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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Denúncias de trabalho escravo envolvem grifes de Buenos Aires 0




Para quem reclama que a mídia só veicula denúncias de trabalho escravo na produção de roupas de grife quando elas ocorrem no Brasil (como se isso apagasse a nossa responsabilidade nesses casos): flagrantes recentes revelam que, assim como em São Paulo, Buenos Aires também vende roupas caras produzidas com a exploração de escravos. A matéria é de Daniel Santini, da Repórter Brasil, que foi à capital da Argentina para mostrar que o modelo adotado nas oficinas clandestinas de lá é bastante parecido com o que ocorreu aqui na produção de marcas como Gregory e Zara. Segue o texto.
Polícia protege loja em meio a protestos após denúncia de escravidão

“Trata-se de algo sistemático e não pontual. O mesmo modelo que existe no Brasil, existe aqui”, explica Gustavo Vera, da Fundação Alameda, organização que denunciou mais de 100 marcas nos últimos anos, incluindo casos que ganharam destaque, como o das grifes Soho e Cheeky, esta última ligada à Juliana Awada, esposa do prefeito de Buenos Aires, Maurício Macri.
Assim como nas oficinas clandestinas de São Paulo, os costureiros escravizados na Argentina, bolivianos em sua maioria, cumprem jornadas de mais de dez horas por dia, sem descansos semanais e em condições degradantes. Os locais de trabalho funcionam como habitação também, em um ambiente em que famílias são obrigadas a compartilhar quartos apertados, em uma confusão de máquinas, agulhas, linhas e crianças. São ambientes escuros, sem iluminação adequada para costurar, sem ventilação, sem nada. Em um contexto em que direitos trabalhistas como horas extras, férias ou descanso remunerado são ignorados, os trabalhadores são pagos por produção – e normalmente produzem sem parar.
As peças, vendidas a intermediários a preços baixos, acabam com etiquetas caras nas prateleiras das lojas mais luxuosas da cidade. “O pior é que, nas denúncias que fizemos, muitos ficaram chocados não com as condições degradantes, mas com o fato de vestidos e camisas comprados a preços caríssimos terem custado tão pouco na produção. As pessoas se sentem enganadas e isso provoca até mais revolta do que a escravidão em si em alguns casos”, diz Lucas Schaerer, da equipe de jornalismo investigativo da Alameda. As denúncias feitas pelo grupo, baseadas em apurações cuidadosas e registros detalhados, inclusive com o uso de câmaras ocultas, têm servido como subsídio para o combate à prática no país e que ajudado a explicitar a exploração degradante de pessoas.
Entre os problemas recorrentes nas oficinas clandestinas, estão os fios expostos em redes elétricas irregulares instaladas ao lado de estoques de tecidos, combinação que, não raro, resulta em incêndios com mortes. Foi em um deles que, em março de 2006, seis pessoas morreram, entre elas quatro crianças e uma mulher grávida que viviam no mesmo local em que trabalhavam, a oficina Luis Viale. A tragédia expôs as condições degradantes a que trabalhadores do setor têxtil estão submetidos e deu força para o combate à prática. O episódio é considerado emblemático para os que lutam contra o trabalho escravo no país.
Os mecanismos institucionais e legais para o combate ao trabalho escravo contemporâneo ainda estão sendo construídos na Argentina (leia especial com os principais documentos e leis de combate ao trabalho escravo na Argentina). Se no Brasil a fiscalização foi centralizada nos grupos móveis de combate ao trabalho tscravo, do Ministério do Trabalho e emprego, no país as ações ainda não foram unificadas e reúnem agentes do trabalho municipais e federais, representantes do poder judiciário e até a AFIP, órgão equivalente à Receita Federal brasileira, que tem tido papel importante em especial no combate ao tráfico de pessoas.
As ações de responsabilização das grandes marcas têm se baseado na combinação da Lei de Trabalho Domiciliar (Lei 12.1713 – artigos 4, 35 e 35, principalmente), que prevê a responsabilidade do contratante mesmo em casos de terceirização, e na Lei de Migração (Lei 25.871), que condena a exploração de estrangeiros. De acordo com María Ayelén Arcos, pesquisadora do curso de Antropologia da Universidade de Buenos Aires, muitos dos empresários flagrados tentam se eximir da responsabilidade argumentando que desconheciam as condições dos que vivem nas oficinas. Também ligada à Alameda, ela tem estudado como se organizam as redes envolvendo oficinas clandestinas na cidade e ressalta que assim como no Brasil, a Justiça têm considerado que existe sim responsabilidade direta, mesmo no caso de terceirização da produção.
Há casos em que, semelhante ao que acontece na Itália com bens de redes mafiosas, equipamentos caros como máquinas de costura especializadas foram confiscados e destinados a cooperativas de trabalhadores do setor. A escravidão está prevista no artigo 140 do Código Penal argentino. Fortalecem o combate e a prevenção a Lei de Trata de Personas (tráfico de pessoas, em espanhol), promulgada em 2008, e legislações locais, como a Lei de Assistências a Vítimas da Capital Federal (Buenos Aires). A Argentina também é signatária das Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbem o trabalho escravo.

terça-feira, 3 de julho de 2012

E se os lucros das montadoras ficassem no Brasil?




Montadoras estão planejando demitir, apesar do aumento de vendas trazido pela redução de IPI. General Motors e a Volkswagen abriram programas de demissão voluntária, sendo que a GM estuda fechar a linha de montagem de veículos de São José dos Campos e extinguir 1.500 vagas, segundo o sindicato de metalúrgicos local. A informação é de matéria publicada nesta terça (3) pela Folha de S.Paulo, apontando que as empresas estão preocupadas que isso seja euforia passageira.
Outra matéria, do jornal Estado de S. Paulo, aponta que, desde o início da crise econômica internacional, o governo abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para indústria automobilística. E, nos últimos três anos, as montadoras enviaram US$ 14,6 bilhões ao exterior, o que dá cerca de R$ 28 bi em valores de hoje.
Brasileiros e brasileiras, um valor semelhante à nossa renúncia fiscal foi exportada para ajudar a manter as matrizes dessas empresas que não haviam se preparado para lidar com a crise.
O governo não consegue garantir, de fato, que as montadoras aqui instaladas não demitam trabalhadores por conta desses benefícios. Muito menos consegue a autorização delas para que sejam colocadas na mesa outros temas importantes, como um controle mais rígido sobre a cadeia produtiva dessas empresas. Hoje, ao comprar um carro, você não tem como saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram obtidos através de mão-de-obra escrava e trabalho infantil ou se beneficiando de desmatamento ilegal. Por que? Porque essas empresas não rastreiam como deveriam os fornecedores de seus fornecedores, apesar das comprovações de ilegalidades apontadas pelo Ministério Publico Federal e pela sociedade civil.
Quando anunciadas, essas políticas são consideradas a salvação da pátria. Mas a história mostra que as coisas não são tão simples assim. Até porque é exatamente nesses momentos que a indústria aproveita para fazer aquele ajuste tecnológico básico, tornando mais gente desnecessária.
Durante o pico da crise de 2008, a General Motors demitiu 744 trabalhadores de sua fábrica em São José dos Campos (SP) sob a justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter recebido apoio dos governos da União e do Estado de São Paulo no sentido de facilitar a compra de seus produtos por consumidores. O setor também é beneficiário de recursos oriundos de fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ou seja, pertencente aos trabalhadores.
Carpideiras do mercado disseram e escreveram, na época, que o Ministério do Trabalho e Emprego e sindicatos faziam uma chiadeira irracional, pedindo contrapartidas à cessão de linhas de crédito ou corte de impostos. Atestaram que empresas não podem operar esquecendo que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando a taxa de lucro média para continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que não dá para esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o trabalho em uma crise.
Essa “regra do jogo” me faz lembrar um restaurante self-service. Você passa com a bandeja e escolhe o que quer e o que não quer para o almoço. O que é bom para você, coloca no prato. O que é ruim, fica para a massa se servir depois. Traduzindo: o Estado tem que garantir e ajudar o funcionamento das empresas, mas as empresas não podem sofrer nenhuma forma de intervenção em seu negócio. Um liberalismo de brincadeirinha, de capitalismo de periferia, com um Estado atuante, mas subserviente do poder econômico, em que o (nosso) dinheiro público deve entrar calado para financiar os erros alheios. Privatizam-se lucros (que depois são exportados), estatizam-se prejuízos.
O governo tem a obrigação sim de exigir contrapartidas de quem vai receber recursos ou benefícios devido à crise econômica – aliás, este é o momento ideal para isso. Quando as empresas estiverem surfando novamente, após este ciclo recessivo mundial passar, vai ser mais difícil colocar cartas na mesa como agora.
Em momentos de crise como esse é que direitos trabalhistas e sociais têm que ser reafirmados, garantidos, universalizados e não o contrário. Pois é nesta hora que a população que sobrevive apenas de seu salário está mais fragilizada. E é em momentos como esse que sabemos quem é socialmente responsável e não aquelas que fazem propagandas na TV com carros cruzando lindas estradas cheias de macacos-prego-do-piercing-amarelo para mostrar é verde.
Em 2008, li depoimentos de montadoras dizendo que os trabalhadores tinham que entender que esta é uma crise global e muitas de suas sedes estão passando sérias dificuldades, correndo o risco, inclusive de fechar. O que é mais um caso self-service. Lembro um exemplo que pode ser ilustrativo: um dia, questionei a Ford, nos Estados Unidos, sobre o porquê de não atuar de forma mais incisiva para evitar que suas subsidiárias em países como o Brasil estivessem inseridas em cadeias produtivas em que há crimes ambientais ou trabalho escravo. Como resposta, disseram que há independência entre as ações da matriz e das subsidiárias e que as matrizes não podem interferir, apenas pedir que atuem de acordo com a legislação.
Ótimo! Tá resolvido o problema. Pois, elas não vão se incomodar se o Brasil regular o envio de remessas de lucros para o exterior, utilizando os recursos para ajudar a passar a tempestade de forma mais suave por aqui. E não estou falando em reestatizar a nossa renúncia fiscal porque o leite já foi derramado, mas de que as empresas invistam mais por aqui. De uma forma diferente, reorganizando o setor em padrões mais sustentáveis, por exemplo. Seria um bom momento para mudar a matriz de produção em direção a algo com menos impacto social e ambiental (o Estado poderia fazer isso diretamente, mas prefere injetar recursos em atores que professam modelos de desenvolvimento antigos e depois pede calma em encontros como a Rio+20 – vai entender).
Afinal de contas, já que muitas empresas não se incomodam tanto com a qualidade de vida dos trabalhadores em toda a sua cadeia de valor (da produção do carvão ao chão de fábrica), por que se incomodariam com o resultado dos lucros desse trabalho, não é mesmo?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Na China, a vida segundo a Apple


A gigante taiwanesa Foxconn, primeira fornecedora mundial de eletrônicos e principal empregador privado da China, está cada vez mais espremida em seu bunker gigante em Shenzhen Longhua. A companhia se desloca para Dongguan, depois a Sichuan, local emblemático da sua renovação industrial
por Jordan Pouille no LeMondeBrasil
(Trabalhadores da Foxconn participam de celebração de "valorização da vida", em Longhua, na província de Guangdong)

"É a primeira vez que eu falo com um estrangeiro. Você conhece o Michael Jackson? Tenho todas as músicas dele no meu telefone!”
É meia-noite e meia e estamos diante da entrada de Hongfujin, um braço da Foxconn dedicado ao iPod. Na umidade noturna de Longhua, na periferia de Shenzhen Longhua, um grupo de cozinheiros ambulantes, com o fogareiro a gás soldado na garupa do triciclo, veio concorrer com a cantina da fábrica. Eles atiçam esses milhares de jovens em jaquetas rosa ou pretas que deixam o local de trabalho com a barriga vazia. Alguns estão curiosos e nos abordam de maneira cândida e brincalhona. Para os clientes sentados em volta do carrinho de Bo Zhang, a porção de yakisoba sai por 3 yuans.1 Sozinho, Bo prepara ao menos mil por dia. “Os chefes da Foxconn preferem manter seus empregados perto das fábricas durante a pausa para a refeição. Então, assim que a gente chega, esses safados abaixam o preço dos pratos da cantina para 1,50 yuan, em vez dos 4 yuans que custam normalmente!”
Bo Zhang é um ex-operário da Foxconn. Ele trabalhava na oficina de laminagem das tampas metálicas dos MacBooks, em uma sala malventilada e barulhenta, de calor sufocante; a poeira de alumínio recobria sua pele e seus cabelos. Na época, os operários não apenas não tinham nenhum contato com a hierarquia taiwanesa, mas até mesmo os executivos chineses evitavam qualquer relação com seus pares taiwaneses, que eram os que decidiam. Todos os seus pedidos para mudar de área eram recusados. Ele deixou a fábrica depois de um ano, em maio de 2010. Para voltar melhor. “Agora, são os operários que me fazem viver”, diverte-se. Em volta do seu restaurante improvisado não tem guarda: apenas uma multidão de jovens cansados, que preferem a simpatia de Bo à disciplina estrita que reina na Foxconn, do outro lado dos portões de segurança. Segundo eles, as humilhações e as punições dos chefes das oficinas pararam depois do escândalo dos suicídios em série, durante o primeiro semestre de 2010.2
“Os gerentes são bem mais discretos. Na verdade, não os ouvimos mais. Se temos a cabeça no lugar, dá para levar. Eu trabalho de pé, mas tenho uma pausa de dez minutos a cada duas horas”, conta-nos Yang,3 21 anos e muito magro. Seu colega, Cao Di, se lembra das vexações passadas: “Quando a meta de produção não era atingida, precisávamos refletir sobre nossos erros ficando de pé, de frente para a parede, durante seis horas”.
Apesar de tudo, a regra continua severa: “Evidentemente, deixamos nossos telefones celulares na entrada e não podemos nem ir ao banheiro, nem falar, nem beber um gole de água durante o trabalho”. É preciso esperar as pausas. Juntos, os dois jovens embalam 8 mil iPads por dia, das 8h às 19h. “Desde os da primeira geração, em 2010”, precisa um, com orgulho.
Foi aqui, em 1988, em Longhua, na periferia de Shenzhen, que o fundador taiwanês da Foxconn, Terry Tai Ming Gou, construiu sua primeira fábrica chinesa. Fechados em um galpão de 3 quilômetros quadrados cercado pelos dormitórios, 350 mil operários fabricam ali, dia e noite, as impressoras e os cartuchos de tinta Hewlett-Packard (HP), os computadores Dell ou Acer, os e-Readers Kindle da Amazon, os Playstations da Sony e todos os produtos da Apple.
Diante da insaciável demanda mundial suscitada pelos produtos da Apple, a Foxconn construiu duas fábricas suplementares, ainda maiores: uma em Sichuan para os iPads e a outra em Henan para os iPhones. A produção começou em 30 de setembro de 2010 na primeira e em agosto de 2011 na segunda. Cada uma emprega cerca de 200 mil operários.
Em Shenzhen, desde a manhã, homens de terno escuro, imperturbáveis, jogam baralho em uma sala enfumaçada. Eles administram uma dezena de dormitórios com fachadas azulejadas, como existem em todo canto em Shenzhen. Esses gerentes recebem os aluguéis de 12 mil operários apertados nos 1,5 mil quartos (moças e rapazes separados), em nome de um rico proprietário.
Por falta de espaço suficiente, a Foxconn abriga apenas 25% da sua mão de obra, num “campuscom piscina olímpica, salões de ginástica e hospitais”, clamam os comunicados de imprensa. A imensa maioria do pessoal ocupa então os dormitórios privados construídos de qualquer jeito, colados uns aos outros, em terrenos sem nome de rua. Os operários se encontram assim à mercê dos comerciantes de todo tipo e dos hoteleiros gananciosos sobre os quais a firma taiwanesa não tem nenhum controle.
De sua pick-up sofisticada, os policiais de Longhua acionam uma câmera rotativa. Seu medo são as tentativas de manifestação recorrentes na província; por outro lado, eles parecem muito mais tolerantes com relação aos incontáveis bordéis camuflados em karaokês ou em salões de massagem. Enfrentando as denúncias, a Foxconn declara: “Nunca tentaríamos recorrer ao trabalho de menores. Se casos foram descobertos, foi porque os trabalhadores utilizaram documentos falsos e pareciam mais velhos do que sua idade”, já declarou a empresa. Investigações feitas pela Apple em 2011 mostraram a presença de crianças em cinco dos seus fornecedores.4
Em Longhua, a ingenuidade da mão de obra só se equipara a seu apetite consumista. Após a saída das fábricas, os operários nadam em um universo de tentações abordáveis. Os dormitórios mais próximos das saídas da fábrica (Norte, Sul, Leste, Oeste) estão repletos de publicidades luminosas e sonoras de telefones celulares ou bebidas energéticas. Na rua, os jovens são pescados pelo megafone: pelúcias gigantes, bijuterias vagabundas... ou até jaquetas Foxconn falsificadas, a 35 yuans cada, “para o caso de eles terem perdido aquela dada pela direção no dia da contratação e que eles devem usar obrigatoriamente seis dias por semana”, diz a vendedora.
Longe do barulho, embaixo de uma loja de cobertores, ressoam os cantos de uma igreja evangélica que conseguiu escapar do departamento de assuntos religiosos de Shenzhen. “Deus os chama”, podemos até ler em letras verdes e vermelhas na janela do primeiro andar. Desde sua abertura, há cinco anos, operários da Foxconn vêm rezar, chorar e cantar ali, de dia e de noite. Suas doações já permitiram comprar um pequeno piano e financiar os deslocamentos de um pastor que mora em Dongguan. Por enquanto, nada que perturbe as autoridades.
E também, em abril de 2011, um milagre: o metrô finalmente chegou a Longhua. A cada oito minutos, um trem com ar condicionado para no terminal de Qinghu, na Avenida Heping, e leva a juventude operária até Lohuo, o bairro animado de Shenzhen, de frente para Hong Kong. “Cada vez mais tráfego, tentações e insegurança”, resume Sunny Yang, engenheiro, voltando de uma noitada de badminton entre amigos. Ele vive em Longhua com a esposa e a filha de 2 anos e suporta cada vez menos a vida na cidade-fábrica.
Uma nova população, mais velha, chega à cidade. Esses sexagenários não se mudaram para o meio das fábricas por prazer, mas porque seus filhos trabalhadores, empregados da Foxconn, chamaram por eles para cuidar de sua prole. É o caso de Lei, 23 anos, originária de Hunan e mãe de um menininho de 2 anos e meio: “Meus pais também foram operários migrantes na região, e seu hukou rural [passaporte interno] não permitia a inscrição na escola [os migrantes não têm os mesmos direitos que os urbanos, principalmente com relação ao acesso aos serviços públicos]. Então eles deixaram o vilarejo. Durante toda a minha infância eu só os via uma vez por ano, durante o Ano-Novo chinês. Eu não quero que meu filho conheça a mesma solidão. Quero que ele tenha uma escolaridade aqui, mesmo se eu tiver de pagar o preço”, reivindica essa jovem, que nos fez visitar sua modesta morada.
Por enquanto, a família vive a três em um quarto de 9 metros quadrados, por 350 yuans ao mês. Grande o suficiente para caber o colchão, a televisão e o carrinho do bebê. O marido de Lei monta telefones fixos Cisco, doze horas por dia, seis dias por semana. Ele ganha bem a vida: até 4 mil yuans por mês. Lei parou de trabalhar quando o filho nasceu. Ela está grávida de cinco meses. Quando o segundo filho nascer, ela vai trazer seus pais aposentados e voltará ao trabalho, para dobrar o salário da família.
Em Longhua, muitas mães e futuras mães irritam seus superiores hierárquicos na fábrica. “Quando descobri que estava grávida, meu chefe de seção me fez esperar dez dias antes de me isentar da passagem pelo detector de metais. E quando pedi para mudar de seção, ele recusou. Tive de convencer seu superior”, revela essa jovem. Grávida de oito meses, Jun Hao trabalha agora na etiquetagem de caixas de computador. “Eu colo adesivos por 3 mil yuans ao mês. É justo, não?” Depois do parto, ela deve receber uma licença-maternidade de três meses: “Minha mãe não acredita nem um pouco nisso, mas consta claramente no contrato”.
No centro ginecológico Huaai de Longhua, as operárias vão com o companheiro recolher todo tipo de informações ligadas à maternidade ou à contracepção. Apesar da decoração rosa-bebê, esse estabelecimento de saúde se beneficia de uma parceria com o Exército Popular de Libertação (EPL). A maioria dos seus médicos são oficiais militares. Ficamos sem palavras diante dos cartazes ilustrados de educação sexual fixados ao longo das calçadas, que um guarda nos proíbe terminantemente de fotografar. “A homossexualidade é um fenômeno cultural como o sadomasoquismo. Ele ainda não atingiu sua maturidade na China”, podemos ler – modo de dizer que a sociedade chinesa não estaria completamente pronta para aceitar a homossexualidade.
Para conservar sua mão de obra, a Foxconn deve agora disputar com os patrões de pequenas fábricas que não hesitam mais em colar suas ofertas de emprego até nas portas dos dormitórios nem a se alinhar com os salários em vigor em Longhua. Eles aproveitam o ambiente high-tech da zona industrial para vir fabricar seus próprios telefones, destinados aos mercados modestos das pequenas cidades ou zonas rurais chinesas. “O que perdemos em custo de mão de obra recuperamos na nossa margem, pois vendemos diretamente nosso produto aos consumidores”, explica um homem de negócios. De fato, os telefones KPT, inspirados nos Blackberry, ou os Ying Haifu, parecidos com os Nokia, são também fabricados em Longhua.
Com essa concorrência e o ânimo de consumo dos jovens, a firma taiwanesa escolheu continuar seu desenvolvimento em outro lugar, mais para o interior do país, em províncias distantes dos portos comerciais, onde é possível repensar um complexo industrial de A a Z e onde os responsáveis locais lhe estendem o tapete vermelho. Como em Pixian, na periferia de Chengdu, província de Sichuan, onde a Danone engarrafa sua água Robust e a Intel fabrica seus processadores.
No dia 16 de outubro de 2009, ou seja, até mesmo antes da onda de suicídios do primeiro semestre de 2010, uma promessa de investimento conjunto foi assinada com as autoridades de Sichuan. O canteiro de obras teve início em 25 de julho de 2010; a produção começou em 30 de setembro. Mas uma explosão mortal aconteceu sete meses depois, causada por um defeito estrutural de ventilação, como estabeleceu uma investigação do New York Times detalhando as condições de trabalho dos operários de Chengdu.5 Hoje, a Foxconn fabrica ali 12 milhões de iPads por trimestre, ou seja, dois terços de sua produção total, divididos em oito fábricas e cinquenta linhas de produção superpostas em um perímetro de 4 quilômetros quadrados.
Aqui, nada de bordéis barulhentos e karaokês brilhantes nem anúncios luminosos, fábricas de telefones falsificados e igrejas evangélicas: os operários evoluem obedientemente em uma cidade-fábrica nova em folha, higienizada, com arquitetura neostalinista. Rodovias com três pistas de cada lado ligam as fábricas maciças A, B e C às portas dos dormitórios 1, 2 ou 3. São os ônibus articulados da cidade de Chengdu que garantem o translado, tanto de dia como à noite – devagar, para escapar dos radares eletrônicos. Além das betoneiras, os caminhões de mercadorias e os carros de polícia são os únicos veículos que vemos circular em Pixian.
Esse novo conjunto industrial, edificado em um tempo recorde – 75 dias – por Jiangong, uma empresa controlada pela cidade de Chengdu, se situa em uma nova zona franca; por isso, ele está isento de imposto.
A instalação da Foxconn é descrita na imprensa local como “o projeto número 1 do governo de Sichuan”. Para agradar a Terry Gou, as autoridades construíram seis novas estradas, duas pontes e 1,12 milhão de metros quadrados de superfície habitável para os operários. Eles gastaram 2,2 bilhões de yuans em indenizações de expropriações para 10 mil famílias, cujos catorze povoados foram dizimados a partir de agosto de 2010.6
As novas fábricas da Foxconn não são nada além de austeras construções brancas cheias de milhares de pequenas janelas pintadas. Elas se espalham ao longo de duas avenidas retilíneas com nomes evocativos: Tian Sheng Lu (“Céu Vitória”) e Tian Run Lu (“Céu Lucro”). Nenhuma rede antissuicídio foi colocada em volta das fábricas, como é o caso em Longhua. A mão de obra, mais jovem, é com certeza a mais mal paga – o salário de base é de 1.550 yuans, contra 1.800 em Shenzhen –, mas ela é da região e pode visitar a família mais facilmente. “Culturalmente, Chengdu não tem nada a ver com Shenzhen, que é uma cidade composta exclusivamente de migrantes. Nossa usina de Longhua conta, por exemplo, com 20% de jovens de Henan e 10% de Sichuan”.
Segundo os testemunhos recolhidos por lá, as próprias autoridades locais se encarregaram do recrutamento – prova de que Chengdu leva esse projeto muito a sério. Cada vilarejo da província de Sichuan viu, assim, impostas cotas de trabalhadores a fornecer à Foxconn. “Eu aceitei a oferta do chefe de partido do vilarejo em troca de uma ajuda administrativa: ele acelerou meus trâmites de casamento com minha companheira, originária de uma província vizinha. Mas não se trata de trabalho forçado. Eu posso me demitir quando quiser, e nosso vilarejo pode continuar recebendo suas subvenções do governo da província”, diz Yang, que trabalha nos estoques. Até mesmo os estudantes de informática foram mobilizados para fazer ali seus estágios. “Esses métodos são provisórios e correspondem a uma fase inicial de desenvolvimento. Os operários não nos conhecem, eles não vêm por conta própria fazer fila no centro de recrutamento. É preciso, então, ir buscá-los”, comentam na Foxconn.
Vinte e quatro mil operários (7% da mão de obra) são demitidos e contratados todos os meses em Shenzhen Longhua, segundo o Daily Telegraph.7 Talvez sejam muitos mais em Chengdu: “Quando uns amigos quiseram partir, um diretor de recursos humanos pediu a eles que esperassem. Ele já tinha 40 mil cartas de demissão para cuidar”, conta-nos um assalariado.
Batizado de “Juventude Alegre”, mas repleto de guardas, os dormitórios de Pixian têm até dezoito andares, moças e rapazes separados. Eles são divididos entre os bairros de Deyuan, Shunjiang e Qingjiang. Cada conjunto de três edifícios tem cantina, supermercado sem álcool, cibercafé, caixas eletrônicos, mesas de pingue-pongue e terrenos de badminton. Cada apartamento abriga seis a oito pessoas – por um aluguel mensal de 110 yuans por leito – e dispõe de um banheiro com vaso sanitário e ducha. Para economizar tempo e energia dos trabalhadores, sua roupa é lavada por uma empresa de limpeza.
O cibercafé, aprovado pela juventude operária de Pixian, oferece decoração cuidadosa, ar-condicionado e grandes poltronas. Os computadores trazem o logotipo da Foxconn estampado no fundo de tela. O preço da conexão dobra quando passa de uma hora, incitando os operários a não gastar muito tempo.
“Quando saímos do quarto ou da fábrica, a vida é muito cara”, lamenta Cheng, cujo dia é regulado como uma partitura. “Eu me levanto às 6h, pego o ônibus às 6h40 e começo o dia na fábrica às 7h30. Como trabalho até as 20h30, chego em casa às 21h10. Isso me deixa uma hora para aproveitar antes que apaguem as luzes.”
É essa mesma paisagem que acabam de construir na periferia de Chongqing, a 300 quilômetros de Chengdu. A Foxconn mudou para o local uma parte da sua fábrica das impressoras HP, antes produzidas em Shenzhen. A produção está apenas começando, ônibus universitários de Chongqing levam montes de estudantes requisitados para um estágio obrigatório na fábrica. Eles vão se unir aos 10 mil operários da fábrica HP de Shenzhen que já aceitaram voltar para sua província natal. Para Pan Fang, de 22 anos, e seus amigos, seu novo quarto conta com oito camas numeradas e oito banquinhos. Sua primeira impressão é positiva: “Aqui o ar é menos poluído, e a Foxconn instalou para nós água quente, ar-condicionado e até mesmo uma televisão”. Eles já sabem que seu trabalho será idêntico: eles vão montar, cada um, seiscentas impressoras por dia. E esperam que seu salário seja o mesmo também...
 
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O império Foxconn
Wuhan, Chengdu, Zhengzhou,Chongqing, Xangai, Ningbo ou ainda Tianjin: no total, a Foxconn possui umas vinte fábricas chinesas de todos os tamanhos. De consoles de videogame a Smartphones 4G − 40% dos produtos eletrônicos de grande público mundial são fabricados na China pela empresa taiwanesa, que emprega mais de 1 milhão de operários, em sua maioria com menos de 25 anos e pagos com até R$ 1.117 por mês.Mas a Foxconn também se apresenta fora da China: ela tem uma fábrica de montagem de televisores Sony na Eslováquia. E começa agora uma produção na Índia, na Malásia e no Brasil. Com 61 anos, Terry Tai Ming Gou, seu fundador, detém 30% das ações e figura em 179º lugar na classificação das grandes fortunas mundiais da revista Forbes.
Jordan Pouille
Jornalista - correspondente em Pequim, China


Ilustração: Bobby Yip / Reuters
1 1 yuan = R$ 0,32.

2 Entre janeiro e maio de 2010, treze jovens operários tentaram pôr um fim a seus dias; dez conseguiram. Ler Isabelle Thireau, “Cahiers de doléances du peuple chinois” [Cadernos de pêsames do povo chinês], Le Monde Diplomatique, set. 2010.

3 Algumas pessoas encontradas não revelaram o nome, frequentemente por medo de represálias.
4 “Apple Supplier Responsibility Report – 2012 Progress Report”, Apple.com.
5 The New York Times, 26 jan. 2012. Essa investigação levou a Apple a aderir à ONG Fair Labor.
6 Nanfang Zhoumo, Canton, 10 dez. 2010.
7 “Mass suicide protest at Apple manufacturer Foxconn company” [Protesto com suicídio em massa na fabricante da Apple Foxconn], The Daily Telegraph, Londres, 11 jan. 2012.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Drogas e sexo: principais formas de trabalho infantil no Brasil


Rachel Duarte no SUL21

Apesar de básico, o conceito de que ‘lugar de criança é na escola’ ainda está longe de ser realidade em muitas regiões do mundo. De acordo com as estimativas globais mais recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem 215 milhões de crianças vítimas do trabalho infantil e mais da metade estão envolvidas com as piores formas de exploração. Além de violar os direitos fundamentais ao desenvolvimento e ao ensino, o trabalho infantil expõe crianças a maus tratos físicos, psicológicos e morais que podem causar-lhes danos para o resto de suas vidas. Porém, o principal vilão das crianças e adolescentes no Brasil, segue sendo o tráfico de drogas.
Os dados oficiais e atuais do trabalho infantil no Brasil serão lançados em ato solene no Ministério da Justiça nesta terça-feira, 11, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil. Mas, com base na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), estima-se que 4,8 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, foram submetidas a alguma forma de exploração que as obrigaram ao trabalho infantil. Ao invés de estarem na escola adquirindo conhecimentos e habilidades que iniciem uma formação para o futuro exercício da cidadania e ingresso no mercado de trabalho, eles estão nas sinaleiras, fazendas, lixões, ou em outras frentes que garantam alguma renda para as famílias mais pobres do Brasil.
O escritório da OIT no Brasil desenvolve fiscalizações, programas de acompanhamento nos estados e relatórios sobre o trabalho infantil. Segundo a oficial de projetos da OIT Cíntia Ramos, “as regiões Norte e Nordeste, em consequência da situação de extrema pobreza, são aquelas em que mais as famílias subjugam os filhos ao trabalho desde crianças. Já na região Sul, devido à produção agrícola forte, os casos estão relacionados ao meio rural e têm respaldo na cultura local”.
Marcello Casal Jr. / ABr
Foto: Marcello Casal Jr. / ABr

A necessidade do lucro com a economia da mão-de-obra na agricultura, principalmente na produção do fumo gaúcho, acaba tornando natural o trabalho infantil na região. “Nestes casos, são regiões e estados que têm boas taxas de escolarização e índices de desenvolvimento humano mais elevados, em que não faltam o acesso à escola, mas que, mesmo assim, se opta por manter as crianças trabalhando”, diz Cíntia. “Elas poderiam estar frequentando a escola ou, no mínimo, deveriam dividir os turnos com a escola para trabalhar. Isto deve ser feito na idade adequada, não violando a fase infantil”, defende.
Conforme decreto presidencial de 2008, no Brasil, fica proibido o trabalho a menores de 18 anos nas atividades da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). São classificadas como tal, quaisquer atividades análogas à escravidão, tráfico de drogas, exploração sexual, conflitos armados, entre outras atividades ilícitas. Embora asseguradas pela lei, crianças e adolescentes seguem engrossando as estatísticas deficientes na constatação da realidade e divulgadas próximos as datas comemorativas.

Trabalho infantil no Brasil = Exploração sexual comercial e tráfico de drogas

Ramiro Furquim/Sul21

Conforme a delegada do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (DECA) da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Eliete Mathias, as duas principais frentes de atuação do trabalho policial é combater a exploração sexual comercial e o tráfico de drogas na infância e adolescência. “São as principais práticas no RS. Não condenamos as crianças e adolescentes por isso, obviamente. Sabemos que eles estão nesta condição porque falhamos enquanto estado”, reconhece.
Segundo ela, em 2011 a Polícia Civil gaúcha registrou 1,304 mil ocorrências envolvendo crianças e jovens. “Os que cometem crimes vão para o juizado da Infância e podem ser encaminhados ao cumprimento de medida socioeducativa. Os menores são encaminhados para a rede de assistência social”, explica.
Com 10 anos de atuação no DECA, a delegada diz que, mesmo que houvesse um mapeamento preciso dos casos, a questão não é geográfica. “A cultura da sociedade influencia. Não há delimitação. Não é algo que ocorra só nas regiões de fronteira. Existem pontos de exploração sexual de menores em Porto Alegre. A incidência é maior ou menor conforme a capacidade de resposta dos municípios para lidar com o problema”, afirma. Ela defende que as políticas públicas para denunciar e coibir a exploração sexual, que atingem mais as meninas, têm mais êxito do que o combate ao tráfico.
Para a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Família e Sucessões, procuradora de Justiça Maria Regina Fay de Azambuja, a melhor aposta para enfrentar o problema é a prevenção e com ações de alcance na família. “A erradicação do trabalho infantil é muito difícil porque sua raiz é cultural e fundada no interesse dos adultos, já que nenhuma criança vai para o trabalho por conta própria. Por isso, é tão importante a atuação das instituições de forma integrada, para que se faça um cerco aos empregadores e às famílias”, explicou Maria Regina.

“Sabemos que temos crianças fazendo programa por cinco reais ou uma pedra de crack”, afirma secretário gaúcho

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Para articular a rede de assistência social que pode intervir e localizar os casos de trabalho infantil no Rio Grande do Sul, o governo gaúcho desenvolve sistematicamente, desde 2011, a formação de agentes nos municípios. “O foco do nosso trabalho está no combate à exploração sexual comercial de crianças. Sabemos que temos crianças com nove anos nas casas noturnas ou nas estradas fazendo programa por cinco reais ou por uma pedra de crack”, reconhece o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Fabiano Pereira.
O trabalho do governo gaúcho está centrado no Programa de Ações Integradas para combater o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual no âmbito do Mercosul, desenvolvido nas cidades de fronteira com países vizinhos. Há ainda uma parceria com a iniciativa privada e governo federal para formação e acompanhamento de 100 meninas. “É uma bolsa formação que ao final de um ano, a menina tem a garantia de emprego”, falou sobre a iniciativa.
Porém, as ações são indicadas para as jovens a partir de 14 anos, idade em que é possível o trabalho em funções administrativas asseguradas de direitos à saúde e segurança. “Nas regiões periféricas de Porto Alegre estamos inaugurando Casas da Juventude, para oferecer atividades culturais e esportivas como alternativa ao crime para os jovens”, explica Fabiano Pereira.
Apesar de não ser um formato muito inovador, as campanhas publicitárias são boas aliadas no enfrentamento do tema, acredita a representante da OIT no Brasil, Cíntia Ramos. “Os casos de trabalho ilícito ou trabalho doméstico, que são mais difíceis de serem detectados por acontecerem dentro das casas das famílias ou de terceiros, podem ser denunciados ao estado. Para isso, as pessoas devem ser informadas”, afirma.

Orientar para denunciar

Para ajudar na orientação sobre quais práticas configuram como exploração ou trabalho infantil, o Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente/RS lançou a campanha estadual “Vamos acabar com o trabalho infantil”. O Fórum integra mais de 200 entidades, entre elas o Ministério Público Estadual e a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego.
De acordo com a coordenadora do Fórum, Eridan Magalhães, a iniciativa visa estimular que servidores e a população em geral possam contribuir com a erradicação do trabalho infantil que atinge pelo menos 60 mil crianças, entre nove e 14 anos, no RS. “Vamos divulgar a campanha na Esquina Democrática nesta terça-feira pela manhã e seguiremos para a Assembleia Legislativa do RS onde vamos acompanhar a votação do Projeto de Lei 76/2012 que institui o Dia Estadual de Combate ao Trabalho Infantil no Estado do Rio Grande do Sul”, disse sobre proposta do deputado estadual Miki Breier (PSB).
Somente em 2012, foram feitas 160 operações no RS, com o flagrante de aproximadamente 100 crianças trabalhando. Além disso, 12 mil fiscalizações gerais foram realizadas, em que também é vistoriada a presença de adolescentes trabalhando em locais insalubres e inseguros. As principais atividades que empregam crianças ainda são a lavoura de fumo, o comércio ambulante de bebidas alcoólicas e outros produtos no Litoral Norte, a colheita da maçã e da batata na Serra Gaúcha e o trabalho doméstico. Para os adolescentes, o maior problema é a cadeia coureiro-calçadista, em que adolescentes ainda sofrem com a manipulação de produtos tóxicos e sem equipamentos de segurança.
Ao longo da semana, mais de 40 municípios farão atividades alusivas ao dia de combate ao trabalho infantil. Para auxiliar a atuação do Fórum, os cidadãos podem denunciar o trabalho infantil pelo telefone             51-3213-2800      , ou pelo e-mail roberto.guimaraes@mte.gov.br.

sábado, 2 de junho de 2012

Mundo tem 20,9 milhões de vítimas de trabalho forçado, diz OIT





Relatório divulgado nesta sexta (1o), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta que 20,9 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado em todo o mundo, sujeitas a emprego impostos através de coação ou de fraude, dos quais elas não podem sair. Do total, 11,4 milhões são mulheres e meninas e 9,5 milhões são homens e meninos. Cerca de 5,5 milhões possuem menos de 18 anos;
A organização, ligada às Nações Unidas, não divulga o cálculo por país mas por macrorregiões. A margem de erro é de 7%, ou seja, a estimativa – considerada conservadora por seus realizadores – vai de 19,5 milhões a 22,3 milhões. Alguns dados do estudo:
- Do total, 18,7 milhões (90%) são explorados no setor privado. Destes, 4,5 milhões (22%) são vítimas de exploração sexual forçada e 14,2 milhões (68%) de exploração do trabalho forçado em atividades econômicas, como agricultura, construção civil, trabalho doméstico ou industrial;
- Outros 2,2 milhões (10%) estão sujeitos a formas de trabalho forçado impostas pelo Estado, como o que ocorrem em algumas prisões ou em forças armadas rebeldes ou exércitos nacionais;
- A incidência por mil habitantes é maior na Europa Central, no Leste Europeu e na região da Comunidade de Estados Independentes (ex-União Soviética), com 4,2 casos/mil habitantes e na África, com 4/mil. É mais baixa nos países com economias desenvolvidas e na União Européia (1,5/mil);
- Em termos absolutos, a região da Ásia e Pacífico apresenta o número mais alto de trabalhadores forçados no mundo: 11,7 milhões (56% do total). O segundo maior número é registrado na África, com 3,7 milhões (18%), seguido pela América Latina, com 1,8 milhão de vítimas (9%). Nas economias desenvolvidas e na União Européia existem 1,5 milhão (7%) de trabalhadores forçados, enquanto que nos países da Europa Central e Leste Europeu e na Comunidade de Estados Independentes são registrados 1,6 milhão (7%) de pessoas. No Oriente Médio, o número de vítimas é estimado em 600.000 (3%);
- Há 9,1 milhões de vítimas (44%) que se deslocaram, seja dentro de seus países ou para o exterior. A maioria, 11,8 milhões (56%), está submetida a trabalho forçado em seus países de origem ou residência. Os deslocamentos entre fronteiras estão estreitamente vinculados com a exploração para fins sexuais.
Em nota divulgada pela OIT, a diretora do Programa Especial de Ação para Combater o Trabalho Forçado, Beate Andrees, afirma que “tivemos progresso ao assegurar que a maioria dos países tenha uma legislação que penalize o trabalho forçado, o tráfico de seres humanos e as práticas análogas à escravidão”. Contudo, segundo ela, “ainda é complicado ter êxito em processos judiciais contra indivíduos que causam tal sofrimento a tantas pessoas”.
Para ilustrar, no Brasil, há cerca de quatro dezenas de casos que resultaram em condenações criminais por conta de trabalho escravo contemporâneo em um universo de mais de 3 mil fazendas fiscalizadas por denúncias relativas a esse crime e 42 mil trabalhadores libertados desde 1995. Não há informação de empregador que tenha cumprido pena na cadeia após sentença transitada em julgado.
De acordo com a OIT, a metodologia utilizada pela instituição, em 2005, para estimar que o mundo tinha, ao menos, 12,3 milhões de pessoas submetidas ao trabalho forçado foi revista e melhorada. O dado anterior por exemplo, tinha margem de erro de 20%, em comparação aos 7% da estimativa divulgada hoje. Por isso, não é possível afirmar que o número de escravos aumentou.
“Produzimos estas novas estatísticas em nível regional e mundial utilizando uma grande variedade de fontes secundárias, complementadas pelos resultados de nossos estudos nacionais realizados em colaboração com contrapartes locais, o que nos permite extrapolar dados provenientes de meios de comunicação ou de outras fontes indiretas. No entanto, ainda estamos longe de uma situação ideal na qual os países possam realizar suas próprias medições. A OIT poderá apoiar o fortalecimento das capacidades necessárias para cumprir esta difícil tarefa”, afirma Andrees.
Em 2001, a Comissão Pastoral da Terra, organização ligada à Igreja Católica e uma das mais importantes no combate ao trabalho escravo no país, propôs 25 mil como o número mínimo de trabalhadores rurais que, anualmente, eram submetidos à escravidão na Amazônia brasileira. Essa estimativa resultava de interações entre os números anuais de pessoas encontradas pela fiscalização, a observação do fluxo de trabalhadores migrantes e a uma análise da instituição de que para cada pessoa libertada outras três continuariam em cativeiro. A preocupação da CPT foi de alertar a sociedade com um número que sinalizasse a relevância numérica do problema sem cair num exagero insustentável cientificamente.
Na falta de outra, a estimativa foi aceita e utilizada por várias entidades. Em 2003, o governo brasileiro endossou o número ao colocá-lo no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Em 2004, uma delegação brasileira nas Nações Unidas reconheceu também o número de 25 mil como estimativa mínima e, posteriormente, a própria Organização Internacional do Trabalho. Outra estimativas apareceram, como a de 40 mil ou 100 mil trabalhadores nessas condições, mas nenhuma delas foi utilizado pelas principais entidades estatais ou da sociedade civil que atuam no combate a esse crime.
Apesar do esforço estatístico trazido pela Comissão Pastoral da Terra, ele não seguiu normas científicas ou passou por uma atualização. A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), que reúne instituições públicas e da sociedade civil para monitorar as políticas públicas contra esse crime no país, parou de utilizar a estimativa da CPT e qualquer outra em 2007.
No ano passado, a OIT ofereceu ao Brasil apoio técnico para o desevolvimento de uma estimativa do número de escravos no país. Os custos de tal levantamento estão sendo analisados pela Conatrae e o governo brasileiro.
Por outro lado, devido às informações dos trabalhadores colhidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego no momento do resgate, há um perfil traçado de quem é a vítima no Brasil. Por exemplo, no caso de exploração econômica, entre 2003 e 2009, os libertos foram homens (95%), entre 18 e 44 anos (82%), analfabetos ou com até quatro anos de estudo (68%), oriundos de Estados como o Maranhão e o Pará.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Cumplicidade com o atraso

Por Raul Silva Telles do Valle no BLOG DO JUREMIR MACHADO




Em setembro de 2010, em plena corrida presidencial, um grupo de organizações da sociedade civil encaminhou aos então candidatos um conjunto de questões relativas às propostas de modificação do Código Florestal. Já àquela época, avançava na Câmara dos Deputados o projeto ruralista de modificação da legislação florestal e as organizações queriam saber o que pensavam os aspirantes ao cargo maior do País. A hoje presidenta da República, Dilma Rousseff, questionada se apoiava ou não a anistia proposta pelo texto então em tramitação, disse textualmente: “construímos no governo Lula um consenso de que a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente. Temos que estimular e apoiar esta transição, dando condições técnicas e materiais para nossos agricultores recuperarem estas áreas” (veja aqui).
A partir daí, a candidata e depois presidenta teve a oportunidade de repetir diversas vezes que não passaria a mão na cabeça de quem desmatou ilegalmente. Isso alimentou um sentimento difuso de esperança na sociedade, que, depois de aprovado o projeto ruralista pelo Congresso Nacional, passou a manifestar de forma inequívoca, por todos os meios disponíveis, amplo apoio à presidenta para que ela cumprisse com sua palavra. Ciente de que ela estava emparedada entre sua palavra e os anseios da sociedade, de um lado, e os interesses de uma parte expressiva de sua base de apoio parlamentar, os cidadãos brasileiros sinalizaram que ela poderia contar com eles para confrontar a chantagem dos representantes da elite agrária brasileira.
Na tarde da última sexta-feira, 25 de maio, exatamente um ano após a aprovação do relatório Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, três ministros vieram a público, com muitas palavras e nenhum documento, para reafirmar que o projeto seria vetado. Não na sua íntegra, como sinal de respeito ao Congresso Nacional. Mas os pontos que significassem anistia teriam sido extirpados. Mais desmatamentos? De jeito nenhum, tudo seria eliminado.
O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século 21 – e repleto de anistias.
Perguntam-se muitos: mas como? A presidenta não disse que não aceitaria? Os ministros não afirmaram veementemente que a anisitia havia sido retirada? Então, como alguns ainda dizem que há anistia na lei?
A partir de agora vai começar a guerra de comunicação. Tal como Goebbels, o Governo Federal vai insistir na tese de que uma mentira contada mil vezes vai virar verdade. Assim, para que não fique o dito pelo não dito, explico porque Dilma Roussef, contrariando tudo o que havia dito até agora, assinou embaixo da maior anistia ambiental da história do país.
A ministra do Meio Ambiente, repetindo um mantra ecoado pelos ruralistas, afirmou publicamente que o projeto não tem anistia. Teria como objetivo, simplesmente, legalizar ocupações “antigas”, feitas de acordo com as regras da época.
A Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012, o novo Código “Florestal”, continua mantendo, no entanto, a figura de “área rural consolidada”. Segundo o artigo 3o, ela é uma “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008” (inciso IV).
Um incauto leitor da lei deve logo pensar: “então, antes de 2008, os proprietários rurais não precisavam proteger as florestas existentes em suas terras ou a quantidade de área protegida era menor”. Ledo engano. Desde 1934, com o “velho” Código Florestal, o proprietário é obrigado a manter as florestas das áreas “vulneráveis a erosões” e respeitar os 25% da propriedade que não poderiam ser convertidos para agropecuária, o que posteriormente veio a ser denominado de “reserva legal”.
Em 1965, como todo mundo desmatava alegando que não sabia quais eram essas tais áreas vulneráveis, veio o “novo” Código Florestal e deixou claro que essas áreas eram os topos de morro, as encostas íngremes, as nascentes, as beiras de rio. E fixou padrões e metragens, para ninguém dizer que não sabia que ali não podia desmatar.
Em 1986, houve uma alteração pontual: as matas ciliares deveriam ser protegidas em, no mínimo, 30 metros contados das margens, e não apenas cinco como era até então. Em 1996, veio outra modificação: na Amazônia Legal (e só lá), a reserva legal seria aumentada de 50% para 80% do imóvel, em áreas de floresta, e diminuída de 50% para 35%, em áreas de cerrado (clique no quadro abaixo para ampliar).

Dessa brevíssima digressão espero ter ficado claro que um desmatamento realizado em 2008 em encostas íngremes ou nascentes, por exemplo, assim como na área destinada à reserva legal, era absolutamente ilegal. Mesmo que realizado dez anos antes, era ilegal. Em muitos casos, mesmo que realizado várias décadas antes seria ilegal.
O “novíssimo” Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de “Preservação Permanente” e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008 (e não em 1965, 1989 ou 1996). Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia. Mas como?
O artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.
O artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior (saiba mais).
O artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros (veja aqui).
Mesmo no caso das matas ciliares e nascentes, que erroneamente foi tomado pela grande mídia como “o” caso de anistia (como se as anteriores não existissem), e que o Governo Federal, na pirotecnia feita no dia 25/5, usou como exemplo para dizer que “não havia mais anistia”, ela está lá, inteirinha. O art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008 (e não em 1965 ou 1986), quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.
E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com “espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas”. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc. Ou seja: o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%. Uma “correção” publicada hoje no Diário Oficial determina que esse dispositivo vale apenas para áreas de até quatro módulos fiscais.
Mas o problema da anistia não é apenas, ou principalmente, moral. É ambiental. O “novíssimo” Código Florestal diz em seu Art. 3º que as áreas de preservação permanente têm a função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Com a anistia promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, haverá uma grande parte dessas áreas que nunca mais cumprirão com essa função, pois jamais voltarão a ter vegetação nativa. Em várias regiões do país há mais APPs e reservas legais desmatadas do que preservadas (leia mais). Justamente nessas regiões falta água, sobram enchentes, morrem nascentes, acaba a fauna. E assim será.
Somando-se todas as anistias com todos os pontos onde há uma diminuição na proteção das florestas que não foram ainda derrubadas e como prenunciado aqui (leia aqui), deixamos de ter, na prática, uma lei de proteção às florestas existentes em áreas privadas. O remendo de lei aprovado tem todos os defeitos das leis anteriores (poucas medidas de apoio a sua implementação), mas poucas de suas virtudes. É contraditório e complexo de interpretar.
Ao não cumprir com a palavra empenhada perante a sociedade, a presidenta Dilma Rousseff se tornou cúmplice do projeto de país que a ala mais retrógrada de nossa elite econômica está desenhando. E entrará para história como aquela que, mesmo podendo, mesmo tendo todo o apoio da sociedade, não evitou o maior retrocesso nos padrões de proteção ambiental da história brasileira. E talvez mundial, pois não me consta que em outros países a proteção às florestas esteja diminuindo, muito pelo contrário. Em pleno século 21, voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

MC DONALD'S│Bolívia, amônia e baratas

MC DONALD'S│Bolívia, amônia e baratas 

Créditos: CIDADE DE MINAS

CONHEÇA AQUI O 'INOFENSIVO' HIDRÓXIDO DE AMÔNIO, PRESENTE NA CARNE VENDIDA NOS MC DONALD'S. VOCÊ AMA ISTO?!
 VEJA AQUI COMO A MÍDIA NATIVA TRATA COM CARINHO A EMPRESA NORTE AMERICANA.
JAMIE OLIVIER DENUNCIOU EM SEU PROGRAMA DE TV O USO DE HIDRÓXIDO DE AMÔNIA PELO MC DONALD'S PARA TRANSFORMAR EM 'CARNE' OS RESTOS...
UM POVO DIGNO E ALTIVO, QUE NUNCA SE DOBROU AO CONQUISTADOR APESAR DOS SÉCULOS DE DOMINAÇÃO...
FECHADO POR CAUSA DAS BARATAS NO RIO GRANDE DO SUL.
NÃO!


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Movimento sindical dá um passo à frente e dois para trás

Júnia Gouvêa e Jorge Luís Martins no CORREIO DA CIDADANIA 

Abril de 2012 corre o risco de ficar na memória como o momento de um revés importante para a classe trabalhadora brasileira. Realizaram-se no Rio de Janeiro e em Sumaré (São Paulo), na segunda quinzena do mês passado, dois encontros de diferentes dimensões, composição e grau de unidade, mas com o mesmo e trágico significado: a consolidação da divisão do movimento sindical combativo brasileiro em duas organizações diferentes.

No Rio de Janeiro, entre 20 e 22 de abril, sob a justa bandeira da luta contra a criminalização dos movimentos sociais, encontraram-se cerca de 500 lutadores da atual Intersindical, das correntes MTL e MES, TLS (Trabalhadores na Luta Socialista) e Unidos para Lutar do PSOL, além de MAS (Movimento Avançando Sindical). Ao fim da reunião, além de votarem um calendário indicativo de lutas e um programa para a ação, resolveram criar “uma mesa de diálogo permanente” entre as correntes que “não estão em nenhuma central”.

Em São Paulo, entre 28 e 30 de abril, a CSP-Conlutas, na qual têm folgada maioria os sindicatos e oposições dirigidos ou influenciados diretamente pelo PSTU, reuniu em seu 1º Congresso Nacional 1.800 delegados, de diversos sindicatos, movimento popular e estudantil. Além de separados, nenhum dos dois encontros deu sinal, nenhum tímido sinal, de lamentar a divisão de 2010 e ensaiar algum gesto de reaproximação, ainda que cuidadosa.

É indiscutível que ambos os encontros, pelo simples fato de reunirem dirigentes e lutadores e permitirem pautas comuns e um mínimo de articulação entre estados e categorias, tiveram resultados pontuais positivos para alguns setores. Afinal, alguma articulação é melhor do que nenhuma. O Congresso da CSP-Conlutas e o Encontro dos Lutadores realizado no Rio de Janeiro, por certo, sem entrar no mérito, aprovaram resoluções importantes. Mas é preciso fazer uma avaliação política do significado da divisão (comparando-se os dois encontros com um encontro unitário, se tivesse ocorrido), diante da força do sindicalismo oficial cooptado pelos governos Lula-Dilma.

A CSP-Conlutas se consolida também como um importante setor do movimento combativo. Mas sua maioria, do PSTU, foi a principal responsável pelo episódio que impôs a divisão no Conclat de Santos, há dois anos. O congresso de Sumaré teve, agora, a oportunidade de esboçar um gesto pela unidade, quando a representante do Andes-SN propôs que se rediscutisse a questão do nome da central – o lamentável mote da divisão em Santos – e a direção da CSP-Conlutas; no entanto, negou-se a dar este passo e sequer chegou a esboçar um balanço do Conclat, como se este simplesmente jamais tivesse acontecido. O mesmo se deu na reunião do Rio de Janeiro. Nenhuma referência ao Conclat, nenhum balanço, nenhuma resolução sinalizando sequer a necessidade genérica da unidade do sindicalismo combativo. Assim, lamentavelmente, começa a se cristalizar entre os lutadores desses dois setores históricos da resistência combativa a lógica da divisão como algo inevitável.

Assim, os dirigentes da esquerda socialista, sejam do PSTU, sejam das correntes do PSOL, sejam do PCB, sem falar evidentemente da ASS – todos do mesmo e importantíssimo campo político nesse debate de recomposição necessária –, levam para o terreno do movimento sindical a experiência de divisão, que já estão implementando há algum tempo no âmbito da participação eleitoral. Ou seja, também no terreno das lutas, deixam a bandeira socialista pulverizada em várias alternativas e enfraquecida aos olhos dos trabalhadores e do povo. Pois não é verdade que dá na mesma estarmos divididos ou não. Todos os que militam no cotidiano dos movimentos sabem bem que a divisão é um obstáculo real, que, dividido, o movimento perde amplitude e potencialidade. Basta ver o último 1º de maio, onde, depois de mais de uma década em que a esquerda socialista esteve unificada, se dividiu em duas manifestações, o que é mais um desastre e vitória da fragmentação em curso.

Há, no entanto, algo mais grave quando a divisão acontece na organização sindical dos trabalhadores. Não somente porque se torna um obstáculo a mais, além do patronal e seus ataques, às vitórias da classe. Quem está ignorando ou menosprezando a divisão da classe, e mais ainda investindo nela, está fazendo exatamente o planejado pelos governos patronais desde FHC, passando por Lula e agora Dilma – cuja política é uma central para cada partido. Está, portanto, adaptando-se à “institucionalidade sindical” desejada por governos e patrões, iniciando um amoldamento ao regime do movimento sindical combativo.

O retrocesso, de 2010 para cá, no caminho da unidade dos socialistas e ativistas combativos numa mesma organização sindical é tão mais grave quanto mais se é consciente das lutas que podem vir por aí. Afinal, quem garante, diante do atual quadro internacional, que o crescimento e estabilidade de hoje se manterão? Quem garante que, no primeiro sinal de desequilíbrio nas contas e lucros, dona Dilma, banqueiros, industriais etc. não venham mais uma vez descontar nos nossos empregos, salários, pensões, aposentadorias, orçamentos da educação e saúde? Prestemos atenção na Europa...

Nesse quadro particularmente difícil, cabe aos militantes e dirigentes sindicais conscientes desse fracionamento nocivo se negarem a cristalizar a divisão. É necessária uma intensa batalha de convencimento político de todos os setores combativos para tentar reverter essa situação. Primeiro incentivando as lutas e sua unificação, independentemente da força da esquerda socialista que conduza cada conflito. E também defendendo ou voltando a defender, em todos os espaços em que nossas entidades participem, a construção de uma central sindical antigovernamental e unitária, compreendendo que as organizações atuais do movimento sindical e popular são todas insuficientes para o enfrentamento necessário ao capital e seus governos (razão pela qual devem ter todas um caráter transitório). Importante lembrar que várias categorias profissionais já aprovaram resoluções neste sentido no último período, o que ainda não tem sido capaz de sensibilizar a cúpula sindical das organizações.

Não é de forma alguma impossível reverter a divisão. Não é nada impossível retomar desde já a luta pela unidade da classe, pela base, nas mobilizações já em curso, e com uma plataforma política comum. Afinal, grande parte das resoluções do encontro do Rio coincide com a maior parte das resoluções do Congresso da CSP-Conlutas. Um movimento nacional pela base, pela unidade, com essa plataforma comum, pode ser um forte pólo de atração para uma nova geração de trabalhadores que estão começando a se mobilizar.

A natureza e o perfil das grandes mobilizações ocorridas na Europa e no mundo árabe mostram o quanto o capitalismo é questionado e quanto é possível um novo mundo – socialista quem sabe. Mas, para que esse novo mundo se construa, a classe trabalhadora precisa se constituir em si, na luta unitária, e para si, na consciência da sua força independente. É esse o sentido histórico da luta pela unidade.

Júnia Gouvêa é trabalhadora da previdência social; Jorge Luís Martins é advogado trabalhista.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Militante dos seringais fala da luta em defesa da floresta e políticas atuais



Por Flavia Alli
Especial para Caros Amigos

Osmarino-seringalOsmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasileia (Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos embates na Floresta Amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à destruição da região pelas madeireiras desde a década de 1970. Cercado por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência, organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o capitalismo.
Osmarino viajou pelo Brasil nesse semestre em um circuito de debates e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva, e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento sindical, reafirma a importância da organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e o fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na luta de classes.
Na entrevista abaixo, Osmarino Amâncio fala da luta na defesa da floresta e suas dificuldades, de agronegócio como política de estado e do trabalho junto aos seringueiros.

Em relação à organização dos trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem apresentando junto à burguesia?

Osmarino Rodrigues - Primeiro são as instancias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma cooperativa dos extrativistas depende de caminhar muito para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio que eles tem é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é mesmo a falta de educação, pois é um local precário, em que a educação é muito fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino primário. Isso tudo não tem impedido da classe trabalhadora resistir contra aqueles grandes megaprojetos de madeireiras, de mineradoras, de barragens, de hidrelétricas. É um processo que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, que nós não reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças dos seringueiros, -os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da reserva, andando armado. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das ONGS. E, veio a serviço do grande capital, com essa ideia da nova política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais. Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a alternativa que eles estão dando para a gente é uma “bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de farinha e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão proibindo de fazer ramais para escoação do produto dentro da reserva; e ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois este exige uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma política do estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto. Tem-se um grande investimento do BNDES e do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo madeireiro e à política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais de 20 megaprojetos que vai (sic) detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a destruição será total. O cerrado, por exemplo, está sendo implementado naquela região para a monocultura da soja, cana para o etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também atendem a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico que corta a região meio a meio para escoação dos produtos de exportação. Então, são investimentos para a “integração” da América do Sul, e que precisa ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de fora da Amazônia para que possamos fazer um grande empate (e não é um empate contra os fazendeiros e madeireiras) contra o estado, contra a legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política “auto-sustentável” que, ao conseguir a certificação, é liberado para você fazer qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo!

O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em organizações para combater os trabalhadores na Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervido na realidade e a resposta dos trabalhadores frente a esta situação?

Osmarino - Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Osmarino-iMas, eles tinham uma vontade de defender a vida. Então, quando se tem vontade de viver, você cria as condições, o “anticorpo” como chamamos na floresta. Na Amazônia, para você viver, você tem que se adaptar e criar anticorpos. Pois, você não vai enfrentar somente o estado, só a UDR, só as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar, também, a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas, o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal que consegue sobreviver com a dor, por conta da vontade de viver! Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, topada, sofre um corte... Mas, ele convive diariamente com dor. Então, ele está adaptado a estas questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade, estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos sindicatos, das oposições sindicais, estamos, também, na discussão de desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, e enfrentar o grande capital contra a depredação dos meios naturais. Essas são algumas das entidades. Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desfio à juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas nossas ideias e documentos, denunciando o governo, inclusive as ONGs, como USAID, WWF, Greenpeace - todas as entidades que defendem o desenvolvimento sustentável para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível evitar isso colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que libera para o Norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) continuarem poluindo no resto do mundo, e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e dizendo “Nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na Amazônia”. E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se tornando para os governantes o principal empecilho para implementar os megaprojetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região “fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo zero” quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida e queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do plano de manejo. Quando o governo o implementa, ele está incentivando essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil ficam sem floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é muito difícil devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar um salário para algumas lideranças para fazerem propaganda dos programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento naquela região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada; e estamos organizando a oposição sindical em Brasileia. Será um processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos expulsos e eles farão toda a destruição na Amazônia.

Como é feita a cooptação dos trabalhadores para que se retirem dos movimentos e eleições sindicais e qual a interferência na luta de classes?

Osmarino - Essa “compra” das pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último investimento foi 500 mil reais, na compra de tratores, dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão assinando, a qual dura apenas por dois anos – e não sabem que qualquer “deslize” que ele tiver será expulso da reserva. A criminalização é tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento. Levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo madeireiro, ficar contra o movimento e defender o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alívio. Mas, essas entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 mi de hectares de floresta para fazer a biopirataria. O próprio estado cria, aparelha, atrela o movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.

A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas é para legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país há décadas?

Osmarino - O Novo Código Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito e consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem tem condição financeira, vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram. Essa política vem para oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” se tem uma lei que garante, sem critério algum, a implementação dessa política, na Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada. O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais etc extraídos pelas empresas e pelo latifúndio.
Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembleia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30 anos. Então, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a terra!
A Belo Monte, por exemplo, tem 500 quilômetros quadrados que serão inundados. A Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o problema da educação; da saúde; implementar bancos de hemoplasma; investir em pesquisa; e evitar os desastres ecológicos, consequências do desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.

Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?

Osmarino - Primeiro, eles tentam usar essas populações que tem dificuldade de entender o que está por trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação” para convencer os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios, e mandar eles para o céu. Então, todos lá estão virando evangélicos, obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada e sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens quando completam 16 anos casam-se. Então, eles acusam de estupro esses jovens ou até mesmo as lideranças para exterminar esse povo e também impedir que se reproduzam. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não podem mais se relacionar por serem acusados de estupradores. A justificativa é que tem uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade. Eles confundem a população e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais (Bolsa Verde, Plano de Manejo, etc.) que eles criminalizam. Outras leis, como a questão da prostituição infantil têm sido usadas para este fim. Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o governo não tem fiscalizado. O exemplo disso é Belo Monte. Altamira tem 100 mil pessoas. Mas, está chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se aproveitar da juventude e como o estado vai evitar o estupro e a barbárie? Não vai evitar! O estado cria mecanismos, a gente vê como exemplo as obras da Copa do Mundo, em que estão expulsando as populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos centros urbanos, e indenizando com migalhas. As obras da Copa institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde, transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e que nós estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas, para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, que colocaram o nome de “remoção”. O estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão de poucas pessoas.

Como o capitalismo Verde de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?

Osmarino - Virou uma doença! As pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda, pois, por exemplo, a Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia para um grupo de empresas para continuar depredando a natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar com várias espécies, culturas - e tampouco a energia da usina vai servir para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta para o manejo - sendo que ela é fonte de renda da população local -, é ela que evita, também, o aquecimento global, desequilibra ambiental e socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de exportação pode destruir o que é ilegal, que por conta do selo vira “legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito milhões de hectares de floresta – que é mais da metade do estado. A MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do meio ambiente. Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem se quer discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vem todos prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E a Rio+20 nesse cenário?
Osmarino - A Rio+20 será para selar como um todo entre sociedade e governo um proposta de “economia sustentável”. Esta proposta é uma ideia do modelo capitalista que temos, que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro, sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de ONGs e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa proposta que será selada na Rio+20. Essa é uma discussão que vem desde a década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda de açudagem em complemento às barragens, tudo pensando na exportação dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso, mas eles vivem há centenas de anos na floresta e nunca destruíram. No entanto, é ignorado que o grande capital faz, e é criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na região.
Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos?
Osmarino - O que todo mundo tem que ter consciência é que esse projeto que está colocado não se deve aderir, pois ele é do sistema capitalista. Ele tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo indígena é uma nação... índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma sociedade libertária. E vai se respeitando cada categoria, que implemente a sua arte, a sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na elaboração do que vai ser investido nela. Tem que ter transparência do calendário aos currículos formulados. A comunidade tem que participar deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável - um projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais, pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos que ter consciência disso. Temos que fazer um desafio à juventude, que em sua maioria, está “viajando” na internet, e acredita que vai fazer uma mudança por ela; ou então passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. E vai ser preciso três planetas para suportar essa demanda. Se não tivermos cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra da concentração da mão de poucas pessoas. Esse projeto não presta, temos que construir um novo. E, este novo projeto, todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos que ir nos apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos.