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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Após “provocação”, Latuff é alvo de ameaça de morte: “Posso ser assassinado”

Após “provocação”, Latuff é alvo de ameaça de morte: “Posso ser assassinado”
Cartunista é alvo de mensagens ofensivas de admiradores da Rota e de policiais e reclama do “Estado policial”
Por Igor Carvalho
Imagem divulgada pela página “Fardados e Armados” no Facebook
O cartunista Carlos Latuff está sendo alvo de provocações e ameaças de morte desde que publicou, em seu perfil no Facebook, uma declaração sobre a morte do casal de policiais militares, que podem ter sido assassinado pelo filho. “Garoto mata seu pai, que era policial da Rota…esse menino precisa de duas coisas: atendimento psicológico e uma medalha”, disse o cartunista na rede social.
Latuff, em entrevista à Fórum, afirma que a frase foi uma “provocação”. “Esse tema é tabu. Não podemos tratar da violência policial no Brasil. Vivemos em um Estado policial, e nesse Estado você não pode ser crítico, senão é ameaçado”, afirma o cartunista.
Uma mulher, identificada como Cardia Ma, que trabalharia na OAB de São Paulo e que, em seu perfil no Facebook diz ter trabalhado na Polícia Militar, mandou uma mensagem a Latuff: “Vc é um lixo humano…cai na minha frente que vou te mostrar como tratar uma pessoa como vc…vou meter a .40 [arma] na tua cara.”
O brigadista Giovani da Silva Pereira afirmou, no seu perfil do Facebook, que se encontrar Latuff, “baixa ele”. A página “Fardados e Armados”, também na rede social, alertou seus seguidores sobre o cartunista. “Guerreiros do Sul – RS, SC e PR se esbarrarem com esse sujeito já sabem de quem se trata. Declaradamente contra as forças policiais esse LIXO maconheiro está festejando a morte da família do Sargento Pesseghini da ROTA/SP.”
Brigadista ameaça “baixa” Latuff
Na página “Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar Rota” outro alerta aos seguidores, em tom ofensivo. “O vagabundo cheira pó pelo lado errado e depois reclama que toma prensa da Polícia, Carlos Latuff sempre sendo infeliz, calado é um poeta”. Na sequência, nos comentários da publicação, muitas ameaças e ironias ao cartunista. Em um dos comentários, um dos admiradores da página sobre a Rota, afirma: “Se vc apoia esse lixo é terrorista igual e se é terrorista, tem mais é que morrer, lixo.”
Latuff afirma que não se arrepende da declaração e nem voltará atrás no que disse. “Quem quer fazer não ameaça, vai e faz. Mas estamos falando de uma polícia que mata mesmo. Não foi a primeira vez que recebo ameaças, se tratando da polícia, tudo pode acontecer, mas saibam que posso ser assassinado.”

segunda-feira, 8 de julho de 2013



“Tudo que nos parecia sólido sumiu ao vento como nossos anelos”
(Macbeth – William Shakespeare)
por Arnóbio Rocha
Escrevi recentemente um artigo( Grampos nos EUA, Bem-vindos ao Estado Gotham City) sobre a questão do Senhor Edward Snowden e o tremendo embaraço que ele causa aos burocratas dos EUA, pois expôs ao mundo como o novo Estado, que denomino de Estado Gotham City, funciona, os interesses das corporações privadas e sua fusão com a burocracia estatal, agora sem o menor pudor ou algo que possa ocultar esta realidade.
O Estado Gotham City é a síntese da Crise 2.0, ele é, ao mesmo tempo, causa e resultado da maior crise do Capital desde 1929, uma crise que denomino de paradigmática, aquela que muda e aprofunda os controles do sistema. Do ponto de vista do Estado ele começa a ser forjado no final dos ano de 1970, com a Crise do Petróleo e das Dívidas externas no início dos anos de 1980. Precisamente com Reagan e Volcker(FED) o Goldman Sachs captura o Estado para sí e começa a determinar a ordem do capital financeiro.
Os 25 anos de longo domínio desta lógica de funcionar do Capital encontrou limites na Crise 2.0 e na resistência do velho Estado de Bem Estar Social, que trava a “liberdade” total de movimentos mundiais do Capital. A Crise é o problema-solução, toda uma nova ordem pode advir dela, inclusive a Revolução. Mas, descartada a Revolução de ruptura, o Capital faz a sua própria revolução, ou melhor, impõe uma dura mudança dentro do sistema que lhe mais favorece, em detrimento dos trabalhadores e da sociedade. A face mais visível é a repressão aberta, ou a sutil, a do controle de tudo que acontece na sociedade para melhor dominá-la.
A democracia passa a ser um “estorvo”, os velhos políticos ou as velhas formas de representação são tragados ao caos, esta aparente desordem esconde o “Novo”, um estado controlador, espião, policial que consegue galvanizar as revoltas não contra si, mas contra a própria democracia, vide Egito, Turquia e agora no Brasil. As massas perdidas gritando contra as instituições, contra os políticos, mas não contra o Estado. Aliás, este ganha força com as propostas de intervenções das “forças da Ordem” ou o surgimento de um Batman, de um herói que ajude a criar mais uma “máscara” e proteja o Estado Gotham City.
No meu livro, Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded, no Capítulo VI, trato da questão, além da crise em si, aponto os caminhos desta nova ordem Estatal, que busca esconder a ação do Estado com o ultraliberalismo, quase um semi-estado, mas na verdade é um Estado muito mais forte, de exceção, sem democracia, povo e representação. A horizontalidade exigida pelas multidões casa em essência com os desejos da burocracia, numa dominação de massas de forma eficaz, pois se suprime a representação e seus intermediários( Partidos, Sindicatos, Organizações) tidos como desmoralizados, tudo se diluí em “movimento” em “Redes”(M15, 5 S, Sustentável,Tea Party) e “Indignados”, facilitando enormemente a cooptação e o combate de ideias.
A inteligência se dispersa, os núcleos se dissolvem, pois o Estado parece que não é mais uma ação concreta, algo que se pensou antes, agora se materializa. A ilusão de que a informação era para todos, livre, na verdade ela é extremamente controlada, dosada, permitida, mas principalmente VIGIADA. A utopia de movimento horizontal é um mito tolo, os “chefes” , os  ”anonymus” são a ponta de lança da garantia deste novo Estado. Quando um agente sai da ordem, causa um razoável estrago, mas poucos se dão conta do que realmente Snowden nos disse e o que é a essência de sua mensagem, estamos todos DOMINADOS. Alguns brincam de “guerra fria”, como se fosse possível volta a roda da história.
O mundo está cada vez mais próximo de uma ordem neofascista, não nos moldes dos anos de 1930, mas num Estado forte, repressor, controlador de todas as atividades humanas, num aparente consenso autoritário, com as massas pedindo fim dos partidos, da democracia representativa e ao mesmo tempo da “ordem”. Abaixo republico o Capítulo VI do Livro, sendo a minha contribuição para a reflexão, para separar bem os que indignação positiva de coloboração direta, mesmo que involuntária.
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Crise Dois Ponto Zero – A Taxa de Lucro Reloaded

PARTE VI

O Estado Gotham City



Desde o início da série Crise 2.0, no blog, procurei levar ao espaço virtual os principais debates sobre as ações dos vários atores envolvidos no processo, suas visões de solução para a economia mundial. Acompanhei de forma sistemática declarações e discursos dos principais líderes políticos, dos economistas, assim como busquei ouvir o que diziam líderes oposicionistas, procurando entender a dinâmica da luta de classes neste momento agudo em que se abrem tantas possibilidades de saídas não clássicas – inclusive, a revolução.
Com este método, a série não apenas elenca os eventos, mas também rascunha teses sobre os diversos cenários que foram surgindo nestes 20 meses de trabalho. Umas das conclusões centrais a que cheguei foi a da mutação do Estado. Parte dela foi um insight conjunto com o companheiro Sergio Rauber. Identificamos que, no limite, alguns elementos desta mutação vieram com a Perestroica, que varreu os regimes do Leste europeu. A partir dos eventos da crise de 2005/2007 e a queda do “Muro de Wall Street”, o novo “Estado” se estabeleceu nos Estados Unidos e na União Europeia. A América Latina já havia passado por este ajuste nos anos 80/90.
Afinal, a Perestroica era uma construção do regime autoritário para se manter, o que era impossível à antiga URSS pelo baixo desenvolvimento tecnológico, pela economia estagnada, voltada para o setor de defesa. O Estado Perestroica era a “saída” que na China até se provou eficaz, pois os chineses fizeram a transição sem a Glasnost – que, efetivamente, derrubou politicamente o regime soviético. Do ponto de vista do Estado, a Perestroica se materializou com as privatizações selvagens, a redução do Estado de Bem-Estar Social da antiga URSS e do Leste europeu. Na própria burocracia, parte virou máfia, parte assumiu o controle das estatais.
Analisemos então a caminhada das democracias rumo a este Estado Gotham City, no qual os burocratas, via agências fundidas ao capital, não querem mais qualquer lembrança do Velho Estado do Bem-Estar Social.
A BURGUESIA REVOLUCIONÁRIA

No Século XVIII a burguesia revolucionária fez a Revolução Francesa para enterrar de vez o Estado Feudal, absolutista, centrado na figura do rei. Não que ela não quisesse um poder centralizado, apenas que não mais defendesse os antigos interesses feudais. A Inglaterra já fizera sua Revolução Burguesa bem antes, preservando o trono, tirando deste o poder determinante. A colônia inglesa também promovera sua revolução. O que havia de comum? A busca de um novo Estado, mais ainda, de um novo sistema econômico que suplantasse as formas feudais de economia.
Feita a revolução nos principais centros do mundo, o Século XIX nasceu sob a égide do capital, com a conquista do Poder Político, consequência do Poder Econômico já predominante. A burguesia então se dedicou a moldar seu Estado, a definir suas fronteiras, a construir nações e um novo mundo.
Internamente, o novo sistema já trazia a dualidade intrínseca da luta de classes: Capital vs Trabalho. A incipiente classe operária ainda imatura sofria sob a força bruta dos patrões burgueses. Submetidos a longas jornadas, com salários que mal davam para se reproduzir, os trabalhadores não tinham leis ou organizações sindicais fortes para defendê-los e organizá-los. Nem assim as crises deixavam de acontecer. Vinham com periodicidade bem definida, tendo seu maior vetor nas crises de escassez, em particular as de produção agrícola, o que levou Malthus a elaborar a famosa fórmula de que o capitalismo poderia ruir por escassez.
Marx rejeitou essa “crise de subconsumo” ou de “escassez” – a de 1846, por exemplo, na verdade era fruto de praga nas plantações –, demonstrando que as crises são associadas à superprodução de capital. A primeira grande depressão do capitalismo se deu entre 1873 e 1895. Violenta, a crise atingira em cheio Europa e Estados Unidos, com causas na Guerra Franco-Prussiana, como contam Martins e Coggiola:
“A crise originou-se na Áustria e Alemanha, países que experimentavam um intenso desenvolvimento industrial devido, em parte, às indenizações pagas pela França em virtude da guerra de 1871. Também o Estados Unidos sofreram mais violentamente seu impacto. Os altos dividendos da indústria alemã incrementaram a especulação, que se alastrou para as ferrovias e imóveis beneficiadas pela grande oferta de crédito. Subitamente, porém, os custos aumentaram e a rentabilidade começou a cair. Inicialmente a crise foi financeira e estourou em Viena, com a quebra da bolsa de valores, seguida de falências de bancos de financiamento austríacos, alemães e norte-americanos. Nos Estados Unidos, a depressão esteve ligada à crise da especulação ferroviária. A simultaneidade na aparição de dificuldades, tanto de um lado como de outro da Mancha e do Atlântico, ilustra a integração das economias industriais em matéria comercial e mais ainda em matéria de movimentos de capitais”.(…) “A crise abriu espaço para a crescente monopolização das economias nacionais e permitiu a intensificação da expansão imperialista, acirrando a tensão entre as grandes potências capitalistas”.
IMPERIALISMO E REVOLUÇÃO
Ali se preparava um Novo Estado, que Lênin analisou em seu “Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo”. O Estado se fortificava não apenas militarmente, mas no conjunto de instituições montadas para dar suporte à nova realidade do capital. A classe operária já era madura e forte, tendo enfrentado o capital com greves, a construção de sindicatos e de partidos de classe.
A guerra imperialista de 1914 eclodiu na Europa numa feroz disputa por mercado e territórios – a guerra é a expressão última do imperialismo. As forças estatais se concentram na indústria de guerra – uma nova indústria ou uma nova revolução industrial, impulsionada pela metalurgia, máquinas, carvão, petróleo, o que mudou radicalmente o mundo.
A revolução na Rússia, o elo mais frágil do imperialismo, abriu uma possibilidade histórica num país cheio de contradições: no campo, relações econômicas feudais e nas cidades uma classe operária minoritária, em parte dizimada na guerra e, depois, na defesa da revolução. Em meio ao caos econômico e social, em 1921 Lênin propôs a NEP, a Nova Política Econômica, em essência o Capitalismo de Estado sem burguesia – a chave da burocracia, que até explica a China atual.
No “mundo livre”, o Pós-Guerra trouxe profunda desagregação. A Alemanha foi praticamente destruída, pagando preço altíssimo pela guerra, mas sua ideia de domínio do mundo continuava no ar. A segunda grande depressão do capital aconteceu em 1929 nos EUA, que já despontavam como a maior economia mundial: violenta queda da bolsa e quebra geral de empresas. Durante quatro longos anos a economia mundial ficou à deriva. A solução encontrada? Seguir as teses de Keynes, que apostava na intervenção do Estado como regulador das crises. URSS e EUA gestaram estados de bem-estar social, com profunda intervenção na economia.

CRÉDITO, O MOTOR DA GUERRA FRIA

Muitos economistas consideram os anos 60 e parte dos 70 os anos dourados da economia mundial, com larga expansão da economia, crescimento e mundialização do comércio. Estes anos apagaram em parte a maior catástrofe da humanidade, a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. Os EUA lideravam a oferta de crédito, dinamizando o crescimento: garantiam o crédito e compravam a produção, mesmo que isso significasse enorme déficit comercial. Mas seguravam as rédeas econômicas e combatiam o “comunismo”.
A famosa Crise do Petróleo, de 1974, já se gestava desde 1968/69, o ápice da superprodução. Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, suspendera unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro. Vieram abaixo todos os sistemas de planificação monetária e conversibilidade do Pós-Guerra, que impulsionaram a integração das economias ocidentais.
O repique da crise deu-se em 1981/82, com o início do governo Reagan, e se expressou na questão das dívidas dos países então chamados de “Terceiro Mundo”, que haviam recebido grandes investimentos de capital desde o fim dos anos 60/70. A “conta” foi cobrada por FMI e Clube de Paris no início dos anos 80. Um novo ciclo efetivamente se abriria em 1983, com a maior revolução do capital, a da microeletrônica, e uma virada política que derrubou o Muro de Berlim e a URSS.

O NEOLIBERALISMO

Essa virada política começou com as vitórias de Reagan e Thatcher, que impuseram ao mundo ajuste econômico duríssimo, com privatizações e restrição do crédito “fácil”, resultando na grave crise das dívidas de Brasil, México e Argentina. A ofensiva ideológica neoliberal foi tamanha que não houve ação possível fora desta ordem. Rebeliões latino-americanas foram combatidas sangrentamente, como em El Salvador e Nicarágua, revoluções e governos de esquerda foram sufocados. URSS e países do Leste europeu acabaram impiedosamente derrotados.
Nunca uma ideologia capitalista perdurou tanto como a neoliberal: foram 30 anos seguidos de vitórias, sendo a primeira delas a da premiê Margaret Thatcher contra 200 mil mineiros britânicos de 130 minas de carvão: após 16 meses em greve, entre 1984 e 1985, acabaram reduzidos a pó (hoje são pouco mais de 1.500 em seis minas). Da queda do Muro de Berlim, em 1989, a 2008, nem sequer houve combate ideológico global: a esquerda ideológica resumia-se a pequenos círculos, a tal ponto que Francis Fukuyama decretou “o fim da história”.

SENHOR DO MUNDO E DAS GUERRAS
Como diz Macbeth após as revelações das bruxas: “Tudo que nos parecia sólido sumiu ao vento como nossos anelos”. Vitorioso no combate ao comunismo, Reagan conseguiu eleger seu vice, Bush Pai. A base da economia americana era a indústria bélica, bilhões do orçamento público eram gastos para deter o “inimigo vermelho”. Destruído o inimigo, para que manter a máquina de guerra? A pretexto de proteger suas posições no Golfo Pérsico, Bush Pai invadiu o Iraque em 1991. Mal sucedida militarmente, pois não derrubou Saddam Hussein, a incursão reanimou, contudo, a economia.
Uma surpresa foi a vitória de Bill Clinton, ex-governador de Arkansas, estado pequeno e secundário. Com trajetória de militância política em causas sociais, Clinton liderou por oito anos um dos maiores crescimentos da economia americana – e sem grandes conflitos externos. Favorecido por sua liderança no cenário mundial, impôs política de expansão de empresas e da influência americana baseada no dólar e no mercado financeiro.
Os ataques de 11 de setembro de 2001 mudaram o cenário: Bush Filho governou com seus belicosos “falcões”, que deram início à famigerada guerra ao terror, impondo ao mundo sua doutrina da “guerra preventiva”. Na economia, um novo “inimigo” crescia silenciosamente, a China, que passou a financiar o crescente déficit fiscal americano. Barack Obama chegou à Casa Branca já sob os efeitos do mais profundo dos baques, a quebra do sistema financeiro americano, da qual tratamos anteriormente. No front externo, a secretária de Estado, Hillary Clinton, elegia com seus falcões da guerra um novo inimigo, o Irã.
A sombria Gotham City, paradigma do “Novo Estado
A GÊNESE DO ESTADO GOTHAM CITY

No último filme da trilogia Batman, o Cavaleiro das Trevas, o roteiro ultraliberal de Frank Miller coincide com a visão da direita radical americana, expressa no Tea Party: o Estado é “inimigo” do povo, serve apenas para manter uma burocracia corrupta e falida. O heroísmo individualista pune os corruptos pela eliminação física, sem tribunais. A “Liga das Sombras”, ainda mais radical, propõe a limpeza de Gotham City, como que para purificar a humanidade, a corrupta e decadente civilização. A doutrina do império não tolera radicais.
Batman é a expressão de um estado de exceção. A Lei Dent do roteiro equivale ao Patriot Act 1, que regeu os EUA pós-11/9: todas as garantias individuais são suspensas, mandam a polícia e o poder coercitivo do Estado. As fundações privadas comandam as redes sociais de proteção, e não mais o Estado: é a Fundação Wayne que sustenta hospitais, escolas e creches. A prisão de Blackgate poderia estar em Guantánamo: tanto numa como noutra, os presos estão sujeitos a regime de exceção.
A metáfora vai mais fundo: se no segundo filme da trilogia o caos total assombrava Gotham, assim como a queda das torres gêmeas assustou Nova York, o hiato da aparente “paz” forçada pela Lei Dent (ou o Patriot Act 1) só terminará simbolicamente com a queda da bolsa de valores e a quebra dos bancos, alimentadas pela ampla especulação – no filme, a invasão direta da Wayne Enterprise. A arte imita a vida, o herói é novamente chamado para evitar a destruição total. A leitura do conflito é bem definida: o poder do capital também pode destruí-lo.
Poucas vezes um filme de ação conseguiu ser tão instrutivo. Bane, um anti-herói típico, toma o poder em nome do povo, caricatura de “socialista” ou “indignado” do movimento Occupy. Todos são convidados a tomar o poder em meio à barbárie. Os vetores visíveis deste “Novo” Estado: fim do conceito de bem-estar social – educação, cultura e saúde perdem seu caráter de obrigação pública e gratuita, assumidas por entes privados; ampla privatização, com o fim da intervenção direta do Estado na economia – ao novo Estado sobra gerir as forças repressivas, aplicar leis restritivas, quebrar direitos fundamentais. É isso que estamos chamando de Estado Gotham City.
O Estado que surge desta crise começou a ser desenhado no fim dos anos 80. Com a queda do Muro de Berlim, livre do contraponto do Leste europeu, reduzir gastos públicos virou obsessão do capital. A redefinição do papel do Estado, de seu tamanho, de seu alcance foi sendo paulatinamente trabalhada econômica, política e ideologicamente.
A própria retomada de um novo ciclo do capital, aparentemente, depende da implementação deste novo Estado. Os governos passariam a meros apêndices de grandes bancos e grandes empresas. Presidentes e primeiros-ministros já se comportam como executivos de corporações, e em muitos casos vão efetivamente trabalhar nelas quando deixam o governo. No plano político, a forma de representação entra em contradição com a democracia representativa – em muitos lugares o próprio conceito de democracia começa a ser questionado: força e repressão viram opção principal. Leis como Patriot Act, nos EUA, ou de imigração, como na França, exemplificam este momento.
O Estado é capturado por agências e burocratas que não respondem aos anseios populares, não passam e nem desejam passar pelo crivo popular. Os casos mais esdrúxulos estão nos EUA: o presidente do Federal Reserve, sem mandato popular, define o futuro do país, e o presidente Obama não tem como intervir nos destinos econômicos, pois a modelagem do Estado não lhe permite margem de manobra. Até a indústria armamentista, antes de composição majoritariamente estatal, foi terceirizada. Aqui no Brasil, algumas agências criadas em gestão tucana desafiam o ordenamento jurídico, legislando sem mandato. A sorte é que o Brasil, a exemplo da União Europeia, não tem Constituição como a americana, que permite a “livre” ação destes burocratas.
Os direitos sociais, consagrados na constituição de vários países da UE, é o atual centro de ataques deste novo modelo de Estado. Portugal, Espanha e Grécia reagem à crise com medidas que afrontam sua lei maior, e os tribunais superiores se transformam no último recurso. Em Portugal, por exemplo, o governo suspendeu entre outros direitos o 13º e o 14º salários por exigência da Troika, mas o Tribunal Constitucional, a mais alta corte portuguesa, anulou a decisão – que, até agora, o primeiro-ministro Passos Coelho não cumpriu. Outra saída são as manifestações de milhões contra os planos de austeridade, para limitar a ação desses governos-fantoche, como veremos adiante.

ESTADO GOTHAM CITY E BRICS
Do ponto de vista do Estado, a China emprega conceitos de economia estatal centralizada combinada a mercado e empresas privadas. O Estado define as ações e uma ampla burocracia vai levando o gigantesco barco, com mais de 1,4 bilhão de habitantes. A China fora incorporada ao capitalismo antes da grande crise, nos anos 90, dando fôlego vital ao sistema capitalista central, agregando amplas massas ao processo produtivo, ajudando a definir novos padrões produtivos e a incrementar a taxa de lucro.
Sinceramente, não sei que outra formação política daria conta de tanta gente e tantas contradições. Os elementos da democracia que conhecemos no Ocidente dificilmente vingam no Oriente – isso vale para China, Coréia do Sul ou Japão, regimes muito específicos.
A desigual Índia, com seu regime de castas, divisão religiosa potencialmente explosiva e seus mais de 1 bilhão de habitantes, está sendo gerida por nova elite política e intelectual, que tenta dar unidade a um país gigantesco que não parece disposto a assumir valores ocidentais. A entrada de grandes empresas dinamizou a economia do país, mas o atraso histórico e a crise começam a minar seu crescimento. A Rússia, com seu poder energético e uma frágil democracia, é dominada por burocratas da antiga URSS. Durante o processo de privatização essa elite ficou bilionária, mas vive em luta mortal pelo controle do Estado e de suas riquezas. Parte do “novo” Estado se firmou lá: mesmo integrando os BRICS, a Rússia tem foco claro no capital, até no modelo do grupo de elite gestor.
O Brasil foi extremamente penalizado nos anos 80, devido à crise da dívida, só se readequando a partir da gestão Itamar, quando lançou sua dolarização, uma moeda ancorada no dólar – e o que era tática temporária virou âncora do poder. Aproveitando o prestígio da estabilidade, FHC conduziu uma série de desmontes do Estado, rumo ao novo Estado: muitas características do que se propõe hoje o capital foram aqui implementadas sem resistência. Os anos de hiperinflação e o desarranjo econômico serviram para conter resistências.
Vários elementos estranhos ao ordenamento jurídico brasileiro, como as famigeradas agências, foram incorporados ao Estado, numa construção artificial do modelo americano, apesar da Constituição de modelo europeu. Essa “ginástica” levou ao esvaziamento do Estado, em particular no setor de infraestrutura, como energia, estradas, portos, aeroportos e comunicações. Nas crises cíclicas de 97, 98 e 99, o Brasil não tinha política de Estado, o que redundou em apagões elétricos, no plano cotidiano, e em completa dependência do FMI, no plano econômico.
Os governos Lula e Dilma deram início à reconstrução da atuação do Estado, mas sem mexer no próprio Estado, sem se opor ao “novo” Estado que emergira da gestão tucana. Os vários avanços econômicos no Brasil, de incorporação de amplas parcelas que viviam à margem da cidadania, sem emprego ou renda, ainda não se traduziram em avanços políticos: a negociação para qualquer mudança é extremamente lenta, desgastante, e emperra o salto para a frente do país.
O impasse é a marca deste período. A grande crise pode ter bloqueado políticas mais afirmativas, de ruptura mesmo com o modelo FHC, do novo Estado, o que atrasa o país. Essa ruptura, no entanto, é de extrema urgência para que o Brasil chegue a outro patamar de país e nação. O que foi feito nestes últimos 10 anos, contudo, não nos parece pouco, visto que recentemente ainda se pensava em atrelar o Brasil aos Estados Unidos como forma única de superar as mazelas. O PT mostrou o contrário, e isto é muito.
De modo geral, o novo Estado parece se impor de forma desigual; nos BRICS, houve bloqueio e empates, não ruptura.

ESTADO GOTHAM CITY E INDIGNADOS

Pelo lado dos trabalhadores e da população em geral, vimos que se organizam na Europa, no Oriente Médio e nos EUA em vários movimentos de indignados. Mas o que importa é identificar se há planos claros de ruptura com o sistema ou mesmo propostas dentro do sistema que, de forma objetiva, apontem alguma saída da crise. Várias vezes debati o papel dos indignados na série Crise 2.0.
 As famosas manifestações da Primavera Árabe, com auge no Egito, rapidamente se estenderam à Europa. O país mais atingindo pela crise, sem dúvida, foi a Grécia. A resistência tem sido heroica, lembrando seu passado mitológico. A Puerta Del Sol em Madri é o símbolo de luta e resistência dos trabalhadores e do povo espanhol. As rebeliões de Londres, numa onda que misturava protesto e vandalismo, mostrou que a luta é a saída para as regiões mais excluídas, apesar da repressão violenta. A ocupação de Wall Street foi indício de que a resistência chegara ao coração do sistema. O amplo empobrecimento, os seguidos planos que salvam a pele dos bilionários não são digeridos pacificamente por trabalhadores e estudantes.

E o futuro? O caso da Espanha é emblemático.

  •  A Primavera de Madri/Barcelona deu frutos ou se esvaziou?
  • Os indignados desmascararam o governo “socialista”, mas com a forte abstenção que defenderam deram combustível à direita. Isso adiantou?
  • O movimento forjou qualquer plataforma alternativa de poder ou mesmo de governo?
  • Apenas se indignar com os políticos não leva à despolitização geral?
Para mim ficou claro que todos estes movimentos que questionam o sistema estabelecido mas não propõem alternativa de poder ou de governo acabam em imensa frustração e despolitização, alimentado a direita, que galvaniza a revolta para seus interesses. Foi o que aconteceu na Espanha e em outros países, fechando-se a vaga histórica de um período revolucionário, como procurei demonstrar em “Crise 2.0: Direita, Volver!!”
Os limites destes movimentos estão no vazio de propostas alternativas. A exceção seria a Grécia. O caminho do Syriza, o pequeno partido grego de esquerda que ousou enfrentar as forças políticas tradicionais e disputou firmemente as eleições, conquistando amplo crescimento, é uma alternativa clara aos governos-fantoches da Troika. Este é o rumo para os trabalhadores e o povo em geral, que pagam a dura conta da crise.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Noam Chomsky: os EUA estão a acelerar a destruição do mundo


No seu ensaio mais recente, Noam Chomsky afirma: “pela primeira vez na história da espécie humana, temos claramente desenvolvida a capacidade para nos destruir a nós próprios”. Refere-se não apenas à ameaça do holocausto nuclear, presente desde 1945, mas também “a processos de longo prazo como a destruição ambiental que conduzem na mesma direcção”. E sublinha que a nação mais poderosa do mundo continua a agir como se desejasse efectivamente essa destruição.


Desde a Crise dos Mísseis de Cuba até ao frenesim dos combustíveis fósseis, os EUA têm a intenção de ganhar a corrida para o desastre. Essa é a opinião do filósofo, linguista e activista estado-unidense Noam Chomsky.
“Pela primeira vez na história da espécie humana, temos claramente desenvolvida a capacidade para nos destruir a nós próprios. Isto tem sido assim desde 1945. Agora, finalmente, reconhece-se que há processos de longo prazo como a destruição ambiental que conduzem na mesma direcção”, assegura Chomsky no seu ensaio mais recente, publicado em Tomdispatch.com.
Segundo o linguista, as sociedades menos desenvolvidas estão a tratar de mitigar ou de superar estas ameaças. “Não estão a falar de guerra nuclear ou de desastre ambiental, estão realmente a tratar de fazer alguma coisa a esse respeito”, diz.
O filósofo destaca as políticas de países como Bolívia, que tem “uma maioria indígena e requisitos constitucionais que protegem os direitos da natureza”, e Equador, que também tem uma grande população indígena “e é o único exportador de petróleo que conheço onde o Governo procura ajudar a que esse petróleo permaneça no solo em lugar de o produzir e o exportar, e é no solo que ele deve permanecer”.

Segundo Chomsky, no outro extremo, as sociedades “mais ricas e poderosas da história do mundo, como Estados Unidos e Canadá, correm a toda a velocidade para destruir o meio ambiente o mais rapidamente possível. Ao contrário de Equador e das sociedades indígenas em todo o mundo, querem extrair até à última gota de hidrocarboneto da terra à maior velocidade possível”.
O outro assunto que Chomsky analisa é a guerra nuclear. “Acaba de passar o 50º aniversário da Crise dos Mísseis, que foi considerado o momento mais perigoso da história pelo historiador Arthur Schlesinger, assessor do presidente John F. Kennedy. Entretanto, o pior destes nefastos acontecimentos é que a lição não tenha sido aprendida ” afirmou.
“Neste momento el tema nuclear surge frequentemente nas primeiras páginas dos jornais, como sucede com a Coreia do Norte e o Irão”, aponta o activista.
Os recentes exercícios militares da Coreia do Sul e dos EUA na península coreana, que suscitaram ameaças de Pyongyang de realizar um ataque nuclear, ter-se-ão certamente apresentado como ameaçadores do ponto de vista do Norte. “Também nós os veríamos como ameaçadores se tivessem ocorrido no Canadá e nos tomassem como alvo”, acrescentou.
“Isto desperta, sem dúvida, alarmes do passado. Eles recordam esse passado, e portanto reagem de forma muito agressiva e extrema. O problema não é que não existam alternativas, é que essas alternativas não sejam concretizadas. Isso é perigoso. E assim, se nos interrogamos acerca de como é que o mundo vai a parecer, a imagem que surge não é bonita imagem. A menos que as pessoas façam alguma coisa a esse respeito”, conclui Chomsky.

* Serviço da Novosti
Texto completo em http://actualidad.rt.com/actualidad/view/96580-chomsky-eeuu-destruccion-mundo

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Brasil financia política de Apartheid israelense, diz integrante do Stop The Wall


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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Maren Mantovani está no Brasil desde agosto do ano passado | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira e Débora Fogliatto no SUL21

A italiana Maren Mantovani está no Brasil desde agosto de 2012 para articular apoios à causa Palestina. Coordenadora de Relações Internacionais do movimento Stop The Wall, ela, que viveu durante dez anos em Ramallah, se dedica agora, à estruturação do grupo na América do Sul.
Maren explica que o foco no Brasil é importante, pois, de acordo com o Stop The Wall, o país financia as políticas repressivas de Israel em relação aos palestinos. A principal forma de apoio se dá através de acordos militares para compra de armas de empresas como a Elbit, que está diretamente envolvida na construção do muro que divide os territórios palestinos.
Nesta entrevista ao Sul21, Maren fala sobre as relações econômicas e militares entre Brasil e Israel e comenta, também, o acordo que o governo gaúcho firmou com a Elbit em abril deste ano. “O que aconteceu no governo do Rio Grande do Sul é o que também acontece a nível federal. Há uma linha política e se esquece completamente, ou se ignora, que a economia é política também. Eles dizem: ‘Fizemos um contrato. Onde está o problema político de se fechar um negócio?’. Mas acordos econômicos – se também são internacionais – sempre afetam seres humanos e podem, também, afetar seus direitos”, critica.
“O muro separa os palestinos de seus campos, de suas escolas, de seus hospitais”

Sul21 – Como tu começaste a te envolver com o movimento Stop The Wall?
 
Maren – Iniciei o trabalho com o Stop the Wall praticamente quando as relações internacionais do movimento começaram a se desenvolver. Nossa campanha começou em 2002, alguns meses depois de a construção do muro ter início. Naquela época, ninguém sabia o que estava acontecendo. Foi diretamente depois da re-insavasão da Cisjordânia e do massacre de Jinin. As escavadeiras simplesmente chegaram e destruíram os campos palestinos. Sabíamos que era um projeto grande, porque muita terra foi destruída, mas Israel não explicou nada. O primeiro mapa (da construção do muro) só foi divulgado mais de um ano depois do início da obra.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Movimento Stop the Wall tenta esclarecer o mundo sobre muro erguido por Israel para isolar palestinos | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como foi o trabalho de vocês neste primeiro momento?
 
Maren – Uma das primeiras coisas que fizemos foi investigar o que estava acontecendo, buscar informações sobre que projeto estava sendo posto em prática. A nível nacional, o trabalho que fazemos é de organização de comitês populares e de apoio às lutas nas aldeias. A nível internacional, a primeira tarefa foi explicar ao mundo o que estava acontecendo. As pessoas não acreditavam que isso estivesse ocorrendo: a construção de um muro de oito metros de altura e quase 800 quilômetros de comprimento. Quando ouviam isso pela primeira vez, diziam que não era possível.

Sul21 – O que representa, para os palestinos, a construção desse muro?
 
Maren – Não é uma barreira de segurança. Não divide Israel da Cisjordânia. O muro separa os palestinos de seus campos, de suas escolas, de seus hospitais. O segundo passo do movimento Stop The Wall foi pensar em como podemos nos organizar para trabalhar juntos, em solidariedade, de uma forma que seja eficaz para derrubar o muro. Em 2004, tivemos a decisão da Corte Internacional de Haia, que disse que Israel precisa parar de construir o muro, que é algo ilegal. A segunda parte da decisão diz respeito à responsabilidade de outros países: outros estados não podem ajudar na construção do muro. Isso significa que não podem fazer contratos com empresas que estão envolvidas na construção do muro, dos assentamentos e de outras violações graves que Israel comete diante da lei internacional. A decisão de Haia prevê que devem ser impostas sanções para que Israel encerre essa política. Então surge, em 2004, o primeiro chamado à campanha por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) em Israel. Em 2005, toda a sociedade civil e partidos políticos palestinos se unem a esse chamado.

Sul21 – Vocês acreditam que esta campanha possa ter o sucesso que teve a campanha por BDS em relação à África do Sul, na época do Apartheid?
 
Maren – A campanha por BDS em Israel tem um apelo muito mais forte e em muito menos tempo do que foi o caso da África do Sul. As pessoas sempre recordam da campanha de boicote contra a África do Sul no final dos anos 1980. Mas essa campanha começou no início dos anos 1960. Conversando com os ativistas que a organizaram, eles disseram que nunca conseguiram, em 20 anos, o que nós já estamos conseguindo em apenas oito anos. Isso se deve a vários fatores. De um lado, hoje podemos nos comunicar melhor. E a causa palestina já possui décadas de apoio sobre o qual se construiu a campanha de BDS. Isso é uma vantagem e um desafio. A África do Sul tinha, basicamente, como parceiros econômicos, somente a Inglaterra, a Europa e os Estados Unidos. Hoje, esta campanha pelo BDS é global. E está forte na Europa e fazendo progressos muito importantes nos Estados Unidos – na sociedade civil e nas universidades. Mas, se quisermos ter força, precisamos do apoio do Sul do mundo, da América do Sul e da Índia. É aí que Israel está encontrando seus mercados mais importantes, sobretudo porque Europa e Estados Unidos estão em crise.
”O Brasil se tornou uma das linhas de sustentação econômica que possibilitam a política de Israel”

Sul21 – Que países apoiam, hoje, direta ou indiretamente, a construção do muro?
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” A cada compra dessas armas, o Brasil dá sustentabilidade às guerras e ocupações de Israel”, diz Maren Mantovani | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Maren – O mundo inteiro. Neste momento, são muito poucos os países que têm uma postura condizente com a legislação internacional. O Brasil fornece muita ajuda e assistência a essa e a outras violações cometidas por Israel. Dessa forma, acaba dando reconhecimento aos assentamentos israelenses e ao muro. Isso é uma completa contradição com a política do Itamaraty, que reconhece o Estado da Palestina nas fronteiras de 1967. O Brasil apoia o respeito à lei internacional e às resoluções da ONU. Por outro lado, por parte das relações econômicas, ocorre exatamente o contrário. O Brasil se tornou uma das linhas de sustentação econômica que possibilitam a política de Israel.

Sul21 – Vocês estudam as relações militares entre Brasil e Israel. De que forma elas ajudam os atos de Israel?
 
Maren – Israel é um país permanentemente em guerra, portanto a indústria militar tem uma importância fundamental – seja para que continuem suas guerras ou para a economia em geral. Toda produção militar de tecnologia e segurança nacional é muito importante para a economia israelense. Até 80% dessa produção é exportada. É claro que não existe mercado suficiente para isso em Israel, que possui seis milhões de habitantes. Então Israel exporta sua produção militar para o Sul do mundo. A índia é o maior importador de armas israelenses e o Brasil é o quarto. Em todas as Américas, somente a Colômbia compra mais armas de Israel. A cada compra dessas armas, o Brasil dá sustentabilidade às guerras e ocupações de Israel. Essas empresas militares israelenses, como a Elbit – que está localizada também em Porto Alegre -, não constroem somente os Drones (aviões não tripulados) que matam os palestinos. Constroem o muro e fazem parte de um sistema de ocupação.

Sul21 – Como está a reação – econômica e política – a essas empresas hoje no mundo?
 
Maren – Existe uma campanha global de boicote contra elas, especialmente contra a Elbit. Na Noruega, em 2009, o Ministério das Finanças decidiu pedir ao Fundo Nacional Pensionístico para desinvestir nessa empresa, em particular porque ela está construindo o muro e é parceira de um crime de guerra. Após essa decisão, outras instituições financeiras decidiram desinvestir na Elbit, incluindo 12 bancos nacionais europeus. Em 2012, o relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos nos territórios ocupados na Palestina, Richard Falk, lançou um informe sobre as responsabilidades das empresas nos crimes de guerra de Israel. Novamente a Elbit foi nomeada como uma das empresas que precisamos boicotar. Isso foi dito na Assembleia Geral da ONU.
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“Claramente, Israel já possui poder de veto sobre a política externa do Brasil” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como tem sido a relação do movimento Stop the Wall com o governo brasileiro? Há uma crítica ao ministro Celso Amorim, que, quando estava no Itamaraty, adotava uma posição pró-Palestina e, agora, no Ministério da Defesa, continua comprando armas de Israel.
 
Maren - Celso Amorim se encontra em uma situação bastante difícil. Quando estava no Itamaraty, ele criou uma política de fortalecimento e integração da América do Sul e de relacionamento com o mundo árabe. Agora está em um ministério que tem toda essa relação militar com Israel. O Brasil não pode nem vender armas brasileiras para Venezuela e Bolívia – com as quais havia feito um pacto de defesa – porque existe esse acordo com Israel, então Israel veta (as vendas). O Brasil quer desenvolver sua indústria militar para fortalecer sua soberania nacional, mas com esses acordos com Israel, está derrubando completamente esses objetivos. O Itamaraty trabalha com alianças Sul-Sul e com o mundo árabe. O Brasil quer ter relações estratégicas com países que são considerados inimigos por Israel. Mas, com essas parcerias com Israel, sempre se encontrará em uma situação em que Israel impedirá suas políticas. Claramente, Israel já possui poder de veto sobre a política externa do Brasil.
“Os trabalhadores da Taurus estão sendo obrigados a produzir um rifle desenvolvido no sangue dos palestinos”

Sul21 – Houve tentativa de diálogo com Amorim quando ele asusmiu o Ministério da Defesa?
 
Maren – Partidos políticos e movimentos sociais da Palestina escreveram a ele, dizendo que sabiam que suas políticas eram diferentes do que vinha sendo adotado nos últimos oito anos pelo ministério. Eles pediram: “Por favor, leve em consideração não só as estratégias, mas também a responsabilidade com a lei internacional e os direitos dos palestinos. Acabe com essas relações militares entre Brasil e Israel”. E isso não está acontecendo. A sociedade civil brasileira tem um papel muito importante para pressionar o governo neste sentido. Atualmente, por exemplo, Israel está produzindo o rifle Tavor. Esse rifle começou a ser produzido no início da segunda Intifada e aprimorado no massacre de Gaza, em 2008 e 2009. O Exército brasileiro quer novos rifles. Então a Taurus estava desenvolvendo um novo protótipo para oferecer, mas o Exército disse que queria o rifle Tavor. O resultado, então, é que o Brasil tem um rifle que, em termos de produção de tecnologia, não é seu. Não sei como é exatamente o contrato entre a Taurus e a IMI, empresa israelense que fabrica este rifle, mas certamente eles recebem uma parte do valor dos rifles vendidos aqui. E os trabalhadores da Taurus estão sendo obrigados a produzir um rifle desenvolvido no sangue dos palestinos. Em seus sites, as empresas militares de Israel demonstram o quanto seus produtos são field-tested, testados em campo, no sangue dos palestinos. Eles dizem claramente que a guerra é uma grande oportunidade para a propaganda desses produtos.
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De acordo com Maren, “a cada jogo da Copa, a Palestina perderá sem nem entrar em campo” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Com todos os investimentos feitos em segurança em função da Copa do Mundo de 2014, você acredita que as relações militares entre Brasil e Israel tendem a se intensificar nesse período?
 
Maren – Claro, isso já está acontecendo. Já sabemos que os VANT (Veículos Aéreos Não Tripulados) israelenses foram utilizados nos jogos Pan-americanos, no Rio de Janeiro. Foi apenas um teste para a Copa do Mundo. Na Inglaterra e na África do Sul, durante os megaeventos, as empresas israelenses fizeram a segurança e tiveram um lucro muito grande. É importante que se fale disso, que se faça pressão sobre isso. Porque senão, na Copa do Mundo, cada jogo vai se tornar um jogo em que a Palestina perde sem nem entrar em campo.

Sul21 – Como você avalia o acordo feito no dia 29 de abril entre o governo gaúcho e a Elbit para investimentos no polo aeroespacial do Rio Grande do Sul? Foi firmado um empreendimento que deverá construir no Estado a segunda base nacional para lançamento de satélites.
 
Maren – Primeiramente, quero destacar que quando Tarso Genro foi à Palestina, todo mundo, desde o primeiro-ministro Salam Fayyad, até toda a sociedade civil, mandou uma mensagem clara e unificada: “Esse contrato financia quem constrói o muro na Palestina e viola nossos direitos”. Como é possível que alguém que se colocou como nosso amigo, que comprou a briga para realizar o Fórum Palestina Livre – e todo mundo sabe que não foi fácil politicamente – tenha feito isso? Para nós, foi muito importante ele ter ido à Palestina. Todos, das autoridades ao povo, queriam hospedá-lo da melhor forma possível, para agradecer tudo o que ele tinha feito. Quando chegou a notícia desse contrato com a Elbit, nos sentimos apunhalados. O que aconteceu no governo do Rio Grande do Sul é o que também acontece a nível federal. Há uma linha política e se esquece completamente, ou se ignora, que a economia é política também. Eles dizem: “Fizemos um contrato. Onde está o problema político de se fechar um negócio?”. Mas acordos econômicos – se também são internacionais – sempre afetam seres humanos e podem, também, afetar seus direitos.
“Quem gasta dinheiro são os governos do Rio Grande do Sul e federal para financiar uma empresa israelense que constrói o muro e viola os direitos dos palestinos”
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Governo gaúcho está gastando dinheiro para financiar uma empresa que constrói o muro contra Palestina, diz integrante do Stop the Wall | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Além de vocês criticarem politicamente o acordo, acreditam que trata-se de um investimento de risco?
 
Maren – Se tentou acusar os que se opunham ao contrato – tanto palestinos quanto movimentos sociais brasileiros – se não darem conta do desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Mas pedíamos apenas que tomassem em consideração mais critérios no debate e respeito aos direitos humanos, à lei internacional e às prioridades do Itamaraty. Hoje, as agências, bancos e institutos financeiros da Europa se opõem aos investimentos e envolvimentos nas ocupações israelenses. Não se importam com a Palestina, mas consideram esses investimentos um fator de risco. Existem fatores políticos de risco econômico. E também poderia ter-se vantagens realizando uma política econômica alinhada com os princípios estratégicos do Itamaraty. Apenas responder que “o Itamaraty não disse que não” não é o suficiente para se obter as vantagens que uma ação alinhada com as prioridades do Ministério das Relações Exteriores poderia gerar. Ao mesmo tempo, não isenta (o governo gaúcho) de responsabilidade. Afirmar que outros também realizam contratos com a Elbit apenas ressalta que outros também desrespeitam a lei internacional. Muitos pensam que é um investimento (da Elbit) no Estado, ou uma transferência de tecnologia ao Estado. Mas, pelo que sabemos, é um projeto de pesquisa e desenvolvimento. Então quem gasta dinheiro são os governos do Rio Grande do Sul e federal para financiar uma empresa israelense que constrói o muro e viola os direitos dos palestinos – e para criar, junto com as universidades gaúchas, tecnologia que Elbit ainda não possui, mas que, uma vez desenvolvida, provavelmente ficará sob seu controle, no que diz respeito ao uso e provável exportação dessa tecnologia.

Sul21 – Existem outras empresas com a mesma capacidade militar e tecnológica com as quais Brasil e Rio Grande do Sul poderiam construir parcerias?
 
Maren – O interessante é que Rio Grande do Sul, que não sabe construir satélites, fez uma parceria com a Elbit, que também não sabe construir satélite, para realizar um projeto aeroespacial. Então, de uma maneira ou outra, isso responde a pergunta. Claro que existem outras opções. A África do Sul está esperando por parcerias neste sentido com o Brasil. Já existem contratos importante com a Ucrânia, que, sim, sabe como funcionam os satélites. Mais do que discutir as características dos produtos de diferentes empresas, temos que discutir o que significa um desenvolvimento e pesquisas em parceria com Israel. É evidente que Israel nunca vai permitir que o Brasil detenha as propriedades de sua alta tecnologia. Isso porque o Brasil ainda possui – e espero que continue assim – relações com Venezuela, Bolívia, o mundo árabe e outros países considerados inimigos por Israel. Enquanto for assim, relações militares entre Brasil e Israel sempre vão constituir um problema de independência e de soberania nacional ao Brasil.

Sul21 – Se existem outras opções, porque o Brasil firma tantas parcerias neste sentido com Israel?
 
Maren – Altamiro Borges, em uma fala, disse: “No Brasil, a esquerda vence as eleições, mas quem tem o poder é a direita”. Creio que isso não é totalmente verdade. Existem mudanças e coisas que foram feitas nos últimos dez anos. Mas também é verdade que em todos os governos de coalizão há contradições nos ministérios. Se olharmos para o Ministério da Defesa, veremos que ainda existem generais da época da ditadura, porque não foi feita uma limpeza neste sentido. O PT entrou neste ministério somente com Celso Amorin. Em todos os governos, como no Rio Grande do Sul, existem contradições internas e diferentes visões.
“Os palestinos são muito mal representados na grande mídia – ou nem são representados. É a mesma lógica com a qual os movimentos sociais brasileiros são tratados”

Sul21 – Como tu avalias a realização do Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre, no ano passado?
 
Maren – Este fórum social foi muito importante para o movimento de solidariedade à Palestina. No Rio Grande do Sul e no Brasil em geral existe muita consciência e interesse de se fazer as coisas. A partir do Fórum Social Mundial Palestina Livre, se começou a criar uma coordenação de movimentos de solidariedade na América do Sul. Uma série de iniciativas e campanhas estão sendo geradas a partir do fórum. Ainda que não tenha sido o maior fórum social já realizado, em termos numéricos, o nível de qualidade dos participantes foi muito bom. As pessoas mais envolvidas neste tema, no mundo inteiro, de forma prática e estratégica, estiveram aqui. Mas, ao mesmo tempo, penso também que o fórum foi um momento de agregação. Agora, precisamos de um momento de dispersão: sair pelo mundo com essas ideias e planos, articulá-las e implementá-las em diversos países, cidades, regiões e universidades, empresas. Provavelmente, em um certo período de tempo, teremos de novo um momento em que essa centralização será necessária.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
” Com o reconhecimento do Estado da Palestina, a única coisa que Israel fez foi acelerar a construção dos assentamentos” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como a mídia tradicional trata o tema da Palestina?
 
Maren – Evidentemente, a grande mídia não diz o que queremos que diga. Mas as pessoas, às vezes, vêm com teorias da conspiração, afirmando que os judeus detêm o controle de toda a mídia. Isso não tem nada a ver com a religião, mas, sim, com a estrutura econômica. É evidente que a grande mídia não dará o ponto de vista de quem está sendo oprimido. A grande mídia é um instrumento do sistema capitalista e dá a visão do que interessa ao capitalismo e à manutenção do status quo. Os palestinos são muito mal representados na grande mídia – ou nem são representados. É a mesma lógica com a qual os movimentos sociais brasileiros são tratados. Nem é preciso fazer uma grande análise. Sofremos todos do mesmo problema. Esses veículos não falam de quem luta e de quem está oprimido. Falam de quem os paga.

Sul21 – Como o movimento Stop The Wall começou a voltar seus olhos para o Brasil e para a importância que as relações militares e econômicas do país com Israel possui para a causa palestina?
 
Maren – O movimento, desde muito tempo, tem esta visão de que é importante trabalhar com o tema da solidariedade Sul-Sul. Nos demos conta de que esta não é uma visão ideológica. Trata-se de uma urgência política, porque, analisando um pouco os fluxos econômicos e militares, se vê quanto os BRICs são importantes para Israel. Nem sequer precisamos fazer muitas pesquisas. Há documentos e claras manifestações dos ministros israelenses, que dizem que o interesse é nestes países. Particularmente, desde o início da crise econômica, em 2007 e 2008.

Sul21 – O reconhecimento pela ONU da Palestina como Estado observador não-membro das Nações Unidas foi bastante aclamado. Mas também é dito que o que é necessário é que Israel reconheça a Palestina.
 
Maren – Com o reconhecimento do Estado da Palestina, a única coisa que Israel fez foi acelerar a construção dos assentamentos. Creio que esse reconhecimento foi importante, pois comprometeu uma série de países com o apoio ao Estado Palestino. Com isso, eles têm a responsabilidade de não firmar contratos com empresas que estão destruindo esse Estado. Ao mesmo tempo, esse reconhecimento leva em consideração apenas uma parte dos problemas palestinos. Não leva em conta o problema dos refugiados palestinos e o fato de que existem palestinos que são cidadãos de Israel e vivem em uma situação de verdadeiro Apartheid. Israel não é uma democracia: ou se é judeu, ou não se tem os mesmos direitos. Existe um sistema institucionalizado do Apartheid. Cerca de 20% dos cidadãos de Israel são palestinos que vivem sob esse regime. Reconhecer o Estado da Palestina é apenas um passo, mas é evidente que não mudará nada para Israel. Israel não fará negociações sobre este tema se não houver pressões. Qualquer sindicalista entende que não se pode pensar que o empregador deixará de lucrar com o trabalho dos empregados somente com um pedido de aumento salarial. É preciso entrar em greve, o empregador precisa perder os lucros, e então se abre a negociação. É isso que queremos: que eles percam seus lucros, para que podemos ter alguma conquista.