assim, um enorme poder de barganha e de pressão sobre ações que eventuais órgãos de controle do sistema educacional possam vir a ter no futuro para corrigir a distorção criada.

Quem oferece EaD e para que áreas?

Nos processos de estudo, ensino e aprendizado, não devemos abrir mão de nenhuma possibilidade: aulas expositivas, laboratórios, estudos individuais ou em grupo, apostilas, listas de exercício, visitas a museus, consultas a bibliotecas etc. Os instrumentos de ensino à distância, sejam na forma de emails, telefonemas, sites, vídeos, sons, ambientes virtuais, blogs etc., também podem e devem ser usados. Portanto, não há nada contra o ensino à distância como um instrumento a mais que possa favorecer o processo de aprendizado.

No entanto, isso que foi dito acima nada tem a ver com a forma que o EaD se instalou no Brasil: entre nós, o EaD não é algo a mais para se oferecer aos educadores e educandos, mas algo que pretende substituir o ensino presencial, em especial no que diz respeito à formação de professores.

De fato, a maior parte das vagas oferecidas no EaD é na área de Educação (36% delas), que inclui a formação de professores nas diversas modalidades. A área de Gerenciamento e Administração ocupa o segundo lugar, com 31% das vagas, apesar de uma das distorções do sistema de ensino superior brasileiro ser exatamente o fato de a proporção de estudantes e formados nessas áreas ser excessivamente alta quando comparada com o que ocorre nos demais países. Ciências Sociais, Computação, Serviço Social e Contabilidade têm, cada uma, cerca de 5% das vagas.

Áreas com maior prestígio social e maior controle por parte de conselhos de classe e de outros órgãos ou ministérios além do MEC (como ocorre com cursos na área de saúde) têm uma participação nas vagas bem menor ou mesmo nula. Assim, a área de Engenharia, apesar da importância da profissão para o desenvolvimento do setor produtivo, a reconhecida carência desses profissionais e a grande procura por parte dos estudantes, tem menos do que 1% das vagas oferecidas em EaD. Enfermagem também tem menos do que 1% das vagas e Odontologia e Medicina, nenhuma.

Evidentemente, poder-se-ia argumentar que é natural que Medicina e Odontologia sejam incompatíveis com o EaD por exigirem uma experiência prática com pessoas; mas o mesmo argumento não valeria para Enfermagem? E para professores, cuja totalidade da vida profissional será em contato direto com pessoas (os estudantes), o argumento não seria ainda mais forte? E para professores nas áreas de Biologia, Física e Química, como formá-los sem um intenso contato com práticas experimentais e de laboratório?

Não restam dúvidas de que as proporções das vagas oferecidas em EaD não estão relacionadas às necessidades nacionais de profissionais, mas, sim, são em número tão maior quanto mais frágil e menos controlada é a profissão e mais “vendável” for o curso.

A quem se destina o EaD no Brasil, hoje

As argumentações em defesa do EaD no Brasil são baseadas em uma série de erros de avaliação ou de desconhecimento do por quê a realidade é como é. Uma constante nas justificativas do EaD é a necessidade de professores no país, em especial de professores para o ensino médio e as séries finais do ensino fundamental. A premissa é correta: realmente, faltam professores em salas de aula, em especial nas escolas públicas, e os que atuam são sobrecarregados. Mas qual a causa disso? É realmente a falta de professores formados ou a impossibilidade de formá-los em cursos presenciais?

A resposta a essa última pergunta é não. Não é verdade que não existam professores em quantidade suficiente para atender à demanda: eles e elas existem, mas cerca de um milhão de pessoas com cursos de licenciatura estão fora das salas de aula. Esse número de professores que não se dedicam ao ensino corresponde a cerca de 70% das pessoas que concluíram cursos de licenciatura nos últimos 25 anos e que, portanto, estão na idade profissionalmente ativa. E a explicação para esse fato é fornecida pelas condições de trabalho, pelo baixo prestígio da profissão, pelo desrespeito profissional que sofrem até mesmo por parte das pessoas responsáveis pela execução das políticas educacionais do país e pelas condições salariais.

Há apenas duas únicas áreas em que o número de professores é inferior à demanda: Física e Química. Mas, mesmo nessas duas áreas, há um enorme número de professores formados fora das salas de aula. Grande parte deles poderia ser incorporada ao quadro de professores ativos caso houvesse melhores condições de trabalho. Se na média de todas as áreas cerca de 70% dos licenciados formados não dão aulas, em Física esse percentual chega a 75% e em Química, a 80%.

A falta de professores não é, portanto, devido a uma real inexistência de pessoas formadas e nem mesmo falta de vagas em cursos de licenciatura presenciais ou de jovens interessados pela profissão. Mesmo nas duas áreas citadas acima, Química e Física, além de haver um grande número de formados fora das salas, há uma possibilidade de formação de um número significativamente maior em cursos presenciais. A procura de jovens por cursos superiores que levem à formação de professores nas áreas de Física e Química é maior do que a média de todas as profissões: como mostra a tabela, mais de 60% das vagas oferecidas nos cursos de formação de professores de Física e Química são ocupadas, porcentagem significativamente superior à média em todas as áreas, da ordem de 51%. O problema surge posteriormente, no abandono durante o curso: enquanto a relação entre concluintes e ingressantes é 52% em todas as áreas, em Física e Química as relações são de 26% e 38%, respectivamente. Conclusão: há jovens interessados; entretanto, e possivelmente alertados pelas condições salariais e de trabalho que encontrarão pela frente, grande parte deles abandona seus sonhos. E, finalmente, como já dito, cerca de 75% a 80% dos formados estão fora das salas de aula.

Portanto, se conseguíssemos preservar boa parte desses candidatos a professores de Química e Física, em poucos anos superaríamos a deficiência de professores nessas áreas, um tempo certamente inferior ao tempo já decorrido desde que experiências com EaD, como a Universidade Aberta do Brasil (federal) ou a Univesp (no estado de São Paulo), começaram a ser implantadas.O problema de formação de professores, portanto, é bem diferente daquele que os defensores do EaD dizem que esse sistema solucionará.

Vagas, ingressantes e concluintes em cursos presenciais.

Vagas oferecidas Ingressantes
(porcentagem em
relação às vagas)
Concluintes
(porcentagem em relação
aos ingressantes)
Física 10.630 6.712 (63%) 1.751 (26%)
Química 15.738 9.487 (60%) 3.573 (38%)
Todos os cursos superiores 3.120.000 1.590.000 (51%) 829.300(52%)

Talvez o EaD seja um bom exemplo de uma coisa que acontece freqüentemente no Brasil: quando um problema é localizado, ao invés de se tratar de resolvê-lo ou, pelo menos, reduzi-lo, tenta-se tirar proveito dele. Assim, há um enorme interesse por parte das instituições de ensino privado no sentido de explorar as possibilidades mercantis do EaD. E, para isso, nada melhor do que disfarçar esse interesse na forma de uma preocupação social, a formação de professores.

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Mais justificativas falsas em defesa doEaD

Embora seja o setor privado o grande beneficiário do EaD, o setor público tem colaborado, e muito, para defendê-lo e, ao oferecer, ele mesmo, cursos a distância, acaba por legitimar esse tipo de ensino. Vejamos alguns argumentos usados pelo setor público para defender o EaD.

Nos discursos e documentos, além dos argumentos relacionados à falta de professores, aparecem argumentos econômicos. Um deles, usado pelo governo estadual paulista e publicado na página eletrônica da então existente Secretaria de Ensino Superior, afirmava que o estado de São Paulo “investe 10% de sua receita líquida na educação superior”, argumento que soa forte para justificar o EaD, em especial junto a uma população que tem pouca familiaridade com os temas relacionados aos detalhes dos orçamentos públicos e dos orçamentos das universidades. Levando em conta esses detalhes, verifica-se que os investimentos em ensino de graduação são inferiores à terça parte daquele valor! Ou seja, aquela é uma informação simplesmente falsa.

Outro argumento também repetido pelo setor público na defesa do EaD baseia-se na hipótese de  que as pessoas não têm acesso à educação presencial, o que torna necessário implantar o EaD. Ora, o EaD está sendo oferecido basicamente à população urbana, não havendo, portanto, o problema da distância. Se pessoas não têm acesso ao ensino presencial, não é por dificuldade de deslocamento, falta de tempo ou qualquer outra razão equivalente. A principal razão para explicar a “dificuldade de acesso” é a simples inexistência de vagas nas universidades públicas: no Brasil e, em especial, no estado de São Paulo, muitos dos estudantes matriculados em cursos à distância residem em municípios ou mesmo em bairros onde há instituições públicas de ensino superior presencial e de qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente.

Se há jovens interessados e preparados que querem freqüentar cursos superiores e não podem fazê-lo por razões econômicas, devem ser usados instrumentos adequados de gratuidade ativa que os permitisse freqüentar cursos presenciais. O retorno social e econômico seria muito maior do que oferecer EaD.

Alguns problemas do EaD (2)

O EaD apresenta vários problemas de ordem acadêmica e social. Entre eles, estão a quase inexistência da possibilidade de programas de iniciação científica e a falta de perspectiva de prosseguir os estudos em nível de pós-graduação. No EaD, muito provavelmente os estudantes também não terão acesso fácil a boas bibliotecas nem ao necessário contato pessoal com outros estudantes e professores da mesma área e, muito menos, com estudantes e professores de áreas diferentes (ao freqüentarem disciplinas optativas ou encontrá-los nos espaços comuns, por exemplo), coisas fundamentais e uma das características essenciais das universidades.

No ambiente universitário presencial ocorre uma série de atividades extremamente importantes para a formação geral, tais como seminários, debates, cursos de extensão, diversas programações culturais, além da possibilidade de se freqüentar uma enorme gama de disciplinas. Essas atividades, bem como as aulas práticas e de laboratório, são inexistentes ou muito raras no EaD.

O ambiente universitário oferece oportunidades importantes para estudantes provenientes dos segmentos menos favorecidos (e que serão os principais usuários do EaD), como, por exemplo, o acesso a práticas esportivas, alimentação subsidiada, atendimento médico e odontológico, entre várias outras. No EaD, essas coisas ou não existem ou são de difícil acesso.

O EaD pressupõe que o processo de ensino e aprendizado ocorra, majoritariamente, em casa. Ora, o ambiente de moradia não é, em geral, um bom ambiente de estudo, em especial para jovens das camadas menos favorecidas, para os quais uma moradia isolada e silenciosa é algo simplesmente inexistente. As aulas presenciais, nas quais os estudantes ficam imersos em um — e apenas um — assunto, são fundamentais no processo ensino e aprendizado.

Adotar o EaD como substituto do ensino presencial poderá comprometer gravemente a qualidade da formação dos profissionais de que o país precisa. Os diversos países que usam o EaD, em proporções muito inferiores àqueles números citados anteriormente, o fazem direcionando essa forma de ensino àqueles que realmente não podem ter acesso ao ensino presencial, como prisioneiros, pessoas impossibilitadas de locomoção, aqueles que trabalham em tempo integral (estes últimos, sobretudo nos países e em cursos nos quais a educação superior é exclusivamente, ou quase exclusivamente, em tempo integral), militares engajados, entre outros. No Brasil, entretanto, tem se adotado o EaD em substituição ao ensino presencial, o que poderá comprometer gravemente a qualidade da formação inicial dos profissionais, em especial se o profissional assim “formado” tiver que atuar na “formação” de outros profissionais, como é o caso do professor.

Em particular, formar professores por meio do EaD poderá comprometer duas gerações, a dos próprios professores formados e a de seus alunos. Além disso, contribuirá ainda mais para um rebaixamento dos critérios que a sociedade tem para julgar o que é e o que não é educação superior e ensino universitário.

Como transformar solução em problema

Atualmente, o Brasil tem um número de doutores já superior a 100 mil e talvez perto de 200 mil mestres que não completaram o doutoramento, perfazendo um total de 300 mil pessoas preparadas para a docência em nível superior. Esses profissionais têm plenas condições de contribuir com um ensino superior presencial de qualidade e o fariam com competência, pois foi para isso que se formaram. Entretanto, grande parte desse contingente é subutilizada, em especial os que concluíram a pós-graduação mais recentemente. Perder a oportunidade de associar o interesse e a capacidade de trabalho dessas pessoas às necessidades e possibilidades do país é um erro duplo: a um mesmo tempo, desperdiçamos os esforços feitos para formar essas pessoas e ofereceremos um ensino superior, via EaD, precário. Descartarmos a possibilidade de aproveitar os quadros já formados em nosso ensino superior presencial e enveredarmos pelo caminho do EaD não parece muito inteligente.

Os países desenvolvidos que adotam o EaD  o fazem como algo adicional à educação presencial, não como algo que a substitua. E as elites certamente não optam pelo ensino à distância, nem para a formação de seus jovens nem para a escolha dos profissionais que as assistem. E, também certamente, as profissões de maior prestígio social jamais considerariam a hipótese de optar pelo EaD.

Resolver velhos problemas é bem melhor do que criar novos

Atualmente, quase a metade dos jovens é obrigada a abandonar a educação básica antes da conclusão. Como menos da metade dos que a concluem o fazem no período diurno, podemos estimar que não mais do que um em cada quatro jovens termina a educação básica com as condições mínimas necessárias para a continuidade de seu processo educativo. Se, além desses fatores, considerarmos a precariedade das escolas públicas na maior parte dos casos, onde está a enorme maioria dos jovens que terminam a educação básica, concluímos que a fração de jovens que completa o ensino médio com bases suficientemente sólidas para continuar seus estudos é muito pequena. Dentro dessa dura realidade, o EaD nada resolverá. Ao contrário, oferecer EaD a um contingente de jovens que, já nas atuais circunstâncias, tem dificuldades em entender o que é um ensino universitário contribuirá para rebaixar ainda mais os critérios do que sejam um sistema e um processo educacional de formação humana, técnica, cultural, científica e social.

Oferecer uma aparente alternativa, na verdade um desvio, levará a reduzir, ainda mais, o aproveitamento da capacidade intelectual de nossos jovens e não resolverá o problema da exclusão, apenas mudará a forma pela qual ela ocorre. Não é preciso ser um especialista em Brasil para perceber que o EaD é destinado aos mais pobres e cujos filhos terão professores formados, também, à distância.

Com certeza, não é isso que queremos. Tendo deixado o EaD aparecer nessa quantidade, descontroladamente e quase totalmente dominado pelo setor privado mercantil, passamos a ter mais uma tarefa pela frente: lutar para reverter essa situação.

E cabem algumas perguntas finais. Por que os órgãos responsáveis permitiram que o EaD atingisse as enormes proporções que atingiram? Por que governos legitimam o EaD da forma que fazem?

Notas:
(1) Fonte: Sinopses Estatísticas da Educação Básica e da Educação Superior, Inep, 2010
(2) Muitos dos argumentos desta seção foram levantados pelo grupo de trabalho de política educacional da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp - Seção Sindical, e divulgados em publicações dessa entidade.

domingo, 20 de maio de 2012

Economia do que? Não em Educação


Educacao-ch O educador Walter Takemoto rebate Gustavo Ioschpe que escreveu artigo no qual afirmava que aumentar salário de professor não significa melhora na qualidade da educação.

Por Walter Takemoto na CAROS AMIGOS

O Sr. Gustavo Ioschpe em entrevista ao portal Terra no dia 27 de abril (leia aqui) ao comentar as greves de professores em defesa do piso salarial nacional declarou que reajustar os salários do magistério não significa que a educação no país vai melhorar: aumentar salário de professores não é um caminho para a melhoria da qualidade da educação, afirmou ele. O Sr. Ioschpe, especialista e mestre em economia da educação nos EUA, declarou ainda "É surpreendente e decepcionante que o País perca tanto tempo com uma discussão que toda a experiência internacional e brasileira já demonstrou ser infrutífera."

"Discuto essa questão com os professores para que compreendam a armadilha que representa para a categoria quando o movimento sindical vincula, única e exclusivamente, o baixo salário ao grave problema da qualidade da escola pública brasileira"

Em encontros com professores eu costumo afirmar que reajustar os salários não significa que a aprendizagem dos alunos irá melhorar automaticamente, ou seja, se o magistério receber um reajuste de 100% não ocorrerá um impacto imediato de 100% na aprendizagem de matemática, ou nem mesmo de 10%. Pois, caso isso ocorresse, poderíamos concluir que antes os alunos não aprendiam por uma decisão deliberada dos professores, como forma de protesto pelos baixos salários. E isso seria criminoso, por representar destruir o futuro de milhões de crianças e adolescentes (a grande maioria pobres), que não possuem nenhuma responsabilidade pelas decisões dos gestores e governantes.
Uma atitude desse tipo seria comparável ao médico que deixa parte dos seus pacientes morrerem por falta de tratamento para protestar contra o salário pago pelo SUS. Ou o engenheiro que sabota a construção do prédio para exigir aumento de salário, e coloca em risco a vida dos moradores.
Discuto essa questão com os professores para que compreendam a armadilha que representa para a categoria quando o movimento sindical vincula, única e exclusivamente, o baixo salário ao grave problema da qualidade da escola pública brasileira. Essa vinculação é que abre espaço para que especialistas como o Sr. Ioschpe ofereçam os argumentos necessários para os que querem jogar sobre os salários pagos ao magistério o mal uso dos recursos destinados à educação.
E ai aproveito para perguntar ao Sr. Ioschpe: se reajustar os salários não vai elevar a qualidade da educação no país, mantê-los em níveis aviltantes vai contribuir para melhorar? As experiências educacionais internacionais que o senhor tanto estudou, comprovam que pagar baixo salário melhora a educação mais do que pagar salários dignos profissionalmente?
Diz, ainda, o Sr. Ioschpe na entrevista “...trabalham em uma escola cumprindo carga horária inferior à maioria das profissões e com férias mais longas, e ganha aquilo que é de se esperar para o seu nível de formação e carga horária. Enquanto não superarmos esses estereótipos e mistificações, a discussão nacional não vai pra frente. Estamos discutindo falsos problemas".
De quais professores fala o Sr. Ioschpe? Dos que trabalham em escolas privada consideradas de excelência, que atende parte da elite

"Quando o Sr. Ioschpe fala de carga horária, provavelmente deve estar se referindo a jornada de trabalho medida em horas e esquecendo-se de analisar o efetivo exercício do trabalho docente e os seus desdobramentos"

brasileira, que cobram mensalidades dos seus alunos que é muito superior ao que ganha na média o professor da escola pública, ou do custo aluno/ano estabelecido pelo FUNDEB?
Quando o Sr. Ioschpe fala de carga horária, provavelmente deve estar se referindo a jornada de trabalho medida em horas e esquecendo-se de analisar o efetivo exercício do trabalho docente e os seus desdobramentos.
Segundo o censo escolar de 2009 do MEC/INEP, o Brasil conta atualmente com 1.882.961 professores atuando na educação básica.
Do total de professores da educação básica 63,8% atuam em um único turno, que são os que o Sr. Ioschpe diz que “atuam em uma escola e cumprindo carga horária inferior à maioria das profissões”, argumento que utiliza para defender que o salário pago aos docentes é compatível com o mercado. Na grande maioria esses docentes são os professores dos anos iniciais do ensino fundamental, contratados para uma jornada semanal de trabalho de 20 a 25 horas semanais, o que dificulta que possam acumular um outro contrato. São professores unidocentes ou polivantes, ou seja, são responsáveis por alfabetizar e ensinar todos os conteúdos curriculares para, em média, 35 crianças. São esses professores responsáveis, em grande parte, pelo futuro escolar dessas crianças, pois profissionalmente são responsáveis pelo complexo processo de alfabetização e letramento dos alunos, que muitos dos chamados especialistas em educação desconsideram quando se referem aos professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
E se não sabe o Sr. Ioschpe é bom que passe a considerar em suas análises futuras: alfabetizar e ensinar 35 crianças é considerar que cada uma delas aprende em um processo e ritmo diferentes das demais, não sendo possível parametrizar e modelar técnicas que possibilitem ensinar todas ao mesmo tempo e do mesmo jeito, por mais que queiram impor essa concepção determinados especialistas.
Os professores dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) são os professores especialistas, que em grande parte ministram uma única disciplina. Do total de professores dessa etapa da educação básica 66,3% atuam em até 5 turmas, ou seja, são responsáveis por ensinar para, em média, 175 alunos de escolas diferentes. E 17,8% dos professores atuam em mais de 9 turmas, o que representa ensinar para no mínimo 315 alunos!

"E será que o especialista em economia da educação sabe que a gestão de uma única turma significa, no cotidiano, lidar com situações diferentes a cada dia"

Será que o Sr. Ioschpe tem noção do que significa ter sob sua responsabilidade por volta de 250 alunos por semana? Organizar aulas, materiais, lidar com problemas dos alunos e os próprios problemas, improvisar diante da falta de recursos, se locomover de uma escola a outra, conviver com os problemas sociais da comunidade que atravessam os muros da escola e muitas vezes explodem na sala de aula, entre outros que desafiam a resistência pessoal e profissional dos docentes?
E será que o especialista em economia da educação sabe que a gestão de uma única turma significa, no cotidiano, lidar com situações diferentes a cada dia, pois a complexidade das relações que se estabelecem entre professor-aluno, aluno-aluno e os fatos sociais locais ou não, interferem decisivamente na dinâmica das mesmas e, portanto, no contexto da sala de aula?
Não quero aqui ser leviano e comparar o salário que é pago ao professor com o de outros profissionais, pois correria o risco de ser inconsequente.
Importa dizer, como apontam pesquisas internacionais que o Sr. Ioschpe parece consultar e dar credibilidade, que o professor brasileiro recebe um dos piores salários pagos ao magistério no mundo, inclusive comparando com países com PIB mais baixo.
E, por outro lado, em todo o mundo governantes e pesquisadores afirmam que a educação, principalmente a formal, é o principal recurso do qual dispõe a humanidade para fortalecer a democracia, implementar um modelo de desenvolvimento sustentável e mais justo socialmente, e reduzir as diferenças existentes entre os países e povos ricos e pobres.

Fundamental

Se a educação possui essa importância global, aqui no Brasil os governantes e os empresários dizem que o crescimento econômico verificado nos últimos anos não se sustentará sem que ocorra a melhoria efetiva da qualidade das escolas públicas, formando alunos que atendam aos desafios impostos pela competitividade da globalização e do mercado. São interesses fundamentalmente empresariais e econômicos, mas que demonstram o quanto a educação está no centro dos interesses de todos os setores sociais.
Se a educação é fundamental para o país, estamos falando, portanto, dos professores das escolas públicas, aos quais o governo federal garantiu em lei um piso salarial nacional que no inicio de 2012 deveria ser de R$ 1.451,00 para uma jornada de 40 horas semanais e que, infelizmente, muitos governantes não cumprem o que determina a lei.

Leis descumpridas

O que diz o Sr. Ioschpe sobre os governantes que não cumprem a lei federal que determina o piso salarial como o menor salário a ser pago a um professor de escola pública? Nada! Se os governos estaduais e municipais cumprissem a lei do piso, inclusive criando planos de cargos, carreiras e remuneração que valorizem efetivamente o profissional da educação, não estaríamos aqui discutindo os salários aviltantes e nem os professores precisariam recorrer à greve, que sabemos o quanto é desgastante para o magistério e para os alunos e seus familiares. Bastaria os governantes fazerem o mínimo: cumprir a lei federal que instituiu o piso nacional como o menor salário a ser pago aos professores das escolas públicas que o desejo do Sr. Ioschpe seria atendido!
E ai poderíamos estar discutindo outras questões que estão associadas à qualidade da escola pública, como:
- qual o currículo adequado para os cursos de formação inicial de professores, que efetivamente garanta aos futuros profissionais o conhecimento didático necessário para que possam ensinar com qualidade a todos os alunos;
- quais são as estratégias formativas mais adequadas, que possam substituir os estágios como hoje são desenvolvidos em grande parte das instituições formadoras, para que os futuros professores possam se apropriar da cultura escolar e profissional, na perspectiva de contribuir para que a escola possa se transformar em uma organização social flexível e permeável;
- construir um amplo movimento de educadores, não subordinado aos órgãos governamentais, que debata nas escolas e comunidades o projeto educativo para o país que possa efetivamente orientar as políticas educacionais que são fundamentais para que a escola pública possa ser de qualidade;
- debater com as comunidades, sindicatos, conselhos escolares, do Fundeb, e outras instituições e movimentos interessados em discutir a educação, quais devem ser as prioridades para investimentos dos recursos destinados à educação e que estão associados a qualidade do ensino e da aprendizagem.

Debates

Esses, e muitos outros temas, devem fazer parte permanentemente dos debates entre os profissionais da educação, e seus sindicatos, pois quem faz a educação são aqueles que cotidianamente estão nas escolas e salas de aula, portanto são os que podem, e devem, estar a frente das definições das políticas educacionais do nosso país. Caso contrário, veremos sempre os especialistas dizendo o que é importante para a educação, um pequeno grupo planejando as políticas educacionais e as prioridades para o país, alguns determinando como e quando serão implementadas, os educadores nas escolas executando o que mandaram ser feito, e os milhões de alunos sofrendo os efeitos perversos do que se decidiu em algum lugar distante das escolas.
Isso não significa, como tenta nos fazer crer o Sr. Ioschpe, que a discussão salarial é perda de tempo, ou que os professores estão satisfeitos com a remuneração que recebem, e que falar em desinteresse pelo magistério é bobagem. Em todo o país grande parte dos professores são contratados em caráter precário, muitos lecionam disciplinas para as quais não foram formados em decorrência da dificuldade das secretarias de contratar professores habilitados em diversas especialidades, como física, química, matemática, biologia, entre outras. Por outro lado, como especialista em economia da educação deveria saber que quanto mais atrativos são os salários e os benefícios oferecidos, maior é a capacidade de se atrair e reter os profissionais mais qualificados. Não é por outro motivo que algumas das chamadas escolas privadas de excelência chegam a pagar salários superiores a R$ 10.000,00 mensais.

Medidas concretas

Finalizando, é preciso que a importância que se atribui à educação se converta em medidas concretas, valorizando a escola pública e seus educadores na mesma proporção da responsabilidade que se deposita na instituição escolar e seus profissionais. Da mesma forma que se avalia o professor e seus alunos, por meio das avaliações externas de desempenho, é preciso que a sociedade avalie os gestores, as políticas e as prioridades que definem, os modelos de gestão que adotam para o sistema de ensino e as relações que estabelecem com os educadores e as comunidades. Se a qualidade da educação tem como centro a escola pública (o que significa seus profissionais e alunos), é preciso não perder de vista que ela integra um sistema e, portanto, sofre as consequências das decisões que são tomadas no órgão central, que muitas vezes trata o desempenho escolar como responsabilidade única e exclusiva dos seus profissionais.
Se não sabe o Sr. Ioschpe é bom que saiba: muitos professores estão cansados, desiludidos de tanto ouvir que a educação é prioridade, e não perceberem essa importância se transformar em ações efetivas que mudem a realidade das escolas e salas de aula. Ou investimentos efetivos na valorização do trabalho que desenvolvem. O que garante os avanços que a escola pública vem tendo nos últimos anos é que, apesar de tudo que ao longo da história as elites e os governantes fizeram no nosso país para reduzir a qualidade da escola pública quando esta se tornou acessível para todos os pobres e excluídos, ainda existem muitos professores que teimam em militar pela profissão docente e a resistir por acreditarem que é possível uma outra escola pública. Diferente daquela que projeta o Sr. Ioschpe.



Walter Takemoto é educador