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sábado, 14 de dezembro de 2013

John Holloway: “Nossa força depende da capacidade de dizermos não”

Para autor de Fissurar o capitalismo, é preciso construir outras formas de se viver cotidianamente
Por Adriana Delorenzo
Holloway: “Ser anticapitalista é a coisa mais comum do mundo. Todos sabemos que o capitalismo é um desastre, o problema é que não sabemos como sair daqui, como criar um mundo digno” (Reprodução)
Romper com o mundo como ele é e criar um diferente. Esse é o objetivo de muitos militantes e ativistas. Mas como fazer para construir uma realidade em que não haja Gaza nem Guantánamo nem poucos bilionários e 1 bilhão de pessoas morrendo de fome? O cientista político irlandês, radicado no México, John Holloway traz esse desafio em seu novo livroFissurar o capitalismo (Editora Publisher Brasil). São 33 teses que explicam como criar rupturas no sistema para não continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas verticais em sua sacada como forma de revolta contra o concreto e a poluição que o cerca. Do funcionário público que usa seu tempo livre para ajudar doentes com aids. Da professora que dedica sua vida contra a globalização capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de pessoas comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas vidas. No entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo diferente. É aí que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas, não respostas.”
Professor da Universidade Autonôma de Puebla, o trabalho de Holloway tem influência do zapatismo, movimento que há quase 20 anos vem tentando construir esse outro fazer. No México, essas fissuras têm sido criadas, sem que se espere por uma revolução futura. Como trazido em seu primeiro livro traduzido no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder, Holloway acredita que pensar em revolução hoje é multiplicar essas fissuras. “Uma revolução centrada no Estado é um processo altamente autoantagonista, uma fissura que se expande e se engessa ao mesmo tempo”, diz o autor na obra recém-lançada. Nesta entrevista à Fórum, Holloway fala sobre os novos movimentos que vêm tomando as ruas em diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
Leia também:
Ótima hora para Fissurar o capitalismo
Fórum – Em seu novo livro, traduzido no Brasil como Fissurar o capitalismo, o senhor propõe que, por meio da recusa do capitalismo, sejam criadas fissuras dentro do próprio sistema. Poderia dar exemplos de atividades que criam essas “rupturas” no capitalismo?
John Holloway – Os distúrbios das últimas semanas [junho e julho] no Rio de Janeiro, São Paulo, Istambul, Estocolmo, Sofia, Atenas, começaram por razões diferentes, mas acho que, em todas as ruas do mundo, todos estão dizendo o mesmo canto: “O capitalismo é um fracasso, um fracasso, um fracasso!” Ser anticapitalista é a coisa mais comum do mundo. Todos sabemos que o capitalismo é um desastre, que está destruindo a humanidade. O problema é que não sabemos como sair daqui, como criar um mundo digno. Os velhos modelos de revolução não servem, temos de pensar em novas maneiras de conseguir uma mudança revolucionária.
Não é uma questão de inventar um programa, mas de observar como as pessoas já estão rejeitando o capitalismo e tratando de construir outras formas de viver, formas mais sensatas de se relacionar. Há tentativas de uma beleza espetacular, como a dos zapatistas em Chiapas, que há 20 anos estão dizendo: “Nós não vamos aceitar a agressão capitalista, aqui vamos construir outra forma de viver, outra maneira de nos organizarmos.”
Podemos pensar também nas muitas lutas atuais contra mineradoras na América Latina, onde as pessoas estão dizendo claramente: “Nós não vamos aceitar a lógica do capital, vamos defender uma vida baseada em outros princípios, vamos defender a comunidade e a nossa relação com a terra”. Ou mesmo podemos pensar em um grupo de estudantes que concordam em não querer dedicar suas vidas a serem explorados por uma empresa e vão caminhar no sentido contrário, se dedicando a fazer outra coisa, criando um centro social, uma horta comunitária ou qualquer outra coisa.
Podemos pensar nesses diferentes exemplos como rachaduras ou fissuras, como rupturas na estrutura de dominação. Quando nos concentramos nisso, percebemos que o mundo está cheio de fissuras, cheio de revoltas. Todas são contraditórias, todas têm seus problemas, mas a única maneira que eu penso a revolução, hoje, é em termos de criação, expansão, multiplicação e confluência dessas fissuras, desses espaços ou momentos em que dizemos: “Nós não aceitamos a lógica do capital, vamos criar outra coisa”.
Fórum – Em seu primeiro livro publicado no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder, o senhor critica o estadocentrismo de parte da esquerda. Como é possível provocar mudanças sem tomar o poder do Estado?
Holloway – A maneira mais óbvia para alcançar a mudança é por meio do Estado, e, sim, houve mudanças nos atuais governos de esquerda na América Latina. O problema é que o Estado é uma forma específica de organização que surgiu com o capitalismo e que tem tido a função, nos últimos séculos, de promover a acumulação do capital. O Estado, por seus hábitos e detalhes de seu funcionamento, exclui as pessoas, limitando a sua participação, no caso das democracias, no ato simbólico de votar a cada quatro ou seis anos.
Então, se queremos realizar mudanças dentro do capitalismo, o Estado é uma forma adequada, nada mais.  Sabemos muito bem que o capitalismo é uma dinâmica suicida para a humanidade. Se quisermos ir além do capitalismo, não tem sentido escolher uma forma de organização especificamente capitalista, que exclui sistematicamente as pessoas. É por isso que os movimentos de revolta se organizam de forma diferente, de forma includente, pelas assembleias, conselhos, comunas, formas de organização baseadas na tentativa de articular as opiniões e desejos de todos. A única maneira de romper com o capitalismo é por meio dessas formas anticapitalistas.
Fórum – Do livro Mudar o mundo sem tomar o poder para Fissurar o Capitalismo, o que mudou? Houve algum processo ou movimento que o influenciou?
Holloway – Não houve nenhum movimento específico. Creio que depois de 2001/2002, na Argentina surge uma questão. E agora? Para onde vamos? Como manter o ritmo?
E se tornou mais evidente que não é suficiente gritar nas ruas e derrubar governos. Se depois das manifestações do fim de semana temos que voltar a vender nossa força de trabalho na segunda-feira – ou tentar vendê-la –, não haverá mudado muito.
A nossa força depende da capacidade de dizermos “não”, não só para os políticos, mas também para os capitalistas, que eles vão para o inferno.
Para isso, precisamos desenvolver uma vida que não dependa deles. Parece irreal, talvez, mas é o que as pessoas estão fazendo por todos os lados, por opção ou necessidade. Nas fissuras.
Fórum – Recentemente, vêm ocorrendo muitos protestos no Brasil que questionaram as tarifas dos transportes públicos e os gastos públicos na construção dos estádios para a Copa do Mundo, enquanto as cidades têm vários problemas. O senhor fala em seu livro das fissuras espaciais nas cidades. Por que as cidades seriam um campo fértil para essas fissuras?
Holloway – É a obscenidade do mundo de hoje. Começa com as tarifas de transportes públicos ou gastos públicos, ou corrupção ou destruição de um parque – como em Istambul –, mas o que explode é realmente uma raiva contra um mundo obsceno, um mundo de injustiças grotescas de violência que ultrapassa a compreensão, de destruição sistemática da natureza, um mundo que nos ataca em nossos interesses, mas que também nos insulta como seres humanos. Essas explosões que temos visto nos últimos meses ocorrem mais facilmente em cidades onde a obscenidade do sistema se impõe de forma muito agressiva. Mas o grande desafio é como ir construindo espaços para um mundo não obsceno, que vão contra e para além do capitalismo. Esta luta por um mundo digno é o que chamamos normalmente vida, ou amor, ou revolução.
Fórum – Também vimos vários movimentos que questionam a democracia representativa (os 99% contra os 1%), como Occupy e o 15-M na Espanha.
Holloway – Os movimentos dos indignados e os Occupy são parte da mesma explosão de cansaço e raiva. Temos aceitado este sistema que está nos matando por tanto tempo, mas já basta! É o grito da revolta zapatista de 1994 que está ecoando em um lugar após o outro. Basta! O sistema representativo é parte deste sistema obsceno, não faz nada para mudá-lo, só dá mais força. A desilusão segue na eleição de qualquer governo “progressista” (Lula, Dilma, os Kirchner, Obama), abre nos melhores casos outras perspectivas, as pessoas percebem que a mudança não pode ser feita por meio do Estado e começam a pensar na política de outra maneira.
Fórum – No livro, o senhor aborda a questão do tempo abstrato ou o tempo da futura revolução. Como as novas tecnologias mudam a relação entre o presente e o futuro, aqui e agora, e também do trabalho? Por exemplo, qual é o efeito da transmissão dos protestos em tempo real através da internet?
Holloway – O “Basta!”  rompe com o conceito tradicional que coloca a revolução no futuro. Antes se falava da paciência revolucionária como uma virtude: tinha que ir construindo o  movimento, preparando-se para o grande dia, no futuro, o grande dia que nunca chegou, ou se chegou não foi o que pensávamos que seria. Agora, está claro que não podemos esperar, temos de quebrar o sistema atual, aqui e agora, onde podemos. Temos de quebrar os relógios, rejeitar a homogeneidade, a continuidade e disciplina que eles incorporam. Creio que o uso das novas tecnologias para transmitir os protestos é importante, mas não produz o “Basta”, pode dar uma força contagiante que impressione.  F
Serviço
Fissurar o capitalismo
272 páginas
R$ 35
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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Eric Hobsbawm


Eric Hobsbawm

Reconhecendo a relevância e a fecundidade da produção historiográfica de Eric Hobsbawm – cujos trabalhos sempre estiveram comprometidos com as lutas dos trabalhadores e com a defesa do socialismo –,  marxismo21 manifesta seu pesar pelo recente desaparecimento desse autor. O pensamento crítico e socialista de todo o mundo perde, hoje, uma de suas figuras mais expressivas e emblemáticas. Nesta breve homenagem, publicamos dele o instigante “Manifesto para a Renovação da História”; por sua vez, Diorge Konrad – na qualidade de historiador, militante socialista e membro de nosso conselho consultivo -,  dá um depoimento pessoal sobre sua aproximação com a obra de Hobsbawm; ao mesmo tempo mostra a importância dela para a historiografia marxista, em particular, para  a pesquisa sobre a história social e o mundo do trabalho.  A seguir são informados os links que permitem acesso a uma dissertação acadêmica, artigos, resenhas e entrevistas de renomados especialistas em torno da obra do autor. Por último, marxismo21 publica três manifestações de partidos políticos da esquerda brasileira sobre a morte de Eric Hobsbawm.

Editores

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Eric Hobsbawm autografa A era dos extremos, em Paraty, RJ. (Detalhe significativo: um jornal da classe operária brasileira, até final da sessão, permaneceu à esquerda do historiador marxista.)

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Manifesto para a renovação da história

Eric HOBSBAWM
(texto apresentado no Colóquio da Academia Britânica sobre Historiografia Marxista, 13/11/2004)
“Até agora, os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo; trata-se de transformá-lo.”  Os dois enunciados da célebre “Teses sobre Feuerbach”, de Karl Marx, inspiraram os historiadores marxistas. A maioria dos intelectuais que aderiram ao marxismo a partir da década de 1880 – entre eles os historiadores marxistas  – fizeram isso porque queriam mudar o mundo, junto com os movimentos operários e socialistas; movimentos que se transformariam, em grande medida devido à influência do marxismo, em forças políticas de massas.
Essa cooperação orientou de maneira natural os historiadores que queriam transformar o mundo na direção de certos campos de estudo —fundamentalmente, a história do povo ou da população operária— os quais, se bem atraíam naturalmente as pessoas de esquerda, não tinham em sua origem nenhuma relação particular com uma interpretação marxista. Por outro lado, quando esses intelectuais deixaram de ser revolucionários sociais, a partir da década de 1890, com frequência também deixaram de ser marxistas.
A revolução soviética de outubro de 1917 reavivou esse compromisso. Lembremos que os principais partidos social-democratas da Europa continental abandonaram completamente o marxismo apenas na década de 1950, e às vezes ainda depois disso. Essa revolução gerou, também, o que poderíamos chamar de uma historiografia marxista obrigatória na URSS e nos Estados, que depois foi adotada por regimes comunistas. A motivação militante foi reforçada durante o período do antifascismo.
A partir da década de 1950 essa tendência começou a decair nos países desenvolvidos —mas não no Terceiro Mundo— apesar de que o considerável desenvolvimento do ensino universitário e a agitação estudantil geraram, dentro da universidade, na década de 1960, um novo e importante contingente de pessoas decididas a mudar o mundo. Contudo, apesar de desejar uma mudança radical, muitas delas já não eram abertamente marxistas, e algumas já não eram marxistas em absoluto.
Esse ressurgimento culminou na década de 1970, pouco antes do início de uma reação massiva contra o marxismo, mais uma vez por razões essencialmente políticas. Essa reação teve como principal efeito — exceto para os liberais, que ainda acreditam nisso— o aniquilamento da ideia de que é possível predizer, apoiados na análise histórica, o sucesso de uma forma particular de organizar a sociedade humana. A história havia se dissociado da teleologia.
Considerando as incertas perspectivas que se apresentam aos movimentos socialdemocratas e social-revolucionários, não é provável que assistamos a uma nova onda politicamente motivada de adesão ao marxismo. Mas devemos evitar cair em um centrismo ocidental excessivo. A julgar pela demanda de que são objeto meus próprios livros de história, comprovo que ela se desenvolve na Coréia do Sul e em Taiwan, desde a década de 1980, na Turquia, desde a década de 1990, e que há sinais de que atualmente avança no mundo árabe.
A virada social 
O que aconteceu com a dimensão “interpretação do mundo” do marxismo? A história é um pouco diferente, ainda que paralela. Concerne ao crescimento do que se pode chamar de reação anti-Ranke, da qual o marxismo constituiu um elemento importante, apesar de que isso nem sempre foi totalmente reconhecido. Tratou-se de um movimento duplo.
Por um lado, esse movimento questionava a idéia positivista segundo a qual a estrutura objetiva da realidade era, por assim dizer, evidente: bastava com aplicar a metodologia da ciência, explicar por que as coisas tinham ocorrido de tal ou qual maneira e descobrir wie es eigentlich gewessen (como ocorreu realmente). Para todos os historiadores, a historiografia se manteve e se mantém enraizada em uma realidade objetiva, ou seja, a realidade do que ocorreu no passado; contudo, não está baseada em fatos e, sim, em problemas, e exige investigação para compreender como e por que esses problemas —paradigmas e conceitos— são formulados da maneira em que são o em tradições históricas e em meios socioculturais diferentes.
Por outro lado, esse movimento tentava aproximar as ciências sociais da história e, em conseqüência, englobá-las em uma disciplina geral, capaz de explicar as transformações da sociedade humana. Segundo a expressão de Lawrence Stone, o objeto da história deveria ser “propor as grandes perguntas do por quê”. Essa “virada social” não veio da historiografia, senão das ciências sociais —algumas delas incipientes como tais— que naquele momento firmavam-se como disciplinas evolucionistas, ou seja, históricas.
Na medida em que é possível considerar Marx como o pai da sociologia do conhecimento, o marxismo — apesar de ter sido denunciado erradamente em nome de um suposto objetivismo cego— contribuiu para dar o primeiro aspecto desse movimento. Além disso, o impacto mais conhecido das ideias marxistas — a importância outorgada aos fatores econômicos e sociais— não era especificamente marxista, ainda que a análise marxista pesou nessa orientação, que estava inscrita em um movimento historiográfico geral, visível a partir da década de 1890, e que culminou nas décadas de 1950 e 1960, para benefício da geração de historiadores à qual pertenço, que teve a possibilidade de transformar a disciplina.
Essa corrente socioeconômica superava o marxismo. A criação de revistas e instituições de história econômico-social às vezes foi obra —como na Alemanha— de socialdemocratas marxistas, como ocorreu com a revista Vierteljahrschrift em 1893. Não aconteceu da mesma maneira na Grã Bretanha, nem na França, nem nos Estados Unidos. E inclusive na Alemanha, a escola de economia, marcadamente histórica, não tinha nada de marxismo. Somente no Terceiro Mundo do século XIX (Rússia e os Balcãs) e no do século XX, a história econômica adotou uma orientação principalmente social-revolucionária, como toda “ciência social”. Em consequência disto, foi muito atraída por Marx.
Em todos os casos, o interesse histórico dos historiadores marxistas não se centrou tanto na “base” (a infra-estrutura econômica) como nas relações entre a base e a superestrutura. Os historiadores explicitamente marxistas sempre foram relativamente escassos.
Marx influenciou a história principalmente através dos historiadores e dos pesquisadores em ciências sociais que retomaram as questões que ele colocava, tenham eles trazido, ou não, outras respostas. Por sua vez, a historiografia marxista avançou muito em relação ao que era na época de Karl Kautsky e de Georg Plekhanov, em boa parte graças à sua fertilização por outras disciplinas (fundamentalmente a antropologia social) e por pensadores influenciados por Marx e que completavam seu pensamento, como Max Weber. (ler mais: acesso )
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ERIC JOHN ERNST HOBSBAWM !*
Diorge Konrad**
Em primeiro lugar, estou preocupado com os usos e abusos da História, tanto na sociedade como na política, e com a compreensão, e espero, transformação do mundo(Eric Hobsbawm, em Sobre História)
Primeiro de outubro de 2012, cerca de oito horas da manhã, recebo a notícia da morte de Eric Hobsbawm.
A sensação é como se algo muito importante fosse arrancado do cérebro, uma espécie de vazio intelectual. Ainda impactado, menos de uma hora depois escrevi a seguinte mensagem repassada às minhas listas de correio eletrônico:

Quem de nós? Quem de nós não leu afoitamente alguma outra obra deste grande historiador do século XX? A Era dos Extremos? A Era dos Impérios? A Era do Capital? A Era das Revoluções? Mundos do Trabalho? Os Trabalhadores? Sobre História? Como Mudar o Mundo – Marx e o Marxismo! Quem de nós não se encantou com a sua forma de narrar a História? Quem de nós não discordou ou concordou com alguma “sacada” teórica deste alexandrino, historiador do mundo? Para nós da História Social do Trabalho, aprendemos mais sobre os trabalhadores e o mundo do trabalho com Eric Hobsbawm! Para nós de Teoria da História, aprendemos muito com o “que a História tem a nos dizer sobre o mundo contemporâneo”, como ele escreveu no título de um dos seus artigos! Hobsbawm se foi, breve como o seu século XX.

Queria que meus alunos de “Teoria da História”, que estudam comigo os trabalhos de Hobsbawm, desde 1995, compartilhassem mais uma vez algo que tenho a dizer sobre ele   e essa dialética entre o “tempo longo” e o “tempo breve”.
Eu o vi pela primeira vez em Porto Alegre, no início da década de 1990, no lotado “Auditório Dante Barone” da Assembléia Legislativa – palestrando em um português fluente – num Seminário sobre a Polis. No final, como autênticos tietes, eu e a historiadora Glaucia Konrad fomos pedir um autógrafo em A Era das Revoluções e A Era dos Impérios. Ao nos aproximarmos, ao final da conferência, parecia que o século XX estava à nossa frente. Ao ver os livros, o coordenador da mesa, Tarso Genro, disse que Hobsbawm estava muito cansado. Dissemos, porém, que só aceitaríamos ouvir isto dele. O historiador marxista, no entanto, foi extremamente gentil. Os livros continuam bem guardados … e com as honrosas dedicatórias.
Nesta passagem pela capital do Rio Grande do Sul, Hobsbawm teria ido ao Beira-Rio, acompanhado de um conselheiro do Internacional, Olívio Dutra. Falando da história de nosso time, o ex-prefeito e futuro governador teria reforçado a lenda sobre a origem do nome do Colorado, “fundado” por militantes anarquistas e homenageado em relação à organização mundial dos trabalhadores, formada por Karl Marx e outros em 1864.  Hobsbawm teria dito: “Então, aqui em Porto Alegre, torço para o Internacional”.
Seria bom que esta invenção repetida por muitos torcedores colorados fosse verdade! Ao menos, em relação a Hobsbawm, seria uma referência da história do presente a um dos movimentos que ele tanto pesquisou, a relação dos trabalhadores com o futebol. Infelizmente, trata-se de uma “lenda urbana” para muitos dos rio-grandenses colorados como eu. Na introdução de um livro clássico, organizado com Terence Ranger, Hobsbawm afirmou que “não há lugar nem tempo investigado pelos historiadores onde não haja ocorrido a ‘invenção’ de tradições”. Ao menos me consola que Hobsbawm tenha dito também que o “estudo das invenções das tradições é INTERdisciplinar”.[1]
Como historiador em formação na década de 1980 deveria ter começado como muitos, lendo Hobsbawm pela sua trilogia das Eras, que se tornaria tetra após a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Não! Como pretenso marxista, comecei pelos volumes deHistória do Marxismo, gentilmente cedidos por meus mestres da graduação em História, Anamaria e Luiz Carlos Rodrigues. Quando fui presenteado por eles com um dos volumes, iniciei a saga para ter todos os outros organizados por Hobsbawm e lançados no Brasil pela Paz e Terra. Era como um adolescente dos dias de hoje à procura de Harry Potter ou O senhor dos anéis , e como estes, um leitor voraz do que ia chegando às minhas mãos, no tempo em que comprávamos com sacrifício qualquer livro por mais de mil e poucos cruzeiros.
Em História do Marxismo, aprendi com Hobsbawm, que o marxismo foi a “escola teórica que teve a maior influência prática (e as mais profundas raízes práticas) na história do mundo moderno”, além de ser um “método para, ao mesmo tempo, interpretar e mudar o mundo”[2], na mais profunda concepção já dita antes por Marx na décima primeira tese contra Feuerbach. ler mais
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Textos e entrevistas

Eric Hobsbawm e François Furet: história, política e revolução, Priscila Corrêaacesso
História social, história militante, Pablo Pozziacesso
Resistências camponesas ao capitalismo na obra de EH, Michael Löwyacesso
O milenarismo camponês na obra de EH, Michael Löwy acesso
Marx, Weber e Hobsbawm, Jorge Novoaacesso
Notas sobre Eric Hobasbawm, João Alberto Costa acesso
Uma obra insuperável, Francisco Carlos Teixeira acesso
A era de Hobsbawm, Seminário Unicamp/INCAacesso
Tempos interessantes, Perry Andersonacesso
Como mudar o mundo, Terry Eagletonacesso
A atualidade de Marx, Marcello Musto acesso
Entrevista ao MST, 2009acesso
Um espelho do mundo em mutação, entrevista a P. Sérgio Pinheiroacesso
Marxismo hoje, Beppe Grilloacesso
A propósito de A era dos extremos, Roy Hora acesso
Para onde vai o império, E. Hobsbawm
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Manifestações de partidos políticos de esquerda no Brasil
* Partido Comunista Brasileiro
Olhar Comunista lamenta com pesar a morte, ontem em Londres, aos 95 anos de idade, do historiador marxista Eric Hobsbawm. Um dos maiores intelectuais do século XX, Hobsbawm deixa uma herança de obras fundamentais para o entendimento dos tempos atuais, como “A Era das Revoluções”, “A Era do Capital”, “A Era dos Impérios”, “A Era dos Extremos”, “História Social do Jazz”, entre outras.
Militou entre 1936 e 1989 no Partido Comunista da Inglaterra e, defendendo os ideais socialistas e comunistas, manteve uma postura crítica em relação à tudo à sua volta, inclusive quanto à experiência de construção do Socialismo na União Soviética. Em 2011, aos 94 anos, lançou o livro “Como Mudar o Mundo”, texto no qual que defende o uso do método e das ideias marxistas para a compreensão da crise atual do sistema capitalista. Hobsbawm manteve a coerência entre sua postura militante e as idéias que defendia. Deixa o legado da importância de estudar-se criticamente o passado sob a ótica da luta de classes, do trabalho contra o capital, sem deixar de levar em conta nenhum aspecto da vida humana, das formações sociais, para transformá-las no rumo da construção coletiva da emancipação humana, do fim da exploração do homem pelo homem, da construção de uma nova sociedade justa e igualitária, a sociedade comunista.
* Partido Socialismo e Liberdade.
Partido Socialismo e Liberdade vem a público lamentar a morte do renomado historiador marxista Eric Hobsbawm, ocorrida nesta segunda-feira dia 1 de outubro de 2012, aos 95 anos de idade, em decorrência de uma pneumonia.
A perda deste grande intelectual marxista, considerado um dos maiores historiadores do século XX e autor da consagrada trilogia “A era das revoluções”, “A era do capital” e “A era dos impérios”, entristece não apenas o PSOL, mas toda uma geração de intelectuais e militantes sociais que se inspiraram em sua brilhante obra.
Uma obra forjada pela análise crítica dos acontecimentos históricos que marcaram o século XX e por seu compromisso com a transformação social, sempre manifesta em sua opção por uma militância de esquerda desde quando aos 14 anos de idade ingressou no partido comunista.
Perdemos assim mais um grande pensador e intelectual de esquerda, num momento em que a humanidade precisa mais do que nunca refletir criticamente sobre seus dilemas civilizatórios e suas opções de futuro.
Cabe aos que continuam acreditando neste sonho, sobre os ombros deste gigante, buscarmos enxergar mais longe e nos colocarmos a altura dos novos desafios que se apresentam para a luta pelo socialismo neste novo século XXI.
Nossos pesares aos familiares, amigos e admiradores.
 * Partido Comunista do Brasil
Texto em Vermelho de um dirigente partidário, José Carlos Ruy: acesso

sábado, 31 de agosto de 2013

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa

Marx, Lênin, Gramsci e a imprensa

Por Altamiro Borges

Diante do poder alcançado pela mídia hegemônica e das ilusões ainda existentes sobre seu papel, revisitar as idéias de intelectuais marxistas sobre o tema é da maior importância e causam surpresa por sua enorme atualidade. Marx, Lênin e Gramsci, entre outros pensadores revolucionários, sempre destacaram o papel dos meios de comunicação. Exatamente por entenderem a importância da luta de idéias, do fator subjetivo na transformação da sociedade, fizeram questão de desmascarar o que chamavam, sem meias palavras, de “imprensa burguesa” e de realçar a necessidade da construção de veículos alternativos dos trabalhadores. 

Estes dois elementos, a denúncia do caráter de classe da imprensa capitalista e a defesa dos instrumentos próprios dos explorados, são as marcas principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lênin e Gramsci dedicaram enorme energia ao trabalho jornalístico, escrevendo centenas de artigos e ajudando a construir vários jornais democráticos e proletários. Foram jornalistas de mão-cheia, produzindo textos que entraram para a história. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo, pulsando a evolução da luta de classes; nunca se descuidaram da forma, da linguagem, para melhor difundir os seus conteúdos revolucionários.

Defesa da liberdade de expressão 

Vítimas da violenta perseguição das classes dominantes, os revolucionários nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores da verdadeira liberdade de expressão. A própria ampliação da democracia foi decorrência das lutas dos trabalhadores, já que nunca interessou à reacionária burguesia. Mas os revolucionários nunca confundiram esta exigência democrática com a proclamada “liberdade de imprensa”, tão alardeada pela burguesia que controla os meios de produção e usa todos os recursos, legais e ilegais, ardilosos e cruéis, para castrar a própria democracia e o avanço das lutas emancipadoras. 

Numa fase ainda embrionária do movimento operário-socialista, Karl Marx logo se envolveu na atividade jornalística. Após concluir seu doutorado em filosofia, em 1841, ele pretendia seguir a carreira acadêmica e ingressar na Universidade de Bonn, mas a brutal repressão do governo prussiano inviabilizou tal projeto e o jovem filósofo alemão manteve seu sustento através do jornalismo. Em 1842, ingressou na equipe do jornal Gazeta Renana e virou o seu redator-chefe. Sob sua direção, este periódico democrático triplicou o número de assinantes e ganhou prestígio, mas durou poucos meses e foi fechado pela ditadura prussiana. 

Sem ilusões na imprensa burguesa 

Na seqüência, entre 1848/49, passou a escrever no jornal Nova Gazeta Renana, que se transformou numa trincheira de resistência ao regime autoritário. Em menos de dois anos, Marx escreveu mais de 500 textos e tornou-se um articulista de sucesso. O combate ao código de censura do governo prussiano resultou na proibição do jornal. Marx ainda escreveu para o Die Press e o New York Tribune sobre política, economia e história. “Era um jornalismo que revelava a minuciosa leitura de Marx, seu alto grau de informação não apenas sobre os fatos e conflitos, como também sobre os atores individuais e a própria imprensa”, relata José Onofre, na apresentação do livro recém-lançado “Karl Marx e a liberdade de imprensa”. 

Em sua defesa da liberdade de expressão, ele nunca vacilou na denúncia da ditadura burguesa. Para ele, o jornal deveria ser uma arma de combate à opressão e à exploração e não um veículo neutro. “A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do povo que guarda com ciúme sua liberdade”. Em outro texto, afirma: “O dever da imprensa é tomar a palavra em favor dos oprimidos a sua volta. O primeiro dever da imprensa é minar todas as bases do sistema político existente”. Por estas idéias libertárias, ele foi processado e perseguido. 

Poder do capital sobre a imprensa 

Outro que nunca se iludiu foi Vladimir Lênin. Atuando num período da ascensão revolucionária, ele foi ainda mais duro no combate aos jornais burgueses. Num texto intitulado “a liberdade de imprensa do capitalismo”, ele desnuda esta falácia. “A ‘liberdade de imprensa’ é também uma das principais palavras de ordem da ‘democracia pura’. Os operários sabem e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhares de vezes que esta liberdade é um engano enquanto as melhores impressoras e os estoques de papel forem açambarcados pelos capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa”. 

“Com vista a conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para os trabalhadores, é preciso começar por privar o capital da possibilidade de alugar escritores, de comprar editoriais e de subornar jornais, mas para isso é necessário destruir o jugo do capital... Os capitalistas chamam sempre ‘liberdade’ à liberdade para os ricos de manterem seus lucros e liberdade para os operários de morrerem à fome. Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para forjar e falsear a chamada opinião pública”. Nada mais atual! 

Numa outra fase histórica, em que o setor da comunicação ainda não era um poderoso ramo da economia, Lênin chegou a se contrapor à participação dos comunistas na imprensa burguesa. “Poder-se-á admitir que colaborem nos jornais burgueses? Não. A semelhante colaboração se opõe tanto as razões teóricas como a linha política e a prática da social-democracia... Dir-nos-ão que não há regra sem exceção. O que é indiscutível. Não se pode condenar o camarada que, vivendo no exílio, escreve num jornal qualquer. É por vezes difícil criticar um social-democrata que, para ganhar a vida, colabora numa seção secundária de um jornal burguês”. Mas, para ele, tais casos deveriam ser encarados como exceção e com princípios. 

“Boicote, boicote, boicote” 

Para encerrar este bloco, que evidencia que os marxistas nunca nutriram ilusões sobre o caráter de classe da imprensa burguesa e nem se embasbacaram com o seu poder de sedução, vale reproduzir uma longa citação de Antonio Gramsci, o revolucionário italiano de padeceu onze anos nos cárceres. No texto “Os jornais e os operários”, escrito em 1916, ele faz uma conclamação aos trabalhadores que bem poderia servir para uma campanha contra a revista Veja e outros veículos da mídia brasileira na atualidade: 

Para ele, a assinatura de jornal burguês “é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação”. 

“Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disso, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites”. 

“É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária. Se os operários se persuadirem desta elementar verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais operários, isto é, a imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!”. 

Construtores da imprensa revolucionária 

Exatamente por não nutrirem ilusões na imprensa burguesa, Marx, Lênin e Gramsci sempre investiram na construção de instrumentos próprios das forças contrárias à lógica do capital. Segundo o biógrafo David Riazanov, “a Nova Gazeta Renana tratava de todas as questões importantes, de sorte que o jornal pode ser considerado um modelo de periódico revolucionário. Nenhum outro periódico russo nem europeu chegou à altura da Nova Gazeta... Seus artigos não perderam nada de sua atualidade, de seu ardor revolucionário, de sua agudeza na análise dos acontecimentos. Ao lê-los, sobretudo os de Marx, acreditamos assistir à história da revolução alemã e da revolução francesa, tão vivo é o estilo, como profundo é o sentido”. 

Já Lênin, que viveu numa fase de efervescência revolucionária, dedicou boa parte das suas energias para construção de jornais socialistas – dos mais diferentes tipos, sempre sintonizados com a evolução da luta de classes. Iskra, Vperiod, Pravda, Proletari, Rabotchaia Pravda, Nievskaia Svesdá, entre outros jornais organizados e dirigidos por ele, servirão para agregar as forças de esquerda, fazer agitação nas fábricas, aprofundar os debates ideológicos e construir o partido. Na sua mais célebre definição, Lênin sintetizou: 

“O jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo. Ele é, também, um organizador coletivo. Neste último sentido, ele pode ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício em construção, que assinala os contornos, facilitam as relações entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem tarefas e a observar os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado”. A reacionária burguesia russa logo entendeu o perigo representado por estes jornais, tanto que os reprimiu ferozmente. No caso do Pravda, de um total de 270 edições, 110 foram objeto de ações judiciais e os seus redatores foram condenados a um total de 472 anos de prisão. Mas isto não abrandou o seu vigor! 

Atualidade das noções marxistas 

No caso de Gramsci, o longo período de cárcere dificultou a sua atividade jornalística e castrou seu desejo de organizar a imprensa operária. Antes da prisão, ele editou vários jornais de fábrica e empenhou-se na difusão do Ordine Nuovo. Na sua rica elaboração sobre o papel dos intelectuais e a luta pela hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode funcionar como partido político, ajudando a desnudar a ideologia dominante e a construir a ação contra-hegemônica do proletariado. Para ele, o momento da desconstrução do velho é, ao mesmo tempo, o da construção do novo. 

As contribuições de Gramsci servem para desmistificar o papel da mídia hoje, mantendo impressionante atualidade. Para ele, a imprensa burguesa é um “aparelho privado de hegemonia”, capaz de disputar os rumos da sociedade por meio de uma verdadeira guerra de posições em todas as “trincheiras ideológicas”. Através da imprensa privada e mercantil, que objetiva o lucro e que faz da notícia uma mera mercadoria, a burguesia tenta se aparentar como representante da esfera pública. Além disso, em momentos de crise da ideologia dominante e de fratura dos partidos burgueses, a imprensa se apresenta como “o partido do capital”, que organiza e amalgama os interesses das várias frações de classe da burguesia.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Em memória de Friedrich Engels: Grande lutador e professor do proletariado moderno


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Esquerda Marxista - [Vladímir Illich Ulíanov Lênin] 5 de agosto, completaram-se 118 anos da morte Friedrich Engels (Barmen, 28 de novembro de 1820 — Londres, 5 de agosto de 1895) , que com Karl Marx, estabeleceram as bases da luta pelo socialismo científico.

Juntos desvendaram os segredos da exploração capitalista e dotaram o proletariado internacional dos meios e instrumentos para vencer o capital e terminar com o regime da propriedade privada dos meios de produção.Como homenagem a este grande homem, republicamos um artigo de Lenin sobre sua morte. Uma excelente hora para reler seus trabalhos e aprender a compreender e transformar o mundo.
"Meu azar é que, desde o momento em que perdemos Marx, cumpre-me ter de representá-lo. Ao longo de minha vida, fiz aquilo para que fui talhado, i.e. tocar o segundo violino, e creio ter realizado meu papel de modo inteiramente tolerável. Tive sorte por haver tido um primeiro violino tão famoso como Marx. Porém, se agora devo representar, em questões de teoria, a posição de Marx, isso não poderá transcorrer sem que incida em alguns equívocos e ninguém percebe isso mais do que eu mesmo. Apenas quando os tempos ficarem algo mais movimentados, tornar-se-á bem sensível para todos nós então o que é que foi que perdemos com Marx. Nenhum de nós possui aquela sua visão de conjunto, consoante a qual haveria de tão rapidamente agir, em determinado momento, adotando sempre a decisão correta e indo imediatamente ao ponto decisivo. Em tempos de calmaria, ocorreu, possivelmente, de os eventos terem-me dado razão em relação a Marx, porém, nos momentos revolucionários, seu julgamento era praticamente infalível."
Carta de Friedrich Engels a Johann Philipp Becker[2]
"Que tocha da razão deixou de arder!
Que coração deixou de bater!"
Nikolai Alekseievitch Nekrassov[3]
Em 5 de agosto de 1895, segundo o antigo calendário 24 de julho, faleceu na cidade de Londres, Friedrich Engels.
Depois de seu amigo Karl Marx (falecido em 1883), Engels foi o mais notável cientista e professor do proletariado moderno de todo o mundo civilizado.
A partir do momento em que o destino aproximou Karl Marx e Friedrich Engels, os dois amigos devotaram o trabalho de suas vidas a uma causa comum.
Por isso, para que entendamos o que fez Friedrich Engels pelo proletariado, há que ter uma ideia clara do significado dos ensinamentos e da obra de Marx para o desenvolvimento do movimento contemporâneo da classe trabalhadora.
Marx e Engels foram os primeiros a demonstrar que a classe trabalhadora e suas reivindicações constituem um produto necessário do presente sistema econômico que, juntamente com a burguesia, cria e organiza, de maneira inevitável, o proletariado.
Demonstraram que não são as tentativas de pessoas individuais bem intencionadas, mas sim a luta de classes do proletariado organizado que libertará a humanidade dos males que presentemente a oprimem.
Em seus trabalhos científicos, Marx e Engels foram os primeiros a esclarecer que o socialismo não é uma invenção de sonhadores, senão o objetivo final e o resultado necessário do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade moderna.
Toda a história registrada até os dias de hoje tem sido a história da luta de classes, da sequência da dominação e da vitória de certas classes sociais sobre outras.
E isso continuará sendo assim até que os fundamentos da luta de classes e da dominação de classe – a propriedade privada e a desordenada produção social – desapareçam.
Os interesses do proletariado exigem a destruição desses fundamentos e, sendo assim, a luta de classes consciente dos trabalhadores organizados há de ser dirigida contra esses últimos.
Toda a luta de classes é, porém, uma luta política.
Essas concepções de Marx e Engels foram acolhidas, na atualidade, por todo o proletariado que se encontra lutando por sua emancipação.
Porém, quando nos anos 40 do século XIX, esses dois amigos interviram na produção literária socialista e nos movimentos sociais daquela época seus pontos vistas eram inteiramente novidadeiros.
Havia, então, muitas pessoas talentosas e sem talento, honestas e desonestas, que, absorvidas pela luta em prol de liberdade política, contra o despotismo dos monarcas, autoridades policiais e padres, deixavam de ver o antagonismo, existente entre os interesses da burguesia e os do proletariado.
Tais pessoas não admitiam a ideia de os trabalhadores atuarem como força social independente.
Por outro lado, existiam muitos sonhadores – alguns deles verdadeiros gênios – que pensavam ser apenas necessário convencer os governantes e as classes dominadoras da injustiça da ordem social contemporânea para que fossem, então, facilmente estabelecidas a paz e o bem geral sobre a face da terra. Sonhavam com um socialismo sem lutas.
Por fim, quase todos os socialistas daquela época e os amigos da classe trabalhadora entreviam, geralmente, no proletariado apenas uma úlcera e observavam aterrorizados como essa úlcera crescia, concomitantemente com o crescimento da indústria.
Por essa razão, todos eles conjecturavam dos meios para deter o desenvolvimento da indústria e do proletariado, para fazer parar "a roda da história".
Opondo-se a esse temor generalizado, nutrido ante o desenvolvimento do proletariado, Marx e Engels depositavam, pelo contrário, todas as suas esperanças no contínuo desenvolvimento deste.
Quanto mais proletários houver, tanto maior a sua força enquanto classe revolucionária, tanto mais próximo e possível há de se tornar o socialismo.
Os serviços prestados por Marx e Engels à classe trabalhadora podem ser expressos em poucas palavras da seguinte forma: Ambos ensinaram a classe trabalhadora a conhecer-se a si mesma, tornando-se consciente de si mesma, e, assim procedendo, substituíram os sonhos pela ciência.
É por esse motivo que o nome e a vida de Engels devem ser conhecidos por todos os trabalhadores.
Eis por que, em nossa compilação de ensaios, cujo objetivo é o de despertar a consciência de classe dos trabalhadores da Rússia – objetivo esse também o de todas as nossas publicações -, temos de fornecer um bosquejo da vida e da obra de Friedrich Engels, um dos dois grandes professores do proletariado moderno.
Engels nasceu em 1820, na cidade de Barmen, Província do Reno do Reino da Prússia. Seu pai foi um fabricante. Em 1838, sem ter completado seus estudos ginasiais, Engels foi forçado, por circunstâncias devidas à sua vida familiar, a começar a trabalhar como empregado, em uma casa comercial, na cidade de Bremen.
As atividades comerciais não impediram Engels de dar continuidade à sua educação científica e política. Ainda quando se achava no ginásio, havia passado a odiar a autocracia e a tirania dos burocratas.
Os estudos da filosofia levaram-no a seguir adiante. Naquela época, o ensino da doutrina de Hegel dominava a filosofia alemã e Engels tornou-se um de seus discípulos.
Embora o próprio Hegel tivesse sido um venerador do Estado Prussiano autocrático, a cujo serviço se colocara na qualidade de Professor da Universidade de Berlim, a doutrina de Hegel era revolucionária.
A fé de Hegel na razão humana e nos Direitos do homem, bem como a tese fundamental da filosofia hegeliana de que o universo encontra-se submetido a um permanente processo de mudanças e desenvolvimento, levaram alguns dos discípulos do filósofo de Berlim – aqueles que se haviam recusado a aceitar a situação então existente – à ideia de que a luta contra essa mesma situação, a luta contra as injustiças existentes e o mal dominante, achava-se, igualmente, enraizada na lei universal do desenvolvimento eterno.
Se todas as coisas se desenvolvem, se determinadas instituições são substituídas por outras, por que deveriam subsistir por todo o sempre a autocracia do Reino da Prússia ou o Czarismo da Rússia, o enriquecimento de uma minoria insignificante a expensas da maioria esmagadora ou ainda a dominação da burguesia sobre o povo?
A filosofia de Hegel falava do desenvolvimento do espírito e das ideias: era uma filosofia idealista. A partir do desenvolvimento do espírito, conduzia ao desenvolvimento da natureza, do ser humano e das relações humanas e sociais. Preservando a ideia de Hegel sobre o eterno processo de desenvolvimento, Marx e Engels rechaçaram, porém, sua concepção idealista preconcebida[4].
Dedicando-se ao estudo da vida, viram que não é o desenvolvimento do espírito que explica o desenvolvimento da natureza, mas sim, inversamente, que cumpre explicar o espírito a partir da natureza, da matéria...
Diferentemente de Hegel e outros hegelianos, Marx e Engels eram materialistas.
Contemplando o mundo e a humanidade de modo materialista, aperceberam-se do fato de que, tal como as causas materiais subjazem a todos os fenômenos naturais, também o desenvolvimento da sociedade humana é condicionado pelo desenvolvimento das forças materiais, das forças produtivas.
Do desenvolvimento das forças produtivas dependem as relações que os homens mantêm, uns com os outros, na produção das coisas, imprescindíveis à satisfação das necessidades humanas.
Nessas relações, reside a elucidação de todos os fenômenos, relacionados com a vida social, as aspirações humanas, as ideias e as leis.
O desenvolvimento das forças produtivas cria relações sociais que se baseiam na propriedade privada.
Porém, vemos, agora, que esse próprio desenvolvimento das forças produtivas priva a maioria dos seres humanos de sua propriedade, concentrando-a nas mãos de uma ínfima minoria.
Ele suprime a propriedade, base da moderna ordem social, tendendo, por si mesmo, para o próprio objetivo que os socialistas fixaram para si mesmos.
Tudo que os socialistas têm a fazer é entender qual é a força social que, devido à sua posição na sociedade moderna, encontra-se interessada em realizar o socialismo, imprimindo, então, a essa força a consciência de seus interesses e de sua tarefa histórica.
A força em questão é o proletariado.
Engels veio a conhecer o proletariado na Inglaterra, em Manchester, no centro da indústria inglesa, onde se alojou em 1842, quando começou a trabalhar em uma firma comercial, da qual seu pai era um dos acionistas.
Aqui, Engels não se cingiu às atividades do escritório da firma, mas sim peregrinou pelos bairros miseráveis em que os trabalhadores achavam-se amontoados, testemunhando, com seus próprios olhos, a pobreza e indigência dos que trabalhavam.
Além disso, não se restringiu a formular suas observações pessoais.
Leu tudo aquilo que havia sido revelado antes dele acerca da condição da classe trabalhadora britânica e estudou, detidamente, todos os documentos oficiais aos quais podia ter acesso.
O produto desses estudos e observações foi o livro de sua autoria, surgido em 1845, sob o seguinte título: "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra."[5]
Já mencionamos acima qual foi grande mérito de Engels, por ter redigido o livro em destaque. Mesmo antes de Engels, muitas pessoas haviam descrito os sofrimentos do proletariado e realçado a necessidade de prestar-lhe ajuda. Engels foi, porém, o primeiro a dizer que o proletariado não é apenas uma classe que sofre, senão também que, na realidade, é a vergonhosa condição econômica do proletariado que o conduz, irresistivelmente, a marchar para diante, forçando-o a lutar em prol de sua emancipação definitiva.
Assim, é o proletariado em luta que há de ajudar-se a si mesmo. O movimento político da classe trabalhadora há de inevitavelmente conduzir os trabalhadores à compreensão de que sua única salvação encontra-se no socialismo.
Por outro lado, o socialismo tornar-se-á uma força apenas quando converter-se em objetivo da luta política da classe trabalhadora.
Eis as principais ideias do livro de Engels sobre a situação da classe trabalhadora na Inglaterra, ideias essas que, agora, surgem acolhidas por todos os proletários que raciocinam e combatem, mas que, outrora, revelavam-se inteiramente novas.
Tais ideias foram apresentadas em um livro, redigido em estilo cativante e permeado de imagens autênticas e comoventes da miséria do proletariado da Inglaterra. O livro em apreço representou uma terrível peça de acusação do capitalismo e da burguesia, produzindo profunda impressão. O livro de Engels passou a ser citado por todos os lados, como sendo a obra que melhor fornecia um quadro da situação do proletariado moderno.
E, com efeito, nem antes nem depois de 1845 produziu-se um quadro literário tão marcante e fidedigno sobre a miséria da classe trabalhadora. Apenas na Inglaterra, Engels tornou-se socialista.
Em Manchester, estabeleceu contatos com pessoas que atuavam no movimento operário britânico, naquele momento histórico, e começou a escrever para publicações socialistas, editadas na Inglaterra.
Em 1844, quando voltava à Alemanha, conheceu Marx, em Paris, com quem já havia iniciado a troca de correspondências. Em Paris, sob a influência da vida e dos socialistas franceses, também Marx havia-se tornado socialista. Nessa cidade, os dois amigos escreveram juntos um livro, dotado do seguinte título: "A Sagrada Família"[6]
O livro em destaque, que surgiu um ano antes do aparecimento de "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra" e foi redigido, na sua maior parte, por Marx, contém os fundamentos do socialismo materialista revolucionário, cujas principais ideias apresentamos acima.
"A Sagrada Família" é uma referência jocosa feita aos Irmãos Bauer e seus seguidores filósofos. Esses senhores pregavam uma doutrina crítica, situada acima de toda a realidade, acima dos partidos e da política, que rejeitava toda a atividade prática, vislumbrando apenas "criticamente" o mundo circunjacente e os eventos que nele se processavam. Os Senhores Bauer deitavam os seus olhos desdenhosamente sobre o proletariado, considerando-o como massa despojada de espírito crítico.
Marx e Engels opuseram-se, vigorosamente, a essa tendência absurda e nociva.
Em nome da pessoa humana real – em nome do trabalhador, pisoteado pelas classes dominantes e o Estado – exigiram não a contemplação, senão a luta, a ser travada em prol de uma melhor ordem social.
Evidentemente, consideraram o proletariado como força capaz de impulsionar essa luta, estando por ela interessado.
Mesmo antes do surgimento de "A Sagrada Família", Engels publicara nos "Anais Franco-Alemães" de Marx e Ruge seu "Ensaio Crítico sobre Economia Política", em que examinou os principais fenômenos da ordem econômica contemporânea, desde um ponto de vista socialista, focalizando-os como consequências necessárias da dominação da propriedade privada.[7]
O contato que Marx estabeleceu com Engels representou, indubitavelmente, uma importante contribuição para a sua decisão de ocupar-se com o estudo da econômica política, ciência essa na qual sua obra veio a produzir verdadeira revolução.
De 1845 a 1847, Engels viveu em Bruxelas e Paris, combinando trabalho científico e atividades práticas, empreendidas junto a trabalhadores alemães de ambas essas cidades.
Aqui, Marx e Engels estabeleceram contato com o grupo clandestino alemão "Liga dos Comunistas", que os encarregou da exposição dos principais princípios do socialismo que haviam elaborado[8]. Referida exposição surgiu apresentada no famoso « Manifesto do Partido Comunista » de Marx e Engels, publicado em 1848.
Surgindo na forma de uma pequenina brochura, vale por livros inteiros: até os dias de hoje, seu espírito inspira e dirige todo o proletariado organizado e combatente do mundo civilizado.
A Revolução de 1848 que irrompeu, primeiramente, na França e, então, expandiu-se por outros países da Europa Ocidental, reconduziu Marx e Engels a seu país de origem.
Na Prússia Renana, assumiram o jornal democrático "Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana)", publicado na cidade de Colônia[9]. Os dois amigos constituíam o coração e a alma de todas as aspirações democrático-revolucionárias no Reino da Prússia.
Combateram até às últimas consequências em defesa da liberdade e dos interesses do povo contra as forças da reação. Estas, como sabemos, acabaram triunfando. O "Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana)" foi proibido. Marx, que durante seu exílio havia perdido sua cidadania prussiana, foi deportado.
Engels participou da Insurreição Armada Popular, combatendo pela liberdade em três batalhas. Depois da derrota dos insurgentes revolucionários, fugiu, através da Suíça, para Londres. Marx também se instalou em Londres.
Engels logo voltou a trabalhar como empregado de escritório e, a seguir, tornou-se acionista da firma comercial de Manchester, na qual atuara, ao longo dos anos 40. Até 1870, viveu em Manchester, enquanto Marx vivia em Londres. Porém, esse fato não impediu que ambos mantivessem um intercâmbio de ideias extremamente vivo: correspondiam-se praticamente todos os dias.
Nessa sua correspondência, os dois amigos intercambiavam pontos de vista e descobertas, continuando a colaborar na elaboração do socialismo científico.
Em 1870, Engels mudou-se para Londres e a vida intelectual que ambos impulsionavam em conjunto, marcada pelo caráter mais laborioso, continuou até 1883, quando Marx faleceu.
Da parte de Marx, o fruto desse processo foi "O Capital", o maior trabalho de Economia Política de nossa era e, da parte de Engels, um número de trabalhos, quer de grande, quer de pequena dimensão.
Marx escreveu sobre a análise dos complexos fenômenos da economia capitalista. Engels, por sua vez, em trabalhos redigidos com simplicidade e frequentemente em tom de polêmica, tratou de problemas científicos de ordem mais geral e de diversos fenômenos do passado e do presente, consoante a lógica da concepção materialista da história e a teoria econômica de Marx.
Entre os trabalhos de Engels, insta mencionar os seguintes:
· O trabalho polêmico dirigido contra Dühring, examinando problemas nimiamente importantes, no domínio da filosofia, ciências naturais e sociologia[10];
· "A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado", traduzido em língua russa, publicado em São Petersburgo, 3ª edição de 1895;
· "Ludwig Feuerbach", tradução russa e notas de G. Plekhanov, Genebra, 1892;
· Um artigo sobre a Política Externa do Governo Russo, traduzido em russo, no "Sotsial-Demokrat" (O Social-Democrata)[11];
· Esplêndidos artigos tratando da "A Questão da Habitação"[12] ;
· E, finalmente, dois pequenos, porém valiosos, artigos sobre o desenvolvimento econômico da Rússia, "Friedrich Engels sobre a Rússia", traduzido em língua russa por Zassulitch, Genebra, 1894[13].
Marx faleceu antes que pudesse elaborar os retoques finais de seu vasto trabalho sobre o capital. Contudo, o esboço do material já se encontrava finalizado e, após a morte de seu amigo, Engels empreendeu a pesada tarefa de preparar e publicar o Livro II e o Livro III de "O Capital". Publicou o Livro II, em 1885, e o Livro III, em 1894 (sua morte impediu-o de preparar a publicação do Livro IV).[14]
A publicação desses dois livros exigiu-lhe a prestação de uma colossal quantidade de trabalho. Adler, socialdemocrata austríaco, observou, corretamente, que, ao publicar o Livro II e Livro III de « o Capital », Engels erigiu um majestoso monumento ao gênio que fora seu amigo, um monumento no qual, sem expressamente pretendê-lo, insculpiu indelevelmente o seu próprio nome. Com efeito, esses dois livros de «O Capital» constituem o trabalho de dois homens: Marx e Engels.
Lendas da Antiguidade contêm vários exemplos comoventes de amizade. O proletariado europeu pode afirmar que sua ciência foi criada por dois sábios e lutadores, cujo relacionamento de um para com o outro sobre passa as mais comoventes histórias da Antiguidade sobre a amizade entre os homens.
Engels sempre – e, geralmente, de modo inteiramente correto – colocava a si mesmo em uma posição posterior a de Marx. Certa vez, escreveu a um velho amigo: "No tempo em que Marx viveu, eu tocava o segundo violino."[15]
Seu apreço por Marx, enquanto este viveu, e sua reverência à memória de Marx eram ilimitados. Esse lutador pertinaz e pensador austero possuía uma alma profundamente amável.
No exílio, depois do movimento de 1848-1849, Marx e Engels não ficaram enclausurados na pesquisa científica. Em 1864, Marx fundou a Associação Internacional dos Trabalhadores e dirigiu essa organização por toda uma década.[16]
Também Engels participou ativamente nas atividades da organização em foco.
O trabalho da Associação Internacional dos Trabalhadores que, consoante a ideia de Marx, unificou proletários de todos os países, foi de gigantesco significado para o desenvolvimento do movimento da classe trabalhadora.
Porém, mesmo com o encerramento da Associação Internacional dos Trabalhadores, ocorrido no curso dos anos 70, o papel de unificação, desempenhado por Marx e Engels, não deixou de existir.
Pelo contrário: vale dizer que sua importância enquanto dirigentes espirituais do movimento da classe trabalhadora cresceu continuadamente, porquanto o próprio movimento floresceu ininterruptamente.
Depois da morte de Marx, Engels prosseguiu sozinho como conselheiro e dirigente dos socialistas europeus. Seus conselhos e diretivas eram procurados tanto pelos socialistas alemães, cuja força amplificou-se rápida e solidamente – a despeito das perseguições governamentais -, quanto pelos representantes dos países atrasados, tais quais os espanhóis, romenos e russos, os quais foram obrigados a refletir e sopesar acerca de seus primeiros passos. Todos eles aproveitavam o rico cabedal de conhecimentos e experiências do velho Engels.
Marx e Engels conheciam ambos a língua russa e liam livros em russo, ao mesmo tempo em que possuíam vivaz interesse por esse país. Acompanhavam o movimento revolucionário russo com simpatia e mantinham contato com revolucionários russos.
Ambos se tornaram socialistas, depois de haverem sido democratas, de modo que o sentimento democrático de ódio ao despotismo político nos dois era extraordinariamente intenso.
O imediato sentimento político, associado à profunda compreensão teórica acerca da conexão, existente entre o despotismo político e a opressão econômica, bem como sua rica experiência de vida, tornaram Marx e Engels incomumente sensíveis, na esfera da política.
É por isso que a luta heroica, travada por um punhado de revolucionários russos contra o governo czarista todo-poderoso, encontrou a mais viva ressonância nos corações desses provados revolucionários.
De outra parte, a tendência de dar as costas – mercê das ilusórias vantagens econômicas - à tarefa mais importante e imediata dos socialistas russos, nomeadamente a conquista da liberdade política, surgia naturalmente suspeita aos seus olhos e foi, até mesmo, por eles considerada como uma traição direta da grande causa da revolução social.
"A emancipação dos trabalhadores deve ser obra da própria classe trabalhadora", prelecionaram constantemente Marx e Engels. Porém, a fim de lutar por sua emancipação econômica, o proletariado tem de conquistar para si próprio certos direitos políticos.
Ademais, Marx e Engels entenderam, claramente, que uma Revolução política na Rússia haveria de ser também de tremenda importância para o movimento da classe trabalhadora da Europa Ocidental.
A Rússia autocrática sempre foi um bastião da reação europeia, em geral. A posição internacional extraordinariamente favorável, desfrutada pela Rússia por decorrência da Guerra de 1870 – país esse que, por muito tempo, semeou discórdia entre a Alemanha e a França – nada fez senão incrementar evidentemente a importância da Rússia autocrática, enquanto força reacionária.
Apenas uma Rússia livre, uma Rússia que não careça de oprimir poloneses, finlandeses, alemães, armênios e outras pequenas nações nem de atiçar, constantemente, a França e a Alemanha a lutarem uma contra a outra, permitiria à Europa moderna, redimida dos fardos da guerra, respirar livremente, enfraquecendo todos os elementos reacionários da Europa, fortalecendo a classe trabalhadora europeia.
Eis por que Engels aspirou, ardentemente, à introdução da liberdade política na Rússia, pois isso também favoreceria o movimento da classe trabalhadora no ocidente.
Com a morte de Engels, os revolucionários russos perderam seu melhor amigo.
Honremos, pois, a memória de Friedrich Engels, grande lutador e professor do proletariado!
[1] Publicado por Lenin em "Rabotnik (O Trabalhador)", Nº 1/2, março de 1896.
[2] FRIEDRICH ENGELS, "Carta a Johann Philipp Becker" (5/10/1884).
[3] Versos extraídos da poesia de NIKOLAI ALEXEIEVITCH NEKRASSOV redigida "Em Memória de Dobroliubov" e usados por Lenin na epígrafe de seu ensaio dedicado a Friedrich Engels.
[4] Nessa passagem, Lenin escreve ao pé da página: "Marx e Engels destacaram, por diversas vezes, que muito deviam em seu desenvolvimento intelectual aos grandes filósofos alemães e, em particular, a Hegel. Sem a filosofia alemã, dizia Engels, não existiria o socialismo científico".
[5] "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra", novembro 1844 – Março 1845.
[6] "A Sagrada Família ou a Crítica da Crítica Crítica contra Bruno Bauer e Consortes", setembro/novembro 1844.
[7] "Esboços para uma Crítica da Economia Nacional", revista "Anais Franco-Alemães", janeiro de 1844 A revista "Anais Franco-Alemães" foi fundada por Karl Marx e Arnold Ruge, em Paris. Editou-se apenas um número (duplo), em fevereiro de 1844, em língua alemã. Nesse número, surgiram publicados os ensaios de Marx, intitulados "Sobre a Questão Judia" e "Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", bem como os ensaios de Engels, "Esboços para uma Crítica da Economia Nacional" e "A Situação da Inglaterra".
[8] A Liga dos Comunistas foi fundada em junho de 1847, em Londres, durante a Conferência da Liga dos Justos que aprovou, por proposta de Marx e Engels, a conversão da Liga em Liga dos Comunistas. A antiga palavra-de-ordem da Liga dos Justos, "Todos os Seres Humanos são Irmãos", foi, então, substituída por "Proletários de Todo o Mundo, Uni-vos!". A Liga dos Comunistas continuou existindo até novembro de 1852. ENGELS escreveu "Sobre a História da Liga dos Comunistas", em 1885.
[9] A "Nova Gazeta Renana" foi editada de 1° de junho de 1848 a 19 de maio de 1849, na cidade de Colônia, sob a direção de Karl Marx e Friedrich Engels. Seu redator-chefe era Karl Marx.
[10] Lenin fez a seguinte nota de pé de página: "Trata-se de um livro extraordinariamente instrutivo e rico de conteúdo. Dele traduziu-se para a língua russa apenas uma pequena parte que contém um esboço histórico do desenvolvimento do socialismo."
[11] "A Política Exterior do Czarismo Russo", dezembro de 1889 – fevereiro de 1890.
[12] "Sobre a Questão da Habitação", junho de 1872/fevereiro de 1873.
[13] "Questões Sociais da Rússia", 1894, Karl Marx e Friedrich Engels.
[14] Conforme indicação de Engels, Lenin chamou o livro quatro de "O Capital" de "Teorias da Mais-Valia". No prefácio ao livro dois de "O Capital", Engels escreveu: "Reservo-me o direito de publicar a parte crítica desse manuscrito sob a forma de Livro IV de "O Capital", após a remoção de diversas passagens já exauridas no Livro II e no Livro III."
[15] "Carta de Engels a Johann Philipp Becker", 15/10/1884.
[16] A Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) foi a primeira organização internacional do proletariado mundial. Foi fundada em Londres, no outono de 1864, por iniciativa de Karl Marx. A I Internacional deixou praticamente de existir em 1872, vindo a ser formalmente dissolvida em 1876.