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domingo, 12 de agosto de 2012

"Austeridade" é péssimo argumento contra greves do funcionalismo



A presidenta Dilma Rousseff fez nesta sexta-feira (10) declarações que podem acirrar ainda mais os ânimos com o funcionalismo público em greve. Segundo ela, a prioridade do governo neste momento é manter as vagas dos trabalhadores que não têm estabilidade no emprego. Referindo-se à posição do governo de não atender as reivindicações dos grevistas, ela disse que o momento é de austeridade fiscal.

Por José Reinaldo Carvalho, editor do
Vermelho


“Estamos enfrentando uma crise no mundo e o Brasil sabe, porque tem os pés no chão, que pode e vai enfrentar a crise e passar por cima dela, assegurando emprego para todos os brasileiros”, afirmou, ressaltando que o governo tem priorizado medidas destinadas a setores capazes de incentivar a economia. “O que o meu governo vai fazer é assegurar empregos para aquela parte da população que é mais frágil, não tem direito a estabilidade, porque esteve muitas vezes desempregada”. As afirmações foram feitas em cerimônia de ampliação do Programa Brasil Sorridente, em Rio Pardo de Minas (MG).

Mais de 350 mil funcionários públicos estão em greve em todo o país. Os ânimos estão exaltados do lado das autoridades e de setores do movimento sindical. As relações entre as partes nunca estiveram tão deterioradas, ao ponto de a Central Única dos Trabalhadores e outros cinco sindicatos de servidores públicos terem decidido representar contra o governo na Organização Internacional do Trabalho (OIT). A representação acusa o governo de atitudes antissindicais.

A presidenta da República com certeza sabe o que diz e não há a menor sombra de dúvidas de que o que ela pretende assegurar é o melhor para o país. Conta com o crédito da população que a sufragou maciçamente nas eleições presidenciais e lhe confere elevados índices de aprovação.

Mas é preciso dizer que há muitos erros na postura do governo. Primeiramente, ao determinar o corte do ponto dos grevistas e decretar que os servidores públicos federais paralisados sejam substituídos por funcionários estaduais ou municipais equivalentes, o governo federal desrespeita o direito de greve e dá uma demonstração de intolerância.

É indispensável uma postura democrática e um diálogo efetivo. De nada adianta enviar ministros ou funcionários subalternos para negociar com os grevistas se eles repetem monocordicamente o argumento de que as finanças públicas não suportam o atendimento das reivindicações salariais.

Em segundo lugar, a austeridade fiscal não é argumento para ignorar as reivindicações salariais do funcionalismo. Se há um aspecto condenável na política macroeconômica vigente é precisamente o arrocho fiscal, porquanto o objetivo precípuo ao adotá-lo é assegurar os ganhos obtidos pelos credores do Estado na ciranda financeira.

Outros argumentos e outras posturas poderiam sensibilizar mais os trabalhadores em greve e o movimento sindical do setor público. Estes sabem que as defasagens salariais estão acumuladas há muitos anos e são uma herança maldita do governo neoliberal, conservador e fiscalista de Fernando Henrique Cardoso. Com certeza, terão sensibilidade e espírito  público para negociar.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Argumentos contra o aumento de recursos para a educação manipulam e desinformam

  Otaviano Helene   no CORREIO DA CIDADANIA

O Plano Nacional de Educação (PNE), recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, prevê investimentos crescentes em educação pública, os quais devem atingir 7% do PIB até o quinto ano de sua vigência e 10% até o décimo ano. Esses investimentos são absolutamente necessários se queremos, realmente, atingir as metas educacionais previstas no PNE. Sem os necessários recursos, o país repetirá o que ocorreu com o PNE que se encerrou no início de 2011: as metas não foram cumpridas, e até nos afastamos ainda mais de muitas das mais importantes, simplesmente porque não havia recursos para executá-las.

Como o projeto de PNE ora em discussão deverá ainda ser apreciado pelo Senado e promulgado pela presidência da República, que tem o poder de veto, as elites nacionais têm feito uma grande campanha contra o aumento de recursos para a educação pública usando, inclusive, argumentos falsos. Vamos examinar alguns deles.

1) Com a intenção de desqualificar a proposta, o velho e desgastado argumento “dinheiro tem, o problema é que ele é mal administrado” foi ressuscitado. Com investimentos da ordem de R$ 200,00 a R$ 250,00 por mês e por estudante na educação básica, como ocorre atualmente na enorme maioria das redes estaduais e municipais, por melhor que seja a administração, tudo o que se consegue é oferecer essa educação que temos.

A elite, que usa esse argumento, jamais colocaria suas crianças e seus jovens em escolas tão mal financiadas. Apenas as mensalidades escolares pagas por ela são da ordem de cinco a dez vezes superiores àqueles valores. Além disso, é muito comum nos segmentos mais abastados – e cujos representantes repetem o refrão “dinheiro tem” – complementos educacionais de vários tipos (atividades esportivas, cursos de línguas e músicas, acompanhamento psicológico, aulas particulares, viagens culturais etc.), o que faz com que os investimentos em educação por criança ou jovem distanciem ainda mais dos investimentos em favor dos mais desfavorecidos.

Além disso, o número de anos de permanência no sistema escolar também é muito maior entre os jovens e crianças dos segmentos mais favorecidos: a terça parte das nossas crianças, basicamente concentrada entre os mais pobres, sequer completa o ensino fundamental. Assim, quando calculamos os investimentos acumulados ao longo de toda a vida, a diferença entre os investimentos educacionais feitos em favor dos mais pobres e dos mais ricos torna-se gritante.

O argumento “dinheiro tem” é falso e cínico.

2) Argumenta-se, também, que há exemplos de boas escolas públicas com recursos limitados e que esses exemplos poderiam ser seguidos por todas elas. Será?

O Brasil tem perto de duzentas mil escolas públicas, com dezenas de milhões de estudantes, e elas apresentam um desempenho médio que é esse que vemos. Mas entre um número tão grande de escolas, encontraremos o padrão médio e, também, suas variações: como qualquer média, em especial de indicadores sociais, encontraremos um grande número daquelas que estão muito abaixo da média como daquelas que estão muito acima dela. Não é surpreendente, portanto, que encontremos algumas escolas que tenham, casualmente e em um determinado período, condições particularmente favoráveis (por causa daqueles que nelas trabalham naquele período, de seus alunos e pais de alunos e do seu entorno), que lhes permitam ter um bom desempenho.

Entretanto, essas são as exceções, não as regras, e assim como existem exceções para um lado, existem, também, exceções para o outro lado. Podemos aprender com ambas, descobrindo formas de aproveitar melhor as exceções positivas e reduzir as negativas. Mas não se fazem políticas públicas com as exceções, sim com as regras. É absolutamente impossível, com os atuais recursos, termos, como regra, um bom sistema educacional.

3) Outro argumento usado contra os recursos públicos para a educação é que seu aumento poderá ter consequências econômicas negativas. Ora, primeiro, investimentos em educação têm impactos econômicos positivos, não negativos. Diversos trabalhos acadêmicos têm calculado o retorno econômico (positivo) dos investimentos em educação, mostrando que eles são, frequentemente, até mesmo maiores do que investimentos diretos no setor produtivo.

É a ausência de investimentos em educação que tem consequências econômicas negativas, como ilustram bem as atuais dificuldades de aumento da produção do Brasil pela falta de trabalhadores altamente qualificados.

Nunca se ouviu falar de um país que tenha tido problemas econômicos por ter investido em educação; o contrário disso, sim, já ocorreu. Jamais se ouviu falar de algum país que tenha tido dificuldades econômicas por ter uma população bem escolarizada; o contrário, já. Investir em educação jamais provocaria ou intensificaria uma crise econômica.

Crises econômicas são provocadas ou intensificadas por catástrofes, naturais ou não, de grande escala, guerras, epidemias graves e, como o mundo está vivendo hoje, por um sistema liberal desregrado; jamais por investimentos em educação.

4) Muitas vezes, as argumentações contra o aumento dos recursos para a educação pública até atingir os 10% do PIB parecem usar uma ideia implícita de que os investimentos sairão do PIB, no sentido de reduzi-lo. Ou seja, se aumentarmos em 5% do PIB os investimentos em educação, o PIB será reduzido em 5%. Evidentemente, não é isso. Se aumentarmos os investimentos em educação, a construção civil será aquecida, como o seria por qualquer outro investimento que dela demandasse, mas mais intensamente na forma de prédios e equipamentos escolares; mais empregos serão gerados, mas mais concentradamente para professores e demais trabalhadores do setor educacional. Haverá, também, maior demanda por veículos e eletricidade, maior consumo de equipamentos elétricos e eletrônicos, de papel, de produtos gráficos etc., enfim, de tudo aquilo do qual o PIB é feito, mas beneficiando mais concentradamente a área educacional.

Portanto, no curto prazo, o PIB não diminuirá por causa de um aumento dos investimentos em educação e crescerá ou não independentemente deles; mas as condições sociais do país melhorarão. No médio e longo prazo, um melhor padrão educacional da população certamente terá um impacto positivo no PIB.

5) O previsto no PNE é que os investimentos cresceriam ao longo de dez anos, atingindo os 10% apenas no décimo ano. Isso significa aumentar a destinação de recursos para a educação em cerca de 0,5% do PIB ao ano, uma pequena parte do crescimento econômico médio anual desde 2004. Como investimentos em educação têm impacto positivo no crescimento do PIB, no fim do período de dez anos, o PIB já estaria crescendo por causa dos investimentos feitos nos primeiros anos e o aumento dos recursos para a educação já estaria sendo financiado pela própria melhoria na educação.

6) Hoje, o Brasil investe cerca ou menos de 15% da renda per capita anual por estudante e por ano no ensino básico. Investimentos, por estudante e por ano, em diversos países, pobres ou ricos, mas que cuidam da educação de suas crianças e de seus jovens são da ordem de 25% da renda per capita. Se reduzirmos a evasão escolar, aumentarmos o número de estudantes no ensino médio e ampliarmos a educação infantil, como previsto no PNE, teremos um aumento do contingente de estudantes que, com os mesmos recursos totais, faria com que o recurso por aluno fosse ainda mais reduzido.

Portanto, precisamos aumentar os recursos tanto para aumentar os investimentos por estudante como para incorporar novos alunos.

O que as elites querem ao fazer discursos, editoriais e artigos contra mais recursos para a educação pública? Que o Brasil continue a excluir do sistema educacional muitas crianças e jovens e a atender os que insistem em permanecer de forma tão precária?

7) O atual piso salarial (salário bruto) dos professores, por 40 horas semanais de trabalho, é inferior a R$ 1.500 por mês. Será que as elites poriam seus jovens e suas crianças em escolas cujo piso fosse igual a esse? Aqueles que atacam o aumento dos recursos para a educação pública estão querendo que essa situação perdure.

8) Nenhum país superou atrasos escolares tão grandes como os nossos sem investir percentuais do PIB próximos ou mesmo superiores a 10%. Nós precisamos fazer o mesmo e apenas quando os atrasos educacionais tiverem sido superados e o sistema estiver consolidado podemos reduzir os investimentos. Evidentemente, articulistas e editorialistas dos grandes jornais e outros que multiplicam a campanha contra o aumento de recursos para a educação sabem disso. Assim, ao fazerem tal campanha, estão, de fato, defendendo que o país permaneça atrasado no que diz respeito à educação. Se nenhum país conseguiu construir um sistema educacional aceitável e superar os atrasos acumulados sem investir os recursos necessários, alguém acredita que o Brasil conseguiria?

9) A proposta de aumentar os investimentos públicos em educação foi acusada de populista pelo editorialista de um jornal. Certamente o editorialista sabe muito bem o significado da palavra populismo e, portanto, sabe que a proposta, de fato popular, nada tem de populista. Ao fazer tal acusação, o editorialista se aproveita do fato de que, provavelmente, seus leitores não sabem o que significa aquela palavra, mas repetirão seu “argumento”. Até mesmo para evitar que aquele tipo de acusação vazia tenha alguma consequência, precisamos de mais e melhor educação pública.

10) Em um artigo de jornal, usou-se o fato de que o aumento de recursos para a educação é dez vezes maior do que para a bolsa-família. Que sentido tem essa comparação? A bolsa-família é um referencial econômico padrão, a ser usado como referência para outras políticas públicas?

Provavelmente, o autor do argumento pressupõe que seus leitores são preconceituosos em relação a programas do tipo bolsa-família e a comparação, ao mesmo tempo em que reforça esse preconceito, provoca uma aversão do leitor ao aumento dos recursos públicos para a educação.

11) O editorial de um jornal de grande circulação acusou aqueles que defendem o aumento dos recursos para a educação pública de corporativista. Na falta de argumentos, a estratégia pode funcionar, pois não analisa a proposta, mas desqualifica aqueles que a defendem. Tal acusação não tem nenhum sentido. A defesa de mais recursos para a educação pública está na pauta de muitas entidades científicas, profissionais, acadêmicas, religiosas, sindicais etc.

Obviamente, entidades de professores e estudantes – às quais, presume-se, caberiam a acusação de corporativismo – também têm se manifestado na defesa da educação pública, não por questões corporativas, mas por compromissos com o desenvolvimento social do país. Seria um total absurdo achar que exatamente essas entidades, que melhor conhecem os nossos problemas educacionais, se omitissem.

Será que aquele editorialista acusaria de corporativos médicos, secretários de saúde ou dirigentes de hospitais que participassem de discussões sobre saúde pública no Brasil, defendendo, por exemplo, o aumento dos recursos para o SUS? Ou sindicalistas, industriais e entidades que congregam engenheiros, por exemplo, que discutissem a política industrial do país? Ou editores e jornalistas que manifestassem opiniões sobre nossa política para o setor de comunicações?

12) Há, ainda, o argumento de que um aumento dos recursos para a educação pública pressionaria, de forma muito intensa, as contas da União, dos estados e dos municípios. Esse argumento também não está correto. Para responder a ele é necessário comparar os investimentos públicos brasileiros com os de outros países. (A comparação mostra que os investimentos sociais públicos no Brasil são bem menores do que se observa nos países organizados, não necessariamente apenas naqueles mais industrializados.)

Há, inclusive, um documento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que mostra que o aumento dos recursos para a educação poderia ser conseguido apenas reduzindo-se o encargo da dívida e aproximando muitos dos nossos impostos daquilo que é praticado nos demais países capitalistas.

Esse último tema será desenvolvido em um próximo artigo.

Leia também:

Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

TV e o reino da mediocridade

Por Washington Araújo, no blog Cidadão do Mundo:

O que está acontecendo com nossos fins de semana? Temos a semana para ganhar o sustento pessoal e familiar, trabalhamos o horário nobre dos dias: todas aquelas horas em que o sol está firme no horizonte. Os restos do dia são dedicados ao repouso, tão necessário para refazer as energias a serem canalizadas para a jornada seguinte. E os vestígios do dia, essas poucas horas e momentos que sobram, passamos com quem amamos, nossos familiares, nossos amigos.


Chega então o fim de semana. Sábado e domingo, boa parte da população que ainda pode desfrutar do luxo de ter emprego, profissão ou apenas um meio de ganhar a vida finalmente pode desfrutar de dois dias para descansar e dar atenção aos que amamos. E o que fazemos, então? Boa parte desse “descanso” se passa diante da telinha mágica chamada televisão.

É da telinha que recebemos o passaporte para atravessar o mundo, ver suas guerras e revoluções, ser testemunha ocular de enchentes amazônicas, furacões norte-americanos, vulcões e tsunamis asiáticos. Da mesma telinha acompanhamos o jogo da vida real em que alguns assaltam bancos, sequestram pedestres, furtam idosos, incendeiam índios e mendigos na periferia das grandes cidades do mundo.

Será isso… descanso?

Gincanas culturais

Resta a opção da passividade absoluta, da leniência habitual com nossos valores pessoais, do arrastão da mais completa e torpe imbecilidade. Temos os programas dos canais abertos da tevê. E com eles todo o apelo pelo ridículo, pelo insano, pelo anseio de ridicularizar outras pessoas, gente como a gente. São os programas de auditório: Luciano Huck e Fausto Silva ocupando as tardes de sábado e domingo e contando com um arremedo de concorrência formada por programas do mesmo naipe, com um agravante: conseguem ser ainda mais ridículos que os que ocupam o pódio das maiores audiências do Ibope vespertino.

Todos, sem exceção, usam e abusam das chamadas ‘pegadinhas’, que são aqueles vídeos, alguns pura armação e outros nem tanto, em que pessoas simples protagonizam situações do mais completo ridículo, abordadas em praças e ruas, fazendo literalmente o papel que a mídia televisiva lhes impõe – o de ser ridículo o suficiente para fazer outros rirem de seus desatinos e ações muito pouco inteligentes. E se um cidadão mediano nacional tem altura regular de 1,65m a 1,80m, nessas pegadinhas são reduzidos a pouco mais de dois ou três centímetros de altura. Altura ética, bem entendido.

Parte expressiva da população brasileira desperdiçará seu bem mais precioso – o tempo – observando Fausto Silva fazer caras e caretas para seu cameraman, passar pela milésima vez pesadas descomposturas e anunciar seu circo de horrores de bolso, do tamanho exato para preencher as 3, 4 ou 5 horas em que o programa irá durar. Por outro lado, Huck encenará seu papel preferido – o de boneco de ventríloquo – com voz quase sempre empostada e fazendo o que mais gosta: posar de mecenas dos pobres e miseráveis, distribuindo casas e carros inteiramente reformados, tudo tinindo de novo, e focando ora a lágrima do pai de família que transformou o quarto e sala (sempre em péssimas condições de habitabilidade) onde vivia em uma casa classe média, ora em todos os eletrodomésticos e tevês de LCD. É em meio aos eufóricos agradecimentos de quem ganhou algo que os pontos de audiência sobem e a dignidade humana é aviltada, de maneira enviesada, mas é.

Como seria interessante que os programas fossem nivelados ao menos ao meio, nem tão baixo e nem tão alto. Entendo que dificilmente a população trocaria de bom grado um canal exibindo Michel Teló por outro em que a atração fosse a Orquestra Filarmônica de Berlim apresentando a Nona Sinfonia de Beethoven. E não trocaria por uma razão muito simples: tempo demais se investiu no apreço dos canais de televisão por números musicais em que o artista parece participar de maratona circense – levanta os braços, corre e salta, volta a levantar os braços à direita e à esquerda – e as letras das músicas trazem sempre apelos explícitos e com alto teor erótico. Bem pouco tempo se investiu na educação do ouvido popular para apreciar e se deixar levar pelos belos acordes, sons e arranjos que somente as Bachianas do genial Villa-Lobos ousariam ter.

Os programas poderiam reviver gincanas culturais bem ao estilo anos 1970, como O céu é o limite, apresentado na extinta TV Tupi por J. Silvestre, programas em que um tema central era objeto de perguntas e respostas e os temas variavam de eventos do Antigo Egito até a vida de Mozart, Galileu ou Carmem Miranda.

Goela abaixo

Faltam na tevê aberta programas que possam despertar na audiência jovem a descoberta de vocação para levar avante a vida adulta: quais os encantos da física e da medicina, da química e da astronomia? Quais os depoimentos de arquitetos, professores, filósofos e advogados bem sucedidos a compartilhar com milhões de jovens em idade de escolher uma vocação, uma profissão? Temos absoluta carência de programas que façam exclamar um jovem de 16 ou 18 anos: “Eu daria certo nisso!” ou “É isso que farei na vida!” Ao contrário do que muitos pensam, seriam programas com baixo custo de produção.

Já paramos para pensar quão interessante seria assistir numa mesma tarde de sábado ou domingo a entrevistas de quinze a vinte minutos com profissionais “bem sucedidos” em sua área de atuação”, como Adélia Prado, Ivo Pitanguy, Alberto Dines, Dráuzio Varella, Marina Colasanti, Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Leonardo Boff, Elio Gaspari, Fernando Meirelles. E poderiam investir na produção de vídeos ilustrativos com a biografia de cada entrevistado.

Alguém já imaginou um quadro como o “Arquivo Confidencial”, em vez de ser pela enésima vez com Susana Vieira ou com o Cauã Raymond, fosse com Oscar Niemeyer ou com Affonso Romano de Sant’Anna? Ou com essa prenda maior da baianidade, Dona Canô? E se não com ela, por que não com seu filho-pavão Caetano Veloso? Ou, então, por que não uma entrevista com esta que é uma das mais emblemáticas cantoras da música popular brasileira, Maria Bethânia?

Dificilmente serei convencido que a indigência mental que habita nossa telinha mágica no fim de semana é devido à falta de opções. É mais fácil que o seja por falta de cultura, cidadania e/ou bom caráter por parte dos que têm a última palavra na hora em que se fecha a grade programação de nossa tevê aberta – que, a rigor, é uma concessão do Estado, embora não pareça, dada à tradicional leniência com o lixo televisivo que fazem descer goela abaixo de uma população que ousa sonhar com novas utopias e redobrada esperança no futuro.

A sensação que tenho, depois de passar um fim de semana assistindo à televisão brasileira, é a de ter ficado mais pobre espiritualmente, diminuído em minha condição de humano.

Não será a hora de dar um chega pra lá nessa mediocridade toda?

sábado, 28 de julho de 2012

Presente ao ensino privado

Portal da CNTE

A Lei 12.688, sancionada no último dia 18, criou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies) com vistas a conceder moratória de até 90% para as dívidas das IES junto ao fisco federal. Para a CNTE, a iniciativa do Governo é ruim, primeiro, porque beneficia o mau pagador; segundo, porque amplia a desoneração de impostos para o Programa Universidade para Todos, incluindo as contribuições previdenciárias, numa clara extrapolação dos limites da Lei 11.096, que criou o Prouni, e em benefício do empresariado e detrimento das políticas públicas e da Previdência Social.
Embora o Prouni tenha garantido o acesso de mais de 1 milhão de jovens carentes ao ensino superior, não podemos perder de vista que essa política é de caráter transitório, devendo o Estado investir na ampliação da capacidade de atendimento nas instituições públicas de ensino superior. O próprio Plano Nacional de Educação, na meta 12, antes de ter elevado o percentual de investimento do PIB na educação para 10% (patamar este que, ao contrário do que disse o ministro Guido Mantega, não quebrará o país), estabeleceu o patamar de oferta pública de ensino superior em 40% até o fim da década. Com os 10% do PIB, aprovados pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, pode-se pensar em ampliar a meta para, pelo menos, 50%. Hoje, a relação privado/público é de 75% para 25% neste nível de ensino em que o capital estrangeiro é predominante.
Por outro lado, é preciso que o Estado invista na regulação do setor educacional privado, ao invés de tutelá-lo. E a regulação pressupõe antecipar as medidas que só agora são tomadas em âmbito do Proies, como o monitoramento das dívidas tributárias - a fim de evitar a insolvência das instituições de ensino - e a aplicação das medidas decorrentes das avaliações estabelecidas pelo Ministério da Educação, sobretudo as que preveem o fechamento de cursos de baixa qualidade. Acrescente-se ao papel regulador do Estado, a necessidade de se acompanhar o cumprimento das prerrogativas trabalhistas das instituições privadas de ensino com seus professores e funcionários, inclusive em âmbito da arrecadação para a Previdência Social.
Educação não é mercadoria, quanto mais barata. Daí a indignação de quem presencia um plano governamental para socorrer empresários da educação que nem sequer honraram com os compromissos tributários, o que dizer com a qualidade do ensino (pesquisa e extensão, quando for o caso)!
A CNTE espera que o Proies sirva, ao menos, para filtrar, definitivamente, as instituições de ensino superior no país, garantindo maior qualidade educacional e probidade gerencial às IES. Também estaremos atentos à aplicação dos critérios de reestruturação e à concessão de novas bolsas para o Prouni, as quais deverão atender aproximadamente 500 mil estudantes.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Impasse deve continuar na greve das universidades federais



Por Juliana Sada

Foi somente após dois meses, e com a quase totalidade de universidades federais em greve, que o governo federal dispôs-se a abrir negociações com os docentes. A data marcada: uma sexta-feira 13. Confirmando o suposto mau presságio, a reunião foi considerada infrutífera pelos docentes. Mais do que isso, o governo fez uma proposta considerada, pelo movimento, um retrocesso em vários pontos.
A proposta foi, então, apresentada às bases do movimento. De acordo com o Andes-SN (sindicato que representa os docentes), foram realizadas 58 assembleias gerais que rejeitaram a proposta do governo e reafirmaram a continuidade da greve. As negociações tiveram continuidade nesta segunda-feira, 23, com a apresentação da posição dos docentes, com destaques para pontos inaceitáveis, e a formulação de 13 itens que devem ser levados em consideração para a continuidade das negociações.
Já no dia seguinte houve uma nova reunião e o governo fez alguns ajustes em sua proposta, aumentando a perspectiva de reajuste salarial para parte dos professores e “empurrando” alguns pontos polêmicos de sua proposta para a definição em um Grupo de Trabalho que reuniria representantes dos docentes e do governo. Durante esta semana ocorrerão novas assembleias de base e uma nova reunião foi marcada para quarta-feira, dia 1. As primeiras plenárias já demonstram uma provável rejeição da proposta, como aconteceu nas universidades federais da Bahia, Uberlândia, Triângulo Mineiro, Paraíba e Pelotas.

Carreira desestruturada
 
O governo, entretanto, não discute o que de fato está sendo reivindicado pelos grevistas: a reestruturação da carreira dos docentes federais. Desde 2011, o governo instalou junto aos professores um grupo de trabalho para debater a questão. Mas os trabalhos pouco avançaram e então a greve acabou deflagrada. Entre outros pontos, os docentes desejam o fim de obstáculos para ascensão na carreira; a diminuição de sub categorias de professores; a determinação de porcentuais fixos para variação salarial entre um estágio da carreira e outro; o fim da “retribuição por titulação” no contracheque, e que tal gratificação seja incorporada ao vencimento básico; e que seja reservado a cada universidade a definição dos mecanismos de avaliação do trabalho docente.
O vice-presidente do Andes-SN, Luiz Henrique Schuch, avalia que na proposta do governo “a desestruturação [da carreira] continua, sem nenhuma relação lógica na evolução entre os níveis e as classes, os regimes de trabalhos e as titulações, desconstituindo direitos, e para a maioria dos docentes as alterações salariais são apenas nominais, pois não acompanham sequer a inflação”.
De maneira mais ampla, o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano avaliou, em entrevista coletiva juntamente com docentes da Unifesp, que “se o Brasil realmente quer avançar nesse projeto desenvolvimentista tem que valorizar o ensino superior” e para isso é necessário “estruturar uma carreira para que o professor alcance um nível de excelência”.

Qualidade x quantidade
 
Outro ponto de reivindicação dos docentes é uma expansão com qualidade da educação superior. Durante o governo Lula foram criadas 14 novas universidades federais e as já existentes foram ampliadas com novos campi. Entretanto, as condições de ensino e trabalho não receberam a devida atenção. Há faculdades funcionando em sedes provisórias, outras unidades não possuem bibliotecas ou laboratórios suficientes. Em algumas universidades que funcionam em diferentes campi, não há transporte entre as unidades. Em outros casos, faltam restaurantes e moradias para os estudantes.
Apesar de a precariedade de infraestrutura ser presente em grande parte das unidades da expansão, universidades mais antigas também sofrem com o sucateamento de suas instalações. É o caso do campus de São Paulo, da Unifesp, que abriga a Escola Paulista de Medicina e outros cursos da área de saúde, criada na década de 30, e que tem o restaurante universitário funcionando em espaço provisório, após um incêndio ter atingido um prédio da instituição em janeiro.
A precariedade de muitas instituições levou estudantes de diversas federais a entrarem em greve, apoiando os docentes e reivindicando melhores condições de estudo. Os servidores técnico-administrativos das universidades federais também estão em uma paralisação nacional, a categoria reivindica melhorias na carreira e aumento salarial. Até agora o governo não abriu negociações com estas categorias.

Portas fechadas
 
A postura do governo frente às greves, que já atingem quase 30 categorias do serviço público federal, tem sido de intransigência. O governo ameaçou suspender os salários de 14 setores e o ministro da educação Aloisio Mercadante chegou a afirmar que não negociaria com grevistas. Ao invés de enfraquecer o movimento, a postura do governo tem acirrado os ânimos. É o que relata Giorgio Romano, da UFABC, que aponta que a última plenária de docentes “foi a maior assembleia já realizada e o clima era de indignação”. A opinião é compartilhada por Marian Ávila de Dias e Lima, da Unifesp, que vê uma “crescente adesão ao movimento” e afirma que o sentimento dos professores é de que a “educação é tratada com descaso” pelo governo.
Outro ponto muito questionado pelos docentes é o fato de as reuniões serem conduzidas pelo Ministério de Orçamento, Planejamento e Gestão tendo o Ministério da Educação como coadjuvante. Na visão do professor Denílson Cordeiro, da Unifesp, a “educação do país é tratada como mais um item da questão orçamentária”.
Ainda com a lógica orçamentária prevalecendo, os docentes escutaram do ministro Mercadante que “não há margem” para ir além da proposta já apresentada. Para a professora Márcia Aparecida Jacomini, também da Unifesp, é uma questão de opção política do governo e cita o recente perdão de uma dívida de R$15 bilhões ao setor da educação privada em troca de bolsas de estudo nos próximos anos: “a questão é se o governo está disposto a investir na educação pública”.

sábado, 21 de julho de 2012

Greve nas universidades


Quando o governo acabará com a greve dos professores das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias?


Frei Betto no BRASIL DE FATO

Eis que esbarro no aeroporto com um amigo, alto funcionário do governo federal. Fomos colegas de Planalto nos idos de 2004. Fui direto ao ponto:
- E quando o governo acabará com a greve dos professores das universidades públicas, que já dura mais de 60 dias? Ela paralisa 57 das 59 universidades federais e 34 dos 38 institutos federais de educação tecnológica. São 143 mil profissionais de ensino de braços cruzados.
- O governo? – reagiu surpreso. - Eles é que decidiram parar de trabalhar. Já é hora de descruzarem os braços e aceitar nossa proposta apresentada na sexta, 13 de julho. A partir do ano que vem um professor titular com dedicação exclusiva poderá ter aumento de 45,1%.
- Sexta-feira 13 não é um bom dia para negociar... Sei que o PT tem tido sorte com o 13. Mas, pelo que me disseram professores, a proposta do governo está aquém do que eles querem. E só favorece os professores que atingiram o topo da carreira, e não os iniciantes. Como é possível um professor adjunto, com doutorado, ganhar R$ 4.300, e um policial rodoviário com nível superior R$ 5.782,11?
- O que pedem é acima do razoável. E se a greve prosseguir, nem por isso o país para.
- Você parece esquecer que o PT só chegou à Presidência da República porque o movimento grevista do ABC, liderado por Lula, encarou a ditadura, desmascarou as fraudes dos índices econômicos emitidos pelo ministério de Delfim Netto e exigiu reposição salarial.
O amigo me interrompeu:
- Aquilo foi diferente. Máquinas paradas atrasam o país.
- Este o erro do governo, meu caro. Não avaliar que escola fechada atrasa muito mais. Quem criará as máquinas ou, se quiser, trará ao país inovação tecnológica se os universitários não têm aulas? Quem estanca a fuga de cérebros do Brasil, com tantos cientistas, como Marcelo Gleiser, preferindo as condições de trabalho no exterior? A maior burrice do governo é não investir na inteligência. Já comparou o orçamento do Ministério da Cultura com os demais? É quase uma esmola. Como está difícil convencer o Planalto de que o Brasil só terá futuro se investir ao menos 10% do PIB na educação.
Meu amigo tentou justificar:
- Mas o governo tem que controlar seus gastos. Se ceder aos professores, o rombo nas contas públicas será ainda maior.
- Como pode um professor universitário ganhar o mesmo que um encanador da Câmara Municipal de São Paulo? Um encanador, lotado no Departamento de Zeladoria daquela casa legislativa, ganha R$ 11 mil. Um professor universitário com dedicação exclusiva ganha R$ 11,8 mil. Agora o governo promete que, em três anos, ele terá salário de R$ 17,1 mil.
- O governo vai mudar o plano de carreira. Professores passarão a ganhar mais em menos tempo de trabalho.
- Ora, não me venha com falácias. Quando se trata do fundamental –saúde, educação, saneamento– o governo nunca tem recursos suficientes. Mas sobram fortunas para o Brasil sediar eventos esportivos internacionais protegidos por leis especiais e comprar jatos de combate para um país que já deveria estar desmilitarizado.
- Você não acha que é uma honra o Brasil sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo? Não é importante atualizar os equipamentos de nossa defesa bélica?
- Esses eventos esportivos estarão abertos ao nosso povo, ou apenas aos turistas e cambistas? E quanto à defesa bélica, há tempos o Brasil deveria ter adotado a postura de neutralidade da Suíça e abolir suas Forças Armadas, como fez a Costa Rica em 1949. Quem nos ameaça senão nós mesmos ao não promover a reforma agrária para reduzir a desigualdade social e manter a saúde e a educação sucateadas?
Meu amigo, ao se despedir, admitiu em voz baixa:
- O problema, companheiro, é que, por estar no governo, não posso criticá-lo. Mas você tem boa dose de razão.

Frei Betto é escritor, autor de "A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A greve do ensino público e as engenharias

Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

Por Felipe Addor*, para o Canal Ibase

Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras?
Na minha primeira greve como professor, tive a oportunidade de ver de outra perspectiva o mundo em que vivemos no ensino de engenharia em uma universidade pública. O que se vê é um retrato da formação que nossos estudantes recebem.
Após alguns dias acompanhando o vigor do movimento, resolvo aderir à greve. A essa altura, mais de 40 universidades públicas já estavam em greve. Reuniões, assembleias, mobilizações, passeatas, movimentação virtual; todos na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Enquanto isso, no Reino da Tecnologia, a movimentação é quase nula. Ninguém sabe, ninguém fala, ninguém vê. Estacionamentos lotados, salas de aula cheias, restaurantes com as tradicionais filas.
Afinal, em que mundo vivem os cursos de engenharia das universidades públicas brasileiras? (Foto: Guilerme Souza/Flickr)
Resolvi fazer uma última aula de debate sobre a greve. Nas trocas de ideias e argumentos, três questões subjetivas se destacam. Primeiro, a completa alienação sobre a situação. Para eles, que viviam naquela redoma tecnológica, nada estava ocorrendo; ou, pelo menos, nada que lhes dissesse respeito. “Professor, essa greve não vai dar em nada, quase ninguém está participando, só tem meia dúzia de professores”. Independente da posição dos professores das engenharias, é impressionante a capacidade de isolar seus alunos do mundo externo, do mundo real.
Segundo, a aversão às lutas dos trabalhadores. Embora essa palavra não tivesse saído em nenhum momento da boca dos estudantes, a clara impressão é que, na cabeça deles, grevistas são baderneiros, comunistas, preguiçosos; isto é, gente que não está a fim de trabalhar e que busca, por meio da greve, conquistar ainda melhores salários, mordomias; “esses professores querem que não haja avaliação para que subam na carreira e pedem melhores salários” (numa clara interpretação distorcida da proposta de novo formato de avaliação levada ao governo pelo Andes). Ou seja, estamos formando profissionais com a visão do patrão, do capital, em oposição ao trabalhador.
Terceiro, e mais pesado, é o enorme individualismo presente. Na verdade, é um individualismo burro, pois é imediatista. Preocupados com seus estágios, suas promessas de efetivação, suas possíveis oportunidades de concurso, suas viagens de férias, seus intercâmbios para a Europa, os alunos sequer consideram como algo relevante para suas vidas a luta por uma universidade pública decente, estruturada, de qualidade. É recorrente o argumento: os alunos são os únicos prejudicados, são as grandes vítimas das greves. Mentira, pois são os que mais se beneficiarão, no longo prazo, dos seus frutos. Não é preciso destacar que os avanços na estrutura e qualidade do ensino público superior (assim como as principais conquistas de lutas das classes trabalhadoras no mundo) são resultados unicamente das lutas travadas anteriormente (resumo das reivindicações e resultados das greves desde 1980: http://www.sedufsm.org.br/index.php?secao=greve).
O mais triste dessa última constatação é a consciência de que essa percepção individualista e imediatista é apenas o reflexo do raciocínio, da postura, dos ensinamentos da maioria dos professores dos cursos de engenharia em uma universidade pública. A corrente de vitimização dos alunos enquanto maiores prejudicados com a greve rompeu-se quando uma aluna disse: “eu defendo a greve, pois eu quero que, daqui a vinte anos, meu filho possa ter a oportunidade que eu tive de estudar de graça num dos melhores cursos universitários do Brasil”. O silêncio que se seguiu escancarava como aquela reflexão simples, ainda individualista, mas numa perspectiva inteligente, de longo prazo, foi um choque na estrutura de pensamento daqueles jovens e promissores engenheiros.
Engenheiros deslocados da realidade de seu país, avessos às lutas dos trabalhadores e preocupados com seu próprio umbigo. Esses são os profissionais que queremos formar nas universidades públicas brasileiras?

*Felipe Addor é professor do Departamento de Engenharia Industrial da UFRJ (Centro de Tecnologia), onde se formou em Engenharia de Produção. É fundador e pesquisador do Núcleo de Solidariedade Técnica da UFRJ (SOLTEC/UFRJ).

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Maurício Caleiro: A greve dos professores das federais e os truques do governo

por Maurício Caleiro, no blog Cinema e Outras Artes

À medida que vêm à tona análises mais detalhadas da proposta do governo Dilma aos professores em greve, fica cada vez mais evidente que se trata não apenas de uma resposta insatisfatória em termos salariais e de estruturação da carreira. Depreendem-se do episódio aspectos preocupantes quanto às estratégias comunicacionais adotadas pelo governo no episódio, no modo como ele concebe e se relaciona com o professor universitário no Brasil e, sobretudo, no que toca à posição da Educação ante a área econômica do governo, tendo em vista seu planejamento e perspectivas futuras.

Ilusionismo financeiro

Quanto aos aspectos propriamente salariais, claro está que a proposta do governo é de tal ordem sujeita a variações de dados macroeconômicos futuros e à definição exata de datas de reajuste – deixadas em aberto – que não se pode falar categoricamente em aumento. Pois, a depender da inflação de 2012, 2013 e 2014 e de como o governo dividirá percentualmente entre tais anos os reajustes salariais, estes podem ser anulados ou mesmo superados pelo aumento do custo de vida.
Aumentos trienais sem garantia de percentual acima da inflação não significam a priori aumento real, mas uma aposta.

Plano de carreira

A atual greve dos professores prioriza duas reivindicações: plano de carreira e melhoria salarial. Se esta, como vimos, depende de uma aposta, o plano de carreira delineado pelo MEC – que, embora protocolado em abril de 2011, recende a improvisação – apresenta, infelizmente, aspectos que não apenas pioram as condições atuais como traem, de forma indubitável, a priorização das demandas da área econômica do governo em detrimento do planejamento sério e consequente do que deva ser a evolução profissional de um professor universitário.
Em meio a brechas e indefinições potencialmente danosas, o mais contraditório desses aspectos é a determinação de que mesmo mestres e doutores devem ingressar no magistério superior como Professor Auxiliar, e que só podem evoluir após os três anos de estágio probatório. Ora, isso, além de não fazer o menor sentido, é uma afronta à própria expectativa de direito anteriormente assegurada àqueles que ora cursam mestrado ou doutorado, para os quais ingressaram, em sua imensa maioria, justamente para ascender à (ou ingressar na) classe referente à sua titulação.

Papo reto

Se o governo realmente estivesse bem-intencionado e prezasse os professores das federais, não apresentaria uma aposta, mas uma proposta concreta de aumento salarial, superior à inflação projetada para este ano, e efetiva a partir de março de 2013 (pois um ano após o aumento de 2011). Simples assim.
Tivesse tomado essa medida trivial e apresentado um plano de carreira decente – obrigações básicas de qualquer governo, ainda mais de um que diz privilegiar a educação –, a greve já teria há tempos se encerrado.
Ao invés disso, após quase um mês de paralisação, rompe o silêncio e monta uma verdadeira operação de marketing para divulgar sua proposta – incluindo um texto em que dá destaque aos aumentos maiores, relativos à ínfima minoria dos professores titulares,e tabelas comparativas sui generis, que, numa manipulação injustificada e claramente mal-intencionada, contrapõem os salários de 2010 aos que os professores poderão vir a receber em 2015. Convém lembrar que estamos em 2012.

Marketing e mídia

Com estratagemas tais, e contando com a colaboração preciosa da mídia – que tantos alegam ser implacavelmente contrária à administração Dilma -, o governo tem sido parcialmente bem-sucedido em sua estratégia de jogar o público contra a greve. Basta ler os jornais e portais – e, neles, os comentários – para se ter a impressão de que os professores universitários estariam prestes a virar os novos marajás: “45% de aumento!”, “R$17 mil reais”, “Maior aumento da história”.
(Como se vê, a cobertura que a mídia destina à greve fornece mais um exemplo claro de que a oposição simplista entre PIG (Partido da Mídia Golpista) e governo Dilma não é efetiva, como querem alguns. E que havendo afinidade de interesses entre mídia corporativa e governo, a imprensa não se furta a se posicionar ao lado deste. Deixa de ser o malvado PIG e vira jornalismo amigo.)
Porém, a realidade fria dos números é bem outra. Para se aprofundar sobre os meandros da cobertura midiática, vale a pena ler os textos de Joana Tavares (no Viomundo), os de Sylvia Debassan Moretzsohn, “A lamentável cobertura da greve nas federais e “O jornalismo cego às armadilhas do discurso oficial” (no Observatório da Imprensa).

Equívocos e autoritarismo

Ao apresentar aos professores universitários uma proposta que mal disfarça o seu caráter de peça de ilusionismo monetário, o governo Dilma denota possuir uma visão estreita e subvalorizada do que seja o professor universitário, esse ente público que fatalmente tem e terá uma função essencial na formação das novas gerações de brasileiros e no redesenho futuro do país.
A impressão que fica é que o governo os toma por tolos, incapazes de fazerem contas financeiras ou de desvelarem truques de marketing de massas. Isso evidencia a existência de um erro de postura da administração Dilma, certamente menos decisivo e efetivo, na prática, do que as propostas que apresenta podem ser, mas denotadores, por um lado, de uma incompreensão profunda do que seja o professor universitário enquanto categoria profissional do Estado e, por outro, uma vez mais, da tendência a evitar o diálogo e a negociação ou a exercê-los em bases mínimas e restritas – a um passo do autoritarismo, como a autorização para o corte de ponto dos grevistas evidencia.

Contradições óbvias

É altamente significante da posição subalterna e desprestigiada que tanto o servidor público federal como a educação como um todo ocupam atualmente no país o fato de que o Ministério do Planejamento foi quem efetivamente comandou e deu a palavra final aos termos da inaceitável proposta apresentada aos professores. Mercadante, se digladiando entre sua passividade conservadora e sua ânsia por holofotes características, limitou-se, se tanto, a barganhar, enquanto o ministro do Trabalho sequer foi chamado à mesa se negociações.
Mais: o mesmo governo que faz de tudo para irrigar a economia através da ampliação do crédito – portanto, de capital advindo de endividamento junto ao sistema financeiro, que acaba por se traduzir em lucro para os bancos – parece não querer irrigá-la com salário – capital originário das relações sociais do trabalho, que teoricamente beneficiaria o assalariado (e, ainda mais, quem o emprega), mas que, na visão economicista predominante, prejudica o governo por aumentar seus gastos.

Tire suas conclusões

Assim, no final das contas, apesar das inegáveis conquistas sociais representadas pela redução da pobreza no país, mesmo o investimento em áreas fundamentais como saúde e educação mantém-se submetido aos ditames ditados pelo setor financeiro, que tem na área econômica do governo o seu representante no Estado. Os bancos brasileiros são, atualmente, os que mais lucram no mundo. Já a educação oferecida no país ocupa posições vergonhosas em comparação com o contexto internacional. Diga o leitor qual é a prioridade do governo.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Analfabetismo funcional atinge 38% dos estudantes universitários


Pesquisa aponta que alunos não conseguem interpretar e associar informações

Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. O indicador reflete o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade. Criado em 2001, o Inaf é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado em uma amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos. Elas respondem a 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como, por exemplo, sobre o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto. O indicador classifica os avaliados em quatro níveis diferentes de alfabetização: plena, básica, rudimentar e analfabetismo.

Aqueles que não atingem o nível pleno são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever, mas não conseguem interpretar e associar informações. Segundo a diretora executiva do IPM, Ana Lúcia Lima, os dados da pesquisa reforçam a necessidade de investimentos na qualidade do ensino, pois o aumento da escolarização não foi suficiente para assegurar aos alunos o domínio de habilidades básicas de leitura e escrita. "A primeira preocupação foi com a quantidade, com a inclusão de mais alunos nas escolas", diz. "Porém, o relatório mostra que já passou da hora de se investir em qualidade", afirma.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre 2000 e 2009. Para a diretora do IPM, o aumento foi bom, pois possibilitou a difusão da educação em vários estratos da sociedade. No entanto, a qualidade do ensino caiu por conta do crescimento acelerado."Algumas universidades só pegam a nata e as outras se adaptaram ao público menos qualificado por uma questão de sobrevivência", comenta. "Se houvesse demanda por conteúdos mais sofisticados, elas se adaptariam da mesma forma", fala.

Para a coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão, o indicativo reflete a "popularização" do ensino superior sem qualidade: "No mundo ideal, qualquer pessoa com uma boa 8ª série deveria ser capaz de ler e entender um texto ou fazer problemas com porcentagem, mas no Brasil ainda estamos longe disso." Segundo ela, o número de analfabetos só vai diminuir quando houver programas que estimulem a educação como trampolim para uma maior geração de renda e crescimento profissional. "Existem muitos empregos em que o adulto passa a maior parte da vida sem ler nem escrever, e isso prejudica a procura pela alfabetização", afirma.

Entre as pessoas de 50 a 64 anos, o índice de analfabetismo funcional é ainda maior, atingindo 52%. De acordo com o cientista social Bruno Santa Clara Novelli, consultor da organização Alfabetização Solidária (AlfaSol), isso ocorre porque, quando essas pessoas estavam em idade escolar, a oferta de ensino era ainda menor. "Essa faixa etária não esteve na escola e, depois, a oportunidade e o estímulo para voltar e completar escolaridade não ocorreram na amplitude necessária", diz. Ele observa que a solução para esse grupo, que seria a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda tem uma oferta baixa no País.

Novelli cita que, levando em conta os 60 milhões de brasileiros que deixaram de completar o ensino fundamental de acordo com dados do Censo 2010, a oferta de vagas em EJA não chega a 5% da necessidade nacional. "A EJA tem papel fundamental. É uma modalidade de ensino que precisa ser garantida na medida em que os indicadores revelam essa necessidade", conta. Ele destaca que o investimento deve ser não só na ampliação das vagas, mas no estímulo para que esse público volte a estudar.

Segundo o cientista social, atualmente só as pessoas "que querem muito e têm muita força de vontade" acabam retornando para a escola. Ele cita como conquista da EJA nos últimos dez anos o fato de ela ter passado a ser reconhecida e financiada pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). "Considerar que a EJA está contemplada no fundo que compõe o orçamento para a educação é uma grande conquista", ressalta. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
 

sábado, 7 de julho de 2012

Compreender a Sociedade para entender a educação e o papel da escola

 
A “história da humanidade”
deve sempre ser estudada e elaborada
em conexão com a história da indústria e das trocas.
(Marx e Engels)

O tema da educação não ocupou um lugar central na obra de Marx. Ele não formulou explicitamente uma teoria da educação, muito menos princípios metodológicos e diretrizes para o processo ensino-aprendizagem. Sabemos que sua principal preocupação fora o estudo das relações sócio-econômicas e políticas e seu desenvolvimento no processo histórico. Entretanto, a questão educacional encontra-se inevitavelmente enredada em sua obra. Existem alguns textos que Marx, juntamente com Engels, redigiu sobre a formação e o ensino em que a concepção de educação está articulada com o horizonte das relações sócio-econômicas daquela época. Assim, para compreendermos qual sua perspectiva na análise do fenômeno educativo precisamos passar pelo seu modo de compreender a sociedade. Na seqüência, meu propósito é pontuar algumas das questões que, em nosso entender, chamam a atenção para uma re-leitura de Marx e Engels, hoje, no âmbito educacional.
O ponto de partida da história, para Marx, é a existência de seres humanos reais que vivem em sociedade e estabelecem relações. Para ele a essência do homem é o conjunto das relações sociais. Assim, a corporeidade natural é uma condição necessária mas não suficiente. A humanização do ser biológico e específico só se dá dentro da sociedade e pela sociedade. Gadotti (1984) nos lembra que, para Marx, o homem não é algo dado, acabado. Ele é processo, ou seja, torna-se homem e, isto, a partir de duas condições básicas: a) ele produz-se a si mesmo e, ao fazê-lo, se determina como um ser em transformação, como o ser da práxis e; b) esta realização só pode ter lugar na história.
O que distingue o ser humano dos outros animais, conforme Marx, é o fato de ele, num dado momento da história, começar a produzir os seus próprios meios de existência. O que o ser humano é coincide com “o que” e “como” ele produz. Ao contrário de Hegel, para quem a consciência determina a vida concreta, real; em Marx é a vida concreta e real que determina a consciência. Assim, “O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (MARX; ENGELS, 1999, p. 28).
Deduz-se desta perspectiva que, para a compreensão do processo educativo, deve-se compreender aquele (processo) pelo qual os seres humanos produzem a sua existência, isto é, o processo produtivo, o mundo do trabalho e o âmbito de suas relações. Para essa análise é preciso recorrer à situação da divisão do trabalho, o que permite considerar o grau de desenvolvimento das forças produtivas de uma sociedade. Assim, podemos tomar como exemplo a divisão entre campo e cidade, entre trabalho comercial e industrial. A divisão do trabalho conduz a diferentes interesses ocasionando até mesmo interesses opostos.
O advento da propriedade privada provocou um mudança decisiva na divisão do trabalho. A partir da divisão do trabalho em trabalho manual e trabalho intelectual surgem outras dicotomias: gozo e trabalho, produção e consumo, miséria e opulência. Estas dicotomias originam um conflito de interesses: o individual versus o coletivo, o público e o privado.
Marx e Engels (1999, p. 46) apontam para as conseqüências desta divisão: “(...) com a divisão do trabalho fica dada a possibilidade, mais ainda, a realidade, de que a atividade espiritual e a material – a fruição e o trabalho, a produção e o consumo – caibam a indivíduos diferentes; e a possibilidade de não entrarem estes elementos em contradição reside unicamente no fato de que a divisão do trabalho seja novamente superada”.
Aquele caráter edificante, socializante e humanizante do trabalho, onde o indivíduo constrói-se na inter-relacão com os demais indivíduos, desfaz-se sob a economia capitalista, pois o ser humano passa a representar uma força de trabalho que é vendida aos proprietários dos meios de produção como aparente garantia de sua sobrevivência. A vida torna-se, assim, um simples meio de vida. Como conseqüência disso temos aquilo que Marx denominou como alienação, isto é, o trabalho que o ser humano realiza produz objetos que não lhe pertencem e, além disso, voltam-se contra ele como estranhos. A diferença entre o que ele produz e o que ele é na vida cotidiana aumenta cada vez mais. O trabalho torna-se cada vez mais alheio ao trabalhador. Quanto mais o trabalhador produz, mais ele nega-se a si mesmo, mais arruína-se física e espiritualmente.
A propriedade privada, portanto, constitui a base de todo o processo de alienação. O conceito de alienação mostra concretamente o que impede o desenvolvimento do ser humano e como se pode ultrapassar tais impedimentos. Nos Manuscritos Econômico-filosóficos Marx afirma que a superação da propriedade privada significa a emancipação plena de todos os sentidos e qualidades humanos.
A educação, na sociedade capitalista, é, segundo Marx e Engels, um elemento de manutenção da hierarquia social; ou o que Gramsci denominou como instrumento da hegemonia ideológica burguesa. A igualdade política é algo meramente formal e não passa de uma ilusão visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca. Atualmente a situação não parece ser muito diferente daquela vivida e descrita por eles.
No entanto, uma das possibilidades de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside na integração entre ensino e trabalho. A esta integração eles designam ensino politécnico ou formação omnilateral. Por meio desta educação omnilateral o ser humano desenvolver-se-á numa perspectiva abrangente isto é, em todos os sentidos. Conforme Gadotti (1984, p. 54-55) “A integração entre ensino e trabalho constitui-se na maneira de sair da alienação crescente, reunificando o homem com a sociedade. Essa unidade, segundo Marx, deve dar-se desde a infância. O tripé básico da educação para todos é o ensino intelectual (cultura geral), desenvolvimento físico (ginástica e esporte) e aprendizado profissional polivalente (técnico e científico).”
Marx e Engels não só indicaram freqüentemente que o trabalho físico sem elementos espirituais destrói a natureza humana como, também, que a atividade intelectual à margem do trabalho físico conduz facilmente aos erros de um idealismo artificial e de uma abstração falsa. Logo, a união entre os dois dá um caráter integral à educação e tomará o lugar da formação unilateral, especializada e alienada.
Assim, o ensino aparece como instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do mundo. Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O proletariado, por si só, não conquista sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado desde o início dos meios que lhe permitiriam consegui-lo. Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um projeto político e pedagógico definido e voltado aos interesses da grande maioria excluída. Aí é que surge o papel estratégico da escola, dos educadores e intelectuais, os quais, em nosso entender, são decisivos para a construção da consciência de classe do trabalhador.
Acreditamos que é extremamente pertinente a concepção educativa de Marx e Engels, visto que sua proposta recupera o sentido do trabalho enquanto atividade vital em que o homem humaniza-se sempre mais ao invés de alienar-se e a educação é concebida, não como instrumento de dominação e manutenção do status quo mas, como processo de transformação desta situação.
A obra destes autores constitui uma crítica fundamental à concepção burguesa do ser humano e de educação. Às concepções metafísicas e idealistas, que são fundamentalmente conservadoras, estes pensadores opõem a concepção materialista, histórica e dialética, isto é, interessaram-se pelo ser humano real em carne e osso, por seus problemas enquanto vivem em sociedade, visando uma transformação positiva e humanizante. Esta concepção dialético-histórica do ser humano toma como premissa fundamental o fato de ele não ser um dado, mas essencialmente um construir-se. Deste modo, a educação deve vir para corroborar esta construção que não é meramente teórica ou abstrata, mas real, prática.
Na sociedade capitalista contemporânea a educação reproduz o sistema dominante tanto ideologicamente quanto nos níveis técnico e produtivo. Na concepção socialista, a educação assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação omnilateral é o que continua fazendo falta em nossa sociedade. O atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que se diz sobre reprodução, exclusão e dominação. Projetos político-pedagógicos até existem e são propostos, mas são postos em andamento aqueles que legitimam o sistema e não representam para ele uma ameaça.

[1] Profª da Rede Municipal de POA, da Rede Estadual do RS e Profª da ACM no RS. `Pesquisadora do Intituto Airton Senna em SP, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa da UFRGS “Movimentos Sociais, Trabalho e Educação”
Este Artigo foi retirado da Dissertação de Mestrado “As contradições na Vida e no Trabalho dos alunos da EJA em POA. Um estudo de Caso” 2006.

sábado, 30 de junho de 2012

A grande mídia ataca aprovação de 10% para educação

No blog do LUIZ ARAUJO
 
Os editoriais do Estado de São Paulo e da Folha de São Paulo do dia de hoje expressam, de maneira límpida e clara, o pensamento do governo e do grande empresariado sobre a aprovação pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados de um percentual de 10% de investimento direto em educação ao final dos próximos dez anos.


Quais são os principais argumentos que a grande mídia, o governo e o grande empresariado enumeram nos dois editoriais:

1. A decisão da Comissão Especial representou um gesto eleitoreiro (“já comas atenções voltadas para a campanha eleitoral”);

2. Foi fruto da pressão das corporações da educação (de “movimentos sociais, ONGs e entidades de estudantes e de professores” ou de “de entidades ligadas ao ensino”);

3. Foi um gesto demagógico e de irresponsabilidade com as finanças nacionais (“Mais uma vez populismo, demagogia e chantagem política dão os braços no Legislativo para maquinar propostas que, sob a aparência de soluções generosas para os males do país, constituem gritante irresponsabilidade financeira” ou “sob o pretexto de valorizar o

magistério público e triplicar a oferta de matrículas da educação

profissional e técnica de nível médio”);

4. Os gastos atuais da educação já se encontram em patamar aceitável e semelhante à de outros países desenvolvidos (“o que está na média dos países desenvolvidos” ou “um percentual compatível com os padrões internacionais”);

5. A educação não precisa de mais recursos e sim gastar os existentes de forma mais responsável (“O problema da educação brasileira, contudo, não é de escassez de

recursos. É, sim, de gestão perdulária”)

6. O agravamento da crise econômica mundial indica que não se deveria apontar para aumentos de investimentos nas áreas sociais (“Como disse a presidente Dilma Rousseff, não é hora nem de promover aventuras fiscais nem de brincar à beira do precipício” ou “Um Congresso mais sério daria sua contribuição para melhorar, e não deteriorar, o quadro econômico”);

7. Certamente o Senado Federal será mais responsável que seus pares da Câmara dos Deputados (“No Senado, o Planalto espera que o projeto seja votado após as eleições, quando os senadores poderão agir mais responsavelmente do que os deputados”);

Não reconheço nos argumentos nada que não tenha sido dito e escrito por diferentes ministros da Educação e da Fazenda dos últimos governos (de FHC, passando por Lula e agora Dilma), mas cabe debatê-los de forma incisiva mais uma vez (e quantas vezes forem necessárias fazê-lo!):

1. As eleições sempre influenciam as decisões do legislativo. É justamente nesta época que os parlamentares precisam medir se seus votos implicarão em prejuízos eleitorais. Considero isso muito positivo, pois tal atitude de ouvir os anseios dos seus eleitores deveria ser seguida durante todo o mandato e não somente nos períodos eleitorais. É direito dos eleitores, dentre eles os milhões que possuem filhos em escolas públicas ou que não conseguiram exercitar este direito de forma plena, cobrar dos seus representantes que votem em propostas que ampliem e/ou consolidem direitos inscritos na Constituição, dentre eles o direito à educação de qualidade para todos e em todos os níveis;

2. Hás um reconhecimento importante feito pelos editoriais: a votação foi fruto da pressão da sociedade civil organizada. É óbvio que o olhar do empresariado (que financia a grande mídia) é que organizações não governamentais, entidades sindicais e estudantis são empecilhos ao desenvolvimento do país, leia-se desenvolvimento pleno do capital sem entraves que limitem a sua “desejável” taxa de lucros. Mesmo de maneira preconceituosa e conservadora os editoriais conseguiram captar uma verdade importante: com luta e organização a sociedade conquista direitos!;

3. Realmente os movimentos sociais se mobilizaram guiados pelo que a mídia chama de “pretexto”. Queremos a garantia plena do direito a educação. Isso significa mais vagas nas escolas (em todas as etapas), crescimento público da oferta de vagas, elevação do padrão de qualidade e assim por diante;

4. E, obviamente, que o centro das críticas é sobre a necessária responsabilidade fiscal e de como devemos enfrentar os efeitos da crise econômica mundial. Aqui fica clara uma concordância do empresariado e do governo: ambos advogam redução de gastos públicos como um bom remédio para equilibrar as finanças nacionais. Não há disposição para cortar recursos destinados aos bancos, especialmente os destinados a pagamentos de amortização, juros e rolagem da dívida pública, que é a principal fonte da crise mundial. Advogam a receita que está destruindo os direitos sociais gregos, portugueses, espanhóis e italianos. Todos que se levantarem contra esta política de jogar nas costas dos trabalhadores o ônus do pagamento de uma crise provocada pelo sistema financeiro serão tratados como “irresponsáveis”, que “querem jogar o país no precipício”. Eles jogaram o mundo no precipício e querem que nós paguemos a conta do resgate;

5. Não é verdade que o dinheiro aplicado em educação em nosso país seja suficiente, mesmo que parte destes recursos seja desviada pela corrupção e pela má gestão. No Nordeste, por exemplo, os governos municipais dispuseram de apenas R$ 1800,00 por aluno ano para garantir funcionamento de suas creches. Sem corrupção renderia um pouco mais estes recursos, mas mesmo assim seriam insuficientes. E temos milhões de brasileiros fora da escola, em todos os níveis e etapas. A campanha Nacional pelo Direito à Educação produziu Nota Técnica que demonstra a necessidade de pelo menos 10% para cumprir as metas necessárias à melhoria da educação brasileira;

6. Não é verdade que nossos investimentos estejam compatíveis com os realizados por outros países desenvolvidos. É necessário analisar duas variáveis: o quanto estes países desenvolvidos aplicaram em educação quando tinham desafios educacionais do tamanho dos que temos hoje no Brasil e qual o universo de educandos que precisam atender proporcionalmente ao PIB de cada país. Quem quiser conhecer melhor os limites destas comparações pode baixar a apresentação feita pelo professor Nelson Cardoso (UFG) em audiência pública da Comissão Especial da Câmara;

7. A esperança do governo, do empresariado e da mídia é que, passadas as eleições, os parlamentares voltem a se comportar de “maneira responsável”, ou seja, que no Senado Federal os nossos representantes ouçam a “voz do mercado” ou a “voz do governo” e tampem os ouvidos para “a voz do povo”. Certamente a sociedade civil organizada trabalhará para que as conquistas arrancadas pela mobilização na Câmara sejam consolidadas e novas conquistas sejam alcançadas.

Os editoriais são uma demonstração nítida de como será travada na próxima etapa de tramitação do Plano Nacional de Educação.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Protesto reúne indignados com as políticas do governo Tarso


Professores, funcionários de escola, estudantes e trabalhadores de outras categorias realizaram na tarde desta sexta-feira (29), em Porto Alegre, uma manifestação de protesto contra as políticas do governo Tarso para a área da educação e de outras áreas de responsabilidade do poder público.
Da sede do CPERS/Sindicato, na avenida Alberto Bins, os manifestantes se deslocaram até o Palácio Piratini. Bandeiras, faixas, banners e outros materiais com frases de protesto emprestaram cores à caminhada, que passou pelas ruas Otávio Rocha, Dr. Flores, Salgado Filho e Jerônimo Coelho.
Na Praça da Matriz foi lembrado que o governo Tarso realizou um concurso público feito para que a aprovação fosse a mínima possível. A contradição explicitada nos critérios de avaliação evidencia a proposta do governo. Tarso tinha como objetivo desmoralizar a categoria perante a opinião pública e manter a política de contratos emergenciais.
Tarso não quer nomear porque isso dá direito ao ingresso no plano de carreira. O governador prefere manter os contratos emergenciais, pois esse tipo de vínculo não oportuniza ao trabalhador as vantagens que o plano garante.
Os manifestantes lembraram que Tarso governa o estado que menos investe em educação no país. O governador também se nega a cumprir a lei do piso para professores e funcionários, mesmo que isso tenha sido promessa de campanha, e ainda aumentou a contribuição de todos os servidores para a previdência de 11% para 13,25%.

A manifestação foi encerrada com os presentes chutando baldes em frente ao Palácio Piratini. Chutar baldes foi o jeito encontrado para mostrar a indignação de todos que estão sendo prejudicados pelas políticas do governo, voltadas a atacar direitos e manter privilégios.

João dos Santos e Silva, assessor de imprensa do CPERS/Sindicato
Foto: Cristiano Estrela

quinta-feira, 28 de junho de 2012

CNTE: A vitória da mobilização!

Sitio da CNTE

Ontem (26) parte do Congresso Nacional brasileiro fez história! A Comissão Especial do Plano Nacional de Educação concluiu a votação do PL 8.035/10 fixando o percentual de investimento na educação pública em 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Até o quinto ano de vigência do PNE o investimento direto na educação (pública) deverá ser de 7% do PIB e ao final do decênio, 10%. Foi uma vitória gigantesca da sociedade, que pressionou os parlamentares da Comissão para seguir a orientação da Conae 2010, devendo, agora, o trabalho de convencimento ser transferido para o Senado Federal. Antes disso, porém, é preciso afastar qualquer tentativa de procrastinação do trâmite do PNE na Câmara dos Deputados, através de eventual apresentação de recurso ao plenário da Casa.
Além do percentual de 10% do PIB, a Comissão Especial também estabeleceu prazo de um ano, após a aprovação do PNE, para o Congresso Nacional aprovar a Lei de Responsabilidade Educacional - outra reivindicação da sociedade. No que diz respeito à meta 17, o prazo para a equiparação da remuneração média do magistério com a de outras categoriais profissionais de mesmo nível de escolaridade foi reduzido para o sexto ano de vigência do plano decenal, impondo a necessidade de se preservar a política de valorização real do piso nacional da categoria.
Sobre a viabilidade dos 10% do PIB, é preciso esclarecer que a Comissão Especial amparou-se não apenas na vontade popular histórica, mas, sobretudo, nos estudos sobre a necessidade desse percentual específico - apresentados por acadêmicos renomados - e sobre a viabilidade do financiamento, demonstrado pelo próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Governo Federal.
Contudo, ainda falta ao Congresso aprovar o regime de cooperação entre os entes federados, previsto no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, o qual deverá fixar as parcelas contributivas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o financiamento da educação. Esse ponto equivale a uma minirreforma tributária e não há dúvida que será de grande embate no Congresso. Ele é fundamental para equilibrar o financiamento da educação, à luz da aplicação do Custo Aluno Qualidade, e para viabilizar as metas do PNE - atualmente, quem mais arrecada impostos, a União, é quem menos contribui para o investimento educacional.
Por outro lado, a cooperação institucional vinculará os compromissos fiscais das três esferas administrativas, que se autofiscalizarão sobre a potencialidade e a execução de suas receitas de impostos, visando à harmonia do pacto federativo e à qualidade da educação com equidade nacional em todos os níveis, etapas e modalidades.
Neste momento, a CNTE regozija-se com seus parceiros de luta na defesa da educação pública, laica, democrática e de qualidade socialmente referenciada para todos e todas, e espera reencontrá-los nas próximas jornadas pela aprovação do PNE - ou seja: na sequência do processo legislativo e na sanção - sem vetos - pela presidenta Dilma Rousseff. Em seguida, os nossos esforços concentrar-se-ão na efetiva aplicação de políticas públicas que conduzam ao cumprimento das metas do PNE e ao controle social das verbas públicas, a fim de que a educação se torne, efetivamente, prioridade para a superação dos gargalos que emperram a promoção do desenvolvimento social e sustentável de nosso país.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Dilma sanciona lei que cria 43,8 mil vagas de professores

MEC irá definir a distribuição dos cargos em um prazo de 90 dias

Do sitio 14NUCLEOCPERS

O Diário Oficial da União (DOU) trouxe, publicada em sua edição de ontem, a sanção, por parte da presidente Dilma Rousseff, da Lei nº 12.677/2012, que cria 43,8 mil vagas para professores, sendo 19.569 vagas para a rede federal de Ensino Superior. A legislação é originária de projeto aprovado pelo Senado Federal no dia 30 de maio, e, além das vagas para docentes no Ensino Superior, estabelece a criação de 24.306 de professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Outras 27.714  vagas destinam-se a técnicos-administrativos.

No total, a lei cria 77.178 cargos efetivos, de direção e funções gratificadas. A União afirma que os novos cargos terão um impacto de R$ 70,5 milhões por ano para as universidades federais e R$ 102,3 milhões para os institutos.

O texto também reestrutura cargos técnicos e redefine suas especificações. Dessa forma, 2.571 cargos e 2.063 funções gratificadas foram extintos. Antigos cargos de confiança passam a ser de direção e funções gratificadas. A ocupação por pessoas não pertencentes aos quadros de cada instituição federal estará limitada a 10% do total. Caberá ao Ministério da Educação (MEC), em um prazo de 90 dias, definir a discriminação, por instituição federal de ensino, dos cargos e funções extintas.

A autorização para o provimento dos cargos efetivos criados será escalonada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de acordo com o cumprimento das metas pactuadas entre o MEC e a instituição de ensino, especialmente quanto à relação de alunos por professor em cursos regulares presenciais de Educação Profissional e Tecnológica ou de graduação.

Segundo o ministério, as vagas anuais de ingresso em cursos de graduação passaram de 110 mil, aproximadamente, em 2003, para mais de 230 mil, em 2011. O número total de matrículas em instituições federais também aumentou, passando de 638 mil para mais de um milhão.
 
http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=96981

domingo, 17 de junho de 2012

Diane Ravitch: De onde sopram os ventos de destruição da educação pública


por Luiz Carlos Azenha

Os argumentos políticos e ideológicos são apenas pretexto para os que pretendem destruir a educação pública e gratuita para todos: eles correm atrás é de lucro. A matriz é estadunidense, mas o movimento é global e encontra forte apoio na mídia corporativa, já que grandes empresas do ramo também oferecem “serviços educacionais”. O lobby dos empresários do ramo conven$e à esquerda e à direita. Culpar os professores pela falência sistêmica abre espaço para a venda dos testes padronizados, das apostilas de apoio didático, de vagas e de outras invencionices que rendem bilhões de dólares e reais.
Por isso traduzimos o artigo a seguir, do New York Review of Books: é um mapa do que já está acontecendo ou pode vir a acontecer no Brasil.

A deseducação de Mitt Romney

por Diane Ravitch, no NYRB

Em 23 de maio a campanha [do pré-candidato republicano à Casa Branca Mitt] Romney divulgou o programa de educação do candidato intitulado “Uma oportunidade para toda criança: o plano de Mitt Romney para restaurar o futuro da educação estadunidense”. Se você gostou das reformas educacionais do governo George W. Bush, você vai amar o plano de Romney. Se você acha que entregar as escolas para o setor privado vai resolver o problema, o plano vai deixá-lo entusiasmado.
Os temas centrais do plano Romney são um requentado das ideias republicanas para a educação dos últimos trinta anos, ou seja, subsidiar os pais que querem mandar suas crianças para escolas privadas ou religiosas, encorajar o setor privado a operar escolas, colocar os bancos privados no controle de programas de financiamento de bolsas de estudos, cobrar de professores e escolas os resultados de exames obtidos por alunos e reduzir as exigências para a admissão de novos professores.
Estas políticas refletem a experiência dos assessores de Romney, dentre os quais há uma dúzia de ex-integrantes do governo Bush e vários acadêmicos conservadores, entre eles o ex-ministro da Educação Rod Paige, o ex-subsecretário de Educação Bill Hansen e os militantes pelo direito de escolha dos pais, John Chubb e Paul Peterson.
Ao contrário de George W. Bush, que negociou com um Congresso controlado pelos democratas para aprovar o [programa de educação] “Nenhuma Criança Deixada para Trás”, Romney não faz acordo com ninguém. Ele precisa provar à base do Partido Republicano — especialmente a evangélica — que é realmente conservador. E este plano é o seu “missão cumprida” [referência à anedótica "Missão Cumprida" de Bush, que celebrou a vitória no Iraque antes da insurgência que devastou o país].
Romney dá apoio total ao uso do dinheiro do contribuinte para pagar bolsas de estudos em escolas privadas [vouchers], às escolas gerenciadas pela iniciativa privada e às escolas online que buscam lucro, além de qualquer outra alternativa às escolas públicas. Como Bob Dole [candidato republicano] em 1996, Romney demonstra desprezo pelos sindicatos de professores. Ele assume posição firme contra a certificação de professores — as exigências mínimas de que futuros professores devem passar por exames estaduais ou nacional para demonstrar seu conhecimento –, alegando se tratar de uma barreira desnecessária. Ele acredita que o número de alunos por sala de aula não importa (embora ele e os filhos dele tenham frequentado escolas privadas de elite, onde as classes são pequenas). Romney alega que “escolha” na educação é “o direito civil de nossa era”, um tema familiar entre os reformistas da educação de hoje, que usam a ideia para fazer avançar suas tentativas de privatizar a educação pública.
Quando se trata de universidades, Romney ataca Obama pelo aumento nos custos da educação superior. Ele alega que ajuda federal leva ao aumento das anuidades, por isso não pretende dar financiamento aos estudantes endividados. O plano não menciona que as anuidades aumentaram também em universidades públicas (onde estudam 3/4 de todos os estudantes), já que os estados reduziram seus orçamentos para educação superior e transferiram o peso de pagar dos contribuintes para os estudantes.
Romney pretende encorajar o envolvimento do setor privado na educação superior ao dar a bancos privados o papel de intermediários nos empréstimos federais para a educação, o que Obama eliminou em 2010, por ser custoso. (Até 2010, os bancos recebiam subsídios do governo federal para fazer empréstimos a estudantes, mas o governo assumia todos os riscos da inadimplência. Quando o programa foi reformado pelo governo Obama, bilhões de dólares em lucro dos bancos foram redirecionados para dar bolsas a estudantes necessitados). Para cortar custos, Romney encoraja a proliferação de universidades privadas online.
O plano de educação de Romney diz que nenhum dinheiro novo será necessário, já que gastar mais com as escolas não resolve os problemas da educação. No entanto, ele propõe o uso de dinheiro público para promover suas prioridades, como bolsas em escolas privadas, escolas gerenciadas privadamente e escolas online. Ele também quer usar dinheiro federal para recompensar estados que “eliminarem ou reformarem a estabilidade de emprego dos professores, com foco no avanço dos estudantes”. Traduzido, isso significa que Romney se dispõe a dar dinheiro federal aos estados que eliminarem os direitos dos professores e se eles pagarem mais aos professores cujos estudantes tiverem resultados melhores em testes-padrão, demitindo os professores cujos alunos não conseguirem isso.
Ao defender as bolsas — nas quais o governo financia o pagamento das mensalidades em qualquer escola privada ou religiosa escolhida pelos pais — Romney exagera os dados; algumas de suas afirmações são simplesmente falsas. O plano de Romney diz que o programa de bolsas do Distrito de Columbia [onde fica Washington, a capital dos Estados Unidos], que começou em 2004, o primeiro a usar dinheiro federal para subsidiar escolas privadas, é “um modelo para a nação”. Afirma que “depois de três meses, os estudantes podiam ler em níveis que só seriam atingidos 19 meses depois por alunos de escolas públicas”.
É simplesmente falso. Uma avaliação do programa requisitada pelo Congresso descobriu que os estudantes que receberam as bolsas não tiveram ganhos de leitura ou matemática. Como disse o relatório final, “não há provas de que o OSP [Programa de Bolsas Oportunidade] tenha afetado as conquistas dos estudantes”. Romney alega que 90% dos estudantes que receberam bolsas em escolas privadas se formaram no ensino médio, comparado com 55% nas escolas de baixo rendimento do Distrito de Columbia. Mas é exagero. A avaliação federal disse que 82% dos que receberam bolsas se formaram, contra 70% entre os estudantes que pediram bolsas mas não conseguiram. É um ganho respeitável, mas nem de perto chega aos números citados por Romney. Como estudantes que disputam as bolsas tendem a ser mais motivados que os que não disputam, os cientistas sociais geralmente comparam o resultado final entre os que conquistaram as bolsas e os que ficaram de fora.
Paradoxalmente, a campanha de Romney assume crédito pelo fato de que [o estado de] Massachussets lidera a nação nos testes federais de leitura e matemática conhecidos como National Assessment of Educational Progress.
Mas Romney não foi o responsável pelo sucesso acadêmico do estado, que se deve a reformas completamente diferentes das que ele agora propõe para o país.
A reforma no estado se tornou lei pelo menos uma década antes de Romney começar seu mandato de governador, em 2003.
O Ato de Reforma de Educação de Massachusetts envolveu o compromisso do estado de dobrar o financiamento da educação de 1,3 bilhão de dólares em 1993 para 2,6 bilhões em 2000; o compromisso de financiamento mínimo para todo distrito escolar, de acordo com suas necessidades básicas; o desenvolvimento de um forte currículo de Ciências, Artes, Língua Estrangeira, Matemática e Inglês; a implementação de um programa de testes baseado no currículo completo (por causa do custo, o estado testava apenas para leitura e matemática); a expansão do desenvolvimento profissional dos professores; e o teste de futuros professores. No fim dos anos 90, antes que Romney assumisse o governo, o estado aumentou o financiamento para as crianças em idade pré-escolar.
O plano de Romney, em contraste, é animado pela reverência ao setor privado. Embora fale pouco sobre a melhoria ou o investimento em educação pública, que é tratada como instituição falida, um grande entusiasmo é dedicado à inovação e ao progresso que supostamente ocorrem quando pais usam dinheiro público federal para colocar os filhos em instituições privadas ou em escolas privadas online. Massachusetts conseguiu sucesso ao melhorar o padrão de exigência para novos professores, não ao reduzí-lo. Massachusetts não eliminou a estabilidade dos professores, ou seja, o direito que os professores experientes têm de serem ouvidos antes da demissão.
A educação superior, garante Romney, vai florescer quando “inovação e novas aptidões” forem mais importantes que “tempo em sala-de-aula”. Em português simples, a última sentença significa que a educação superior se tornará mais acessível quando estudantes se matricularem em escolas online, muitas das quais visam lucro e custam barato. Naturalmente que as universidades online são mais baratas; não envolvem custos de capital, bibliotecas, prédios e o pessoal é mínimo. Algumas estão sendo investigadas por fraude nos métodos usados para recrutar alunos; elas evitam regulamentação federal com um alto investimento (bipartidário) em lobby.
A primeira resposta do governo Obama às propostas de Romney foi dizer que as políticas de Obama para o ensino médio têm o apoio entusiástico de conservadores proeminentes como os governadores republicanos Chris Christie de Nova Jersey e Susana Martinez do Novo México. Infelizmente, é a verdade. Tirando a oferta de bolsas para escolas privadas e a redução da certificação de professores, o programa “Corrida ao Topo” de Obama promove virtualmente tudo o que Romney propõe — gerenciamento privado, competição, avaliação de professores baseada nos resultados de testes dos alunos. O ministro da Educação de Obama, Arne Duncan, tem defendido as escolas gerenciadas privadamente e a cobrança a partir de resultados de testes tanto quanto Mitt Romney. E, como Romney, Duncan despreza a ideia de que é preciso reduzir o número de estudantes por professor.
A proposta de Romney de dar bolsas em escolas privadas usando dinheiro federal é carne crua para a base direitista do Partido Republicano, especialmente os evangélicos. As bolsas são vendidas como o terceiro trilho da educação desde que foram propostas por Milton Friedman, em 1955; foram colocadas sob votação em vários referendos estaduais e foram rejeitadas consistentemente. De forma geral, o público não quer ver dinheiro público usado para promover escolas religiosas. E várias escolas religiosas não querem dinheiro público, que vem ligado a vários exigências federais. Mas nos últimos anos as bolsas foram reanimadas por legisladores estaduais de Indiana, Wisconsin e Louisiana, sem passar pelos eleitores.
Os resultados não são nada animadores. Em Louisiana, onde a reforma da educação do governador Bobby Jindal foi aprovada em abril, a nova lei declara que os estudantes de escolas com baixa performance nos testes-padrão podem transferir o dinheiro do financiamento público que recebem para qualquer escola privada ou religiosa pré-aprovada. Cerca de 400 mil estudantes (mais da metade do total) podem competir, mas há apenas 5 mil vagas nas escolas privadas ou paroquiais do estado. Quando o estado divulgou a lista de escolas, a que se propôs a receber o maior número de estudantes bolsistas foi a New Living Word School, que ofereceu 315 vagas. Hoje ela tem um total de 122 vagas, mas não dispõe de instalações ou professores para os futuros estudantes, embora prometa construir um novo prédio antes do início do ano escolar. A maior parte das aulas na escola é dada através de DVDs.
Outra escola, a Academia da Eternidade Cristã, que atualmente tem 14 estudantes, concordou em receber 135 bolsistas. De acordo com um artigo recente da agência de notícias Reuters, os estudantes da escola ficam a maior parte do dia sentados em cubículos e trabalham com livros didáticos cristãos, um deles, de Ciência para iniciantes, com um texto que explica “as coisas que Deus fez” em cada um dos seis dias de criação. As crianças não aprendem sobre a teoria da evolução.
O pastor-diretor explicou: “Tentamos ficar longe de todas as coisas que confundem nossas crianças”. Outras escolas aprovadas para receber estudantes bolsistas, pagas com dinheiro público, “usam textos de estudos sociais que advertem contra liberais que ameaçam a prosperidade global [por acreditarem na teoria do aquecimento global]; livros de matemática baseados na Bíblia que não tratam de conceitos modernos; e textos de biologia construídos em torno de negar a teoria da evolução”.
O repórter da Reuters descreveu a lei de Louisiana como “o mais ousado experimento nacional para privatizar a educação pública, com o estado preparado para transferir milhões de dólares em dinheiro do contribuinte para pagar à indústria privada, empresários e pastores para educar crianças”. No ano que vem, todos os estudantes de Louisiana poderão disputar bolsas para fazer cursos com empresas privadas ou corporações que ofereçam ensino ou treinamento. Podem esperar por um boom nos negócios da educação no estado.
O que o governador Jindal está fazendo soa como uma ensaio do plano Romney. Sem dinheiro novo no orçamento, todo o dinheiro para bolsas e empresas privadas e escolas online será deduzido do orçamento estadual das escolas públicas. O governador Jindal e Mitt Romney deveriam explicar como a educação vai melhorar nos Estados Unidos se o dinheiro público for usado para mandar estudantes para escolas sectárias ou pagando cursos em empresas privadas ou online. Pela visão apresentada por Romney, dinheiro público vai ser usado em escolas que ensinam criacionismo. Qualquer um poderá ensinar, sem passar por testes de conhecimento e habilidade e sem preparo profissional. Professores poderão ser demitidos por qualquer razão, sem a proteção garantida pela liberdade para ensinar. Em alguns estados ou regiões, professores vão temer dar aulas sobre a teoria da evolução, o aquecimento global ou questões controversas. Nem vão ousar ensinar sobre livros considerados ofensivos por qualquer um na comunidade, como Huckleberry Finn.
O candidato Romney deveria explicar como a privatização da forma como educamos nossas crianças vai nos fazer atingir o objetivo de “restaurar a promessa da educação norte-americana”. “Restaurar” sugere uma volta ao passado. Quando na história dos Estados Unidos as escolas foram colocadas a serviço do lucro? Que estado permitiu isso antes do advento das escolas gerenciadas privadamente e das corporações da educação online? Qual dos fundadores do país foi contra a educação pública? John Adams, aquele encardido conservador, disse: “Todo o povo deve assumir a educação de todo o povo e deve arcar com os custos disso. Não deve existir um só distrito de um quilômetro quadrado sem uma escola, não financiada pela caridade individual, mas mantida às expensas de todos”.
Restaurar a promessa da educação norte-americana deveria significar o rejuvenescimento das escolas públicas, não a destruição delas.