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sexta-feira, 22 de março de 2013

Presidente dos EUA afirma que palestinos merecem ter seu próprio Estado


Da redação do SUL21


Israel deve parar de construir colônias nos territórios ocupados palestinos para que possa haver paz entre os dois estados. Foi o que afirmou nesta quinta-feira (21) o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em coletiva de imprensa realizada em Ramallah, na Cisjordânia. Após conversar com o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, Obama afirmou que os palestinos merecem ter seu próprio Estado e assegurou que eles “têm o direito de ser livres em suas próprias terras”.
“Baseando-me nas negociações que mantive com o primeiro-ministro (israelense Benjamin) Netanyahu e com o presidente Abbas, a possibilidade de uma solução de dois Estados continua sendo viável” declarou Obama. “O povo palestino merece o fim da ocupação e da falta de dignidade que vem com ela”, disse, defendendo que os palestinos  devem ter “um futuro com esperança” e um “estado próprio”.
O presidente norte-americano chegou pouco antes das 11h locais (06h de Brasília) a Muqata, a sede da presidência em Ramallah, e foi recebido por Abbas e por um grupo de líderes palestinos. Ao mesmo tempo, cerca de 150 manifestantes tentaram se aproximar do complexo presidencial, protegido por um dispositivo de segurança, agitando cartazes nos quais estava escrito: “Obama, você não é bem-vindo aqui ” e “Obama fora de Ramallah”.
Em entrevista concedida na quarta-feira (20) em Tel Aviv, Obama confirmou o comprometimento norte-americano com Israel, afirmando que a aliança dos dois países “é eterna”. Nesta quinta-feira, ele falou da necessidade da construção de dois Estados. “Os Estados Unidos estão profundamente comprometidos a favor de um Estado palestino independente e soberano”, declarou.
O presidente ainda criticou a construção de colônias  israelenses em territórios palestinos, dizendo que o governo israelense deve reconhecer que isso é “contraprodutivo” para a paz na região. Os assentamentos, no entanto, seriam resolvidos com a solução de dois Estados, de acordo com Obama. As principais questões devem ser a soberania para a Palestina e a segurança para a Israel. “Se nós resolvermos esses dois problemas, os assentamentos serão resolvidos”, afirmou.
Pouco antes do discurso de Obama, um grupo armado a Faixa de Gaza disparou dois foguetes no sul de Israel, sem deixar feridos. O presidente norte-americano cobrou do Hamas, que controla o território, o cumprimento do cessar-fogo.
Com informações do Correio Braziliense e da CNN

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Solidariedade aos presos políticos palestinos em Israel

(ESQUERDA MARXISTA)Divulgamos este abaixo-assinado de uma campanha que ocorre em todo o Brasil em solidariedade aos presos políticos palestinos em Isael. Antes, durante e após o Fórum Social Mundial Palestina Livre, ocorrido no final do ano passado, publicamos em nossa página diversos artigos sobre a luta do povo Palestino e nossa posição em defesa de um Estado laico e democrático em todo o território histórico da Palestina. Essa campanha de solidariedade é mais uma importante iniciativa em defesa da luta do povo Palestino contra a brutal repressão do Estado Sionista de Israel. Convidamos todos os leitores de nossa página a assinarem esta carta que será encaminhada a orgãos governamentais, comitês de direitos humanos, escritórios da ONU, etc, após o dia 15 de janeiro. Contamos com a solidariedade de todos.
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EM DEFESA DOS PRESOS POLÍTICOS PALESTINOS
LIBERDADE PARA OS 4600 PRESOS PALESTINOS ENCARCERADOS NAS PRISÕES ISRAELENSES

Desde 1948, quando foi criado o Estado de Israel em terras da Palestina, uma onda de violência e agressão marca o cotidiano do povo palestino. Todos os palestinos que lutam contra a ocupação israelense e pela independência nacional tem sido perseguidos, presos, torturados ou assassinados pelos sucessivos governos de Israel. O Estado de Israel é hoje o campeão mundial em violações dos direitos humanos. É um Estado anti-democrático e racista, que pratica uma limpeza étnica em todo o território da Palestina ocupada. A legítima luta de libertação nacional palestina contra o colonialismo israelense tem levado mais de 800 mil palestinos para as prisões israelenses.
Nós, abaixo assinados, condenamos as práticas a agressões diárias, cometidas pelo Estado de Israel, contra os presos politicos palestinos dentro das prisões israelenses. Condenamos as detenções contra o povo palestino, que almeja a liberdade e independencia. Segundo os últimos relatórios de organizações de direitos humanos o numero dos presos palestinos nas prisões israelenses chega a 4600, até o final de mês de outubro de 2012. Entre eles: 84 detidos administrativos, 189 crianças, 10 deputados, 9 mulheres, 530  que cumprem prisão perpétua, 451 sentenciados há mais de 20 anos. diante dessa situação exigimos:

1)  a revogação imediata das prisões administrativas, que carecem de qualquer fundamentação legal e são mais um instrumento ilegal das foraças de ocupação;
2)  a proteção à dignidade e à vida dos presos que realizam greves de fome como protesto contra as suas precárias condições nas prisões;
3)  o cumprimento dos acordos realizados entre os presos, a direção dos presídios e o serviço  de inteligência interna de Israel(Shein Beit);
4) imediata libertação de todos os 1027 presos que foram incluídos no acordo realidado em 2011, pois muitos dos que foram libertados foram perseguidos e presos novamente pelas tropas de ocupação;
5) libertar imediatamente todos os deputados membros do Conselho Legislativo Palestino, que foram eleitos pelo povo para exercer seu mandato e fortalecer a luta democrática na Palestina, e que hoje se encontram nas nas prisões israelenses;
6) o fim da politica de isolamento dentro das prisões, que submete o preso à condições muito mais desumanas, pois o excluí da possibilidade de contato com outros presos e com seus familiares;
7) a libertação imediata de todas as crianças e jovens menores de 18 anos, pois seus direitos fundamentais assegurados por diversas resoluções e pela própria Carta de fundação da ONU estão sendo cotidianamente desrespeitados nas prisões israelenses, como direito à saúde, à educação, etc;
8) a libertação imediata de todos os presos que se encontram com doenças consideradas graves;
9) atendimento médico digno e acesso à medicação e tratamento adequado, com possibilidade de visitas de médicos indicados por familiares e/ou organizações de direitos humanos que acompanham e prestam assistência e ajuda humanitária aos presos;
10) garantia ao direito à educação e acesso ao ensino superior no interior das prisões israelenses, com direito aos presos de ter acesso à livros, revistas e jornais;
11) que o Estado de Israel respeite e cumpra os acordos e as convenções internacionais de direitos humanos em relação aos presos políticos palestinos. 
A luta dos presos políticos palestinos por melhores condições de vida nas prisões e por sua libertação é parte fundamental da luta por justiça e pela paz na Palestina. Não haverá paz sem justiça. E justiça hoje significa tratar com dignidade e libertar todos os presos políticos encarcerados por lutarem pela libertação de sua pátria. A luta do movimento de libertação nacional palestino contra a ocupação israelense é uma luta legítima, inspirada na heróica resistência popular de outros povos que também lutaram e venceram o colonialismo, conquistando assim seu direito inalienável à soberania, à independência e a autodetermninação.
Pedimos à todas as forças democráticas e progressistas do mundo, e suas organizações políticas, sociais, culturais e humanitárias, bem como aos governos que defendem e praticam os princípios fundamentais dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, que divulguem este abaixo-assinado e que façam chegar às autoridades israelenses em seus países, pois a causa palestina é hoje uma causa de toda a humanidade.
Ninguém pode ficar impune quando comete uma injustiça. Chegou a hora do Estado de Israel ser julgado pelos inúmeros crimes que vem cometendo contra o povo palestino.
PAZ, JUSTIÇA E LIBERDADE PARA A PALESTINA!!!!!

Para assinar envie e-mail para CONTATO@MARXISMO.ORG.BR preenchendo no assunto "SOLIDARIEDADE PRESOS PALESTINOS" e enviando no corpo do e-mail seu NOME, PROFISSÃO, ENTIDADE (se participar de algum sindicato, partido, associação de moradores, etc).

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Como foi inventado o povo judeu - Um livro importante de Shlomo Sand


Miguel Urbano Rodrigues
 
 
Embora crescentemente desmentidos pela arqueologia, pela genética e pela historiografia séria, os mitos de que se alimenta o sionismo continuam a constituir a base em que assenta a reivindicação de legitimidade do estado etnocrático, confessional, racista e colonialista de Israel. O «Estado do Povo Judeu» assume-se como democrático. Mas a realidade nega a lei fundamental aprovada pelo Knesset. Não pode ser democrático um Estado que trata como párias de novo tipo 20 % da população do país, um Estado nascido de monstruoso genocídio em terra alheia, um Estado cuja prática apresenta matizes neofascistas.

Uma chuva de insultos fustigou em Israel Shlomo Sand quando publicou um livro cujo título - «Como foi inventado o povo judeu” * - desmonta mitos bíblicos que são cimento do Estado sionista de Israel.
Professor de Historia Contemporânea na Universidade de Tel- Aviv, ele nega que os judeus constituam um povo com uma origem comum e sustenta que foi uma cultura especifica e não a descendência de uma comunidade arcaica unida por laços de sangue o instrumento principal da fermentação proto-nacional.
Para ele o «Estado judaico de Israel», longe de ser a concretização do sonho nacional de uma comunidade étnica com mais de 4 000 anos, foi tornado possível por uma falsificação da história dinamizada no seculo XIX por intelectuais como Theodor Herzl.
Enquanto académicos israelenses insistem em afirmar que os judeus são um povo com um ADN próprio, Sand, baseado numa documentação exaustiva, ridiculariza essa tese acientífica.
Não há aliás pontes biológicas entre os antigos habitantes dos reinos da Judeia e de Israel e os judeus do nosso tempo.
O mito étnico contribuiu poderosamente para o imaginário cívico. As suas raízes mergulham na Bíblia, fonte do monoteísmo hebraico. Tal como a Ilíada, o Antigo Testamento não é obra de um único autor. Sand define a Bíblia como «biblioteca extraordinária» que terá sido escrita entre os séculos VI e II antes da Nossa Era. O mito principia com a invenção do «povo sagrado» a quem foi anunciada a terra prometida de Canaã.
Carecem de qualquer fundamento histórico a interminável viagem de Moisés e do seu povo rumo à Terra Santa e a sua conquista posterior. Cabe lembrar que o actual território da Palestina era então parte integrante do Egipto faraónico.
A mitologia dos sucessivos exílios, difundida através dos séculos, acabou por ganhar a aparência de verdade histórica. Mas foi forjada a partir da Bíblia e ampliada pelos pioneiros do sionismo.
As expulsões em massa de judeus pelos Assírios são uma invencionice. Não há registo delas em fontes históricas credíveis.
O grande exilio da Babilónia é tão falso como o das grandes diásporas. Quando Nabucodonosor tomou Jerusalém destruiu o Templo e expulsou da cidade um segmento das elites. Mas a Babilonia era há muito a cidade de residência, por opção própria, de uma numerosa comunidade judaica. Foi ela o núcleo da criatividade dos rabinos que falavam aramaico e introduziram importantes reformas na religião mosaica. Sublinhe-se que somente uma pequena minoria dessa comunidade voltou à Judeia quando o imperador persa Ciro conquistou Jerusalém no séc. VI antes da Nossa Era.
Quando os centros da cultura judaica de Babilonia se desagregaram, os judeus emigram para a Bagdad abássida e não para a «Terra Santa».
Sand dedica atenção especial aos «Exílios» como mitos fundadores da identidade étnica.
As duas «expulsões» dos judeus no período Romano, a primeira por Tito e a segunda por Adriano, que teriam sido o motor da grande diáspora, são tema de uma reflexão aprofundada pelo historiador israelense.
Os jovens judeus aprendem nas escolas que «a nação judaica» foi exilada pelos Romanos apos a destruição do II Templo por Tito em 70, e posteriormente, por Adriano, em 132. Por si só o texto fantasista de Flavius Joseph, testemunha da revolta dos zelotas, retira credibilidade a essa versão, hoje oficial.
Segundo ele, os romanos massacraram então 1 100 000 judeus e prenderam 97 000.Isso numa época em que a população total da Galileia era segundo os demógrafos atuais muito inferior a meio milhão…
As escavações arqueológicas das últimas décadas em Jerusalém e na Cisjordânia criaram aliás problemas insuperáveis aos universitários e teólogos sionistas que «explicam» a história do povo judeu tomando a Torah e a palavra dos Patriarcas como referências infalíveis.
Os desmentidos da arqueologia perturbaram os historiadores. Ficou provado que Jericó era pouco mais do que uma aldeia sem as poderosas muralhas que a Bíblia cita. As revelações sobre as cidades de Canaã alarmaram também os rabinos. A arqueologia moderna sepultou o discurso da antropologia social religiosa.
Em Jerusalém não foram encontrados sequer vestígios das grandiosas construções que segundo o Livro a transformaram no seculo X, a época dourada de David e Salomão, na cidade monumental do «povo de Deus» que deslumbrava quantos a conheceram. Nem palácios nem muralhas, nem cerâmica de qualidade.
O desenvolvimento da tecnologia do carbono 14 permitiu uma conclusão. Os grandes edifícios da região Norte não foram construídos na época de Salomão, mas no período do reino de Israel.
«Não existe na realidade nenhum vestígio - escreve Shlomo Sand - da existência desse rei lendário cuja riqueza é descrita pela Bíblia em termos que fazem dele quase o equivalente dos poderosos reis da Babilonia e da Pérsia». «Se uma entidade política existiu na Judeia do seculo X antes da Nossa Era, acrescenta o historiador, somente poderia ser uma microrealeza tribal e Jerusalém apenas uma pequena cidade fortificada».
É também significativo que nenhum documento egípcio refira a «conquista» pelos judeus de Canaã, território que então pertencia ao faraó.

O SILENCIO SOBRE AS CONVERSÕES

A historiografia oficial israelense, ao erigir em dogma a pureza da raça, atribui a sucessivas diásporas a formação das comunidades judaicas em dezenas de países.
A Declaração de Independência de Israel afirma que, obrigados ao exilio, os judeus esforçaram-se ao longo dos seculos por regressar ao país dos seus antepassados,
Trata-se de uma mentira que falsifica grosseiramente a História.
A grande diáspora é ficcional, como as demais. Apos a destruição de Jerusalém e a construção de Aelia Capitolina somente uma pequena minoria da população foi expulsa. A esmagadora maioria permaneceu no país.
Qual a origem então dos antepassados de uns 12 milhões de judeus hoje existentes fora de Israel?
Na resposta a essa pergunta, o livro de Shlomo Sand destrói simultaneamente o mito da pureza da raça, isto é da etnicidade judaica.
Uma abundante documentação reunida por historiadores de prestígio mundial revela que nos primeiros séculos na Nossa Era houve maciças conversões ao judaísmo na Europa, na Asia e na Africa.
Três delas foram particularmente importantes e incomodam os teólogos israelenses.
O Alcorão esclarece que Maomé encontrou em Medina, na fuga de Meca, grandes tribos judaicas com as quais entrou em conflito, acabando por expulsá-las. Mas não esclarece que no extremo Sul da Península Arábica, no atual Iémen, o reino de Hymar adotou o judaísmo como religião oficial. Cabe dizer que chegou para ficar. No seculo VII o Islão implantou-se na região, mas, transcorridos treze seculos, quando se formou o Estado de Israel, dezenas de milhares de iemenitas falavam o árabe, mas continuavam a professar a religião judaica. A maioria emigrou para Israel onde, aliás, é discriminada.
No Imperio Romano, o judaísmo também criou raízes, mesmo na Itália. O tema mereceu a atenção do historiador Díon Cassius e do poeta Juvenal.
Na Cirenaica, a revolta dos judeus da cidade de Cirene exigiu a mobilização de várias legiões para a combater.
Mas foi sobretudo no extremo ocidental da África que houve conversões em massa à religião rabínica. Uma parcela ponderável das populações berberes aderiu ao judaísmo e a elas se deve a sua introdução no Al Andalus.
Foram esses magrebinos que difundiram na Península o judaísmo, os pioneiros dos sefarditas que, apos a expulsão de Espanha e Portugal, se exilaram em diferentes países europeus, na Africa muçulmana e na Turquia.
Mais importante pelas suas consequências foi a conversão ao judaísmo dos Khazars, um povo nómada turcófono, aparentado com os hunos, que, vindo do Altai, se fixou no seculo IV nas estepes do baixo Volga.
Os Khazars, que toleravam bem o cristianismo, construíram um poderoso estado judaico, aliado de Bizâncio nas lutas do Império Romano do Oriente contra os Persas Sassânidas.
Esse esquecido império medieval ocupava uma área enorme, do Volga à Crimeia e do Don ao atual Uzbequistão. Desapareceu da Historia no seculo XIII quando os Mongóis invadiram a Europa, destruindo tudo por onde passavam. Milhares de Khazars, fugindo das Hordas de Batu Khan, dispersaram-se pela Europa Oriental. A sua principal herança cultural foi inesperada. Grandes historiadores medievalistas como Renan e Marc Bloch identificam nos Kahzars os antepassados dos asquenazes cujas comunidades na Polonia, na Rússia e na Roménia viriam a desempenhar um papel fulcral na colonização judaica da Palestina.

UM ESTADO NEOFASCISTA

Segundo Nathan Birbaum,o intelectual judeu que inventou em 1891 o conceito de sionismo, é a biologia e não a língua e a cultura quem explica a formação das nações. Para ele, a raça é tudo. E o povo judeu teria sido quase o único a preservar a pureza do sangue através de milénios. Morreu sem compreender que essa tese racista, a prevalecer, apagaria o mito do povo sagrado eleito por Deus.
Porque os judeus são um povo filho de uma cadeia de mestiçagens. O que lhes confere uma identidade própria é uma cultura e a fidelidade a uma tradição religiosa enraizada na falsificação da Historia.
Nos passaportes do Estado Judaico de Israel não é aceite a na
cionalidade israelense. Os cidadãos de pleno direito escrevem «judeu». Os palestinos devem escrever «árabe», nacionalidade inexistente.
Ser cristão, budista, mazdeísta, muçulmano, ou hindu resulta de uma opção religiosa, não é nacionalidade. O judaísmo também não é uma nacionalidade.
Em Israel não há casamento civil. Para os judeus, é obrigatório o casamento religioso, mesmo que sejam ateus.
Essa aberração é inseparável de muitas outras num Estado confessional, etnocracia liberal construída sobre mitos, um Estado que trocou o yiddish, falado pelos pioneiros do «regresso a Terra Santa», pelo sagrado hebraico dos rabinos, desconhecido do povo da Judeia que se expressava em aramaico, a língua em que a Bíblia foi redigida na Babilónia e não em Jerusalém.
O «Estado do Povo Judeu» assume-se como democrático. Mas a realidade nega a lei fundamental aprovada pelo Knesset. Não pode ser democrático um Estado que trata como párias de novo tipo 20 % da população do país, um Estado nascido de monstruoso genocídio em terra alheia, um Estado cuja prática apresenta matizes neofascistas.
O livro de Shlalom Sand sobre a invenção do Povo Judeu é, além de um lúcido ensaio histórico, um ato de coragem. Aconselho a sua leitura a todos aqueles para quem o traçado da fronteira da opção de esquerda passa hoje pela solidariedade com o povo mártir da Palestina e a condenação do sionismo.
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Vila Nova de Gaia, 31 de Dezembro de 2012~
*Shlomo Sand, «Comment fut inventé le peuple juif» Flammarion, Paris 2010

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

De punho em riste: quem é a garota que desafiou a ocupação israelense?

 


Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, enfrenta os soldados israelenses e diz que a dor já faz parte de sua vida



Oren Ziv/ ActiveStills no OPERA MUNDI



No meio de uma estrada deserta, cercada de paisagem árida, uma pequena menina com a insígnia da paz estampada no peito enfrenta dezenas de soldados, protegidos com capacetes e metralhadoras. O contraste da imagem choca, mas nem as armas em punho foram capazes de amedrontar a garotinha, que continuou a gritar e empurrar os oficiais em busca de respostas (veja o vídeo abaixo).
Os risos jocosos dos militares, que se entreolhavam em desprezo, apenas alimentaram o desespero e raiva da jovem. No fim, a única resposta recebida foi o disparo de balas de borracha. As imagens da bravura da menina, na reedição de uma espécia de batalha entre Davi e Golias, correram o mundo. Ahed Tamimi, de apenas 13 anos, queria apenas saber para onde o irmão, Waed, de 15 anos, havia sido levado durante os protestos do dia 2 de novembro em Nabi Saleh, pequeno vilarejo na Cisjordânia onde vivem.
Sentada na cama do hospital em Ramallah com a mão envolta em curativos, a palestina não reclama do ferimento de balas de borracha e conta que a dor já se tornou parte de sua vida. Filha do líder comunitário Bassem Tamimi, considerado pela União Europeia um “defensor dos direitos humanos” e pela Anistia Internacional “um prisioneiro de consciência”, Ahed já teve de lidar com o encarceramento de seus pais, a morte de dois tios e a violência cotidiana de soldados israelenses contra sua família e amigos.
“Eu lembro que o pior período da nossa vida foi quando prenderam o meu pai pela primeira vez e as autoridades israelenses não nos deram autorização para visitá-lo”, afirmou ela a Opera Mundi. Detido por oficiais israelenses por seu papel de liderança nos protestos pacíficos, Bassem teve de enfrentar a corte militar de Israel por 13 vezes e chegou a passar mais de três anos no cárcere sem nenhum julgamento.
Há mais de três anos, os residentes de Nabi Saleh se concentram toda sexta-feira às 13:30 no centro da vila e tentam caminhar com bandeiras da Palestina nas mãos até a Alqaws, fonte de água da cidade confiscada pelos oficiais israelenses em 2009 e agora, de uso exclusivo e livre acesso para os colonos. O recurso era necessário para as plantações na aldeia de predominância agrícola e também utilizado como local de lazer, mas Israel restringiu a visita a indivíduos e proibiu a construção de qualquer tipo de infraestrutura no local pelos palestinos.
ActiveStills (24/08/12)

Ahed e sua prima tentam impedir a prisão de sua mãe Nariman em um protesto contra os assentamentos em Nabi Saleh
“Toda sexta-feira, choques começam quando tentamos começar nosso protesto pacífico contra o assentamento que nos cerca”, conta a garota. Idosos, como sua avó de 90 anos, crianças, mulheres e homens são atingidos indiscriminadamente por munições e projéteis.
Com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e o líquido “skunk”, os soldados impedem que a passeata chegue ao seu local de destino, mas, pela primeira vez em junho deste ano, o grupo conseguiu entrar na fonte.
Depois dos primeiros protestos, as Forças de Defesa de Israel começaram a fechar todas as entradas e saídas da vila, impedindo a chegada de ativistas internacionais e de outras cidades palestinas e restringindo a manifestação às ruas da vila.
“O uso de todos os meios para finalizar o protesto pelas forças de segurança é excessivo e ocorre mesmo quando os manifestantes não são violentos e não representam ameaça. As forças disparam enormes quantidades de gás lacrimogêneo dentro da área urbana da vila, que é o lar de centenas de pessoas”, diz relatório da organização israelense B’TSelem. “Em um protesto, pelo menos 150 latas de gás lacrimogêneo foram disparadas”.
Mortes
Foi em uma dessas vezes que Ahed perdeu um de seus primos. Há exatamente um ano, Mustafa morreu quando foi baleado na cabeça com uma bomba de gás lacrimogêneo durante os protestos. De acordo com testemunhas, ele jogava pedras contra um tanque israelense e um soldado não identificado mirou a arma em sua cabeça.
ActiveStills

Ahed Tamimi (no fundo à direita), sua mãe, Nariman, abraçada a seu irmão, Waed, no funeral de Rushdi Tamimi
Mas, segundo organizações de direitos humanos e residentes de Nabi Saleh, os oficiais não usam inadequadamente apenas munições menos letais, mas também armas de fogo. No dia 19 de novembro, o tio de Ahed, Rushdi, policial palestino de 31 anos, faleceu de complicações médicas depois de ferimentos com balas de fogo no intestino.
Apesar da crescente repressão, Ahed e sua família continuam a participar dos protestos semanais na aldeia de 500 habitantes contra os assentamentos israelenses e o muro que separam os territórios.  Sob o argumento de que a manifestação é uma “reunião ilegal”, os oficiais prendem civis e tentam dispersar o grupo logo nos primeiros minutos.
Prisões
“Minha mãe disse a eles para saírem das nossas terras e o soldado, com raiva, respondeu que estávamos em uma zona militar. Minha mãe, então, disse a ele para retirar os colonos também e ele ordenou sua prisão”, lembra Ahed da manifestação do dia 24 de agosto (vídeo). Junto de suas primas, a garota protestou contra a detenção e acabou apanhando dos militares. Nariman foi libertada e logo, voltou a participar das manifestações com sua câmera e kit de primeiros socorros.
ActiveStills (24/08/12)

Nariman, coberta com o lenço palestino, é levada pelos oficiais israelenses; Ahed tenta impedir que eles levem sua mãe
Seu pai foi preso, novamente, no dia 24 de outubro deste ano em uma manifestação a favor do boicote contra o supermercado israelense Rami Levy e condenado a 4 meses de prisão e a uma multa de NIS 5 mil poucos meses depois de ter sido solto. Após uma semana, seu filho mais velho foi levado pelos soldados, mas permaneceu detido poucos dias na delegacia do assentamento Sha’as Benyamin.
“A prisão de Waed Tamimi enquanto ele estava andando pacificamente em sua vila aponta para o contínuo abuso do ativista Bassem Tamimi, de sua família e da comunidade de Nabi Saleh pelas forças militares israelenses”, afirmou Ann Harrison da Anistia Internacional. “Este abuso e assédio deve parar”, acrescentou ela.
Ocupação e os jovens: peça-chave para a repressão
A presença militar de israelenses não é restrita, no entanto, às sextas-feiras na vila palestina. A emissora israelense canal 10 junto com a B’TSelem denunciou que os oficiais fazem rondas noturnas em Nabi Saleh, nas quais invadem as residências dos palestinos e tiram fotos das crianças.
As Forças de Defesa usam as fotografias para identificar os menores que jogam pedras contra os oficiais nos protestos e depois, voltam às suas casas durante a noite para prendê-los. Segundo a organização palestina Addammeer, que luta pelo direito dos presos políticos, o depoimento desses jovens é fundamental para Israel construir denúncias contra os líderes do movimento. O interrogatório de uma criança de 10 anos que levou à prisão de Bassem.
Ahed conta que os oficiais estão por perto “toda vez que quero brincar com meus amigos, quando vou à escola e quando estou em casa”.
Oren Ziv/ActiveStills

Bassem e Nariman Tamimi se reencontram depois de periodo de encarceramento
Mesmo quando os soldados não estão por perto, os palestinos lembram diariamente de que sua terra está sendo ocupada e confiscada. Nabi Saleh, assim como toda a Cisjordânia, é cercada por um muro de 10 metros de altura e por todos os lados da aldeia, os apartamentos modernos dos colonos construídos ilegalmente em seu território podem ser vistos. A falta de parentes e amigos que estão presos ou foram mortos impedem que essas pessoas se esqueçam da sua realidade.
Sonhos de uma criança
“Eu gostaria que toda a minha família fosse libertada assim todos os outros prisioneiros palestinos logo e quero ver o meu grande sonho de um dia viver em uma Palestina livre”, afirma, com emoção, Ahed.
Reproduçao Facebook
O sentimento de tristeza e desespero estranho demais para a vida de uma criança também preocupa os pais de Ahed. “Durante as minhas visitas ao meu marido, Bassem me pediu que os corações dos nossos filhos fossem purificado de todo e qualquer ódio por conta das sementes de amor que plantamos neles”, reconhece Nariman. “Agora, nós estamos esperando por redenção, felicidade, justiça e liberdade”.
(Waed Tamimi vestido com lenço palestino durante protesto do dia 7 de dezembro para se proteger das bombas de gas lacrimogeneo)
A libertação nacional parece estar longe da vida de Ahed e dos Tamimi. Enquanto a família ainda enfrenta uma ordem de demolição de sua casa em Nabi Saleh, as autoridades israelenses já anunciaram que vão continuar com a expansão dos assentamentos nos territórios palestinos.
No entanto, o espírito de resistência dessa família não parece diminuir, apesar das seguidas provações pelas quais passaram. Metaforicamente, os Tamimi são a Palestina.

"O que Israel está fazendo com os palestinos é muito pior do que o apartheid sul-africano”.

          

Para Ronnie Kasrils, Israel só vai parar com o expansionismo e com a opressão de fora para dentro. “Um movimento de solidariedade internacional aos palestinos tem um papel muito importante. Foi assim que nós derrubamos o apartheid. Nós tínhamos razão. Levou tempo, mas Leclerc teve de libertar Mandela e dizer ‘vamos conversar’, que era o que nós dizíamos que tinha de ser feito. "Eu acredito que este é o aspecto mais importante da luta em solidariedade ao povo palestino. É preciso denunciar os assentamentos, mas é preciso boicotar, também. É preciso constrange-los materialmente, economicamente”, defendeu.


        
 


Ele tem 73 anos e nasceu numa comunidade judaica de Joanesburgo, formada por fugitivos do extermínio em Vilna e em Riga, na Lituânia, no início do século XX. Aos 9 anos, numa sessão de cine-notícias entre filmes, viu as imagens que começavam a circular, no mundo, dos campos de concentração nazistas. Voltou para casa e perguntou a sua mãe, a quem diz dever a sua consciência frente à opressão e à intolerância, se o que acontecia na sua vizinhança e no seu país, com a população negra, era a mesma coisa. Se a pobreza, a humilhação e a segregação a que estavam condenados pelos brancos era a mesma coisa que, no cine-notícia que acabara de ver, chamaram de antissemitismo. “A minha mãe, que não era uma intelectual, cuja família tinha uma delicatessen, mas que frequentou a escola até os 16 anos, disse que não, que não era a mesma coisa. Mas que aquilo que eu tinha visto e que tinha acabado de acontecer com o nosso povo na Europa tinha começado dessa mesma maneira que eu descrevera, ali (na África do Sul)”. Esse é o tipo de coisa que Ronnie Kasrils começa a contar, assim que senta na mesa e pede que nos apresentemos, para uma conversa com alguns dos mais proeminentes participantes do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que começa nesta quinta (29) e vai até domingo, em Porto Alegre.

Ronnie, ou “Ronaldo”, como ele gosta de se chamar, aqui, é um homem extraordinário e um sujeito adorável. Parece muito mais jovem, talvez pela exuberância, talvez pela natureza de seu compromisso moral com o mundo. É muito raro, quando se trata da questão palestina, que algum militante abra sorrisos tão largos e demonstre tamanho otimismo, como o faz Kasrils, um escritor, ativista, ex-ministro de estado da África do Sul pós-apartheid e membro do Tribunal Russell para a Palestina. Ele começou a falar de sua vida, de suas trajetórias e de suas escolhas. É difícil de acreditar, mas Kasrils, aos dez anos, fez parte do Betar, o movimento da juventude sionista criado por Ze'ev Jabotinsky, o pai do revisionismo sionista, um movimento de extrema direita, que defende o que chamam de Israel bíblica, algo que hoje implicaria a incorporação da Síria, do Líbano, da Jordânia e do norte do Egito. Ronnie contou esse fato pitoresco rindo, para em seguida deixar claro: “Éramos muito influenciados por um professor, que estimulava um sentimento de violência e de conflito, inclusive entre nós, e mesmo físico, como se isso nos fortalecesse, como um projeto pedagógico. Éramos meninos, tínhamos pouco mais de dez anos, mas entendemos que ele era doente. Era um louco”. O seu engajamento no Betar se desfez com essa descoberta e também com a entrada no ensino médio, num colégio da elite branca, onde conheceu um professor história, Teddy Gordon, também judeu, que lhe ensinou sobre a Revolução Francesa.

É difícil descrever à altura o brilho nos olhos do sul-africano, quando falou de seu professor, a quem atribui a mudança mais definitiva na sua vida. Ronnie Kasrils é um homem poderoso e mundialmente conhecido, pegou em armas com Mandela, foi ministro de estado, mas quem mudou a sua vida, em termos políticos, foi o professor de história que lhe deu aula sobre um acontecimento chamado Revolução Francesa. “Eu era, até então, um péssimo aluno, eu era um atleta, não era da ala dos intelectuais, como Richard Goldstone, que era meu colega. Mas quando esse professor começou a dar aula eu me tornei o melhor aluno, e saí do colégio de maneira promissora”, disse, sorrindo, convincente. Kasrils tem aquela capacidade rara de nos ensinar a mirar a história com ganas de atribuir-lhe sentido e com a confiança em tal coisa. A escolha por nos contar essa história, essa pequena parte dela, era uma operação deliberada e ao mesmo tempo refinada. Era como se ele estivesse nos dizendo: olha aqui, gurizada, eu passei a levar a sério um ponto de vista universalista e é deste ponto de vista que eu estou aqui.

A ligação com a esquerda judaica e a luta contra o apartheid sul-africano

“Mas eu também saí do Betar por uma outra razão”, conta, rindo. “As meninas do Habonim Dror eram muito mais bonitas” e, na época, Kasrils não era exatamente um militante da esquerda judaica socialista, que buscava criar um lar nacional judaico a partir da cultura e da educação e da vida kibutziana.

“O que me tornou de esquerda foi o massacre de Shaperville, de março de 1961, em que 69 militantes pacifistas negros foram mortos e centenas ficaram feridos. Ali eu tomei a decisão de que iria fazer alguma coisa. A minha família nunca foi militante, de esquerda, mas eu tinha um tio na Cidade do Cabo que era advogado e comunista. Eu peguei um ônibus e fui para a casa dele. Cheguei lá e disse: eu quero me juntar a vocês”. Ele nos olha bem sério, encosta-se na cadeira, abre um sorriso e completa: “Então foi assim que eu comecei. Eu tinha de pôr em contato os núcleos da resistência ao apartheid, os membros dos partidos comunistas, da esquerda. E o meu tio estava isolado, noutra cidade. Eu disse que iria fazer isso. E fiz”.

Quando Mandela convocou à luta armada, após os acontecimentos de Shaperville, Kasrils se juntou a ele. Treinou na União Soviética, recebeu formação militar e esteve em vários países africanos, quando se tornou chefe de inteligência militar do movimento Lança de Uma Nação, o braço armado do Congresso Nacional Africano, liderado por Nelson Mandela. Passou cinco anos na cadeia, perdeu o emprego como executivo de uma empresa de telefonia, foi perseguido e banido da comunidade branca sul-africana. E se tornou ministro de estado da África do Sul pós-apartheid. Foi então que se voltou para a questão palestina.

A luta contra o apartheid israelense

Com o fim do apartheid e a primeira eleição democrática da África do Sul, Kasrils se tornou ministro de estado. E, depois do ministério da defesa, foi nomeado ministro para assuntos de água e florestas, de 1999-2004. Nesse período, ocorreu a segunda intifada e o muro de anexação de territórios palestinos, pelo então governo de Ariel Sharon, começou a ser erguido, anexando territórios palestinos para construir assentamentos, esmagando casas e vilas palestinas, segregando bairros, vilas e famílias, dividindo a região e instaurando um sistema identificado pelo sul-africano como muito mais hostil que o apartheid sul-africano. Em 2001 ele redigiu a “Declaração de Consciência de Sul-Africanos Judeus”, contra as políticas israelenses nos territórios palestinos ocupados. Passou a ser acusado de antissemita, pela direita judaica local, e viajou para a Cisjordânia, como ministro para assuntos de água e florestas. Lá conheceu Jamal Juma, que dava início ao movimento de resistência não violenta Stop the Wall.

O que você defende como solução, os dois estados, as fronteiras da linha verde, um só estado para dois povos? Eu perguntei e isso parece não ter ecoado como uma questão a ser respondida. Kasrils olha para mim e diz que Israel só vai mudar, só vai parar com o expansionismo e com a opressão de fora para dentro. “Um movimento de solidariedade internacional aos palestinos tem um papel muito importante. Foi assim que nós derrubamos o apartheid. Nós tínhamos razão. Levou tempo, mas Leclerc teve de libertar Mandela e dizer ‘vamos conversar’, que era o que nós dizíamos que tinha de ser feito. Mas é preciso constranger economicamente, não apenas politicamente. O programa de Desinvestimento e de Boicote significou o começo do fim do apartheid e nós terminamos vencendo. Eu acredito que este é o aspecto mais importante da luta em solidariedade ao povo palestino. É preciso denunciar os assentamentos, mas é preciso boicotar, também. É preciso constrange-los materialmente, economicamente”, defendeu. Para Kasrils, o fato de que em Israel os cidadãos palestinos são cidadãos de segunda classe, com direitos limitados e sem o grau de liberdade civil dos israelenses configura apartheid. “No regime do apartheid, diante de um mestiço que não se sabia ao certo se era negro ou não, passavam um pente para ver se iria ou não deslizar sobre o cabelo. Caso o pente parasse, a pessoa iria para os setores dos negros”.

Em Israel não é assim, mas não precisa ser, lembrou. Há um muro que consegue separar as sociedades, anexando territórios dos palestinos, mas que afasta completamente os dois povos, promovendo limpeza étnica e criando “coisas como rodovias em que só judeus podem trafegar. Isso é uma violência que nem o apartheid sul-africano cometeu. O que o estado de Israel está fazendo com os palestinos é muito pior do que aquilo que acontecia no apartheid sul-africano”, concluiu.


A seguir, a chegada de Jamal Juma, o seu diagnóstico sobre a iminência da eclosão da Terceira Intifada e o pessimismo contrastante com o otimismo de Kasrils.


Fotos: Carlos Carvalho

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Para conhecer Outro Israel – o que luta pela paz


ESCRITO POR SERGIO STORCH   


O Brasil teve o privilégio de abrigar, na semana passada, o Fórum Social Mundial pela Palestina Livre (FSMPL), na cidade-berço dessa invenção que está na raiz do pensamento de uma nova cultura política. Lá se vão quase 13 anos desde que criamos este campo de novas possibilidades: “um outro mundo é possível”, conforme o dístico criado em sua fundação. Para alcançar o sentido da importância deste Fórum pela Palestina é importante lembrar a origem do FSM, nascido em 2001 por iniciativa de um grupo de brasileiros, bem conhecidos na nossa sociedade civil, desde a resistência à ditadura militar.

A este Fórum pela Palestina reagiram, apreensivos com possíveis impactos de protestos e manifestações, setores hegemônicos da comunidade judaica brasileira, manifestando pela mídia críticas aos governos federal, estadual e municipal de Porto Alegre, por apoiarem esse evento que, numa visão cartesiana, aparenta desafinação em relação ao discurso de equidistância dos polos do conflito: Israel e Palestina.

É, pois, oportuno registrar a existência de uma outra visão judaica. É bem antiga, remontando aos valores já expressos no Pentateuco, que trouxe em sua legislação o reconhecimento do outro, dos seus direitos e da responsabilidade de cada indivíduo com todos os demais, de seu povo ou estrangeiros. “V’ahavta l’reacha kamocha” (amai ao próximo como a ti mesmo) está nos ensinamentos da Torá, conforme o Rabi Akiva, ícone da ética judaica. Não há nada a temer. Rancor contra Israel haverá, podendo por vezes resvalar para chamamentos à destruição do país e para o antissemitismo rasteiro, como derivação de ignorância que existe de forma recíproca também da parte dos que apoiam incondicionalmente Israel. Todos conhecemos muito pouco de nossas matrizes e histórias, tanto das nossas quanto as dos outros povos. Aos que criticam o FSMPL e os governos que o acolhem, é bom estudarem um pouco.

E aqui vão algumas informações úteis para os que a ele se opõem precipitadamente ao FSMPL. As comunidades judaicas em todo o mundo enfrentam fissuras na pretensa unidade que lideranças institucionais procuram aparentar, tentando cobrir o sol com a peneira. Em Israel, o debate livre pela imprensa é a maior evidência.

Há um abismo, separando ao menos metade da sociedade israelense (que, segundo as pesquisas, apoiam a solução de Dois Estados) dos seguidores da coalizão de direita que está no governo há três anos. É bom lembrar que, em mandato anterior (1996-1999), o primeiro-ministro Benyamin Netanyahu já havia atentado contra os acordos celebrados em Oslo (1993), com o palestino Yasser Arafat, por seus adversários israelenses, Itzhak Rabin e Shimon Peres (atual presidente do país, de oposição). As seguidas procrastinações de Netanyahu, e as provocações feitas por ele, ao ampliarem os assentamentos de colonos judeus em territórios palestinos ocupados, fizeram vencer, à época, o prazo de cinco anos fixado em Oslo para um acordo de paz permanente.

Surgiu, em consequência, uma insatisfação crescente entre as massas palestinas, que explodiu, já de forma incontrolável, na segunda Intifada, no ano 2000. O primeiro-ministro é um personagem de convicções inabaláveis e perseverantes, que não hesita em abusar da memória de tragédias históricas sofridas pelos judeus para justificar uma estratégia míope, baseada tão somente na força militar.

A extensão do abismo que existe em Israel, e não é novo, pode ser apreciada por este trecho de uma carta de Leah Rabin (viúva de Itzhak Rabin, assassinado por um extremista judeu em 1995), na época do primeiro mandato do atual chefe de governo: “Netanyahu é um mentiroso corrupto que está destruindo tudo que nossa sociedade tem de bom”. (...) Netanyahu e seu governo não representam uma unidade dos judeus israelenses, nem tampouco dos judeus na maior comunidade da Diáspora, a estadunidense”.

Há um olhar judaico em Israel que busca – e encontra – o parceiro palestino. Ao contrário da propaganda desse governo manipulador do medo e da insegurança, que martela a ideia de que não existem parceiros para a paz, há inúmeros exemplos de parcerias. O escritor e jornalista israelense Amos Oz colabora com o filósofo palestino Sari Nusseibeh, reitor da universidade Al-Quds. O músico Daniel Barenboim teve como parceiro o maior intelectual palestino, Edward Said, para a formação da sua orquestra de jovens israelenses e árabes, hoje mantida pelo governo da Andaluzia, na Espanha. A cantora israelense Noa canta com sua amiga palestina Mira Awad. Há ex-soldados israelenses e ex-militantes palestinos da luta armada que se encontram no Combatants for Peace. O líder de direitos humanos Edward Kaufman (que levamos no dia 20/11 ao Itamaraty) leciona com um parceiro palestino sobre direitos humanos e resolução de conflitos (seu amigo Manuel Hassassian é embaixador da Autoridade Palestina na Inglaterra).

Nada mais falso do que a mistificação de que não há parceiros para a paz. Há 130 ONGs em que atuam ombro a ombro israelenses e palestinos na defesa dos direitos violentados pelas políticas dos governos israelenses, desde a detenção de prisioneiros sem culpa formada por tempo indeterminado, até a desobediência civil de mulheres israelenses que regularmente contrabandeiam mulheres palestinas para tomarem banho de mar em Tel Aviv ou Haifa.

Falemos da maior comunidade da Diáspora judaica, a estadunidense, cuja população (5 milhões) não é muito menor que a judaica israelense (6 milhões). A tradição liberal dessa comunidade, que teve líderes marchando ao lado de Martin Luther King nos anos 1960 e combatendo à guerra do Vietnã nos anos 70, se expressa hoje em organizações como o Jewish Voice for Peace(do qual rabinos participaram das flotilhas que chamaram a atenção do mundo para o bloqueio israelense a Gaza), o Tikkun (liderado pelo rabino Michael Lerner, que é ativista pela paz desde a resistência à guerra do Vietnã), e o JStreet, um lobby judaico no Congresso que se opõe ao mal-denominado “lobby sionista”, a AIPAC (The American Israel Public Affairs Committee).

Vale destacar que este último, embora financeiramente forte, é tão pouco representativo da maioria da comunidade judaica que sua campanha ostensiva por Mitt Romney nas últimas eleições (doação US$ 100 milhões só da parte do seu presidente, Sheldon Adelson, magnata dos cassinos de Las Vegas) foi respondida pela maioria, de 70%, do voto judaico em favor de Barack Obama. Esse lobby vem corroendo por dentro a democracia israelense, com o investimento em mídia impressa que hoje domina 90% dos leitores do país. E é abertamente aliado a outra força das mais retrógradas da sociedade estadunidense, o chamado “sionismo cristão”, dos fundamentalistas evangélicos, no qual atuam figuras do Tea Party que, como o ex-candidato Glenn Beck, vão a Israel para incitar à distância os seus seguidores nos Estados Unidos (vercomentário na imprensa israelense. A nata da extrema direita norte-americana tem a AIPAC como instrumento. Não pode ser denominada “lobby sionista” ou “lobby judaico”, pois nessa complexa sociedade há revistas progressistas de um século ou mais – The NationForward etc. –, povoadas por judeus destacados).

O anti-lobby JStreet (abreviação de Jewish Street, ou seja, a “rua judaica”) está no seu quarto ano de existência, e tem realizações constantes ao trazer para contato com congressistas e secretários de Obama pessoas eminentes de Israel, que incluem até mesmo generais e oficiais de alto escalão dos serviços de inteligência. Comparecem para demonstrar à opinião pública e aos políticos dos EUA a importância de pressionar o governo israelense no sentido de mudar de direção.

A arrogância dos próceres da diplomacia israelense, hoje chefiada por um ministro que lidera a extrema-direita no país, e visto por muitos embaixadores como destruidor de competências que Israel chegou a ter com figuras lendárias como Abba Eban, vai a ponto de pressionarem governos do Ocidente a não reconhecerem aos palestinos sequer o direito de fazerem parte de instituições como a Unesco. Atribuem ao terrorismo palestino uma natureza cultural dos muçulmanos, enquanto fecham aos palestinos os caminhos do combate não violento pelos seus direitos.

Vale ressaltar a linguagem eivada de ironia e intervencionismo, como a expressa nesta frase de um adido israelense ao Uruguai, por ocasião da celebração de acordo do Mercosul com a Autoridade Palestina: “o acordo do bloco do Cone Sul com a Palestina não é a melhor forma de estimular o processo de paz no Oriente Médio”. Qual seria a alternativa? Aprofundar oapartheid na zona C da Cisjordânia, com a construção de mais colônias de ocupação, enquanto não se dão licenças de construção para os moradores palestinos?

A realização bem-sucedida do Fórum Social Mundial pela Palestina Livre abre, no Brasil, uma oportunidade rara. Permite que brasileiros — de origem judaica, árabe ou qualquer outra — proponham um novo olhar: uma mirada de ação afirmativa que, em vez de recusar os direitos de um ou de outro lado, afirme e defenda esses direitos.

A primeira ação, que pode ter efeitos contínuos e duradouros, pode ser a proposta de um tratamento Fair Trade (Comércio Justo) para o azeite de oliva palestino. Chegaria às mesas de brasileiros dispostos a lutar pela paz. Permitiria, além de consumir um produto de qualidade e repleto de simbologia, estimular contatos com os que o produzem — desde o cultivo das oliveiras à industrialização artesanal. Lembraria que a oliveira, símbolo da paz, é plantada por gente comum que zela pela subsistência de suas famílias, e arrancada às vezes por vândalos, ou destruída por bulldozers que fazem a preparação do terreno para construção do muro de separação.

Importar e distribuir o azeite palestino será trazer ao conhecimento do consumidor-cidadão a existência de filmes como Budrus, que mostram a realidade na escala do humano de palestinos que resistem de forma não violenta, apoiados por israelenses com esse outro olhar.

Há inúmeras formas de intervirmos – nós, brasileiros – com uma pauta de ações afirmativas, no programa “Lado a lado: a construção da paz no Oriente Médio – um papel para as Diásporas”, lançado pelo Itamaraty e que certamente contará, mais cedo ou mais tarde, com apoio das lideranças judaicas mais esclarecidas.

Temos uma grande vantagem: é muito mais fácil arregimentarmos num movimento nesse sentido setores crescentes de uma comunidade pequena – e em certos aspectos provinciana, de 100 mil pessoas – do que seria possível na maior comunidade judaica, 50 vezes maior.

A oportunidade está à nossa frente. Em termos judaicos, poder-se-ia dizer que o Fórum Social Mundial está às vésperas de celebrar o seu Bar Mitzvá, o ritual que marca a passagem dos jovens para a responsabilidade moral pelos seus atos, aos 13 anos. Que possamos amadurecer ações afirmativas para celebrá-las no 13º FSM, na Tunísia, em abril de 2013.

Sérgio Storch é consultor em Planejamento, ativista de diversas causas ligadas à transformação social. Escreve em Outras Palavras a coluna Outro Israel

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MAHMUD DARWICH - POETA E RESISTENTE PALESTINO



O poeta Mahmud Darwich é uma das figuras mais notáveis da Palestina contemporânea. Personagem singular, Darwich conciliou a actividade intelectual (além de poeta foi prosador, ensaísta, jornalista) com a actividade de resistente contra a ocupação israelita, tendo-se tornado uma referência para o Médio Oriente. A sua poesia ultrapassou as fronteiras da geografia e tornou-se conhecida em todo o mundo árabe, que lhe conhece os versos e os recita de cor. A sua voz ergueu-se sempre, tanto através da escrita como na arena política, em defesa de uma Palestina independente, num combate em que lutou até aos seus últimos dias. Darwich, foi, de facto, durante a segunda metade do século XX, a voz e a consciência do Povo Palestino e o seu nome ficará indelevelmente registado na história da literatura e na história política, da Palestina e do Mundo.
Mahmud DarwichMahmud Darwich nasceu em Al-Birwa, uma aldeia da Galileia perto de São João d'Acre, então território sob mandato britânico, em 13 de Março de 1941. Após a criação do Estado de Israel, em 1948, a sua aldeia foi invadida e a família fugiu para o Líbano, onde permaneceu um ano. Quando regressaram a Israel, descobriram que a aldeia fora completamente arrasada e substituída por um colonato judaico. Instalaram-se, então em Deir Al-Assad, onde Mahmud frequentou a escola primária, tendo partido mais tarde para Haifa.
Publica o seu primeiro livro de poesia aos 19 anos: Asâfîr bilâ ajniha ("Pássaros sem asas"). Em 1964 começa a ser reconhecido a nível nacional, e mesmo internacional, como uma voz da resistência palestina com o livro Awrâq al-zaytûn ("Folhas de oliveira"), que inclui o célebre poema "Bilhete de identidade". Continua a escrever poemas e artigos em jornais e revistas, é preso várias vezes pelos seus escritos e actividades políticas e, em 1970, parte para a União Soviética, onde frequenta a Universidade de Moscovo. Em 1971, trabalha no jornal Al-Ahram, no Cairo e, em 1973, dirige, em Beirute, a revista Shu'un Filistiniyya (Assuntos Palestinos).
Ainda em 1973, Darwich adere à Organização de Libertação da Palestina (OLP), sendo, por isso, proibido de voltar a entrar em Israel. Em 1982 abandona Beirute, em consequência do bombardeamento israelita e exila-se no Cairo, depois em Tunis e por fim em Paris. Em 1987 é eleito para o comité executivo da OLP mas, na sequência dos Acordos de Oslo (1993), e como forma de protesto contra a atitude da OLP, que considerou demasiado conciliatória nas negociações, abandona a Organização. Finalmente, em 1996, Darwich é autorizado por Israel a instalar-se em Ramallah (Cisjordânia), onde se encontra o governo de Yasser Arafat. Com o cerco e ataque das tropas sionistas de Ariel Sharon a Ramallah, em 2002, muda-se para Amman, na Jordânia, embora volte algumas vezes aos Territórios Ocupados e a Israel. Em 2007, assiste, em Haifa, a uma sessão em sua honra organizada no Monte Carmelo pelo partido israelita Hadash (Frente Democrática para a Paz e a Igualdade) e pela revista Masharaf; aí discursa e lê poesia para milhares de pessoas. Doente cardíaco há longos anos, Darwich, realiza a sua última intervenção pública em 1 de Julho de 2008, em Ramallah, lendo poemas para uma vastíssima audiência, numa sessão que foi considerada a sua despedida dos palestinos.
Mahmud Darwich morreu em 9 de Agosto de 2008, com 67 anos, num hospital de Houston, nos Estados Unidos, na sequência de complicações decorrentes de uma delicada intervenção cirúrgica ao coração. Foi sepultado em Ramallah, junto ao Palácio da Cultura.
A obra de Darwich, composta por mais de 30 livros de poesia e de prosa, encontra-se traduzida em cerca de 40 línguas, e foi interpretada por diversos cantores, como o libanês Marcel Khalifa, que musicou e cantou vários dos seus poemas, entre os quais o famoso "À minha mãe". No cinema, devem assinalar-se dois documentários: "Mahmoud Darwich, et la terre comme la langue", realizado em 1997 para a televisão francesa por Simone Bitton e Elias Sanbar e "Écrivains des frontières", realizado em 2004 por Samir Abdallah e José Reynes. Neste momento, está a ser produzido um filme sobre Darwich, da autoria de Nasri Hajjaj, em que o realizador recolhe depoimentos de diversas figuras da vida cultural internacional que privaram com o poeta, e que será estreado no primeiro aniversário da sua morte.
A terminar, duas afirmações de Mahmud Darwich:
- "Triunfámos sobre o plano para nos expulsarem da História"
- "Um povo sem poesia é um povo vencido"
[Júlio de Magalhães]
 
TRÊS POEMAS DE MAHMUD DARWICH
 
 
BILHETE DE IDENTIDADE
 
Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono... chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos...
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio - sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes...
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai... é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês - um ser
Sem valor - nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou - Agrada-te?
Sou o meu nome próprio - sem apelido!
 
Toma nota!
Sou árabe
Os meus cabelos... da cor do carvão
Os meus olhos... da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
... esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada...
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens... trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?
 
Toma nota!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
... ao que dizem!
 
... Então
 
Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
 
(1964)
[Tradução de Júlio de Magalhães]
 
 
À MINHA MÃE
 
Tenho saudades do pão da minha mãe,
Do café da minha mãe,
Do carinho da minha mãe...
Estou a crescer,
De dia para dia,
E amo a vida, porque
Se morresse,
Teria vergonha das lágrimas da minha mãe!
 
Se um dia voltar, faz de mim
Uma sombrinha para as tuas pálpebras.
Cobre os meus ossos com a erva
Baptizada sob os teus pés inocentes.
Ata-me
Com uma mecha dos teus cabelos,
Um fio caído da orla do teu vestido...
E serei, talvez, um deus,
Talvez um deus,
Se tocar o teu coração!
 
Se voltar, esconde-me,
Lenha, na tua lareira.
E pendura-me,
Corda da roupa, no terraço da tua casa.
Falta-me o ânimo
Sem a tua oração diária.
Envelheci. Faz renascer as estrelas da infância
E partilharei com os filhos das aves,
O caminho do regresso...
Ao ninho onde me esperas!
 
(1966)
[Tradução de Júlio de Magalhães]
 
 
ESTRANGEIRO NUMA CIDADE DISTANTE
 
Quando eu era pequeno
E belo,
A rosa era a minha morada,
E as fontes eram os meus mares.
A rosa tornou-se ferida
E as fontes, sede.
- Mudaste muito?
- Não mudei muito.
Quando voltarmos à nossa casa
Como o vento,
Olha para a minha testa.
Verás que as rosas são agora palmeiras,
E as fontes, suor,
E voltarás a encontrar-me, como eu era,
Pequeno
E belo...
 
(1969)
[Tradução de Júlio de Magalhães]

O Estado da Palestina


Politicamente a vitória da Palestina é incontestável, com uma maioria absoluta dos votos (138 favoráveis, 9 contrários e 41 abstenções) que ajudam a apagar (ou ao menos diminuir a lembrança) a recusa do Conselho de Segurança, em 2011, de aprovar a entrada da Palestina na ONU



O que se pode esperar agora do processo de paz entre Israel e Palestina após esta ter sido finalmente reconhecida como Estado não-membro (observador) da ONU, um status semelhante ao do Vaticano?
Politicamente a vitória da Palestina é incontestável, com uma maioria absoluta dos votos (138 favoráveis, 9 contrários e 41 abstenções) que ajudam a apagar (ou ao menos diminuir a lembrança) a recusa do Conselho de Segurança, em 2011, de aprovar a entrada da Palestina na ONU.
Aumenta a pressão internacional e, sem dúvida, ajuda a reclamação palestina sobre os territórios ocupados.
Se, através de inúmeras resoluções, a ONU já reconheceu o direito dos palestinos aos territórios que lhe forma usurpados ou estão sendo (como Jerusalém Orienta, por exemplo), agora a coisa muda de figura. A ONU não reconhece posse ou soberania sobre territórios conquistados por guerra, invasão ou ocupação, mas o status indefinido da Palestina dificultava a aplicação desta norma. Agora, não há mais desculpas e a ilegalidade das ocupações é ainda mais flagrante.
Torna-se mais difícil para Israel sustentar a ocupação anterior e futuras anexações do território de um Estado, e não apenas de uma entidade política indefinida. Agora Israel não ultrapassa barreiras criadas por si, mas ultrapassa e desrespeita fronteiras definidas pela ONU e por um Estado soberano.
A Palestina pode, ainda, recorrer ao Tribunal Penal Internacional e outros fóruns internacionais e buscar uma condenação de Israel contra seus inúmeros e repetidos crimes de guerra, ainda que seus efeitos possam ser meramente cosméticos, em uma guerra de propagandas isto conta bastante.
Outra vitória palestina foi a de impor, ao mesmo tempo, duras derrotas a Israel e aos EUA, do prêmio Nobel da paz Barack Obama. Exceto por Canadá e República Tcheca, apenas os costumeiros protetorados estadunidenses ficaram ao lado de Israel, demonstrando que, ao menos neste assunto, a influência dos EUA é limitada ou que, talvez, tenha crescido a insatisfação pela falta de soluções propostas pelos aliados de Israel.
A abstenção do Reino Unido não foi uma surpresa, dada a proximidade deste país com os EUA, nem o voto do Paraguai governado por golpista. Por outro lado, a Espanha e seu voto favorável - pese a posição contrária anterior de Mariano Rajoy - surpreende devido aos "problemas" domésticos que enfrenta em termos de autodeterminação dos povos, um instrumento muitas vezes esquecido ou sufocado à base da força por diversos Estados.
Foi uma pequena vitória palestina na ONU, de efeitos práticos limitados, especialmente no que concerne a recuperação de suas terras, o Direito de Retorno e o bloqueio criminoso a Gaza.
Ainda assim, foi uma vitória
Mas nem tudo é motivo para festa. As eleições em Israel se aproximam (menos de dois meses) e as autoridades do país não escondem sua insatisfação com a decisão da ONU - a qual consideram "unilateral" - e o resultado das eleições pode ser diretamente influenciado, ampliando o poderio e os discursos de extrema-direita e os anseios por extermínio.
A minoria palestina com cidadania israelense pode vir a sofrer os primeiros golpes e o bloqueio pode se tornar ainda mais criminoso. Gaza, que já é o maior campo de concentração do mundo, tende a ver a situação piorar caso o discurso de extrema-direita se fortaleça ainda mais e prevaleça.
Mas o pior dos efeitos da decisão é político
Fecha-se a porta para outras opções para a resolução do conflito. Acaba-se a via do Estado único, laico, com poder compartilhado por uma via em que teremos um Estado nuclear, governado por uma extrema-direita disposta a todos os crimes de guerra para assegurar seu poder e movida pelo medo e ódio, e um Estado palestino fraco, ocupado, sem exército ou possibilidade de formar uma força digna desse nome e sem sequer fontes de renda própria, dividido em dois e com imensas fraturas internas.
Esta situação se perpetua já a longos anos e não dá mostras de se alterar. O Hamas acabou por ceder e apoiar o reconhecimento na ONU, mas não por vontade própria e sim pela situação de isolamento e enfraquecimento interno (seu governo é mal avaliado em Gaza e um de seus maiores parceiros, o sírio Assad, ameaça cair). Aceitar uma solução de dois Estados equivale a reconhecer Israel enquanto Estado, algo que o Hamas se recusa desde sua fundação.
O grande vencedor, porém, é Mahmoud Abbas, que detém hoje o controle da ANP (Autoridade Nacional Palestina) e sua facção, a Fatah, que vinha sofrendo diversos golpes de grupos de esquerda, membros da OLP (Organização pela Libertação da Palestina), em eleições locais e junto à população.
Os EUA saem como grandes derrotados ao verem seu lobby pró-Israel não resultar em convencimento junto aos demais Estados-membro da ONU e também pelo esgarçamento de sua relação com Israel, que já vinha sendo objeto de debates e desconfiança.
Enfim, entre vitoriosos e derrotados, os Palestinos conseguiram sair de cabeça erguida e derrotaram Israel e os EUA de forma incontestável. A retaliação pode ser imensa e dolorosa, mas para muitos o esforço foi válido. Resta agora aguardar os desdobramentos e torcer para que as próximas eleições israelenses sejam um marco de mudança, ainda que isto seja improvável. Na Palestina, a esperança é a de um entendimento entre Hamas e Fatah e a possibilidade de um acordo entre as facções para negociarem unidas o fim do bloqueio à Gaza e as futuras campanhas de resistência e ações no âmbito internacional possíveis com a conquista de um novo status.

Raphael Tsavkko Garcia é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. 
Blog do Tsavkko - The Angry Brazilian

domingo, 2 de dezembro de 2012

Direito de retorno a terras é inegociável, dizem palestinos em Porto Alegre



Ativistas árabes defenderam o direito de retornarem a terras ocupadas por Israel | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Samir Oliveira no SUL21
Um dos últimos painéis do Fórum Social Mundial Palestina Livre, realizado na manhã deste sábado (1) em Porto Alegre, discutiu o direito que os palestinos têm de retornar às suas terras originais – que lhes foram tolhidas com a criação de Israel e seu consequente projeto expansionista.


Os ativistas sustentam que Israel não vêm assegurando o direito de retorno dos palestinos, que já foi reconhecido pela ONU, em sua resolução 194, de 1948. O coordenador do Comitê Palestino em Defesa do Direito de Retorno, Omar Assaf, lamentou que essa luta ainda seja contemporânea.
“Desafio alguém a dizer que, nos últimos 200 anos, qualquer outro povo no mundo tenha sido transferido de território graças à ocupação de outras pessoas. A comunidade internacional ajudou a promover esse crime contra os palestinos, expulsando-nos de nossas terras”, criticou.
Dentre os ativistas palestinos, o direito de retornar às suas terras originais é tão essencial quanto o da constituição de um Estado soberano. “O direito de retorno é a base fundamental dos direitos tradicionais palestinos. É um direito individual, coletivo, histórico, indivisível e irrenunciável. E as negociações com Israel até hoje têm significado um retrocesso dessa pauta”, lamentou Omar Assaf.
Integrante do escritório político da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), Omar Shehadeh, disse que a criação de Israel teve, desde o início, um papel estratégico para as grandes potências mundiais. “Não foi simplesmente a construção de um Estado, foi um projeto estratégico e expansionista. Israel é o protetor dos interesses imperialistas e capitalistas no Oriente Médio. Passa ao mundo a imagem de ser a única democracia da região, um modelo a ser seguido”, criticou.
Omar Assaf disse que comunidade internacional apoiou ocupação de terras por Israel | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Integrante de um dos partidos mais à esquerda dentro da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), Omar Shehadeh entende que Israel necessita da opressão aos palestinos para sobreviver. “O sionismo se estabelece sobre a negação de direitos ao povo palestino. É um Estado racista e criminoso que não respeita o direito internacional”, qualificou.
Para o ativista, é preciso rever os acordos de paz selados em Oslo, sob a benção do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, e “estabelecer uma nova estratégia de resistência, sob a luz do direito internacional”.
Husam Zomlot, uma liderança mais jovem do Al-Fatah – partido que governa a Autoridade Nacional Palestina (ANP) com o presidente Mahmoud Abbas -, disse que as negociações que ocorriam entre a ANP e Israel sempre impuseram derrotas ao povo palestino. “Não eram processos de paz, eram processos de desarticulação da nossa luta por um Estado soberano”, observou.
Ele defendeu o direito de os palestinos resistirem militarmente às ocupações israelenses em seus territórios. “Eu nasci em um campo de refugiados e não vou negociar com ninguém o direito legítimo que tenho de retornar a minha terra. Israel saiu do Egito e do Líbano porque foi derrotado nessas regiões. O Estado de Israel só entende uma linguagem: a da resistência. Temos o direito de lutarmos com todos os recursos possíveis, inclusive com as armas”, conclamou.
Jornalista espanhola relata cobertura de áreas conflagradas na Cisjordândia
A jornalista espanhola Teresa Aranguren esteve presente no Fórum Social Mundial Palestina Livre e falou sobre sua experiência na cobertura da região. Ela participou da conferência “Direito de retorno e autodeterminação”, na manhã deste sábado (1), na Usina do Gasômetro.
Teresa foi uma das primeiras jornalistas a ingressar na cidade de Jenin, na Cisjordânia, após ela ter sido invadida pelo exército de Israel em 2002. “Mais de 100 edifícios foram destruídos. Eu ouvi um soldado isralenese comemorar, dizendo que haviam construído um imenso campo de futebol”, contou.
Teresa Aranguren esteve na cidade de Jenin, na Cisjordânia, após a invasão do exército israelense | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Ela recordou que as pessoas ficaram por três semanas sujeitas ao toque de recolher imposto pelos israelenses. “Quem saísse de casa saía para a morte. Após três semanas, homens e mulheres olhavam apavorados para a destruição dos seus bairros”, relatou.
A lembrança que mais marcou a jornalista foi a de uma mulher que estava sentada sob os escombros de sua casa, cercada pelos filhos pequenos. “Era um dia muito quente e ela voluntariamente me ofereceu uma garrafa de água. Não foi um gesto apenas de solidariedade e de hospitalidade, como é bastante comum na Palestina e no mundo árabe. Foi um gesto de resistência. Ao me oferecer água, ela estava reafirmando sua identidade e seu poder sobre aquele território. Era como se ela dissesse: ‘Eu sou a anfitriã deste lugar, sou uma mulher árabe e não deixarei de tratar bem quem vier à minha casa’”, recordou Teresa, emocionada.
Para Teresa, a situação da Palestina não irá se modificar enquanto as grandes potências continuarem apoiando Israel. Mas ela entende que, enquanto a conjuntura política mundial não se altera drasticamente, a maior arma de resistência é a memória. “A própria existência de refugiados é uma afronta para Israel, pois comprova os crimes de origem. É preciso recordar disso sempre e não deixar que a versão transmitida por Israel se torne uma verdade absoluta”, defendeu.