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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ROSA LUXEMBURGO: A Rosa Vermelha do socialismo


A Rosa Vermelha do socialismo

Por Augusto C. Buonicore, no sítio da Fundação Maurício Grabois: Via blog do miro

Neste mês se completam 95 anos do brutal assassinato da comunista polonesa Rosa Luxemburgo. Ela foi uma combatente de primeira hora contra o revisionismo teórico que irrompeu no interior da social-democracia alemã. Condenou duramente o oportunismo de direita que ganhava corpo nas direções dos sindicatos alemães, e defendeu a experiência da revolução russa de 1905, especialmente o uso da greve geral como instrumento importante na luta revolucionária. Quando se iniciou a Primeira Grande Guerra Mundial e ocorreu a traição da maioria dos dirigentes da II Internacional, Rosa se colocou ao lado de Lênin contra a guerra imperialista e na defesa da revolução socialista. Foi fundadora do grupo spartakista que daria origem ao Partido Comunista da Alemanha. Após sua trágica morte, Lênin fez uma pungente homenagem à águia polonesa, heroína do proletariado mundial, no discurso de abertura do congresso de fundação da III Internacional.

O ato final

Era 15 de janeiro de 1919 e as ruas de Berlim estavam tensas. Por toda parte viam-se os vestígios dos combates dos dias anteriores. As tropas do exército alemão e os grupos paramilitares, os “corpos livres”, desfilavam imponentes pelas ruas da cidade morta.

A insurreição parecia ter chegado ao seu final. Uma batalha havia sido perdida, mas não a guerra. Assim pensavam Rosa e Karl Liebknecht, quando foram sequestrados e levados ao Hotel Éden para averiguações. De lá deveriam seguir para a prisão, onde se encontravam centenas de operários revolucionários. Contudo, o cortejo faria outro caminho, que não era o da prisão nem o do exílio. A burguesia e os generais alemães já haviam decretado a sentença. Os dois foram conduzidos ao zoológico municipal onde terminariam assassinados. Decerto, alguém se perguntava: “Quantos tiros seriam necessários para matar o sonho da revolução alemã? No zoológico de Berlim quem seriam os animais?”.

Mais tarde, sem identificação, dois corpos seriam jogados nas águas frias do canal Landwher. A reação não queria deixar provas do horrendo crime que cometera, mas todos sabiam quem eram os seus autores. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht estavam mortos, mas a história que construíram se manteria viva na consciência dos comunistas de todo o mundo.

Passados alguns anos, Brecht escreveria o seu epitáfio:

“Aqui jaz

Rosa de Luxemburgo

Judia da Polônia

Vanguarda dos operários alemães

Morta por ordem

Dos opressores.

Oprimidos,

Enterrai as vossas desavenças!”

Os primeiros passos

Quem se prendesse apenas à sua origem social decerto não poderia entender como aquela menina, nascida em 5 de março de 1871, filha de uma abastada família de judeus poloneses, havia se transformado na Rosa Vermelha, destacada dirigente do movimento comunista internacional.

Contudo, o ambiente efervescente reinante na Polônia, então dominada pela Rússia czarista, estava levando muitos jovens, como ela, a se engajarem em movimentos contestatórios e mesmo revolucionários. Primeiro, aderindo às lutas estudantis contra as estruturas repressivas mantidas nas escolas polonesas, e depois ingressando nos combates políticos contra a opressão russa e pelo socialismo. Este também foi o caminho seguido pela irrequieta Rosa.

Em 1889, com apenas 19 anos, ela se viu obrigada a deixar a sua Polônia e refugiar-se em Zurique, onde concluiu os seus estudos, doutorando-se em Economia. No exílio, em 1894, juntamente com seu companheiro Leo Jogiches, ajudou a fundar o Partido Social-Democrata da Polônia. Pouco a pouco, Zurique se tornava calma e pequena demais para os grandes planos e a personalidade agitada de Rosa. Por isso, em 1898, mudou-se para o centro da luta de classes do momento, o coração da revolução europeia: a Alemanha.

Reforma ou revolução

Ao chegar, ingressou imediatamente ao Partido Social-Democrata Alemão (PSDA), o maior partido operário do Ocidente, e logo se viu envolvida na grande polêmica do momento, que podia ser resumida num único e decisivo dilema: reforma ou revolução?

O crescimento relativamente pacífico do capitalismo alemão e a conquista de maiores liberdades democráticas propiciaram avanço eleitoral sem precedente à social-democracia. Isto levou muitos dirigentes partidários a acalentarem esperanças de que haveria outra alternativa para a conquista do socialismo que não fosse o caminho revolucionário. O principal teórico dessa via reformista foi Bernestein, dirigente do PSDA e, até então, considerado herdeiro de Engels do qual havia sido amigo.

Ele apregoava que a tendência do capitalismo não era a monopolização crescente da economia, como afirmava Marx, e sim sua democratização através do aumento do número de proprietários, graças à introdução das sociedades por ações. Isso levaria a um fortalecimento das classes médias e não à sua redução. Seriam eliminadas, assim, as previsões “catastróficas” de Marx sobre a polarização crescente da sociedade e o choque inevitável entre burgueses e proletários. O desenvolvimento do capitalismo não levaria necessariamente às crises periódicas, pois ele mesmo estava criando antídotos, através da melhor organização da produção e do planejamento econômico.

Dentro dessa perspectiva, Bernestein elaboraria uma nova tática, que supervalorizava as lutas parlamentar e sindical. Segundo ele, seria através do voto que o trabalhador se elevaria “da condição social de proletário para aquela de cidadão”. A luta sindical por melhores condições de trabalho e salários seria o instrumento privilegiado para conduzir a sociedade capitalista, através das reformas econômicas, para o socialismo democrático. Na verdade, essas reformas já seriam a própria realização molecular da nova sociedade socialista. É dele a famosa frase: “o movimento é tudo e o fim nada significa”.

Rosa foi uma das primeiras a se insurgir contra tais teses, que contradiziam a essência do marxismo revolucionário, escrevendo, em 1899, uma das mais belas obras contra o revisionismo do seu tempo: Reforma Social ou Revolução?. Neste texto são desmanteladas, com maestria, uma a uma as teses reformistas. Contribuindo, assim, para que elas fossem rejeitadas pela maioria do partido, embora essas ideias continuassem a exercer grande influência sobre vários de seus dirigentes.

O objetivo final do socialismo, afirmava Rosa, “é o único elemento decisivo na distinção entre o socialista e o radical burguês”. A política apregoada por Bernestein “visava a uma única coisa: conduzir-nos ao abandono do objetivo último, a revolução social, e, inversamente, fazer da reforma social, de simples meio de luta de classes, em seu fim”. Rosa, portanto, não negava o papel das reformas, mas acreditava que “entre a reforma e a revolução devia haver um elo indissolúvel” no qual “a luta pela reforma é o meio e a revolução social é o fim”.

As críticas contundentes e mordazes da pequena Rosa mostram muito bem a sua coragem e o seu espírito revolucionário. Poucos no partido, naquele momento, ousariam desafiar a autoridade de Bernestein, muito menos compará-lo a um radical burguês. As teses de Bernestein foram criticadas nos congressos da social–democracia alemã de Hannover (1899) e Lubeck (1901). No congresso de Dresden, em 1903, o principal dirigente social-democrata alemão August Bebel apresentaria uma dura moção que afirmava: “O Congresso condena de maneira mais decidida o intento revisionista de alterar a nossa tática, posta a prova várias vezes e vitoriosa, baseada na luta de classes (...). Se adotássemos a política revisionista nos constituiríamos em um partido que se conformaria apenas com a reforma da sociedade burguesa”. O Congresso da Segunda Internacional de 1904, em Amsterdã, também foi marcado por este debate e, novamente, as teses revisionistas foram derrotadas. Mas, seus adeptos continuaram no partido e na Internacional, inclusive na sua direção, e ali esperariam nova oportunidade para retomar a ofensiva.

Em 1904, intervindo numa polêmica da social-democracia russa, Rosa de Luxemburgo fez críticas ao modelo organizativo proposto por Lênin, baseado nos revolucionários profissionais e na necessidade de implantação de uma rígida disciplina, que tinha como referência o modelo adotado nas fábricas capitalistas. Contudo, Rosa julgava as propostas do revolucionário russo tendo como ponto de referência a Alemanha e não a Rússia czarista. A fórmula organizativa de Lênin correspondia à situação política vivida no seu país, onde todas as organizações operárias e socialistas eram ilegais e duramente perseguidas. Portanto, a realidade russa impunha uma organização clandestina e rigidamente centralizada. Apesar da crítica feita à política organizativa de Lênin, um ano depois estava ao lado dele na defesa da experiência da revolução russa de 1905 e do instrumento da greve geral. Rosa passava a estruturar a ala esquerda do PSDA.

Contra a burocracia sindical

A social-democracia alemã já havia desenvolvido a compreensão de que o partido revolucionário era uma forma superior de organização da classe operária. Era o partido, como vanguarda da classe, que deveria dar direção política às organizações sindicais e populares.

August Bebel, um dos principais dirigentes da social-democracia alemã, havia dito: “Não é da ação sindical que devemos esperar a tomada de possessões dos meios de produção. É preciso, antes de tudo, tomar o governo que monta guarda ao redor da classe capitalista”. Isto só poderia ser conseguido através da luta político-revolucionária, dirigida pelo partido social-democrata. Essa ideia passaria a ser corroída nos anos seguintes, quando ocorreu a burocratização dos sindicatos.

O aumento do número de operários sindicalizados, somado ao crescimento da economia capitalista alemã que possibilitou aos patrões fazerem maiores concessões aos trabalhadores, permitiu a construção de poderosas máquinas sindicais – com sedes, gráficas, editoras, clubes e inúmeros funcionários – e a acumulação de vultosos fundos financeiros. Alguns grandes sindicatos chegaram a criar bancos.

Não sem razão, as direções dos sindicatos alemães foram tomadas de verdadeiro pavor quando a revolução russa de 1905 veio a ameaçar o curso do desenvolvimento “pacífico” do capitalismo alemão. O órgão oficial da central sindical social-democrata logo afirmou: “Não somos de nenhum modo partidário das demonstrações de rua”. O congresso sindical realizado em Colônia chegou mesmo a aprovar uma resolução contrária à utilização da greve geral como instrumento de pressão operária contra o Estado e os patrões. Para os burocratas sindicais, qualquer ação mais ampla e radical das massas operárias levaria, necessariamente, à repressão e a uma desorganização dos sindicatos.

Rosa fez duras críticas aos dirigentes sindicais, apontando as causas do seu reformismo. “Os funcionários sindicais”, afirma ela, “tornaram-se vítimas da burocracia e de certa estreiteza de perspectiva devido à especialização da sua atividade profissional e à mesquinhez dos seus horizontes, resultado de um fracionamento das lutas econômicas em período de calmaria. Esses dois defeitos manifestam-se em diversas tendências que podem ser fatais para o futuro do movimento operário. Uma delas consiste em sobrevalorizar a organização transformando-a, pouco a pouco, num fim em si mesmo e considerando-a um bem supremo a que os interesses da luta devem ser subordinados. Assim se explica (...) essa hesitação ante o fim incerto das realizações de massas e enfim a sobrevalorização da própria luta sindical”.

Quando o Congresso do PSDA realizado em Jena aprovou uma resolução insinuando a possibilidade de utilização da greve geral, de maneira defensiva e em casos excepcionais, os líderes sindicais não perderam tempo em apregoar a necessidade da independência dos sindicatos em relação ao Partido e ratificaram sua posição antigreve. Legien, o principal dirigente sindical da social-democracia alemã, afirmou: “para os sindicatos o que conta não é a resolução tomada no Congresso de Jena, mas a tomada em Colônia”, contrapondo o congresso sindical ao partidário.

Rosa seria uma das principais críticas desse oportunismo sindicalista. “Os sindicatos”, afirmaria ela, “representam o interesse de grupos particulares (...). A social-democracia representa a classe operária e os interesses gerais de sua emancipação (...). As ligações dos sindicatos com o Partido Socialista são as de uma parte com o todo”. A chamada “igualdade de direito” entre sindicatos e o Partido Socialista não seria “um simples mal-entendido, uma simples confusão teórica, mas exprimiria uma tendência bem conhecida da ala oportunista”.

Defendendo o ponto de vista predominante no seio da social-democracia, ela se colocou contra o fato “monstruoso” de que nos congressos do partido e dos sindicatos os militantes socialistas estivessem fazendo aprovar resoluções não apenas diferentes como opostas. Para solucionar o impasse ela propôs “subordinar de novo os sindicatos ao partido, para o interesse próprio das duas organizações. Não se trata de destruir a estrutura sindical no partido, trata-se de estabelecer entre as direções do partido e os sindicatos (...) uma relação entre o movimento operário em seu conjunto e o fenômeno particular e parcial chamado sindicato”. Alguns anos mais tarde os comunistas mudariam essa formulação que subordinava formalmente os sindicatos ao partido político de vanguarda, mas manteriam a visão de que a luta política revolucionária era superior à luta corporativo-sindical.

A contradição entre as direções dos sindicatos e do partido só existiu enquanto a maioria da direção partidária se manteve à esquerda da direção sindical. Com a vitória das teses revisionistas e reformistas no interior do próprio partido, as relações entre essas duas instâncias tenderam a se harmonizar numa política de caráter antirrevolucionário.

A falência da II Internacional

A história da luta de classe trilha caminhos tortuosos e contraditórios: as vitórias eleitorais e sindicais do PSDA somente reforçaram as posições reformistas no seu interior. Em 1912 o partido obteve mais de 4 milhões de votos, elegendo 110 deputados, tornando-se a maior bancada no parlamento alemão. Dois anos depois, quando do início da Primeira Guerra Mundial, as posições de direita já haviam conquistado a maioria das direções da social-democracia alemã e europeia. Estas acabaram renegando todas as suas resoluções anteriores, colocando uma pedra sobre o seu passado revolucionário, ao votarem favoravelmente aos créditos para a guerra imperialista. “Desde 4 de agosto de 1914”, afirmou Rosa, “a social democracia alemã é um cadáver putrefato.”

Rosa acabou sendo presa em 1915 devido ao pronunciamento de um violento discurso contra a guerra e o imperialismo. Na prisão, escreveria o texto A crise da social-democracia, mais conhecido por Folheto Junius, que seria saudado por Lênin como sendo um “esplêndido trabalho marxista”. No mesmo período também escreveria Teses sobre as tarefas da social-democracia internacional, que deveria ser uma contribuição da esquerda social-democrata alemã à Conferência Internacional de Zimmerwald. Ali, a esquerda e o centro social-democrata procuraram se articular contra a sua ala direita e a favor da paz mundial.

Nas suas teses, Rosa afirmaria: “A guerra esmagou a Segunda Internacional (...). Os representantes oficiais dos partidos socialistas dos principais países traíram os objetivos e interesses da classe operária (...) e passaram para o campo do imperialismo. Assim, constitui uma necessidade vital para o socialismo criar uma nova internacional operária, que tome em suas mãos a direção e coordenação das lutas revolucionárias de classe contra o imperialismo internacional”. Solta no início de 1916, ela continuaria seu trabalho revolucionário – o que lhe custaria nova prisão menos de seis meses depois de sua libertação.

Em 1916 realizou-se uma conferência da esquerda social-democrata alemã que se decidiu pela publicação de um periódico chamado Spartacus, nome pelo qual ficaria conhecido o grupo liderado por Rosa e Karl Liebknecht. Em 1º de maio o grupo Spartacus procurou organizar uma manifestação contra a guerra imperialista. O resultado foi a prisão de Karl, acusado de traição à pátria. Os dois revolucionários alemães ficariam presos até que a revolução de 1918 viesse a libertá-los.

Em 1917, rompidos com o PSDA, os centristas, liderados por Kautsky, e a esquerda formavam outra organização política: o Partido Social-Democrata Independente (PSDI). Apesar de possuir um programa internacionalista e antibelicista, graças à atuação dos centristas, o novo partido atuava de forma vacilante e defensiva diante da direção do PSDA.

Rosa e a Revolução Russa

Em 1918, Rosa escreveria uma série de artigos nos quais defendia a revolução socialista na Rússia, que estava sob ataque cerrado da direita e do centro social-democrata, inclusive do centrista Kautsky. A capacidade bolchevique de vencer todas as dificuldades impostas pela contrarrevolução a empolgava: “Os bolcheviques têm demonstrado que podem fazer tudo o que um partido verdadeiramente revolucionário pode fazer nos limites de suas possibilidades históricas. Não procuram fazer milagres. E seria um milagre uma revolução proletária modelar impecável num país isolado, esgotado pela guerra, premido pelo imperialismo, traído pelo proletariado internacional (...). E é nesse sentido que o futuro pertence em toda parte ao ‘bolchevismo’”.

O apoio irrestrito à revolução não a impediu de fazer várias críticas às medidas revolucionárias adotadas pelos bolcheviques. Uma parte delas estava impregnada por certo esquerdismo teórico. Rosa, por exemplo, menosprezava a necessidade da aliança com os camponeses pobres e não compreendia a proposta de Lênin em relação às nacionalidades oprimidas. Ela negava a necessidade de incluir no programa dos revolucionários russos o direito à autodeterminação dos povos que estavam sob o domínio do antigo império czarista. Considerava estas propostas como concessões perigosas aos nacionalismos das burguesias locais. A maior parte das objeções seria revista no ano seguinte, quando ela saiu da prisão e pôde ter maior contato com a experiência soviética.

A crítica merecedora de maior atenção é aquela que tratava do processo de construção da ditadura do proletariado, que acreditava ser simples sinônimo de democracia socialista. Ela se preocupava com algumas medidas repressivas tomadas pelo governo soviético contra membros de organizações que considerava socialistas, ainda que equivocadas. Afirmou Rosa: “abafando a vida política em todo o país, é fatal que a vida no próprio soviete seja cada vez mais paralisada. Sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem luta livre de opiniões, a vida morre em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente, onde a burocracia resta como único elemento ativo (...). Algumas dezenas de chefes de uma energia infatigável e de um idealismo sem limites dirigem o governo e, entre eles, o que governam de fato são uma dezena de cabeças eminentes, enquanto uma elite da classe operária é convocada de tempos em tempos para reuniões com o fim de aplaudir os discursos dos chefes e de votar unanimemente as resoluções que lhes são apresentadas (...). Ainda mais: tal estado de coisas deve provocar necessariamente uma ‘barbarização’ da vida pública, atentados, fuzilamentos de presos etc. ”

Rosa não conhecia as particularidades do desenvolvimento da luta de classes na Rússia pós-revolução, por isso tendia a subestimar o papel desempenhado pelas forças contrarrevolucionárias internas, em muitos casos apoiadas por partidos ligados à II Internacional, que ainda se diziam socialistas. As medidas restritivas à democracia operária, tomadas pelos bolcheviques, também poderiam ser debitadas às difíceis condições em que vivia a jovem Rússia soviética entre 1918 e 1921, cercada e ocupada por diversas potências imperialistas.

A verdadeira tragédia está no fato de que as medidas discricionárias que deveriam ser provisórias, necessárias numa fase de consolidação do socialismo contra a reação armada interna e externa, se transformaram em políticas de Estado, realizando assim algumas das previsões de Rosa sobre o futuro da democracia socialista na Rússia. Se a crítica de Rosa se encontrava desfocada naqueles primeiros anos da revolução, cairia como luvas para as novas condições formadas na segunda metade da década de 1930.

A revolução alemã de 1918

Na Alemanha, pouco a pouco o sentimento nacionalista dos primeiros dias do conflito mundial foi substituído pela revolta. Os operários começavam a se agitar diante do alistamento militar forçado, os constantes cortes nos salários e os racionamentos de alimento. Não tardou e o descontentamento chegou às tropas, principais vítimas da guerra. Em junho de 1917, os marinheiros se rebelaram e foram violentamente reprimidos, com aval do PSDA.

Ainda nas prisões os espartaquistas conclamaram: “não há senão um meio de deter a carnificina dos povos e alcançar a paz: é desencadear uma luta de massas que paralise toda a economia e a indústria bélica, é instaurar através da revolução, liderada pela classe operária, uma República popular na Alemanha”.

A vitoriosa Revolução de Outubro na Rússia apenas serviria para acirrar os ânimos. Nas frentes de batalha os soldados se confraternizavam; nas cidades as greves multiplicavam-se e formavam-se conselhos de operários e soldados, seguindo o modelo soviético. O governo e a monarquia foram colocados em xeque pelas massas insurgentes. Em 9 de novembro de 1918, irrompeu uma rebelião em Berlim e o próprio PSDA foi obrigado, pela pressão dos operários, a aderir ao movimento. Os soldados recusaram-se a cumprir ordens dos oficiais e uniram-se ao povo. A revolução operária e popular vencia o primeiro round. E agora?

O governo oligárquico desabou feito um castelo de cartas. O imperador Guilherme III abdicou e entregou o poder ao chanceler Max Baden. Este, por sua vez, passou o bastão para as mãos do social-democrata Friedrich Ebert. Muitos achavam que a revolução havia chegado ao fim. Foi dentro desse espírito que Ebert lançou sua conclamação: “Cidadãos, peço-lhes que abandonem as ruas, cuidem da tranquilidade e da ordem”. Enquanto isso, outro membro de seu partido, Scheidemann, proclamava a República. A poucos metros dali uma multidão de operários se concentrava para ouvir Karl Liebknecht, recém-libertado da prisão, que afirmava a necessidade do estabelecimento da República alemã. Não uma República burguesa, disfarçada de República social, mas uma República socialista.

Ebert então se apressou a formar o novo governo do qual participariam o PSDA e a ala direita do Partido Social-Democrata Independente. A pressão popular impediu a entrada de membros dos partidos burgueses responsáveis pela guerra. Liebknecht foi convidado a participar, mas impôs uma condição: que todo poder fosse entregue aos conselhos operários – o que evidentemente não foi aceito. Então os espartaquistas, fora do governo, resolveram continuar com os seus preparativos de insurreição.

“Nós pedimos, pelo contrário, que ninguém abandone as ruas e que todos permaneçam armados. A conclamação do novo chanceler, que substituiu o derrotado imperador, procura enviar as massas para os seus lares para melhor poder estabelecer a velha ordem das coisas. Operários, soldados: permanecei alerta!”, conclamavam os spartaquistas. A luta atingiu outro patamar, a burguesia se escondia por detrás de um “partido operário”, justamente o partido que havia pertencido Marx e Engels.

No dia 16 de dezembro, o Conselho Nacional, que congregava todos os conselhos operários, dominados pelo PSDA, decidiu entregar o poder à Assembleia Nacional Constituinte que seria eleita em janeiro. A mesma coisa que haviam feito os mencheviques na Rússia. Diante da capitulação do Partido Social-Democrata Independente, que aceitara participar do governo e a submissão à futura Constituinte, os espartaquistas romperam a unidade e fundaram o Partido Comunista da Alemanha (PCA). Outras decisões tomadas pelos comunistas foram: não participar da eleição para a Assembleia Nacional Constituinte e continuar os preparativos para a insurreição armada. Especialmente essas duas últimas posições não correspondiam à real correlação de forças existente na Alemanha, por isso tanto Rosa como Karl mostraram-se reticentes em relação a elas.

No início de 1919, um ato de provocação do governo precipitou os acontecimentos. Marinheiros amotinados foram brutalmente reprimidos pelo exército. Em resposta, os operários tomaram as ruas. O chefe da polícia, ligado à esquerda do PSI, recusou-se a reprimir as manifestações e foi demitido do cargo. O PCA e a esquerda do PSI se uniram e convocaram manifestações de protestos contra Ebert-Scheidemann. Uma multidão invadiu o distrito da imprensa, onde se encontravam os jornais reacionários. Naquela mesma noite, o PCA decidiu-se pela insurreição geral. Em 9 de janeiro, num ato inesperado, os operários espartaquistas tomaram o Reichstag (parlamento alemão), mas foram rapidamente desalojados pelo exército. Depois de cinco dias de violentos combates de rua, a insurreição foi derrotada. No dia 15, em meio à avaliação do movimento, Rosa e Liebknecht foram sequestrados e assassinados por militares. Ao final do seu último artigo Rosa escreveu: “‘A ordem reina em Berlim’, Esbirros estúpidos! Vossa ‘ordem’ é um castelo de areia. Amanhã a revolução se levantará de novo clamorosamente, e para espanto vosso proclamará: Era, sou e serei”.

Epílogo

Após a sua morte, Rosa passou a ser o alvo de violentas críticas, em especial dos dirigentes da social-democracia internacional. Em sua defesa vieram as palavras firmes de Lênin:

“A esses (críticos) responderemos com um velho ditado russo:

‘Às vezes as águias descem

e voam entre as aves do quintal,

mas as aves do quintal jamais

se elevarão até as nuvens"Rosa equivocou-se em muitas coisas, a respeito da independência da Polônia, na análise dos mencheviques em 1903, na sua teoria da acumulação de capital (...), equivocou-se no que escreveu na prisão de 1918 (corrigiu a maioria desses erros no final de 1918 e início de 1919, quando voltou à liberdade). Mas, apesar de seus erros, foi e continua sendo uma águia”.

* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
** Adaptação do artigo publicado na revista Debate Sindical nº 30, junho-agosto/1999.
Bibliografia

ETTINGER, Elzbieta. Rosa Luxemburgo: uma vida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.

GUIMARÃES, Juarez R. (org.). Rosa Vermelha. São Paulo: Busca Vida, 1987.

LOUREIRO, Isabel (org.). Rosa de Luxemburgo: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 1999.

________. Rosa de Luxemburg: os dilemas da ação revolucionária. São Paulo: Unesp, 1995.

LUXEMBURGO, Rosa. Greve de Massas, Partido e Sindicatos. Coimbra, Portugal: Centelha, 1974.

________. Reforma Social ou Revolução?. São Paulo: Global, 1986.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Blog do Miro: 50 verdades sobre Fidel Castro

50 verdades sobre Fidel Castro

Por Salim Lamrani, no sítio Opera Mundi:

1. Procedente de uma família de sete filhos, Fidel Castro nasceu no dia 13 de agosto de 1926 em Birán, na atual província de Holguín, da união entre Ángel Castro Argiz, rico proprietário de terras espanhol oriundo da Galícia, e Lina Ruz González, cubana.

2. Aos sete anos, ele se muda para a cidade de Santiago de Cuba e vive na casa de uma professora encarregada de educá-lo. Ela o abandona à própria sorte. “Conheci a fome”, lembraria Fidel Castro e “minha família tinha sido enganada”. Um ano depois, ele entra no colégio religioso dos Irmãos de la Salle, em janeiro de 1935, como interno. Deixa a instituição para ir para o colégio Dolores, aos 11 anos, em janeiro de 1938, depois de se rebelar contra o autoritarismo de um professor. Segue sua escolaridade com os jesuítas no Colégio de Belém em Havana, de 1942 a 1945. Depois de uma graduação brilhante, seu professor, o padre Armando Llorente, escreve no anuário da instituição: “Distinguiu-se em todas as matérias relacionadas às letras. Excepcional e congregante, foi um verdadeiro atleta, defendendo sempre com valor e orgulho a bandeira do colégio. Soube ganhar a admiração e o carinho de todos. Cursará a carreira de Direito e não duvidamos de que encherá de páginas brilhantes o livro de sua vida.”

3. Apesar de se exiliar em Miami, em 1961, por causa das tensões entre o governo revolucionário e a Igreja Católica cubana, o padre Llorente sempre guardou uma lembrança nostálgica de seu antigo aluno. “Me dizem: ‘o senhor sempre fala bem de Fidel’. Eu falo do Fidel que eu conheci. Inclusive, [ele] uma vez salvou a minha vida e essas coisas não podem ser esquecidas nunca”. Fidel Castro se jogou na água para salvar seu professor, levado pela correnteza.

4. Em 1945, Fidel Castro entra na Universidade de Havana, onde cursa a graduação de Direito. Eleito delegado da Faculdade de Direito, participa ativamente das manifestações contra a corrupção do governo do presidente Ramón Grau San Martín. Não vacila, tampouco, em denunciar publicamente gangues vinculadas às autoridades políticas. Max Lesnik, então secretário-geral da Juventude Ortodoxa e colega de Fidel Castro, lembra-se desse episódio: “O comitê 30 de setembro [criado para lutar contra as gangues] fez o acordo de apresentar a denúncia contra o governo e os gângsteres no plenário da Federação Estudantil [Universitária]. No salão, mais de 300 alunos de diversas faculdades se apresentaram para escutar Fidel quando alguém [...] gritou: ‘Aquele que falar o que não deve, falará pela última vez’. Estava claro que a ameaça era contra o orador da vez. Fidel se levantou de sua cadeira e, com passo lento e firme, se encaminhou ao centro do amplo salão, [...] e começou a ler uma lista oficial com os nomes e todos e de cada um dos membros das gangues e dos dirigentes da FEU que haviam sido premiados com suculentas ‘garrafas’ [cargos] nos distintos ministérios da administração pública.”

5. Em 1947, aos 22 anos, Fidel Castro participa, com Juan Bosch, futuro presidente da República Dominicana, de uma tentativa de desembarque da [expedição de] Cayo Confites para derrubar o ditador Rafael Trujilo, então apoiado pelos Estados Unidos.

6. Um anos depois, em 1948, participa do Bogotazo, revolta popular desatada pelo assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, líder político progressista, candidato às eleições presidenciais da Colômbia.

7. Graduado em Direito em 1950, Fidel Castro atua como advogado até 1952 e defende as pessoas humildes, antes de se lançar na política.

8. Fidel Castro nunca militou no Partido Socialista Popular (PSP), partido comunista da Cuba pré-revolucionária. Era membro do Partido do Povo Cubano, também chamado Partido Ortodoxo, fundado em 1947 por Eduardo Chibás. O programa do Partido Ortodoxo de Chibás é progressista e se baseia em vários pilares: soberania nacional, independência econômica pela diversificação da produção agrícola, supressão do latifúndio, desenvolvimento da indústria, nacionalização dos serviços públicos, luta contra a corrupção e justiça social por meio da defesa dos trabalhadores. Fidel Castro reivindica seu pertencimento ao pensamento “martiano” (de José Martí), chibasista (de Chibás) e anti-imperialista. Orador de grande talento, se apresenta às eleições parlamentárias como candidato do Partido do Povo Cubano em 1952.

9. No dia 10 de março de 1952, a três meses das eleições presidenciais, o general Fulgencio Batista rompe a ordem constitucional e derruba o governo de Carlos Prío Socarrás. Consegue o apoio imediato dos Estados Unidos, que reconhecem oficialmente a nova ditadura militar.

10. O advogado Fidel Castro apresenta uma denúncia contra Batista por romper a ordem constitucional: “Se existem tribunais, Batista deve ser castigado, e se Batista não é castigado [...], como poderá depois este tribunal julgar um cidadão qualquer por motim ou rebeldia contra esse regime ilegal, produto da traição impune?”. O Tribunal Supremo, sob as ordens do novo regime, recusa a demanda.

11. No dia 26 de julho de 1953, Fidel Castro se coloca à frente de uma expedição de 131 homens e ataca o quartel Moncada na cidade de Santiago, segunda maior fortaleza militar do país, assim como o quartel Carlos Manuel de Céspedes, na cidade de Bayamo. O objetivo era tomar o controle da cidade – berço histórico de todas as revoluções – e lançar um chamado pela rebelião em todo o país para derrubar o ditador Batista.

12. A operação é um fracasso e 55 combatentes são assassinados depois de brutalmente torturados pelos militares. De fato, apenas seis deles morreram em combate. Alguns conseguiram escapar graças ao apoio da população.

13. Fidel Castro, capturado alguns dias depois, deve a vida ao sargento Pedro Sarría, que se negou a seguir as ordens de seus superiores e executar o líder de Moncada. “Não disparem! Não disparem! Não se deve matar as ideias!”, exclamou para seus soldados.

14. Durante sua histórica alegação, intitulada “A História me Absolverá”, Fidel Castro, encarregado de sua própria defesa, denuncia os crimes de Batista e a miséria na qual se encontra o povo cubano, e apresenta seu programa para uma Cuba livre, baseado na soberania nacional, na independência econômica e na justiça social.

15. Condenado a 15 anos de prisão, Fidel Castro é liberado em 1955, depois da anistia que o regime de Batista lhe concedeu. Funda o Movimento 26 de Julho (M 26-7) e declara seu projeto de seguir lutando contra a ditadura antes de se exilar no México.

16. Fidel Castro organiza ali a expedição do Granma com um médico chamado Ernesto Guevara. Não foi muito trabalhoso para Fidel Castro convencer o jovem argentino, que recordava: “O conheci em uma dessas frias noites do México e lembro-me de que nossa primeira discussão foi sobre política internacional. Poucas horas depois, na mesma noite — de madrugada — eu era um de seus futuros expedicionários.”

17. Em agosto de 1955, Fidel Castro publica o Primeiro Manifesto do Movimento 26 de Julho, que retoma os pontos essenciais de “A História me Absolverá”. Trata de reforma agrária, da proibição do latifúndio, de reformas econômicas e sociais a favor dos deserdados, da industrialização da nação, da construção de habitações, da diminuição dos aluguéis, da nacionalização dos serviços públicos de telefone, gás e eletricidade, de educação e da cultura para todos, da reforma fiscal e da reorganização da administração pública para lutar contra a corrupção.

18. Em outubro de 1955, para reunir os fundos necessários para a expedição, Fidel Castro realiza uma turnê pelos Estados Unidos e se reúne com os exilados cubanos. O FBI vigia de perto os clubes patrióticos M 26-7 fundados em diferentes cidades.

19. No dia 2 de dezembro de 1956, Fidel Castro embarca no porto de Tuxpán, no México, a bordo do barco Granma, com capacidade para 25 pessoas. Os revolucionários são 82 no total e navegam rumo a Cuba com o objetivo de desatar um guerra de guerrilhas nas montanhas de Sierra Maestra.

20. A travessia se transforma em pesadelo por causa das condições climáticas. Um expedicionário cai ao mar. Juan Almeida, membro do grupo e futuro comandante da Revolução, lembra-se do episódio: “Fidel nos disse o seguinte: ‘Daqui não nos vamos até que o salvemos’. Isso comoveu as pessoas e animou a combatividade. Pensamos: ‘com esse homem não há abandonados’. O salvamos, correndo o risco de perder a expedição.”

21. Depois de uma travessia de sete dias, em vez dos cinco previstos, no dia 2 de dezembro de 1956 a tropa desembarca “no pior pântano jamais visto”, segundo Raúl Castro. Os tiros da aviação cubana a dispersam e 2 mil soldados de Batista, que esperavam os revolucionários, a perseguem.

22. Alguns dias depois, em Cinco Palmas, Fidel Castro volta a se encontrar com seu irmão Raúl e com outros 10 expedicionários. “Agora sim ganhamos a guerra”, declara o líder do M 26-7 a seus homens. Começa a guerra de guerrilhas que duraria 25 meses.

23. Em fevereiro de 1957, a entrevista com Fidel Castro realizada por Herbert Matthews, do New York Times, permite que a opinião pública estadunidense e mundial descubra a existência de uma guerrilha em Cuba. Batista confessaria mais tarde, em suas memórias, que graças a esse golpe jornalístico, “Castro começava a ser um personagem lendário”. Matthews suavizou, entretanto, a importância de sua entrevista. “Nenhuma publicidade, por mais sensacional que fosse, poderia ter tido efeito se Fidel Castro não fosse precisamente o homem que eu descrevi.”

24. Apesar das declarações oficiais de neutralidade no conflito cubano, os Estados Unidos concedem seu apoio político, econômico e militar a Batista e se opõem a Fidel Castro até os últimos instantes. No dia 23 de dezembro de 1958, a uma semana do triunfo da Revolução, enquanto o Exército de Fulgencio Batista se encontra em plena debandada, apesar de sua superioridade em armas e homens, acontece a 392ª reunião do Conselho de Segurança Nacional [dos Estados Unidos], com a presença do presidente [Dwight D.] Eisenhower. Allen Dulles, então diretor da CIA, expressa claramente a posição dos Estados Unidos. “Temos de impedir a vitória de Castro.”

25. Apesar do apoio dos Estados Unidos, de seus 20 mil soldados e da superioridade material, Batista não pôde vencer uma guerrilha composta de 300 homens armados durante a ofensiva final do verão de 1958, que mobilizou mais de 10 mil pessoas. Essa “vitória estratégica” revela, então, a genialidade militar de Fidel Castro, que havia antecipado e derrotado a operação Fim de Fidel lançada por Batista.

26. No dia 1 de janeiro de 1959, cinco anos, cinco meses e cinco dias depois do ataque ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, triunfou a Revolução Cubana.

27. Durante a formação do governo revolucionário, em janeiro de 1959, Fidel Castro é nomeado ministro das Forças Armadas. Não ocupa a Presidência, ocupada pelo juiz Manuel Urrutia, nem o posto de primeiro-ministro, entregue ao advogado José Miró Cardona.

28. Em fevereiro de 1959, o primeiro-ministro Cardona, que se opõe às reformas econômicas e sociais que considera demasiadamente radicais (projeto de reforma agrária), apresenta sua demissão. Manuel Urrutia chama Fidel Castro para ocupar o cargo.

29. Em julho de 1959, frente à oposição do presidente Urrutia, que recusa novas reformas, Fidel Castro renuncia a seu cargo de primeiro-ministro. Imensas manifestações populares têm início em Cuba, exigindo a saída de Urrutia e o retorno de Fidel Castro. O novo presidente da República, Osvaldo Dorticós, volta a nomeá-lo primeiro-ministro.

30. Os Estados Unidos se mostram imediatamente hostis à Fidel Castro ao acolher com braços abertos os dignitários do antigo regime, incluindo vários criminosos de guerra que tinham roubado as reservas do Tesouro cubano, levando 424 milhões de dólares.

31. Não obstante, desde o princípio, Fidel Castro declara sua vontade de manter boas relações com Washington. Entretanto, durante sua primeira visita aos Estados Unidos, em abril de 1959, o presidente Eisenhower se nega a recebê-lo e prefere ir jogar golfe. John F. Kennedy lamentaria o ocorrido: “Fidel Castro é parte do legado de Bolívar. Deveríamos ter dado ao fogoso e jovem rebelde uma mais calorosa acolhida em sua hora de triunfo”.

32. A partir de outubro de 1959, pilotos procedentes dos Estados Unidos bombardeiam Cuba e voltam para a Flórida sem serem perturbados pelas autoridades. No dia 21 de outubro de 1959, lançam uma bomba sobre Havana que provoca duas mortes e fere 45 pessoas. O responsável pelo crime, Pedro Luis Díaz Lanza, volta a Miami sem ser perturbado pela justiça e Washington se nega a extraditá-lo para Cuba.

33. Fidel Castro se aproxima de Moscou somente em fevereiro de 1960 e apenas adquire armas soviéticas depois de os Estados Unidos rejeitarem fornecer o arsenal necessário para a sua defesa. Washington também pressiona o Canadá e as nações europeias solicitadas por Cuba com a finalidade de obrigar o país a se dirigir ao bloco socialista e assim justificar sua política hostil em relação a Havana.

34. Em março de 1960, a administração Eisenhower toma a decisão formal de depor Fidel Castro. No total, o líder da Revolução Cubana sofreria nada menos que 637 tentativas de assassinato.

35. Em março de 1960, a sabotagem, comandada pela CIA, do barco francês La Coubre, carregado de armas no porto de Havana, provoca mais de cem mortes. Em seu discurso em homenagem às vítimas, Fidel Castro lança o lema: “Pátria ou morte”, inspirado no [lema] da Revolução Francesa, “Liberdade, igualdade, fraternidade ou morte.”

36. No dia 16 de abril de 1961, depois dos bombardeios dos principais aeroportos do país pela CIA, prelúdio da invasão da Baía dos Porcos, Fidel Castro declara o caráter “socialista” da Revolução.

37. Durante a invasão da Baía dos Porcos por 1400 exilados financiados pela CIA, Fidel Castro faz parte da primeira linha de combate. Infringe uma severa derrota aos Estados Unidos e esmaga os invasores em 66 horas. Sua popularidade chega ao topo em todo o mundo.

38. Durante a crise dos mísseis, em outubro de 1962, o general soviético Alexey Dementiexv estava ao lado de Fidel Castro. Conta suas lembranças: “Passei junto a Fidel Castro os momentos mais impressionantes de minha vida. Estive a maior parte do tempo a seu lado. Houve um instante em que considerávamos próximo o ataque militar dos Estados Unidos e Fidel tomou a decisão de colocar todos os meios em [estado] de alerta. Em poucas horas, o povo estava em posição de combate. Era impressionante a fé de Fidel em seu povo, e de seu povo, e de nós, os soviéticos, nele. Fidel é, sem discussão, um dos gênios políticos e militares deste século.”

39. Em outubro de 1965, cria-se o Partido Comunista de Cuba (PCC), substituindo o Partido Unido da Revolução Socialista (PURS), surgido em 1962 (que substituiu as Organizações Revolucionárias Integradas — ORI —, criadas em 1961). Fidel Castro é nomeado primeiro-secretário.

40. Em 1975, Fidel Castro é eleito pela primeira vez para a Presidência da República depois da adoção da nova Constituição. Seria reeleito até 2006.

41. Em 1988, a mais de 20 mil quilômetros de distância, Fidel Castro dirige de Havana a batalha de Cuito Cuanavale em Angola, na qual as tropas cubanas e angolanas infringem uma retumbante derrota às forças armadas sul-africanas que invadiram Angola e que ocupavam a Namíbia. O historiadora Piero Gleijeses, professor da Universidade John Hopkins, de Washington, escreve a respeito: “Apesar de todos os esforços de Washington [aliado ao regime do apartheid] para impedir-lhe, Cuba mudou o rumo da história da África Austral [...]. A proeza dos cubanos no campo de batalha e seu virtuosismo à mesa de negociações foram decisivos para obrigar a África do Sul a aceitar a independência da Namíbia. Sua exitosa defesa de Cuito foi o prelúdio de uma campanha que obrigou a SADF [Força de Defesa Sul-Africana, as então Forças Armadas oficiais da África do Sul, por sua sigla em inglês] a sair de Angola. Essa vitória repercutiu para além da Namíbia.”

42. Observador lúcido da Perestroika, Fidel Castro declara ao povo em um discurso premonitório do dia 26 de julho de 1989, que, no caso do desaparecimento da União Soviética, Cuba deveria resistir e prosseguir na via do socialismo. “Se amanhã ou qualquer outro dia despertássemos com a notícia de que se criou uma grande guerra civil na URSS, ou até se despertássemos com a notícia de que a URSS se desintegrou [...], Cuba e a Revolução Cubana seguiriam lutando e seguiriam resistindo.”

43. Em 1994, em pleno Período Especial, conhece Hugo Chávez, com quem estabelece uma forte amizade, que duraria até a morte dele, em 2013. Segundo Fidel Castro, o presidente venezuelano foi o “melhor amigo que o povo cubano teve”. Ambos estabelecem uma colaboração estratégica com a criação, em 2005, da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, que agrupa atualmente oito países da América Latina e do Caribe.

44. Em 1998, Fidel Castro recebe a visita do papa João Paulo II em Havana. Ele pede que “o mundo se abra para Cuba e que Cuba se abra para o mundo”.

45. Em 2002, o ex-presidente dos Estados Unidos James Carter realiza uma visita histórica a Cuba. Faz uma intervenção ao vivo pela televisão: “Não vim aqui interferir nos assuntos internos de Cuba, mas estender uma mão de amizade ao povo cubano e oferecer uma visão de futuro aos nossos países e às Américas. [...] Quero que cheguemos a ser amigos e nos respeitemos uns aos outros [...]. Devido ao fato de os Estados Unidos serem a nação mais poderosa, somos nós que devemos dar o primeiro passo.”

46. Em julho de 2006, depois de uma grave doença intestinal, Fidel Castro renuncia ao poder. Conforme a Constituição, é sucedido pelo vice-presidente, Raúl Castro.

47. Em fevereiro de 2008, Fidel Castro renuncia definitivamente a qualquer mandato executivo. Consagra-se, então, à redação de suas memórias e publica regularmente artigos sob o título “reflexões.”

48. Arthur Schlesinger Jr., historiador e assessor especial do presidente Kennedy, evocou a questão do culto à pessoa [de Fidel] depois de uma permanência em Cuba em 2001. “Fidel Castro não incentiva o culto à [sua] pessoa. É difícil encontrar um cartaz ou até um cartão postal de Castro em qualquer lugar de Havana. O ícone da Revolução de Fidel, visível em todos os lugares, é Che Guevara.”

49. Gabriel García Márquez, escritor colombiano e Prêmio Nobel de literatura, é amigo íntimo de Fidel Castro. Esboçou um retrato dele e ressalta “a confiança absoluta que desperta no contato direto. Seu poder é de sedução. Busca os problemas onde eles estão. Sua paciência é invencível. Sua disciplina é de ferro. A força de sua imaginação o empurra até os limites do imprevisto.”

50. O triunfo da Revolução Cubana no dia 1 de janeiro de 1959, dirigida por Fidel Castro, é o acontecimento mais relevante da História da América Latina do século XX. Fidel Castro continuará sendo uma das figuras mais controversas do século XX. Entretanto, até seus mais ferrenhos detratores reconhecem que fez de Cuba uma nação soberana e independente, respeitada no cenário internacional, com inegáveis conquistas sociais nos campos da educação, saúde, cultura, esporte e solidariedade internacional. Ficará para sempre como o símbolo da dignidade nacional que sempre se colocou do lado do oprimidos e que deu seu apoio a todos os povos que lutavam por sua emancipação.

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

50 verdades sobre Nelson Mandela


As grandes potências ocidentais se opuseram até o último instante a sua luta e apoiaram o governo racista de Pretória


O herói da luta contra o apartheid marcou para sempre a história da África. No crepúsculo de sua existência, Nelson Mandela é venerado por todos. Ainda assim, as grandes potências ocidentais se opuseram até o último instante à sua luta pela emancipação humana e apoiaram o governo racista de Pretoria.
1.       Nascido no dia 18 de julho de 1918, Nelson Rolihlahla Mandela, apelidado de Madiba, é o símbolo por excelência da resistência à opressão e ao racismo na luta pela justiça e pela emancipação humana.
2.       Procedente de uma família de treze filhos, Mandela foi o primeiro a estudar em uma escola metodista e a cursar direito na Universidade de Fort Hare, a única que aceitava, então, pessoas de cor no governo segregacionista do apartheid.
3.       Em 1944, aderiu ao Congresso Nacional Africano (CNA) e, particularmente, à sua Liga da Juventude, de inclinação radical.
4.       O apartheid, elaborado em 1948 depois da vitória do Partido Nacional Purificado, instaurava a doutrina da superioridade da raça branca e dividia a população sul-africana em quatro grupos distintos: os brancos (20%), os índios (3%), os mestiços (10%) e os negros (67%). Esse sistema segregacionista discriminava 4/5 da população do país.
5.       Foram criados “bantustões”reservas territoriais destinadas às pessoas de cor, para amontoar as pessoas não brancas. Assim, 80% da população tinha de viver em 13% do território nacional, muitas vezes sem recursos naturais ou industriais, na total indigência.
6.       Em 1951, Mandela se transformou no primeiro advogado negro de Johanesburgo e assumiu a direção do CNA na província de Transvaal um ano depois. Também foi nomeado vice-presidente nacional.
7.       À frente do CNA, lançou a defiance campaign, contra o governo racista do apartheid, e utilizou a desobediência civil contra as leis segregacionistas. Durante a manifestação do dia 6 de abril de 1952, data do terceiro centenário da colonização da África do Sul pelos brancos, Mandela foi condenado a um ano de prisão. De sua prisão domiciliar em Johanesburgo, criou células clandestinas do CNA.

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8.       Em nome da luta contra o apartheid, Mandela preconizou a aliança entre o CNA e o Partido Comunista Sul-africano. Segundo ele, “o CNA não é um partido comunista, mas um amplo movimento de libertação que, entre seus membros inclui comunistas e outros que não o são. Qualquer pessoa que seja membro leal do CNA, e que respeite a disciplina e os princípios da organização, tem o direito de pertencer às suas filas. Nossa relação com o Partido Comunista Sul-Africano como organização é baseada no respeito mútuo. Nos unimos ao Partido Comunista Sul-Africano em torno daqueles objetivos que nos são comuns, mas respeitamos a independência de cada um e sua identidade visual. Não houve tentativa alguma por parte do Partido Comunista Sul-Africano de subverter o CNA. Pelo contrário, essa aliança nos deu força política.”
9.       Em dezembro de 1956, Mandela foi preso e acusado de traição com mais de uma centena de militantes antiapartheid. Depois de um processo de quatro anos, os tribunais o absolveram.
10.   Em março de 1960, depois do massacre de Sharperville, perpetrado pela polícia contra os manifestantes antisegregação, que custou a vida de 69 pessoas, o governo do apartheid proibiu o CNA.
11.   Mandela fundou então o Umkhonto we Sizwe (MK)  e preconizou a luta armada contra o governo racista sul-africano. Antes de optar pela doutrina da violência legítima e necessária, Mandela se inspirou da filosofia da não violência de Gandhi: “Embora tenhamos pegado em armas, não era nossa opção preferida. Foi o governo do apartheid que nos obrigou  a pegar em armas. Nossa opção preferida sempre foi a de encontrar uma solução pacífica para o conflito do apartheid.”
12.   O MK multiplicou, então, os atos de sabotagem contra os símbolos e as instituições do apartheid, preservando ao mesmo tempo as vidas humanas, lançou com sucesso uma greve geral e preparou o terreno para a luta armada com o treinamento militar de seus membros.
13.   Durante sua estada na Argélia, em 1962, depois da intervenção do presidente Ahmed Ben Bella, Mandela aproveitou para aperfeiçoar seus conhecimentos sobre a guerra de guerrilhas. A Argélia colocou à disposição do CNA campos de treinamento e deu apoio financeiro aos residentes antiapartheid. Mandela recebeu ali uma formação militar. Inspirou-se profundamente na guerra da Frente de Libertação Nacional do povo argelino contra o colonialismo francês. Quando libertado, Mandela dedicaria sua primeira viagem ao exterior à Argélia, em maio de 1990, e renderia tributo ao povo argelino: “Foi a Argélia que fez de mim um homem. Sou argelino, sou árabe, sou muçulmano! Quando fui ao meu país para enfrentar o apartheid, me senti mais forte”. Recordaria ter sido “o primeiro sul-africano treinado militarmente na Argélia.”

Agência Efe

14.   Mandela estudou minuciosamente os escritos de Mao e de Che Guevara. Transformou-se em um grande admirador do guerrilheiro cubano-argentino. Depois de ser libertado, declararia: As “façanhas revolucionárias [de Che Guevara] — inclusive no nosso continente — foram de tal magnitude que nenhum encarregando de censura na prisão pôde escondê-las. A vida do Che é uma inspiração para todo ser humano que ame a liberdade. Sempre honraremos sua memória.”
15.   Cuba foi uma das primeiras nações que deu sua ajuda ao CNA. A esse respeito, Nelson Mandela destacou: “Que país solicitou a ajuda de Cuba e lhe foi negada? Quantos países ameaçados pelo imperialismo ou que lutam pela sua libertação nacional puderam contar com o apoio de Cuba? Devo dizer que quando quisemos pegar em armas nos aproximamos de diversos governos ocidentais em busca de ajuda e somente obtivemos audiências com ministros de baixíssimo escalão. Quando visitamos Cuba fomos recebidos pelos mais altos funcionários, os quais, de imediato, nos ofereceram tudo o que queríamos e necessitávamos. Essa foi nossa primeira experiência com o internacionalismo de Cuba.”
16.   No dia 5 de agosto de 1962, depois de 17 meses de vida clandestina, Mandela foi levado à prisão em Johanesburgo, graças à colaboração dos serviços secretos dos Estados Unidos com o governo de Pretoria. A CIA deu às forças repressivas do apartheid a informação necessária para a captura do líder da resistência sul-africana.
17.   Acusado de ser o organizador da greve geral de 1961 e de sair ilegalmente do território nacional, ele foi condenado a cinco anos de prisão.
18.   Em julho de 1963, o governo prendeu 11 dirigentes do CNA em Rivonia, perto de Johanesburgo, sede da direção do MK. Todos foram acusados de traição, sabotagem, conspiração com o Partido Comunista e complô destinado a derrubar o governo. Já na prisão, Mandela foi acusado das mesmas coisas.
19.   No dia 9 de outubro de 1963, começou o famoso julgamento de Rivonia na Corte Suprema de Pretoria. No dia 20 de abril de 1964, frente ao juiz africâner Quartus de Wet, Mandela desenvolveu sua alegação brilhante e destacou que, frente ao fracasso da desobediência civil como método de combate para conseguir a liberdade, a igualdade ou a justiça, frente aos massacres de Sharperville e à proibição de sua organização, o CNA não teve outro remédio senão recorrer à luta armada para resistir à opressão.
20.   No dia 12 de junho de 1964, Mandela e seus companheiros foram declarados culpados de motim e condenados à prisão perpétua.

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21.   O Conselho de Segurança das Nações Unidas denunciou o julgamento de Rivonia. Em agosto de 1963, condenou o governo do apartheid e pediu às nações do mundo que suspendessem  o fornecimento de armas à África do Sul.
22.   As grandes nações ocidentais, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, longe de respeitarem a resolução do Conselho de Segurança, apoiaram o governo racista sul-africano e multiplicaram o fornecimento de armas.
23.   De Charles de Gaulle, presidente da França de 1959 a 1969, até o governo de Valéry Giscard d'Estaing, presidente da França de 1974 a 1981, a França foi um fiel aliado do poder racista de Pretoria e se negou sistematicamente a dar apoio ao CNA em sua luta pela igualdade e pela justiça.
24.   Paris nunca deixou de fornecer material militar para Pretoria, provendo até mesmo a primeira central nuclear da África do Sul, em 1976. Sob os governos de De Gaulle e de Georges Pompidou, presidente entre 1969 e 1974, a África do Sul foi o terceiro maior cliente da França em matéria de armamento.
25.   Em 1975, o Centro Francês de Comércio Exterior (CFCE) disse que “a França é considerada o único verdadeiro apoio da África do Sul entre os grandes países ocidentais. Não apenas fornece ao país o essencial em matéria de armamentos necessários para sua defesa, mas também tem se mostrado benevolente, ou, mais ainda, um aliado nos debates e nos votos das organizações internacionais.”
26.   Preso em Robben Island, com o número 466/64, Mandela viveu 18 anos de sua existência em condições extremamente duras. Não podia receber mais de duas cartas e duas visitas ao ano e esteve separado de sua esposa Winnie — que não tinha permissão para visitá-lo — durante 15 anos. Foi condenado a realizar trabalhos forçados, o que afetou seriamente a sua saúde, sem conseguir jamais quebrar sua força moral. Dava cursos de política, literatura e poesia a seus camaradas de destino e clamava pela resistência. Mandela gostava de recitar o poema Invictus de William Ernest Henley: “It matters not how strait the gate/How charged with punishments the scroll./I am the master of my fate:/I am the captain of my soul”. (Não importa quão estreito é o portão/ E quantas são as punições listadas/ Eu sou o mestre do meu destino/ Eu sou o capitão da minha alma)
27.   No dia 6 de dezembro de 1971, a Assembleia Geral das Nações Unidas qualificou o apartheid como crime contra a humanidade e exigiu a libertação de Nelson Mandela.
28.   Em 1976, o governo sul-africano propôs a Mandela sua libertação em troca de que ele renunciasse à luta. Madiba negou firmemente a proposta do governo segregacionista.

Agência Efe

29.   Em novembro de 1976, depois das revoltas de Soweto e da sangrenta repressão que o governo do apartheid desatou, o Conselho de Segurança das Nações Unidos impôs um embargo sobre as armas destinadas à África do Sul.
30.   Em 1982, Mandela foi transferido para a prisão de Pollsmoor, perto de Cape Town.
31.   Em 1985, Pieter Willen Botha, presidente de fato da nação, propôs libertar Mandela se ele se comprometesse, em troca, a renunciar à luta armada. O líder da luta antiapartheid recusou a proposta e exigiu a democracia para todos: “um homem, um voto.”
32.   Frente ao recrudescimento das operações de guerrilha do MK, o governo segregacionista criou esquadrões da morte com a finalidade de eliminar os militantes do CNA na África do Sul e no exterior. O caso mais famoso é o de Dulci September, assassinada em Paris no dia 29 de março de 1988.
33.   A mobilização internacional a favor de Nelson Mandela culminou em um show em Wembley, em junho de 1988, em homenagem aos 70 anos do resistente sul-africano, que foi assistido por 500 milhões de pessoas pela televisão. 

34.   O elemento decisivo que pôs fim ao apartheid foi a estrepitosa derrota militar que tropas cubanas infringiram ao exército sul-africano em Cuito Cuanavale, no sudeste de Angola, em janeiro de 1988. Fidel Castro enviou seus melhores soldados a Angola depois da invasão do país pelo governo de Pretoria, apoiada pelos Estados Unidos. A vitória de Cuito Cuanavale também permitiu à Namíbia, até então ocupada pela África do Sul, conseguir sua independência.

Leia mais:

35.   Em um artigo intitulado “Cuito Cuanavale: a batalha que acabou com o apartheid”, o historiador Piero Gleijeses, professor da Universidade John Hopkins, de Washington, especialista na política africana de Cuba, aponta que “a proeza dos cubanos nos campos de batalha e seu virtuosismo na mesa de negociações foram decisivos para obrigar a África do Sul a aceitar a independência da Namíbia. Sua exitosa defesa de Cuito foi o prelúdio de uma campanha que obrigou o exército sul-africano a sair de Angola. Essa vitória repercutiu para além de Namíbia.”
36.   Nelson Mandela, durante sua visita história a Cuba, em julho de 1991, lembrou-se daquele episódio: “A presença de vocês e o reforço enviado para a batalha de Cuito Cuanavale têm uma importância verdadeiramente histórica. A derrotada esmagadora do exército racista em Cuito Cuanavale constituiu uma vitória para toda a África! Essa contundente derrota do exército racista em Cuito Canavale deu a Angola a possibilidade de desfrutar da paz e de consolidar sua própria soberania. A derrota do exército racista permitiu que o povo combatente da Namíbia alcançasse finalmente a sua independência! A decisiva derrota das forças agressoras do apartheid destruiu o mito da  invencibilidade do opressor branco! A derrota do apartheid serviu de inspiração para o povo combatente da África do Sul! Sem a derrota infringida em Cuito Cuanavale nossas organizações não teriam sido legalizadas! A derrota do exército racista em Cuito Cuanavale possibilitou que hoje eu possa estar aqui com vocês! Cuito Cuanavale é um marco na história da luta pela libertação da África austral! Cuito Cuanavale marca a virada da luta para libertar o continente e nosso país do flagelo do apartheid! A decisiva derrota infringida em Cuito Cuanavale alterou a correlação de forças da região e reduziu consideravelmente a capacidade do governo de Pretoria para desestabilizar seus vizinhos. Este feito, em conjunto com a luta do nosso povo dentro do país, foi crucial para fazer Pretoria entender que tinha de se sentar à mesa de negociações.”
37.   No dia 2 de fevereiro de 1990, o governo segregacionista, moribundo depois da derrota de Cuito Cuanavale, viu-se obrigado a legalizar o CNA e aceitar as negociações.
38.   No dia 11 de fevereiro de 1990, Nelson Mandela foi finalmente libertado, depois de 27 anos de prisão.
39.   Em junho de 1990 foram abolidas as últimas leis segregacionistas depois da pressão feita por Nelson Mandela, pelo CNA e pelo povo.
40.   Eleito presidente do CNA em junho de 1991, Mandela recordou os objetivos: “No CNA sempre estaremos ao lado dos pobres e dos que não têm direitos. Não apenas estaremos junto deles. Vamos garantir antes cedo que tarde os pobres e sem direitos rejam a terra onde nasceram e que — como expressa a Carta da Liberdade — seja o povo que governe.”
41.   Fortemente criticado por sua aliança com o Partido Comunista Sul-Africano por causa das potências ocidentais que seguiam apoiando o governo do apartheid durante o processo de paz, Mandela replicou de modo contundente. “Não temos a menor intenção de fazer caso aos que nos sugerem e aconselham que rompamos essa aliança [com o Partido Comunista]. Quem são os que oferecem esses conselhos não solicitados? Provêm, em sua maioria, dos que nunca nos deram ajuda alguma. Nenhum desses conselheiros fez jamais os sacrifícios que fizeram os comunistas pela nossa luta. Essa aliança nos fortaleceu e a tornaremos ainda mais estreita.”
42.   Em 1991, Mandela condenou o persistente apoio dos Estados Unidos ao governo do apartheid:  “Estamos profundamente preocupados com a atitude que a  administração Bush adotou sobre esse assunto. Este foi um dos poucos governos que esteve em contato habitual conosco para examinar a questão das sanções e lhe fizemos ver claramente que eliminar as sanções seria prematuro. No entanto, essa administração, sem nem nos consultar, simplesmente nos informou que as sanções estadunidenses seriam anuladas. Consideramos isso totalmente inaceitável.”

Agência Efe

43.   Em 1993, Mandela recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua obra a favor da reconciliação nacional.
44.   Durante a primeira votação democrática da história da África do Sul, no dia 27 de abril de 1994, Nelson Mandela, de 77 anos, foi eleito presidente da República com mais de 60% dos votos. Governou até 1999.
45.   No dia 1 de dezembro de 2009, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em votação unânime de seus 192 membros, uma resolução que decreta o dia 18 de julho como Dia Internacional Nelson Mandela, em homenagem à luta do herói sul-africano contra todas as injustiças.
46.   Se hoje Mandela é cumprimentado por todos, por décadas as potências ocidentais o consideraram um homem perigoso e o combateram apoiando o governo do apartheid.
47.   Estados Unidos, França e Grã-Bretanha foram os principais aliados do governo do apartheid, o qual apoiaram até o último momento.
48.   Se os Estados Unidos veneram hoje em dia Nelson Mandela, de Clinton a Bush passando por Obama, é conveniente lembrar que ele foi mantido na lista de membros de organizações terroristas até o dia 1 de janeiro de 2008.
49.   Nelson Mandela lembrou varias vezes dos lanços inquebrantáveis que atavam a África do Sul a Cuba. “Desde seus primeiros dias, a Revolução Cubana tem sido uma fonte de inspiração para todos os povos amantes da liberdade. O povo cubano ocupa um lugar especial no coração dos povos da África. Os internacionalistas cubanos deram uma contribuição para a independência, para a liberdade e a justiça na África que não tem paralelo pelos princípios e pelo desinteresse que a caracterizam. É muito o que podemos aprender da sua experiência. De modo particular, nos comove a afirmação do vínculo histórico com o continente africano e seus povos. Seu invariável compromisso com a erradicação sistemática do racismo não tem paralelo. Somos conscientes da grande dívida que existe hoje com o povo de Cuba. Que outro país pode mostrar uma história mais desinteressada que a que teve Cuba em suas relações com a África?
50.   Thenjiwe Mtintso, embaixadora da África do Sul em Cuba, lembrou-se da verdade histórica a propósito do compromisso de Cuba na África. “Hoje a África do Sul tem muitos amigos novos. Ontem, estes amigos se referiam aos nossos líderes e aos nossos combatentes como terroristas e nos acusavam enquanto apoiavam a África do Sul do apartheid. Esses mesmos amigos hoje querem que nós denunciemos e ilhemos Cuba. Nossa resposta é muito simples, é o sangue dos mártires cubanos e não destes amigos que corre profundamente na terra africana e nutre a árvore da liberdade em nossa pátria.”
 

*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama The Economic War Against Cuba. A Historical and Legal Perspective on the U.S. Blockade [A Guerra Econômica contra Cuba. Uma Perspectiva Histórica e Legal do Bloqueio dos EUA], New York, Monthly Review Press, 2013, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.