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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Economia mundial navega em um mar de dívidas

          

Um estudo da consultoria Mc Kinsey Global Institute mostrou que, em 2011, a dívida total do Japão –a maior do mundo desenvolvido – era de cerca de 512% de seu PIB (ou seja, de tudo o que sua economia produz em um ano. Em segundo lugar, estava o Reino Unido com 507%. Os Estados Unidos tinham “apenas” 279%. Para muitos economistas, esta gigantesca desproporção entre a riqueza anual de um país e sua dívida se explica por um mecanismo que nas últimas três décadas mudou a face do capitalismo: a financeirização. O artigo é de Marcelo Justo.


       

Londres - A economia mundial navega em um mar de dívidas. Um colossal estudo comparativo da consultoria Mc Kinsey Global Institute mostrou que, em 2011, a dívida total do Japão –a maior do mundo desenvolvido – era de cerca de 512% de seu PIB (ou seja, de tudo o que sua economia produz em um ano. Em segundo lugar, estava o Reino Unido com 507%. Os Estados Unidos tinham “apenas” 279%.

Esta dívida total é uma soma das dívidas estatal, estadual ou municipal, individual, hipotecária, corporativa, financeira e bancária. Com esses percentuais a impressão era de que a nave poderia naufragar a qualquer momento ou se despedaçar contra o muro do impagável. Muitos economistas opinam que esta gigantesca desproporção entre a riqueza anual de um país e sua dívida se explica por um mecanismo que nas últimas três décadas mudou a face do capitalismo atual: a financeirização.

“A financeirização explica o crescimento do crédito na década de 2000 e as causas da crise atual. No centro da mesma está a crescente importância de atores e instituições financeiras na economia e das finanças como fonte de lucros”, disse à Carta Maior Adam Leaver, pesquisador e membro do Centro de Investigação da Mudança Sócio-Cultural, de Manchester.

No capitalismo das últimas três décadas se produz uma explosão daquilo que, em inglês, é denominado pela sigla FIRE (Financiamento, seguro e setor imobiliário) que cresceu tanto em relação ao PIB como em detrimento da economia produtiva. Na América Latrina este FIRE se encontra potencializado pela falta de regulação e competição. Se tomamos como exemplo o recente balanço anual do banco espanhol Santander podemos que ver que Brasil e Chile garantem lucros infinitamente superiores aos de países desenvolvidos.

“O Brasil, por exemplo, representa 15% dos ativos do Santander, ou seja, seus empréstimos para consumo, empresas, etc., representam cerca de 30% de seus rendimentos mundiais. Em países como o Reino Unido a relação é inversa. A falta de regulação e competição permite aos bancos obter lucros absurdamente altos”, disse à Carta Maior Gabriel Palma, catedrático de Economia comparada na Universidade de Cambridge.

Dito de outro modo, os lucros não se devem a uma meritória competitividade da América Latina em termos de qualidade, serviço e eficiência, mas sim a falhas do sistema regulatório em que operam.

A roleta

A financeirização se dissemina por toda a economia reforçando o lucro de curto prazo e especulativo sobre o setor produtivo. As grandes corporações têm ramos financeiros que, com frequência, geram mais lucros do que aquilo que as empresas produzem e vendem. Nos Estados Unidos, a General Motors passou a ganhar mais com o fornecimento de créditos para a aquisição de automóveis do que com a venda mesma de veículos.

“As empresas do setor real, produtivo, começam a se comportar como empresas financeiras. Isso é claro no caso da própria General Motors que tinha uma empresa de venda de hipotecas de casas. Alguém pode argumentar que emprestar dinheiro para que se compre automóveis esta de acordo com a lógica produtiva: ao ajudar o financiamento do cliente, ajudo a venda do automóvel que produzo. Mas, investir no mercado hipotecário, é outra coisa. Funciona como substituto de um investimento produtivo para obter um lucro de curto prazo. É um claro sinal de como a financeirização afeta o investimento e a mudança tecnológica”, indicou Gabriel Palma.

Em nível individual, o símbolo mais cotidiano desta financeirização é o cartão de crédito que antes dos anos 80 era tratado com reverência de clube exclusivo e hoje se converteu em um meio de pagamento da vida diária. Mas a explosão do crédito vai muito além do cartão. No estouro financeiro de 2008, a gota que fez transbordar o copo de uma economia endividada até o último fio de cabelo foi o empréstimo hipotecário para famílias sem recursos: as chamadas hipotecas sub-prime de alto risco.

Os estudos sobre o período do boom mostram que nos Estados Unidos as famílias passaram a gastar no pagamento de juros de cartões de crédito e empréstimos quase o dobro do que gastavam em comida e roupas. No Reino Unido, a dívida individual ou familiar chegou a ser 165% da receita disponível (renda que fica depois do pagamento de impostos). Segundo Paolo dos Santos, especialista bancário de SOAS, da Universidade de Londres, essa mudança veio junto com a retirada do Estado benfeitor como garantidor da saúde, educação, moradia e aposentadoria, que foi funcional para a expansão do sistema financeiro.

“Nos últimos 30 anos, a política social em muitos países desenvolvidos se baseou na transferência do risco e do custo desses serviços sociais do Estado para o indivíduo. Este tem que recorrer ao sistema bancário para poder financiar a educação de seu filho ou seu seguro de saúde ou sua aposentadoria”, assinalou Dos Santos à BBC.

Brasil na mira

Um informe recente da Federação de Comércio de São Paulo mostra que a taxa de juro média paga pelos brasileiros é de 230% ano. O cálculo é que o serviço da dívida individual brasileira será de 30% da receita disponível este ano. Nos Estados Unidos, se considera que quando a dívida alcança 14% a situação é de alto risco.

O Brasil não é um caso isolado, O Chile o segue de perto. No Peru, o crédito quadruplicou nos últimos cinco anos. No México, o nível de inadimplência no pagamento de microfinanciamento do consumo se situa entre 20 e 30%. A Argentina é um caso peculiar. A crise de 2001 e o brutal descrédito do sistema bancário teve um paradoxal efeito neutralizador desta financeirização que havia arrasado com a economia nos anos 90. Enquanto que, na América Latina, a média hoje de crédito fornecido pelo setor bancário em relação ao PIB é de 67%, na Argentina é de 29%. Em comparação, no Brasil esse índice é de 98%. No Chile é de 90% e no México de 45%.

“O crédito azeita a economia, mas um excesso de dívida nas famílias se traduz em estancamento do consumo. Na América Latina o problema não é o montante da dívida, mas sim seu serviço pelas condições leoninas que muitas linhas de crédito apresentam. Esta financeirização tem um impacto no investimento. É mais negócio ganhar com um produto financeiro do que investir na economia real. Uma parte importante da elite industrial de São Paulo abandonou a produção pelas finanças”, disse Palma à BBC Mundo.

Tradução: Katarina Peixoto

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Imperialismo quer uma nova guerra no mundo

Síria - Imperialismo quer uma nova guerra no mundo  

Luis Falcão no A VERDADE

Para satisfazer a sede de lucros da poderosa indústria de guerra dos EUA e de outros países, as potências imperialistas querem mais uma guerra no mundo, não importa se contra a Síria ou contra o Irã, ou mesmo contra s dois países. Para tanto, a gigantesca máquina de propaganda do capitalismo espalha mentiras e esconde que a CIA fez acordo com a Al-Qaeda para organizar atentados na Síria.

A Síria não é um país socialista e, por isso mesmo, não é democrático. A principal lei da economia do país é o lucro e quem manda e governa é a classe dos ricos.  As eleições são manipuladas, há perseguição aos que lutam por uma revolução e pelo verdadeiro socialismo e são  numerosos os casos de corrupção no país. Os que têm dinheiro, as famílias ricas, conseguem resolver seus problemas, os que não têm, a imensa maioria da população, sofrem para conseguir até mesmo um emprego. Apesar de ter socialismo em seu nome e em seu programa, o Partido Baath (Partido do Renascimento Árabe Socialista) não defende nem pratica o socialismo cientifico de Marx e Lênin, embora quando de sua Constituição em 1963 foi um partido progressista, nacionalizou o petróleo, as terras e adotou medidas contra a espoliação estrangeira do país. Porém, desde a década de 80, se transformou num instrumento a serviço dos privilégios de algumas centenas de famílias e de grupos privados. Em decorrência, várias multinacionais têm cada vez mais negócios na Síria. A multinacional italiana do setor de armamentos – Finmeccanica – há dois anos está entre os principais fornecedores do governo sírio. Finmeccanica é o oitavo fornecedor do Pentágono e também produz em parceria com a norte-americana Lockheed Martin
Por ser um país dependente, a Síria sofre duramente as consequências da atual crise econômica capitalista. Este fato foi agravado porque desde os anos 90, o governo adota um conjunto de reformas neoliberais para permitir o avanço do capital estrangeiro, elimina programas de assistência social e reduz os investimentos públicos em 50%. As terras nas grandes cidades foram privatizadas e entregues a grandes empresas, que elevaram os preços dos imóveis, obrigando milhares de famílias a irem morar na periferia das cidades e formar favelas. Hoje, o país tem um elevado número de desempregados jovens, as desigualdades sociais aumentaram absurdamente e a pobreza é crescente. Tal situação levou em março de 2011, em meio aos levantes populares da Tunísia e do Egito, a juventude a ocupar as ruas exigindo mudanças sociais e políticas no país.
Foi nesse terreno que os países imperialistas começaram a operar, enviando à Síria mercenários que estavam no Iraque, para organizarem atentados e recrutarem insatisfeitos com o regime em vista de se formar um exército. Até a organização terrorista Al-Qaeda foi articulada pela CIA e é membro  ativo do chamado Exercito Livre da Síria. Também, a serviço dessa estratégia imperialista, o reacionário governo turco de Tayyip Erdogan ao bombardear a Síria cumpre o papel de provocador visando acelerar a nova guerra imperialista.
Entretanto, não é nem para acabar com o capitalismo na Síria nem com a corrupção e muito menos defender os direitos humanos que os EUA, a França, a Inglaterra e a Alemanha querem bombardear a Síria e derrubar o governo de Bachar Al Assad. Aliás, basta observar o que se tornaram a Líbia, o Afeganistão e o Iraque após as intervenções militares dos países imperialistas para concluirmos como ficará a Síria se ocorrer um ataque da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte).
Com efeito, nenhum desses países tornou-se mais democrático ou menos violento após as guerras de que foram vítimas. Pelo contrário, hoje na Líbia, em vários edifícios públicos tremula a bandeira da organização terrorista Al-Qaeda, a mesma que é acusada de realizar o atentado às torres gêmeas nos EUA, o qual matou mais de 3 mil cidadãos norte-americanos,  e no dia 11 de setembro último realizou um atentado que matou o embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens. No Afeganistão, entre 1º de janeiro e 30 de junho de 2012, 1.145 pessoas morreram e 1.945 ficaram feridas devido a atentados. Mulheres e crianças representam 30% das vítimas.
Depois, se existisse por parte das potências imperialistas algum respeito aos direitos humanos, os EUA não teriam financiado e ajudado o golpe militar em Honduras, tentado derrubar o governo de Hugo Chávez e não continuariam apoiando e mantendo as sanguinárias ditaduras do Iêmen, do Bahrein e da Arábia Saudita.
Também, a defesa que a Rússia e a China fazem do governo sírio nada tem a ver com o respeito à autodeterminação dos povos. Lembremos que ambos os países foram favoráveis às criminosas guerras contra o Iraque e o Afeganistão e já aprovaram diversas sanções econômicas contra a Síria e o Irã, privando milhões de árabes de alimentos e de remédios.
A velha mentira repetida
Sem ter o que dizer para justificar uma nova guerra imperialista, os Estados Unidos e demais potências imperialistas repetem o mesmo argumento (ou melhor dizendo, a mesma mentira) usada contra o Iraque:  (“Saddam tem armas químicas de destruição massiva”) ou contra a Líbia (Kadafi massacra população civil).
Portanto, o principal motivo levantado pelos EUA e seus aliados para pressionarem a ONU a aprovar a agressão à Síria e usar sua máquina de guerra mortífera composta de satélites militares, bombas nucleares, submarinos, aviões não tripulados, mísseis intercontinentais e milhões de homens armados espalhados em mais de 1.000 bases militares estacionadas em cerca de 50 países, é que a Síria possui “poderosas armas químicas e pode usá-las contra a população”.
Vejamos o que declarou o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, no dia 28 de setembro ao ser perguntado pela imprensa de seu país sobre os depósitos de armas químicas na Síria:
“Informações da inteligência americana dão conta de que o arsenal está em locais seguros, mas parte tinha se movido. Não está claro quando as armas foram transferidas, nem se a movimentação aconteceu recentemente.” A notícia prossegue dizendo que os EUA acreditam que a Síria tem dezenas de depósitos de armas químicas e biológicas espalhados pelo país.
No final de agosto, o presidente Barack Obama declarou: “Vamos ser muito claros com o regime Assad, mas também com todos os outros combatentes, que a linha vermelha será quando começarmos a ver um monte de armas químicas sendo movidas e usadas. Isso mudará nosso cálculo”.
Ora, nunca uma missão internacional esteve na Síria para investigar se o país possui ou não armas químicas. E agora, não só o país tem, como está transferindo essas armas de um lugar para outro.
Mas como acreditar num governo que já mentiu tantas vezes? Lembremos algumas: disse que não jogaria bombas atômicas no Japão e jogou; disse que não usaria armas biológicas contra o Vietnã e usou, disse que Saddam possuía armas de destruição em massa e era mentira.  Diz que o Irã está produzindo arma nuclear e, até hoje, apesar de várias inspeções, a AIEA não foi capaz de encontrar nem uma só arma nuclear no país, embora os EUA possuam, de acordo com o Pentágono, 5.113  armas nucleares e Israel algumas centenas.
Aliás, mentira e desinformação é o que mais tem surgido em relação à Síria. No último dia 28, as agências de noticias norte-americanas e francesas deram a seguinte notícia:
“Ontem, foi o segundo dia consecutivo de ataques com bombas na capital (Damasco). Duas organizações de ativistas anti-Assad anunciaram que vários corpos foram encontrados num subúrbio situado ao sul da capital. Aparentemente, as mortes foram provocadas por forças leais à ditadura.”
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos disse que 40 corpos, inclusive de mulheres e crianças, foram achados no subúrbio de Thiyabiyeh. O líder da organização, Rami Abdul-Rahman, afirmou não ter detalhes sobre as mortes.
Outro grupo de oposição a Assad, os Comitês de Coordenação Local, estimou em 107 o total de corpos encontrados e disse que muitos dos cadáveres mostravam sinais de execução -algumas das vítimas teriam sido degoladas. Os números indicam um dos piores massacres de civis desde o início do levante.” (O Globo, 28/09/2012)
Atenção: o Observatório Sírio de Direitos Humanos declarou que não tinha detalhes sobre as 40 mortes. O outro disse que eram 107 mortes. Será que eles não aprenderam a contar ou não tiveram tempo de combinar os números? E quem são realmente os assassinos?
Crimes contra o povo sírio, assassinatos e execuções não é algo raro praticado pelas chamadas forças rebeldes da Síria. Vejamos o que declarou o insuspeito embaixador brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro:
“Existem motivos razoáveis para acreditar que as forças antigovernamentais daquele país perpetram assassinatos, execuções extrajudiciais e tortura” – disse Paulo Pinheiro, chefe de um painel internacional independente que investiga a situação na Síria.
Paulo Pinheiro também denunciou o uso de crianças com menos de 18 anos de idade por grupos armados de oposição. “Estas forças não identificam seus membros com uniformes reais ou insígnias para diferenciá-los da população civil “,  acrescentou. Crimes realizados por esses elementos, como sequestros, tortura e maus-tratos de soldados do governo capturados, também foram repudiados pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay.
Concluindo, Pinheiro criticou o governo por levar a cabo ataques indiscriminados, como ataques aéreos e bombardeios de artilharia a áreas residenciais. Ele também se posicionou contra a aplicação de sanções contra a Síria, por constituírem uma negação dos direitos fundamentais ao povo desse país, onde, segundo a ONU, existem 2,5 milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. O especialista reiterou a necessidade de uma solução política na Síria e ressaltou que “não há possibilidade de uma solução militar.” (Correio do Brasil, 22/09/2012).
Esta é a verdade.
Por que o império quer a guerra  
Porém, os grandes meios de comunicação da burguesia com o objetivo de convencer os povos da necessidade de mais uma guerra imperialista divulgam mentiras e mais mentiras certos do que afirmou o ministro da Propaganda de Hitler, o nazista Joseph Goebbles: “Uma Mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”.
Na realidade, o que está por trás da atual guerra que se desenvolve na Síria e que já matou mais de 25.000 sírios é o interesse das potências imperialistas em controlar uma nação que produz petróleo e gás natural – por dia, a Síria produz 380 mil barris de petróleo e tem reservas de 2,5 bilhões de barris e 240 bilhões de m3 de gás natural –; está situada na região estratégica do Oriente Médio  e faz fronteira com Iraque, Irã, Turquia, Líbano e Israel. Ademais, a Síria, até por força das circunstâncias, pois tem parte de seu território nas colinas de Golã ocupado por Israel desde 1967,  é um país que tem apoiado a luta pelo Estado da Palestina e tem em seu território quase 500 mil refugiados palestinos.
Dessa forma, a substituição do atual governo sírio por um governo submisso à dominação dos EUA, da França e da Inglaterra na região, além de garantir aos monopólios desses países o controle sobre petróleo e gás, também enfraquece o Irã, a luta do povo palestino e facilita o controle político do Oriente Médio. Em resumo, se trata de mais uma guerra para assegurar os interesses de multinacionais como a Exxon, BP, Chevron, Barrick Gold, Shell, Total, Monsanto, HSBC, Deutsche Bank, Goldman Sachs, entre outros e de criar demanda para a indústria militar dos países imperialistas: a Boeing (EUA), a Northrop (EUA), a General Dynamics (EUA), a Raytheon (EUA), a BAE Systems, a EADS (europeia), a Finmeccanica (italiana), a L-3 Communications (EUA) e a United Technologies (EUA).
De fato, há várias comprovações da existência de paramilitares a serviço da CIA na Síria e o governo denunciou na ONU a existência de 60.000 mercenários pagos pelas potências imperialistas atuando no país.
O chamado Exército Livre da Síria recebe há muito dinheiro e armas da Inglaterra, da França e dos EUA. Segundo a BBC, agência de notícias inglesa, o governo britânico entregou mais de 7 milhões de dólares em “abastecimento médico e equipamentos de comunicação’ aos grupos armados sírios. A França, que teve a Síria como colônia até 1949, defendeu, por intermédio do ministro das Relações Exteriores Laurent Fabius que “as zonas liberadas sírias que estão sob controle dos rebeldes recebam ajuda financeira, administrativa e sanitária.” O chanceler francês prometeu ajuda de 5 milhões de euros (R$ 12,8 milhões) aos opositores.
A Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, anunciou no último dia 29 mais US$ 30 milhões de assistência em alimentos, água e serviços médicos e mais 15 milhões em “equipamentos de comunicação” à oposição política não-armada”.
Ora, apesar da ONU adotar sanções contra a Síria – o governo sírio é reconhecido pela organização e por centenas de países – uma intervenção como essa que ocorre no país fere todas as leis internacionais e mostra que há muito o imperialismo jogou na lata do lixo o princípio da convivência pacífica entre os países e o respeito à autodeterminação das nações.
São essas, portanto, as razões que asseguram que mais uma guerra imperialista está a caminho. Tal situação coloca perante todos os homens e mulheres livres que não querem nem aceitam uma ditadura mundial do capital e a escravidão da humanidade por um punhado de países imperialistas governados por meia dúzia de bancos e de monopólios, a questão de o que fazer para deter esses genocídios e impedir que novas guerras sejam desencadeadas por potências capitalistas. Tais potências, mergulhadas numa profunda e grave crise econômica, veem como sua salvação aumentar a exploração dos trabalhadores, abocanhar as riquezas dos povos e dominar o mundo. Com a palavra Che Guevara: “O imperialismo capitalista foi derrotado em muitas batalhas parciais. Porém é uma força considerável no mundo e não se pode aspirar à sua derrota definitiva sem o esforço e o sacrifício de todos”¹.

Luiz Falcão é membro do comitê central do PCR

Notas

¹ Che Guevara. Discurso em Seminário Econômico de Solidariedade Afroasiática. 1965)

domingo, 7 de outubro de 2012

EUA e UE querem desintegração do Mercosul



 Samuel Pinheiro Guimarães

EUA e UE querem desintegração do Mercosul, diz Samuel Pinheiro

Em entrevista ao BRASIL DE FATO,  o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, fala sobre o potencial do bloco sul-americano que se contrapõe aos interesses de controle comercial e industrial dos Estados Unidos (EUA) e da União Europeia sobre a região. Ele ataca o modus operandi dos países centrais do capitalismo na relação com a América Latina.

“Os EUA e os países altamente desenvolvidos têm tido, como meta geral de política econômica e diplomacia externa, a eliminação de todas as barreiras ao comércio e ao fluxo de capitais. Ao mesmo tempo, têm advogado a adoção de uma série de normas que impedem qualquer controle sobre o capital estrangeiro”.

Contundência. É dessa forma que o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães costuma se expressar sobre os temas que bem conhece. Secretário-geral de Relações Exteriores durante sete anos do governo Lula (2003-2009), ele foi uma das vozes mais eloquentes no processo que ajudou a enterrar a Aliança para o Livre Comércio das Américas (Alca) – iniciativa que buscava apagar todas as fronteiras comerciais do continente, num claro favorecimento à indústria norte-americana.

Dono de uma sólida formação acadêmica na área jurídica e sociológica, e quadro do Itamaraty há quase 50 anos, Guimarães exerceu até junho desse ano a função de Alto-Representante do Mercosul, sendo articulador das políticas entre os países-membros do bloco. Professor de Economia Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele analisa com propriedade os atuais desafios sul-americanos, especialmente a mudança geopolítica após a entrada da Venezuela no grupo. “Esse ingresso vai proteger o país das tentativas de golpe”, aponta. Sobre o Brasil, o diplomata detecta um perigoso processo de desindustrialização da economia e uma hegemonia do capital internacional no controle dos fluxos de capitais.

Brasil de Fato: Um dos fatos políticos mais importantes do ano para a América do Sul foi a entrada da Venezuela no Mercosul. Qual a importância disso para a geopolítica regional?

Samuel Pinheiro Guimarães: O ingresso da Venezuela no Mercosul foi um fato de grande importância, tanto do ponto de vista político quanto econômico. Do ponto de vista econômico, a Venezuela é o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, no momento. Além disso, os preços do combustível continuarão altos nos próximos anos. No mais, a Venezuela está engajada, desde que o presidente Chávez assumiu, num processo de desenvolvimento do país, de construção de uma economia nacional. Antes, havia uma economia puramente petroleira, exportando petróleo e importando todo o resto. Ele [Chávez] tem essa determinação. Para os outros países do Mercosul, tudo isso é extremamente importante porque a Venezuela estará disposta a dar uma preferência aos países do bloco no seu mercado interno. Cria-se uma oportunidade importante para os países exportadores de produtos primários (Uruguai e Paraguai) e, ao mesmo tempo, abre seu grande mercado para produtos manufaturados de Brasil e Argentina. A Venezuela pode contribuir de forma muito significativa para reduzir as assimetrias dentro do bloco, através do Focem [Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul].

Do ponto de vista político, é importante esse ingresso porque, como é notório, existe o interesse deliberado dos EUA e dos países alinhados aos norte-americanos para que haja uma mudança de regime na Venezuela. Trata-se de um esforço consistente, a nível internacional, tentando retratar o presidente Chávez como um ditador, uma pessoa não confiável, descontrolado e assim por diante. Essa não é a opinião do povo venezuelano. Mas eles conseguiram consenso da mídia internacional, na América Latina e no resto do mundo, de modo que há quase uma convicção de que existiria uma ditadura na Venezuela, que não há liberdade de opinião, etc. A Venezuela no Mercosul a protege de eventuais golpes.

Brasil de Fato: Embaixador, o senhor tem afirmado que há uma meta permanente dos países centrais do capitalismo, capitaneados pelos EUA, de desintegrar o Mercosul. Qual o sentido estratégico desse esforço e o que pode ser feito de forma mais agravante contra a consolidação do Mercosul?

Samuel Pinheiro Guimarães: Os EUA e os países altamente desenvolvidos têm tido, como meta geral de política econômica e diplomacia externa, a eliminação de todas as barreiras ao comércio e ao fluxo de capitais. Ao mesmo tempo, têm advogado a adoção de uma série de normas que impedem qualquer controle sobre o capital estrangeiro. Então, por exemplo, os acordos negociados no âmbito da Rodada Uruguaia [Acordo comercial internacional, iniciado em 1986, que criou a Organização Mundial do Comércio e estabeleceu redução de subsídios agrícolas] preveem que os países não podem impor certas regras ao capital estrangeiro, como metas de exportação, obrigação de transferência de tecnologia, obrigação de insumos locais. Para esses países, que sediam as maiores empresas multinacionais, isso é conveniente porque eles realizam lucros nos países periféricos e remetem esses lucros para as suas sedes. Sabemos que o banco Santander, recentemente, só não teve prejuízo em nível mundial por causa da sua filial no Brasil. Isso é comum. Por isso, é muito importante esse livre fluxo de recursos porque ele se transforma em dividendos para os seus acionistas e, portanto, para o bem-estar daquela sociedade de origem [dos capitais]. Naturalmente, nunca praticaram isso para o setor agrícola. É livre comércio para produtos industriais e não para produtos agrícolas, porque não aceitam [a concorrência com os exportadores agrícolas]. Eles também protegem setores da sua indústria que desejam proteger.

Então, diante de qualquer acordo econômico que estabeleça preferências para as empresas que estão situadas dentro do território daquele agrupamento, como é o caso do Mercosul, eles não são favoráveis. Para isso, utilizam a ideia do regionalismo aberto, em que pode haver processo de integração, mas seria importante negociar com a União Europeia, os EUA. Na época da negociação da Alca havia uma ideia de que o Mercosul seria um dos blocos de construção da área. O Mercosul se acabaria com a Alca, por uma razão lógica: a partir do momento que se eliminam as tarifas, não há mais preferência. Eles também receiam as preferências para as empresas que estão dentro do bloco, eles querem que isso não ocorra. O ideal melhor desses países não é investir, é exportar. Eles só investem na China porque lá se estabelecem condições.

Brasil de Fato: O senhor acredita que esse potencial do Mercosul já foi percebido por seus “inimigos”, mas talvez os protagonistas ainda não tenham notado a importância de consolidá-lo, politicamente, através, por exemplo, de um sistema de comunicação mais adequado, que desse um nível de consciência cultural da importância histórica dessa integração?

Samuel Pinheiro Guimarães: É verdade. Principalmente no maior deles, que é o Brasil. Não há essa consciência, apesar do Mercosul ser um mercado extremamente importante para o nosso país. Em primeiro lugar, porque o Brasil tem sua pauta de exportações, para a Europa, a China, focada nos produtos primários. Os países para onde o Brasil vende produtos manufaturados são os do Mercosul e da América do Sul, e os Estados Unidos. Nesse último caso, cumpre esclarecer, é por causa do comércio “intra-firma”. As filiais americanas daqui vendem para as suas unidades nos EUA, mas essas mesmas filiais não exportam para a China nem a Europa. O Brasil só exporta como Brasil quando são as empresas estatais. O restante das importações são empresas privadas que estão no país, mas não são nacionais [em termos de capital]. As pessoas não sabem o que é a questão do comércio dentro da firma. A Fiat do Brasil exporta para Itália uma quantidade x de automóveis, o mesmo acontece em outros casos. São poucas as empresas nacionais que fazem investimentos na Argentina, Uruguai, Peru, Chile. É o caso da estatal Petrobras ou os bancos, como o Itaú. Claro que a Ford do Brasil não investe na Argentina. Lá, é a Ford dos EUA que investe. Um problema complexo, de longo prazo, é a presença das megaempresas multinacionais no Brasil sem a possibilidade de controlá-las, a qual o Brasil abdicou na reunião da Rodada do Uruguai.

Brasil de Fato: Mas em que isso fragiliza o Brasil?

Samuel Pinheiro Guimarães: Não se pode diversificar as exportações. A grande presença das empresas multinacionais, sem maiores obrigações, faz com que elas exportem apenas para onde elas decidem exportar. Qualquer campanha ou tentativa de expandir exportações para a China é frustrada porque elas não vão exportar, ou porque já estão lá e não vão concorrer com elas mesmas, ou porque decidem abastecer a China, digamos, partir de outra unidade. Isso afeta todo o comércio exterior na área de manufatura. Muitas empresas de capital nacional trabalham com tecnologia estrangeira, mas mediante condições. Por exemplo, a empresa pode produzir no país, mas não pode exportar.

Brasil de Fato: A Embraer seria uma delas?

Samuel Pinheiro Guimarães: Não. Mas, veja, a Embraer, que é uma montadora, não pôde exportar aviões para a Venezuela porque as firmas norte-americanas que iriam fornecer as peças não forneceram. Mas pôde exportar para a Colômbia, uma decisão política para exportar para aquele país e não para outro.

Isso prejudica o comércio exterior, porque o processo de desenvolvimento é de acumulação de capital. Não de capital financeiro, mas de capital físico. Como uma empresa se desenvolve? Aumentando suas instalações, suas máquinas e assim por diante. De uma forma geral, para acumular o capital físico, tem que gerar excedentes, os lucros. Esse lucro tem dois destinos: são distribuídos, sob a forma de dividendos, aos acionistas daquela empresa ou são reinvestidos na compra de equipamentos. Se a empresa é nacional, em princípio, ela distribui dividendos para brasileiros e investem no Brasil. Se a empresa é estrangeira, obtém lucro e distribui dividendos aos acionistas estrangeiros e, apenas eventualmente pode aumentar ou não seu capital físico no Brasil.

Brasil de Fato: Mas isso não decorre de uma alteração constitucional feita sobre empresa brasileira?

Samuel Pinheiro Guimarães: Sim. Durante o período do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), “preocupado” com os destinos da empresa nacional [ironiza], resolveu igualá-la a empresa multinacional. Isso é uma coisa gravíssima. Claro que se pode utilizar o capital estrangeiro para induzir a transferência de tecnologia, diversificação das exportações, criação de tecnologia dentro do país. Na China, há centenas de centros de pesquisa de desenvolvimento de empresas multinacionais, induzidas pelo governo. No Brasil, isso não ocorre.

Brasil de Fato: Para legitimar o fiasco regional, existe um jornalismo de desintegração. O que nos impede de fazer o jornalismo da integração?

Samuel Pinheiro Guimarães: Dois dos mais importantes instrumentos de influência política das grandes potências são o setor financeiro e o de comunicações. São fundamentais. O setor de comunicações é o que faz o imaginário das pessoas. Fazem com que elas acreditem, por exemplo, que o presidente Chávez é um ditador. E muitas outras coisas. O Iraque foi atacado a pretexto de possuir armas de destruição em massa, mas verificou-se que isso não existia. Nesse caso, é importante até imitar os EUA no passado, isto é, impedir os monopólios e oligopólios nos meios de comunicação, democratizar as verbas oficiais de publicidade do Estado. Algo que a Argentina também fez, com a Lei de Meios. Isso permitiria haver concorrência nos meios de comunicação, o que não há no Brasil. Como está, a comunicação é um instrumento importante de exercício de poder da classe hegemônica local que está vinculada a classe hegemônica dos países altamente desenvolvidos.

Brasil de Fato: Não se sabe, por exemplo, que a Venezuela tem hoje o maior salário mínimo da América Latina, o equivalente a R$ 2,1 mil e a Argentina, o equivalente a R$ 1,4 mil.
Samuel Pinheiro Guimarães: Sobre isso, se silencia. E vão se criando uma série de factoides, ou seja, situações que não existem além de ocultar outras questões importantes.

Brasil de Fato: Voltando ao tema da economia, está em curso um processo de desindustrialização do Brasil?

Samuel Pinheiro Guimarães: Não tenho a menor dúvida. Quase todos os economistas estão de acordo com isso. Há um processo que tem uma dinâmica própria, que deriva de dois fatos. O primeiro é a emergência da China e sua enorme importância por produtos primários. Esse fato está diretamente ligado à necessidade de divisas do Estado, porque não equilibra o balanço de pagamento senão entrarem recursos, se não entrar capital. Como se tem enorme dificuldade em expandir o comércio de manufaturados, o comércio de matéria-prima acaba sendo direcionado para a China, o que torna atividade do agronegócio e da mineração altamente lucrativa.

Do outro lado, a China tem necessidade de exportar manufaturados, dos produtos mais simples aos mais complexos, como bens de capital. A China tem deslocado a posição dos EUA e da Alemanha no fornecimento de bens de capital para o Brasil e a Argentina, porque os preços [chineses] são mais baratos. Isso entra em competição com indústria instalada no Brasil. Contribui para reduzir os lucros dessa indústria, que começa a importar insumos para reduzir seus custos e depois acaba simplesmente importando e distribuindo o produto estrangeiro. Europa e EUA também procuram exportar manufatura porque precisam gerar divisas e criar empregos lá. Os EUA tem tido superávit grande com o Brasil. Ano passado, a vantagem comercial foi de oito bilhões de dólares. Isso contribui para tornar a atividade industrial no Brasil menos lucrativa e o agronegócio e a mineração, ao contrário, atividades mais lucrativas. Inclusive porque com a política cambial e o influxo de dólares, o real está supervalorizado, então é muito fácil exportar, mas difícil importar.

É uma dinâmica com interesse internacional muito forte. Na área do agronegócio, as exportadoras são multinacionais. Não é o produtor de soja que exporta. A Cargill, Dreyfus, a Bunge… as cotações da soja estão altíssimas e quem se apropria disso são as multinacionais. Teria que haver um imposto de exportação para usar esse recurso, para duas finalidades, em minha opinião. A primeira seria promover o processamento das matérias-primas no Brasil. O que acontece com a soja que vai para China? É transformada em farelo, óleo de soja, então teria que se promover a transformação aqui. O minério de ferro que vai para a China é transformado em aço que nós compramos sob a forma de trilho. Para isso, precisa de atuação do governo.

Brasil de Fato: Esse modelo não tem sido estimulado pelo próprio governo? Como o senhor avalia essas medidas recentes de concessão de rodovias e ferrovias, justamente em ramais que favorecem a economia agroexportadora?

Samuel Pinheiro Guimarães: Eu não estudei a questão das concessões em detalhes. Mas, tendo em vista a demanda que existe por esses produtos, não se pode simplesmente, por causa das restrições de balanço de pagamento, deixar de construir esse tipo de infraestrutura. A hipótese é que se precisa construir rodovia, até por causa do próprio desenvolvimento do mercado interno, porque não se transporta só produtos do agronegócio, mas todo tipo produto. Com a ferrovia, é a mesma coisa. A premissa é se o Estado vai ter empresas construtoras de ferrovias e rodovias ou se vai contratar a iniciativa privada. E se contratar a iniciativa privada, ela será nacional ou estrangeira?

Se for nacional ou estrangeira, definir quais serão as condições, o lucro que se pretende. Para constituir o mercado interno, é necessário construir as redes de comunicações, com ferrovias, rodovias, metrô, portos, até para permitir que a economia funcione. Não se pode prescindir. Se a economia cresce e a rede física não expande, gera problemas graves, como congestionamento de portos e aumento de custos de produção.

Brasil de Fato: O senhor tem escrito muito acerca da relação complexa do papel das empresas brasileiras nos outros países no curso de uma integração. E também da política externa brasileira, que facilitou e fortaleceu a presença brasileira na Ásia, no mundo árabe, na América do Sul e até na África. O papel das empresas brasileiras contraria interesses dos países nessas regiões?

Samuel Pinheiro Guimarães: Acho que isso se aplica mais à América do Sul, ainda tendo em vista que o número de empresas brasileiras com capacidade para operar fora é relativamente reduzido. Poderíamos citar a Petrobrás, Vale, o setor bancário. Por isso, essa expansão das empresas brasileiras se dá na zona mais próxima, na América do Sul, através da aquisição de empresas locais, situações que poderiam gerar conflito entre empresas brasileiras e governos, como já houve em alguns casos e podem se agravar e levar a casos delicados politicamente.

Brasil de Fato: Mas qual seria o papel possível, dentro de uma regra capitalista, para o Estado brasileiro impedir que as empresas cedam à tentação de um sub imperialismo?

Samuel Pinheiro Guimarães: Eu acho que podem ser estabelecidas condições preferenciais. Por exemplo, não acho que o governo brasileiro deve financiar a aquisição, por empresas brasileiras, de empresas dos outros países. O governo pode estimular um comportamento diferente, de financiar a formação de associação com empresas locais. Aí o governo dá juros mais baixos, linhas de créditos especiais. A diferença de tamanho da economia brasileira é tal em relação aos outros países vizinhos que a penetração de capital brasileiro nesses países é extraordinária. Na Argentina, hoje em dia, a presença do capital brasileiro é muito grande, no setor bancário, setor do petróleo, mesmo no setor de frigorífico, a presença é muito importante. Tudo isso faz com que, se o governo local decide, por exemplo, mudar a legislação de remessas de lucros, a empresas brasileiras vão ser afetadas por isso, vão querer influir sobre o governo local. Se não tiverem êxito, vão pedir auxílio ao governo brasileiro. É uma tendência muito grande. A tendência não é haver um influxo de empresas equatorianas ou peruanas no Brasil.

Brasil de Fato: Há 30 ou 40 anos, Brasil e China estavam em uma situação parecida em diversas áreas. Mas, de lá para cá, a China, que não tinha programa espacial, atualmente já lançou nave no espaço. Não havia programa nuclear, hoje isso é bastante desenvolvido por lá. O Brasil não avançou quase nada nesses dois setores. Qual a explicação histórica para isso?

Samuel Pinheiro Guimarães: Houve opção por um tipo de política econômica, especialmente a partir do governo Fernando Collor de Mello. Essa escolha de política econômica foi baseada, inclusive, nos princípios que estão consolidados no chamado Consenso de Washington. Havia a ideia de que o Estado seria a grande causa dos problemas que afligiam a economia brasileira, na área da dívida externa, inflação, entre outras. Esse consenso dizia, em primeiro lugar, que o Estado deveria abdicar de qualquer atividade econômica e industrial, o que refletiu um programa de privatização. Todas as atividades de produção deveriam ser privadas, não apenas a área produtos de consumo, mas todas. Não privatizaram todo o setor de energia porque não tiveram oportunidade. Em segundo lugar, o Estado também interferia na atividade econômica através de “regulamentos excessivos”, então deveria desregulamentar, ou seja, deixar as empresas “livres” para que, através do jogo das forças de mercado, houvesse melhor alocação possível de recursos. Três, deveria haver abertura da economia para o exterior. O Estado deveria deixar de interferir no comércio exterior, de preferência eliminando todas as tarifas [alfandegárias].

O que ocorreu com a China, comparativamente, é que o Estado participou e organizou o processo de desenvolvimento econômico. Houve participação do capital estrangeiro, mas de forma disciplinada, sob um modo de ver o sistema econômico. Uns acham que para um país subdesenvolvido se desenvolver, a presença do Estado é essencial, com o fortalecimento da sua estrutura produtiva, suas empresas, assim por diante. Outros achavam que não, que isso ocorreria naturalmente, a transferência de tecnologia aconteceria sem maiores problemas. Começou no governo Collor, foi freada na gestão Itamar Franco, mas aprofundada no governo Fernando Henrique Cardoso. Com o presidente Lula, essa política foi, aos poucos, sendo modificada. Quando se toma o programa como o Bolsa Família, trata-se de aperfeiçoamento da mão-de-obra porque, do ponto de vista econômico, faz com que as crianças tenham que ir para a escola, faz com que haja programa de saúde, controle de pré-natal, vacinas. Também houve impacto no mercado de consumo, aumento de demanda por produtos. O Programa Luz para Todos também estimulou isso. Onde não há luz, não há produto industrial. Vale citar os programas de crédito e os esforços na área de infraestrutura. Havia 20 anos que o Brasil não construía uma refinaria. Houve uma mudança progressiva em várias áreas.

Brasil de Fato: Mas o modelo econômico permanece o mesmo.

Samuel Pinheiro Guimarães: Sim, porém essa pressão tem que vir dos movimentos sociais. Se os movimentos não pressionam, as classes hegemônicas pressionam do outro lado, porque têm acesso mais fácil ao governo. Se não se faz pressão popular por outro modelo econômico, ele não vai ocorrer.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Karl Marx manda lembranças

 

Por César Benjamin no GRABOIS




As economias modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

 
Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.
* César Benjamin, 53, é editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Os riscos de “reversão colonial” da América Latina


Economistas participantes de debate na USP alertaram para a ameaça de os países da região retomarem sua condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais. Para os especialistas, a América Latina não está imune à crise econômica global – apenas estaria aplicando uma política de contenção.

 
São Paulo - A crise econômica deflagrada em 2008, que apresenta seus desdobramentos até hoje, tem sido motivo de cortes orçamentários, aumento do desemprego e manifestações, principalmente nos países da chamada “Zona do Euro”. No entanto, sua influência sobre a América Latina ainda aparece incerta. Para esclarecer essa questão, formou-se a mesa “América Latina: imune à crise?”, no Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, que ocorreu entre os últimos dias 11 e 13 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

Para Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como o capitalismo funciona de maneira sistêmica em todo o mundo, os problemas de que sofre são globais e, dessa forma, a América Latina não está imune à atual crise. Leda Paulani, professora de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), concorda. Para ela, depois de duas décadas – 1980 e 1990 – de subordinação aos interesses dos credores, a economia dos países da região foi se financeirizando – o Brasil, por exemplo, transformou-se em uma plataforma internacional de valorização financeira e, apesar de a dívida externa ter deixado de ser um “problema”, outro muito mais grave passou a figurar: a operação de uma quantidade muito grande de capital externo, de não residentes, principalmente em portfólio, com fins especulativos.

Ramón Peña Castro, doutor em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscou, chamou a atenção para a situação da América Latina como fonte estratégica de recursos para os países desenvolvidos, em seu avanço sob o capitalismo. Leda também destacou esse ponto, classificando-o como uma “reversão neocolonial”, em que os países da região estariam retomando a condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais.

Essa reversão estaria associada, como apontado por Plínio, à incapacidade dos Estados Nacionais de desenvolverem de uma maneira construtiva e racional o enfrentamento à crise. Segundo ele, ocorre uma “política de administração da crise”, em que nenhuma de suas causas são tocadas, apesar de impedir que apareçam seus maiores efeitos. Essa política, afirma, leva a uma “socialização dos prejuízos”, por meio da qual “o capital vem aprofundando cada vez mais seu controle sobre o Estado”.

O maior controle do capital sobre o Estado foi também destacado por Ramón, que apontou uma “virada privatista” no governo de Dilma Rousseff. José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), lembrou, nesse sentido, a forte presença dos fundos de pensão, que, segundo ele, representam um peso enorme à dívida interna e auxiliam na criação da “ilusão do neodesenvolvimentismo”. Gomes defendeu a realização de uma campanha pública para esclarecer a população sobre a questão da seguridade social e previdência, e outra pelo não pagamento da dívida pública.

Quanto à “ilusão” de que o continente latino-americano está imune à crise, Plínio afirmou que o atual crescimento econômico na região ajuda a construir essa ideia – segundo ele, porém, esse dado é efêmero. “O dinheiro vem e estimula o crescimento, pois afasta, em um primeiro momento, o risco de crise cambial, eleva o preço das commodities, melhora as exportações, abre espaço para política de redução de juros – no entanto, é um crescimento empurrado pela bolha especulativa.” Nesse sentido, o professor da Unicamp enfatizou a necessidade de a América Latina sair desse mar turbulento, rompendo com a globalização. Para isso, afirmou, “o primeiro passo é centralizar o câmbio para que a reserva imensa seja capaz de financiar nossa saída desse mar especulativo”.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A linguagem da verdade na luta de massas


Miguel Urbano Rodrigues


 
Em situações históricas como a actual os responsáveis pelas crises optam pelo auto elogio, enquanto se preparam para responder com a repressão ao protesto popular. Os Passos, Relvas e Companhia Lda esquecem que no movimento de fluxo e refluxo da História as grandes crises desembocam quase sempre numa contestação torrencial quando os povos, atingido um limite, não podem mais suportar a opressão da classe dominante e se mobilizam para lhe por termo.

As medidas anunciadas pelo primeiro-ministro no dia 7 de Setembro - ostensivamente inconstitucionais - assinalaram uma vertiginosa galopada para a direita do governo mais reaccionário do País desde a Revolução de 1974.
Passos Coelho pelo que disse, pela hipocrisia e até pelo tom, fez-me recordar falas de ministros de Salazar. Deles se diferencia não pelo conteúdo ideológico da «mensagem», mas porque alguns eram inteligentes e porque o que resta da herança de Abril não lhe permite ir tão longe quanto desejaria na destruição de conquistas históricas dos trabalhadores e na ofensiva contra direitos e liberdades.
Os novos impostos e a descida da taxa social única (800 milhões oferecidos na prática às grandes empresas) inserem-se numa estratégia dita de «austeridade», mas que transcende as próprias exigências da troika. Foi concebida para favorecer o grande capital e atingir brutalmente os trabalhadores.
O complemento da agressão fiscal tornado público pelo ministro Vítor Gaspar, tutor ideológico de Passos, amplia os contornos do pesadelo.
O fracasso do projecto em desenvolvimento é, porém, tão transparente – o défice não desceu, o desemprego disparou, o PIB caiu – que pela sua irracionalidade e consequências desastrosas ao levar o pais à ruína abriu fissuras nas forças da direita que inicialmente o apoiaram maciçamente.
Destacadas personalidades políticas do sistema, tradicionalmente vinculadas ao imperialismo, como Adriano Moreira, Freitas do Amaral, Alberto João Jardim, Bagão Félix, Mário Soares, Pacheco Pereira criticaram com maior ou menor clareza o pacote fiscal do governo. Até Catroga se distanciou.
O Presidente da República, esse, permaneceu mudo até ao momento em que escrevo.
Na hierarquia da Igreja levantam-se vozes condenando aquilo em que identificam o arrogante desprezo do governo pelo povo.
A Saúde e a Educação serão brutalmente golpeadas. Entre os reformados a maré da revolta cresce. Não há mentira oficial que possa ocultar a evidência: o governo pretende destruir a Previdência, arrasar a Segurança Social.
O indigitado secretário-geral da UGT apelou à denúncia dos compromissos assumidos pela sua organização com o governo e o patronato e agora exige a rejeição das medidas anunciadas.
A própria CIP desaprova a estratégia do Executivo, e Belmiro de Azevedo, o patrão da SONAE (que vai poupar muitos milhões de euros com a descida da taxa social única), demarcou-se do governo. Foi categórico ao afirmar que o brutal aumento da carga fiscal sobre o trabalho, longe de atingir os objectivos fixados, vai contribuir para o agravamento da crise.
Influentes «analistas» da burguesia, como Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares, habitualmente prudentes nas críticas ao governo, desancaram agora Passos Coelho e a cruel farsa da «austeridade».
Não esperava o Primeiro-ministro que o seu medonho pacote fiscal fosse mal recebido por parlamentares e dirigentes do PSD e do CDS. Mas teve uma surpresa.
«Sinto uma grande revolta no PSD - declarou ao jornal «Publico» um deputado desse partido - porque o Primeiro-ministro foi longe demais».
No CDS o mal-estar aumenta a cada dia e alguns «barões» falam abertamente da necessidade de por termo à coligação, cimento da maioria parlamentar.

GRANDES LUTAS NO HORIZONTE

A presente crise – é uma certeza – vai aprofundar-se muito. Inseparável da crise global do capitalismo, a actual, que lançou milhões de portugueses no desemprego, na pobreza e na miséria, difere de todas as anteriores não apenas pelas seus efeitos sociais e económicos, mas pela ideologia e projecto dos representantes do capital que controlam o governo e o Parlamento.
É significativo que o ministro Relvas, envolvido numa cadeia de escândalos sórdidos, tenha aproveitado a sua visita ao Brasil para fazer no Rio declarações provocatórias, de elogio irrestrito à devastadora e criminosa política fiscal de Passos Coelho. Insolente, maltratando inclusive o idioma, sugere aos que dela discordam a apresentar uma alternativa, para concluir que ela não existe e proclamar que a recusa da estratégia do governo seria o caos.
Não é inédito o seu arrogante desafio. Em situações históricas como a actual, os responsáveis pelas crises optam pelo auto elogio, enquanto se preparam para responder com a repressão ao protesto popular.
Os Passos, Relvas e Companhia Lda esquecem que no movimento de fluxo e refluxo da História as grandes crises desembocam quase sempre numa contestação torrencial quando os povos, atingido um limite, não podem mais suportar a opressão da classe dominante e se mobilizam para lhe por termo.
Não há dois processos iguais. As revoluções e as transições marcadas por reformas revolucionárias diferem de sociedade para sociedade, evoluindo em função de factores que não cabe analisar num artigo como este.
Isso ocorreu no 25 de Abril.
Transcorridos 38 anos, frustradas as grandes esperanças da Revolução Democrática e Nacional, uma grande burguesia dependente, mais sofisticada do que a anterior, e mais intimamente ligada ao imperialismo, encontra-se novamente instalada no Poder.
Sob alguns aspectos a luta contra o sistema é hoje mais difícil do que na época de Salazar e Caetano porque as condições subjectivas são menos favoráveis.
As instituições existentes (deformadas por sucessivas reformas da Constituição) levam milhões de portugueses, a maioria da cidadania, a crer que o regime português é democrático.
Ora, na prática vivemos sob uma ditadura da burguesia de fachada democrática. Mas somente uma pequena minoria de portugueses tem consciência dessa realidade.
Em Portugal, a resistência dos trabalhadores a políticas neoliberais de sucessivos governos do PSD e do PS tem sido uma constante. Sobretudo nos últimos anos. Expressou-se em gigantescas manifestações de protesto, em greves gerais e sectoriais realizadas com êxito, em lutas de numerosas categorias profissionais, com destaque para as dos professores.
Mas o controle dos media pelo capital e a influência hegemónica do imperialismo na Internet dificultam extraordinariamente a compreensão pela maioria dos portugueses da complexidade da crise mundial e dos desafios que se colocam ao povo português. Os mecanismos da alienação são uma fonte de ilusões, favorecendo a direita (na qual incluo os dirigentes do PS).
A ilusão de que é possível às forças progressistas chegar ao governo através de eleições está muito difundida. Tal convicção é utópica.
A engrenagem montada pelas forças do capital foi concebida e funciona de modo a que alternadamente obtenham maioria parlamentar e cheguem ao governo, exibindo uma falsa representatividade popular, ora o PSD (levando a reboque o CDS), ora o PS.
A ruptura com essa engrenagem, para produzir efeitos, para ser real, não pode consumar-se dentro do sistema, tendente à sua democratização. Terá de ser uma ruptura contra o sistema. Por outras palavras, é imprescindível deixar transparente que o inimigo é o capitalismo e que este é irreformável pela sua natureza desumana. É possível em Portugal um governo menos reaccionário, mas não um governo progressista.
A linguagem da verdade é uma exigência política e ética no diálogo com as massas.
A ideia de uma volta a Abril é também romântica. A História não se repete. Seria negativo confundir os valores de Abril e o respeito que inspiram com a aspiração ilusória de uma nova Revolução Democrática e Nacional, no actual contexto.
Qual então o carácter da resposta popular, qual o rumo que a contestação ao Poder da burguesia e ao protectorado imperial devem assumir?
A pergunta é formulada com frequência por aqueles a quem são dirigidos apelos para a dinamização da luta de massas. E é pertinente porque a relação de forças na sociedade portuguesa não abre a porta a uma conjuntura pré-revolucionária.
A menos que se produza a nível mundial uma situação revolucionária envolvendo os EUA e a União Europeia, o que não está para breve, uma Revolução social vitoriosa em Portugal é uma impossibilidade.
A luta intensa e permanente contra este governo, que assume já no discurso e na prática matizes neofascistas, não vai desembocar numa Revolução progressista. A serena consciência dessa realidade não justifica uma atitude de pessimismo, de passividade alienante. Em Portugal a participação nas lutas contra o sistema é transversal, abrange já segmentos da pequena e média burguesias, camadas sociais que ainda há poucos anos afirmavam não se ‘interessar pela politica’.
Ao longo da História, muitas gerações bateram-se por transformações revolucionárias que não se produziram durante as suas breves existências. Mas o seu compromisso era com as ideias e não com o calendário. Revoluções tão importantes para o progresso da Humanidade como a Francesa de 1789 e a Russa de 1917 não teriam sido vitoriosas sem a luta, a dedicação, o debate de ideias de uma extensa, maravilhosa cadeia de revolucionários que as imaginaram e para elas viveram.
Afirmar sem rodeios, frontalmente, que a ruptura em Portugal deve ser com o sistema capitalista, rumo ao socialismo distante, esfumado num horizonte de brumas, é seguir o exemplo desses revolucionários, caminhar pelas alamedas que eles abriram combatendo.
Acredito que a luta de massas vai adquirir um ímpeto novo, que a repressão será incapaz de travar, um ímpeto vocacionado para abalar os alicerces do Poder ultramontano.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

"Talvez duas crianças tenham morrido para você ter o seu celular"

   


         


     
     

    congoRepública Democrática do Congo - Brasil de Fato - [Inês Benitez] Consumidores de telefones celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo

    Os consumidores de telefones celulares são chamados a refletir sobre a exploração sangrenta na República Democrática do Congo de uma matéria-prima para esses aparelhos, o tântalo.
    "Pode ser que duas crianças tenham morrido para você ter esse telefone celular", disse Jean- Bertin, um congolense de 34 anos que denuncia o "silêncio absoluto" sobre os crimes cometidos em seu país pela exploração de matérias-primas estratégicas como o coltan (columbita-tantalita). A República Democrática do Congo (RDC) possui pelo menos 64% das reservas mundiais de coltan, nome popular na África central para designar as rochas formadas por dois minerais, columbita e tantalita.
    Da tantalita se extrai o tântalo, metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente à corrosão e que é usado em condensadores para uma enorme variedade de produtos, como telefones celulares, computadores e tablets, bem como em aparelhos para surdez, próteses, implantes e soldas para turbinas, entre muitos outros. "A maldição da RDC é sua riqueza. O Ocidente e todos que fabricam armas metem o nariz ali", lamenta Jean-Bertin, que chegou há oito anos à cidade espanhola de Málaga, procedente de Kinshasa, onde vivem seus pais e dois irmãos.
    A extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África, que causou mais de cinco milhões de mortos, êxodo em massa e violações de 300 mil mulheres nos últimos 15 anos, segundo organizações de direitos humanos. Isto foi reconhecido em 2001 pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que confirmou a existência do "vínculo entre a exploração ilegal dos recursos naturais e a continuação do conflito na República Democrática do Congo". Um grupo de especialistas convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas na RDC.
    A exploração de coltan em dezenas de minas informais, salpicadas na selva oriental da RDC, financia os grupos armados e corrompe militares e funcionários. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, comporta um regime trabalhista próximo da escravidão e um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças, segundo o documentário de 2010 Blood in the Mobile (Sangue no Celular), do diretor dinamarquês Frank Piasecki.
    No entanto, fontes da indústria, como o Tantalum- Niobium International Study Center (TIC), alertam que as jazidas de coltan na RDC e de toda a região da África central estão longe de serem a fonte principal de tântalo. A Austrália foi o principal produtor desse mineral durante vários anos e mais recentemente cresceu a produção sul-americana e asiática, além de outras fontes, como a reciclagem. O TIC estima que as maiores reservas conhecidas de tântalo estão no Brasil e na Austrália, e ultimamente há informações sobre sua existência na Venezuela e na Colômbia.
    A RDC tem outras riquezas naturais igualmente contrabandeadas, como ouro, cassiterita (mineral de estanho), cobalto, cobre, madeiras preciosas e diamantes. Contudo, está em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano 2011. Neste cenário, as denúncias da sociedade civil organizada apelam cada vez mais aos consumidores de produtos que contêm estes materiais. Na Espanha, a Rede de Entidades para a República Democrática do Congo - uma coalizão de organizações não governamentais e centros de pesquisa - lançou em fevereiro a campanha Não com o meu Celular, para exigir dos fabricantes o compromisso de não usarem coltan de origem ilegal.
    O surgimento de novas fontes de tântalo e a reciclagem deveriam ajudar a reduzir a pressão da demanda sobre o coltan congolense. A organização Entreculturas e a Cruz Vermelha Espanhola promovem desde 2004 a campanha nacional Doe seu Celular, para incentivar a entrega de aparelhos velhos para serem reutilizados ou para reciclagem de seus componentes. Os fundos obtidos são investidos em projetos de educação, meio ambiente e desenvolvimento para setores pobres da população. Até julho foram coletados 732.025 aparelhos e arrecadados mais de um milhão de euros, contou ao Terramérica a coordenadora da campanha na Entreculturas, Ester Sanguino.
    Entretanto, fundações e empresas dedicadas à reciclagem, ouvidas pelo Terramérica, concordam que seria impossível abastecer com esta fonte uma porção significativa da crescente demanda mundial por tântalo. A pressão do mercado faz com que as pessoas troquem o celular por outro mais moderno de tempos em tempos, por isso a reciclagem, mesmo feita em grande escala, não daria conta, disse ao Terramérica uma fonte da BCD Electro, empresa de reutilização e reciclagem informática e eletrônica. E a telefonia móvel é apenas um segmento das aplicações atuais do tântalo.
    Apple e Intel anunciaram, em 2011, que deixariam de comprar tântalo procedente da antiga colônia belga. Nokia e Samsung fizeram declarações similares. A Samsung assegura em sua página corporativa que tomou medidas para garantir que seus terminais "não contenham materiais derivados do coltan congolense extraído ilegalmente". Na verdade, os códigos de conduta empresariais vieram preencher o vazio de normas taxativas.
    O esforço maior é o das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, pois compreende todas as nações industrializadas sócias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Porém, o longo e opaco circuito do coltan congolense torna difícil demonstrar que tais códigos são cumpridos. Os minerais explorados ilegalmente são contrabandeados através de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, para Europa, China e outros destinos.
    "Os grupos rebeldes proliferam pela riqueza das terras em coltan, diamantes ou ouro", disse ao Terramérica o coordenador da organização humanitária Farmamundi na RDC, Raimundo Rivas. Os governos vizinhos são "cúmplices" e "até o momento tudo é apoiado e encoberto pelas empresas beneficiárias, em seu último destino, dessas riquezas", ressaltou. "Há muitos interesses econômicos em torno do negócio do coltan", alertou Jean-Bertin. Enquanto isso, na RDC "as matanças são reais. O sangue está por toda parte, e, no entanto, é como se o país não existisse".
    Por isso gera expectativas a decisão da Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC), que, no dia 22 de agosto, regulamentou um capítulo da Lei de Proteção do Consumidor e Reforma de Wall Street, referente aos "minerais de conflitos". A Lei 1.502 estabelece que todas as empresas nacionais ou internacionais já obrigadas a entregar informação anual à SEC e que manufaturem ou contratem a manufatura de produtos que contenham um dos quatro minerais de conflito (estanho, tântalo, tungstênio, ouro) deverão adotar medidas para determinar sua origem mediante a análise da cadeia de fornecimento.
    Contudo, o primeiro informe deverá ser apresentado em 31 de maio de 2014, prazo considerado excessivo por defensores dos direitos humanos, que denunciam os crimes que continuam sendo cometidos na RDC, apesar da presença desde 2010 de uma missão de paz da ONU. Com o olhar dominado pela raiva e sua filha de seis meses nos braços, o congolense Jean- Bertin insiste que os grupos armados "dão armas a muitas crianças e as obrigam a entrar para um ou outro bando". Para Rivas, "a única solução é um governo forte na RDC, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito".

    segunda-feira, 3 de setembro de 2012

    “Decreto 7.777 interfere no direito à greve”, critica presidente nacional da CUT


    Samir Oliveira no SUL21
     
    Garantindo que a CUT é uma central autônoma, Vagner Freitas faz críticas ao modo como governo federal conduz reforma agrária | Foto: CUT

    O presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, considera que o decreto 7.777, editado pela presidenta Dilma Rouseff (PT) no dia 24 de julho de 2012, é uma “interferência inadequada no direito à greve”, pois permite que os servidores federais que paralisaram as atividades sejam substituídos por funcionários estaduais ou municipais.
    Nesta entrevista ao Sul21, Vagner Freitas avalia o contexto das relações entre o funcionalismo e o governo após as greves que atingiram mais de 30 categorias e fala também sobre o relacionamento entre a CUT e o Palácio do Planalto. Ele rechaça a tese de que havia uma “lua-de-mel” entre a entidade e o ex-presidente Lula, e de que agora, com Dilma, as relações seriam mais conturbadas.
    O presidente da CUT faz elogios ao governo federal e diz que a relação com o projeto petista é melhor do que a “relação nenhuma” que existia com o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. Mas garante que a CUT é uma central autônoma e faz críticas sobre o ritmo lento com o qual o governo encaminha a reforma agrária.
    “O governo precisa estabelecer uma mesa permanente de negociação com os servidores e agilizar a aplicação da convenção 151 da OIT”
    Sul21 – Como o senhor avalia o atual contexto do serviço público federal, com greves em mais de 30 categorias?
     
    Vagner Freitas - Eu espero que no ano que vem tenhamos um processo de negociação numa mesa permanente e que a negociação não ocorra só na época do acordo coletivo. O governo precisa estabelecer uma mesa permanente de negociação com os servidores e agilizar a aplicação da convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito de negociação dos servidores. Espero que a soma dessas duas coisas consiga um desfecho para a campanha salarial em condições melhores dos que as que existem hoje.
    "A proposta feita pelo governo poderia ser melhor se houvesse um processo de negociação de longo prazo" | Foto: CUT

    Sul21 – Em quais condições ocorreram as negociações das greves deste ano?
     
    Vagner – A proposta feita pelo governo, que está sendo aceita pelos servidores, poderia ser melhor se houvesse um processo de negociação de longo prazo. Algumas questões referentes a carreiras e a benefícios, além do reajuste, poderiam ter sido mais vantajosas para os servidores. A maior parte das categorias está aceitando a proposta e fazendo acordos com o governo. Acho que dá-se por terminado a trajetória para essa negociação. Espero que na próxima negociação tenhamos algo melhor organizado.

    Sul21 – A relação do funcionalismo com o governo federal está muito tensa? Não faltaram críticas de que o governo teria se negado a negociar num primeiro momento e estaria adotando práticas autoritárias em relação às greves.
     
    Vagner – Tirando as questões naturais de tensionamento entre patrão e empregado, o que acho que foi muito ruim nesse processo foi o decreto 777 que o governo federal estabeleceu, possibilitando a substituição de servidores federais por estaduais ou municipais. Isso é uma interferência inadequada no direito à greve. Não concordamos com isso em nenhum momento. Inclusive entramos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra esse decreto. No restante, puxar para um lado e para o outro faz parte do processo de reivindicação dos trabalhadores, com o governo tentando ver seu próprio lado. Acho que o governo demorou muito tempo para apresentar a proposta, deixando tudo para o final de agosto. Era melhor que ele tivesse feito a proposta econômica antes, pois talvez tivéssemos um desfecho mais rápido.

    Sul21 – E o episódio do corte no ponto dos grevistas?
     
    Vagner – Particularmente, se eu fosse governo, negociaria os dias parados no desfecho da greve.
    “A CUT nunca esteve em lua-de-mel com governo nenhum. E também não é verdade que esteja em lua-de-fel com Dilma”
    Sul21 – Fala-se bastante que havia uma espécie de “lua-de-mel” entre a CUT e o governo Lula, e que as boas relações estariam rompidas agora no governo Dilma.
     
    Vagner – As duas coisas não são verdadeiras. A CUT nunca esteve em lua-de-mel com governo nenhum porque representa os trabalhadores e em geral há conflito (entre governo e servidores). E também não é verdade que a CUT esteja em lua-de-fel com o governo Dilma. O papel da CUT é defender os trabalhadores. Quando eles entram em conflito com o patrão, a CUT fica do lado deles. Nossa relação com o governo Dilma continua da mesma forma como era com o governo Lula. É uma relação respeitosa com um projeto de governo que entendemos que é importante para o Brasil e que, em geral, contempla muitas questões reivindicadas pelos trabalhadores. Muito melhor, por exemplo, do que a relação nenhuma que a CUT tinha com o governo Fernando Henrique, que adotava um processo de perseguição contra os movimentos sociais, os trabalhadores e o movimento sindical. Era um projeto que não interessava aos trabalhadores. Quando concordamos com alguma coisa no governo Dilma, manifestamos isso sem nenhum problema. E, quando discordamos, apresentamos a divergência. Isso é normal numa democracia.

    Sul21 – Os trabalhadores não sentem em Dilma uma postura mais áspera para negociação? Lula, por seu passado como líder sindical, não era mais aberto às demandas das centrais sindicais?
     
    Vagner – O governo é o mesmo, mas os estilos são diferentes e isso é normal. Lula é sindicalista e Dilma vem de um outro tipo de militância. Isso não significa que ela vá ter mais ou menos atenção ou respeito pelo movimenot sindical. Os estilos são diferentes porque as trajetórias são diferentes.
    Vagner Freitas acredita que crise econômica global não pode ser desculpa do governo para limitar salários | Foto: CUT

    Sul21 – A presidente tem utilizado a crise financeira na Europa como justificativa para puxar o freio nos gastos públicos, e isso envolve o aumento salarial aos servidores. Na sua avaliação, essa política é correta?
     
    Vagner – O governo alega que tem a crise internacional, mas o mesmo governo diz que a economia brasileira é saudável. Há um processo de crescimento menor do que há dois anos, mas continua havendo crescimento, a economia não está em recessão. A estratégia desse governo é promover o crescimento interno, aumentar o poder de compra do salário e baratear o crédito. É diferente da estratégia de outros países, que aplicam ajustes fiscais, cortam os direitos dos trabalhadores e limitam o papel do Estado, com uma agenda neoliberal. O governo brasileiro critica publicamente esse tipo de postura. Mas se o governo quiser dar razão à sua argumentação, precisa também aumentar o salário dos trabalhadores, que é diretamente injetado na economia e no consumo interno. Por isso que eu acho que a discussão em torno da crise econômica não deve ser vista para limitar os salários dos trabalhadores. Porque se não fica contrário ao que o próprio governo prega.

    Sul21 – Temos visto uma série de medidas do governo federal para ajudar as grandes indústrias, como redução de impostos. E também, mais recentemente, Dilma lançou um programa de estímulo à logística que envolve concessões à iniciativa privada. Como os trabalhadores podem ser beneficiados por essas medidas?
     
    Vagner – O governo precisa atender às reivindicações dos trabalhadores. Se há renúncia fiscal em prol de determinado setor da economia, é necessário que haja também contrapartidas para os trabalhadores, como geração de empregos, qualificação profissional, manutenção do nível de emprego e a volta do recurso que não entrará com a isenção de impostos na forma de investimentos das empresas em tecnologia. Essas medidas têm que ter contrapartidas sociais nas áreas trabalhista e ambiental. A CUT tem divergência com o governo quando ele promove renúncias fiscais e não exige contrapartidas positivas para os trabalhadores.
    “Há uma timidez muito grande do governo em relação à reforma agrária. O incentivo ao agronegócio contra a agricultura familiar é algo que o governo deveria rever”
    Sul21 – E como o senhor avalia as ações do governo na promoção da reforma agrária?
     
    Vagner – Nessa área a avaliação é completamente insatisfatória. O número de assentamentos que o governo tem feito é muito inferior ao necessário. O movimento rural da CUT tem se mostrado muito insatisfeito com o ritmo do debate sobre a reforma agrária, que é algo estrutural para a economia brasileira e essencial para os trabalhadores. Há uma timidez muito grande do governo em relação à reforma agrária. O incentivo ao agronegócio contra a agricultura familiar é algo que o governo deveria rever. A agricultura familiar alimenta o Brasil, enquanto o agronegócio é voltado somente para a exportação. Nessa área rural o governo tem deixado a desejar e precisa melhorar muito.

    Sul21 – A reforma agrária é uma reivindicação história dos trabalhadores no campo. Na sua avaliação, por que, mesmo após o governo FHC, ela não sai do papel?
     
    Vagner – Temos que fazer uma discussão sobre qual modelo agrário o país quer: se queremos o agronegócio com a manutenção dos latifúndios, ou se queremos as pequenas propriedades organizadas em torno da agricultura familiar, colocando alimentos de qualidade na mesa dos brasileiros.

    Sul21 – A política do governo federal para a agricultura familiar é bastante concentrada na facilitação do acesso ao crédito. Só isso é suficiente?
     
    Vagner – O acesso ao crédito é importante para qualquer setor, mas é preciso investimento em tecnologia. Não adianta apenas dar o acesso à terra se o trabalhador não tiver condições de se manter e fazer a propriedade ser produtiva. É importante que o produtor tenha acesso a maquinário e a tecnologia.
    “Há uma concentração da comunicação nas mãos de poucos empresários, que acabam construindo opiniões sem absorver a diversidade”
    "Atualmente há muita propriedade cruzada", diz presidente da CUT: "O mesmo empresário é dono do jornal, da televisão, da rádio e do espaço na internet" | Foto: CUT

    Sul21 – A democratização da comunicação é uma bandeira histórica da CUT. Como o senhor avalia o atual estágio desse debate no país?
     
    Vagner – Importante deixa claro que não queremos nenhuma medida restritiva que impeça a liberdade de imprensa. Somos lutadores pela democracia no Brasil, demoramos muito para chegar onde estamos e não podemos ter retrocessos. O que acontece é que atualmente há muita propriedade cruzada. O mesmo empresário é dono do jornal, da televisão, da rádio e do espaço na internet. Precisamos ter uma abertura maior nesse mercado para que outras organizações da sociedade civil também possam deixar a sua voz. A sociedade brasileira é muito diversificada e rica e há uma concentração da comunicação nas mãos de poucos empresários que acabam construindo a opinião no Brasil sem condições de absorver a diversidade da sociedade. Queremos um marco regulatório que dê possibilidade para que outras vozes apareçam.

    Sul21 – Há um conselho de comunicação no âmbito do Congresso Nacional, mas os críticos dizem que ele está muito dominado por figuras ligadas ao senador José Sarney (PMDB-AP).
     
    Vagner – A ideia dos conselhos é boa desde que haja participação paritária. É preciso que ele contemple várias opiniões para que exista o contraditório. Se há um conselho com uma opinião monolítica, obviamente ele não conseguirá cumprir sua importante função de promover o debate.