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sábado, 2 de junho de 2012

Mundo tem 20,9 milhões de vítimas de trabalho forçado, diz OIT





Relatório divulgado nesta sexta (1o), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta que 20,9 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado em todo o mundo, sujeitas a emprego impostos através de coação ou de fraude, dos quais elas não podem sair. Do total, 11,4 milhões são mulheres e meninas e 9,5 milhões são homens e meninos. Cerca de 5,5 milhões possuem menos de 18 anos;
A organização, ligada às Nações Unidas, não divulga o cálculo por país mas por macrorregiões. A margem de erro é de 7%, ou seja, a estimativa – considerada conservadora por seus realizadores – vai de 19,5 milhões a 22,3 milhões. Alguns dados do estudo:
- Do total, 18,7 milhões (90%) são explorados no setor privado. Destes, 4,5 milhões (22%) são vítimas de exploração sexual forçada e 14,2 milhões (68%) de exploração do trabalho forçado em atividades econômicas, como agricultura, construção civil, trabalho doméstico ou industrial;
- Outros 2,2 milhões (10%) estão sujeitos a formas de trabalho forçado impostas pelo Estado, como o que ocorrem em algumas prisões ou em forças armadas rebeldes ou exércitos nacionais;
- A incidência por mil habitantes é maior na Europa Central, no Leste Europeu e na região da Comunidade de Estados Independentes (ex-União Soviética), com 4,2 casos/mil habitantes e na África, com 4/mil. É mais baixa nos países com economias desenvolvidas e na União Européia (1,5/mil);
- Em termos absolutos, a região da Ásia e Pacífico apresenta o número mais alto de trabalhadores forçados no mundo: 11,7 milhões (56% do total). O segundo maior número é registrado na África, com 3,7 milhões (18%), seguido pela América Latina, com 1,8 milhão de vítimas (9%). Nas economias desenvolvidas e na União Européia existem 1,5 milhão (7%) de trabalhadores forçados, enquanto que nos países da Europa Central e Leste Europeu e na Comunidade de Estados Independentes são registrados 1,6 milhão (7%) de pessoas. No Oriente Médio, o número de vítimas é estimado em 600.000 (3%);
- Há 9,1 milhões de vítimas (44%) que se deslocaram, seja dentro de seus países ou para o exterior. A maioria, 11,8 milhões (56%), está submetida a trabalho forçado em seus países de origem ou residência. Os deslocamentos entre fronteiras estão estreitamente vinculados com a exploração para fins sexuais.
Em nota divulgada pela OIT, a diretora do Programa Especial de Ação para Combater o Trabalho Forçado, Beate Andrees, afirma que “tivemos progresso ao assegurar que a maioria dos países tenha uma legislação que penalize o trabalho forçado, o tráfico de seres humanos e as práticas análogas à escravidão”. Contudo, segundo ela, “ainda é complicado ter êxito em processos judiciais contra indivíduos que causam tal sofrimento a tantas pessoas”.
Para ilustrar, no Brasil, há cerca de quatro dezenas de casos que resultaram em condenações criminais por conta de trabalho escravo contemporâneo em um universo de mais de 3 mil fazendas fiscalizadas por denúncias relativas a esse crime e 42 mil trabalhadores libertados desde 1995. Não há informação de empregador que tenha cumprido pena na cadeia após sentença transitada em julgado.
De acordo com a OIT, a metodologia utilizada pela instituição, em 2005, para estimar que o mundo tinha, ao menos, 12,3 milhões de pessoas submetidas ao trabalho forçado foi revista e melhorada. O dado anterior por exemplo, tinha margem de erro de 20%, em comparação aos 7% da estimativa divulgada hoje. Por isso, não é possível afirmar que o número de escravos aumentou.
“Produzimos estas novas estatísticas em nível regional e mundial utilizando uma grande variedade de fontes secundárias, complementadas pelos resultados de nossos estudos nacionais realizados em colaboração com contrapartes locais, o que nos permite extrapolar dados provenientes de meios de comunicação ou de outras fontes indiretas. No entanto, ainda estamos longe de uma situação ideal na qual os países possam realizar suas próprias medições. A OIT poderá apoiar o fortalecimento das capacidades necessárias para cumprir esta difícil tarefa”, afirma Andrees.
Em 2001, a Comissão Pastoral da Terra, organização ligada à Igreja Católica e uma das mais importantes no combate ao trabalho escravo no país, propôs 25 mil como o número mínimo de trabalhadores rurais que, anualmente, eram submetidos à escravidão na Amazônia brasileira. Essa estimativa resultava de interações entre os números anuais de pessoas encontradas pela fiscalização, a observação do fluxo de trabalhadores migrantes e a uma análise da instituição de que para cada pessoa libertada outras três continuariam em cativeiro. A preocupação da CPT foi de alertar a sociedade com um número que sinalizasse a relevância numérica do problema sem cair num exagero insustentável cientificamente.
Na falta de outra, a estimativa foi aceita e utilizada por várias entidades. Em 2003, o governo brasileiro endossou o número ao colocá-lo no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Em 2004, uma delegação brasileira nas Nações Unidas reconheceu também o número de 25 mil como estimativa mínima e, posteriormente, a própria Organização Internacional do Trabalho. Outra estimativas apareceram, como a de 40 mil ou 100 mil trabalhadores nessas condições, mas nenhuma delas foi utilizado pelas principais entidades estatais ou da sociedade civil que atuam no combate a esse crime.
Apesar do esforço estatístico trazido pela Comissão Pastoral da Terra, ele não seguiu normas científicas ou passou por uma atualização. A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), que reúne instituições públicas e da sociedade civil para monitorar as políticas públicas contra esse crime no país, parou de utilizar a estimativa da CPT e qualquer outra em 2007.
No ano passado, a OIT ofereceu ao Brasil apoio técnico para o desevolvimento de uma estimativa do número de escravos no país. Os custos de tal levantamento estão sendo analisados pela Conatrae e o governo brasileiro.
Por outro lado, devido às informações dos trabalhadores colhidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego no momento do resgate, há um perfil traçado de quem é a vítima no Brasil. Por exemplo, no caso de exploração econômica, entre 2003 e 2009, os libertos foram homens (95%), entre 18 e 44 anos (82%), analfabetos ou com até quatro anos de estudo (68%), oriundos de Estados como o Maranhão e o Pará.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Renascimento da esquerda dá nova esperança à Europa, diz líder comunista francês


Pierre Laurent, líder do PCF, aposta nas legislativas e vê Frente de Esquerda longe do governo Hollande
Luiza Duarte/Opera Mundi


O secretário-geral do PCF, Pierre Laurent, que comanda também a coligação de esquerda europeia

“Uma vitória que lança uma nova esperança na França e na Europa”. É assim que Pierre Laurent, secretário-geral do PCF (Partido Comunista Francês) e presidente do PGE (Partido da Esquerda Europeia), composto por 26 partidos europeus, avalia a eleição do socialista François Hollande à presidência francesa no último dia 6 de maio, colocando fim a um domínio eleitoral de três mandatos de direita.

Jornalista de formação, Laurent dirigiu o diário francês de esquerda L'Humanité por quase dez anos e se diz muito satisfeito com o desempenho da Frente de Esquerda (coligação formada pelo PCF com o Partido de Esquerda) e de seu candidato, Jean-Luc Mélenchon, que obteve 11,1% dos votos no primeiro turno.

O dirigente concedeu uma entrevista a Opera Mundi na histórica sede do PCF, em Paris, projetada pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer entre os dois turnos da eleição presidencial.

Enquanto a nova gestão socialista já anuncia as primeiras medidas após a posse do governo no último dia 15, as outras correntes de esquerda redefinem estratégias e concentram forças para as eleições legislativas, que serão realizadas entre os dias 10 e 17 de junho.

***

Opera Mundi: Logo depois do anúncio dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial que indicou a disputa final entre Hollande e o presidente Nicolas Sarkozy, da UMP (União por um Movimento Popular),  Mélenchon comunicou o apoio da Frente de Esquerda a Hollande sem contrapartida. Por que não houve negociação para formar uma aliança?
Pierre Laurent: A primeira razão é que não tínhamos a menor dúvida de que era preciso derrotar Sarkozy no segundo turno. Para nós, não era uma questão condicionar nosso engajamento de  livrar o país da direita. Queríamos que nosso chamado fosse claro e sem ambiguidade sobre essa questão.

A segunda é que a eleição presidencial é seguida por outra muito importante, a legislativa. A maioria parlamentar que vai acompanhar o novo presidente será decidida nesse momento e a Frente de Esquerda irá com as mesmas propostas que defendeu  na presidencial. Não iremos renunciar. Só depois das duas eleições é que veremos os contornos possíveis da maioria e o lugar ocupado pela Frente de Esquerda.

OM: Então não podemos pensar em uma participação do PCF no governo Hollande?
PL: Realizaremos uma conferência nacional do PCF na semana seguinte à legislativa para avaliar a situação e tomar uma decisão definitiva. Na situação atual, Hollande anuncia que o governo deverá botar em prática apenas seu programa de governo e nada além.

Nós temos desacordos importantes com essas propostas e a ambição de mudar as coisas com a legislativa. O resultado que obtivemos na presidencial nos dá um peso importante na futura maioria, queremos ampliar o placar e mudar essa situação. A vitória do PS não poderia ser possível sem a Frente de Esquerda. Só no final de junho vamos avaliar se os socialistas aceitam considerar temas importantes para nós, relativos aos salários, criação de empregos no serviço público, indústria nacional e reorientação da política europeia.

Atualmente temos muitas diferenças com o programa presidencial de Hollande para governar nessa situação, mas temos ambição de mudar esse contexto.

OM: Não houve nenhum gesto do PS para integrar propostas da FE?
PL: Não. Por enquanto, Hollande diz que apenas o seu programa será aplicado.

OM: E qual será a estratégia da Frente de Esquerda daqui para frente?
PL: Com Sarkozy derrotado, nós entramos em um período totalmente novo. Os que votaram com a esquerda esperam muitas mudanças sobre as grandes questões sociais, sobre a redução da desigualdade que explodiu ao longo dos últimos cinco anos e também em termos de direito, liberdades e política europeia. Há muita expectativa.

Espero que continuemos na maioria parlamentar com uma bancada da Frente de Esquerda reforçada. Também continuaremos presentes nas mobilizações sociais que acontecem no país, vamos continuar levando essas propostas de mudança e faremos de tudo para que o novo governo as considere. Nossa estratégia será de mobilização popular cada vez mais importante e longa. Não queremos que a mobilização que foi a característica de nossa campanha se interrompa com a eleição, a fim de garantir que a política do novo governo vá de encontro as nossas propostas. Essa batalha não irá se encerrar na esquerda não importa qual seja o governo.

OM: Qual a avaliação o senhor faz do desempenho nessas eleições? Por que a Frente de Esquerda não conseguiu integrar partidos de extrema-esquerda como o NPA (Novo Partido Anti-Capitalista) e o LO (Luta Operária)?
PL: Nós fazemos uma avaliação extremamente positiva da campanha. O conjunto de votos das forças de esquerda, que soma os Ecologistas, o PS e a Frente é muito elevado comparado às eleições precedentes. Esse progresso se  deve ao progresso da Frente de Esquerda. Fomos a força mais dinâmica e a que mais progrediu na esquerda, graças ao projeto unitário que implantamos. Conseguimos em três anos, quando criamos a Frente, unir forças que estavam dispersas e que se juntaram para renovar o projeto.

É também o resultado de um programa que foi elaborado depois de muito debate nos país. Chamado de “O humano primeiro (L’humain d’abord, em francês)”, ele é uma ruptura forte com a lógica liberal que foi aplicada nesses últimos 20 anos. Esse programa teve um impacto muito grande no debate político. Hoje, há uma dinâmica social entorno da Frente.

O PCF, que é um dos criadores da Frente, está extremamente satisfeito desse balanço. Tentamos unir todas as forças disponíveis vindas de todas as famílias da esquerda, mas algumas como a direção  do NPA e da LO não quiseram. Eles obtiveram resultados muito baixos por causa disso, o isolamento deles não foi compreendido nem por seus próprios militantes. Hoje, a maioria dos militantes NPA abandonou essa organização para integrar a Frente. Os que ainda não fizeram o farão, porque a dinâmica da Frente de Esquerda é muito atrativa.

terça-feira, 29 de maio de 2012

SÍRIA: Porta-voz do Governo nega qualquer responsabilidade das forças do governo sírio no massacre de al-Hula


Eba Khattar

 
A publicação desta notícia da agência Síria SANA poderia não ser mais do que uma modesta tentativa de contrapor outra informação à enxurrada mediática imperialista, e mesmo assim já se justificaria. Mas é também uma oportunidade de denunciar o facto de no vergonhoso coro internacional da direita e da social-democracia - que reclama a repetição na Síria da criminosa operação de ocupação que se verificou na Líbia - participarem igualmente forças que se dizem progressistas e de esquerda, sem escrúpulos de juntarem as suas vozes aos objectivos da dominação e do terrorismo imperialista.

O porta-voz do Ministério dos Estrangeiros e da Emigração, Dr. Jihad Makdesi, negou qualquer responsabilidade das forças governamentais no massacre ocorrido em Hula, na periferia da cidade de Homs, ao mesmo tempo que condenou nos termos mais veementes esta matança terrorista levada a cabo com clara intenção criminosa contra os filhos da Síria, denunciado de igual modo o tsunami de mentiras desencadeado contra o Estado sírio e a leviandade com que alguns governos e meios de comunicação acusam o governo sírio pelo massacre.
Em conferência de imprensa realizada no domingo na sede do Ministério dos Estrangeiros e da Emigração Makdesi disse: “O Estado Sírio é, conforme a Constituição, responsável pela protecção dos civis, e a Síria reserva-se o direito de defender os seus cidadãos, porque aquilo que está em questão não é qualquer espécie de jogo político mas a responsabilidade pela segurança e a tranquilidade dos cidadãos que incumbe ao Estado”.
Makdisi garantiu que não se verificou qualquer entrada de artilharia ou de tanques em Houla, explicando que as forças de segurança e da ordem se mantiveram nas suas posições iniciais e que apenas intervieram em defesa própria face a este ataque, intervenção que terminou com os confrontos no final da noite de sexta-feira passada.
O porta-voz do Governo sublinhou que esta tão suspeita sincronização dos ataques com a visita do enviado da ONU à Síria, Kofi Annan, constitui um golpe contra o processo político, assinalando que “a metodologia dos assassinatos brutais não faz parte da ética do exército sírio, e que quem anda a matar não é o exército regular sírio mas sim grupos terroristas armados”.
“Aquilo que sucedeu não serve os interesses do Estado sírio … não podemos negociar com o sangue dos nossos filhos, tal como não pode justificar-se o uso das armas contra o prestígio do Estado, sejam quais forem os argumentos políticos invocados,… desde que aprovámos o Plano de Annan o terrorismo e a delinquência aumentaram, porque não desejam que este Plano tenha sucesso”, sublinhou Makdesi.
O porta-voz do Governo assegurou que as violações documentadas do Plano Annan na Síria por parte dos terroristas armados já ultrapassam as três mil e quinhentas.
“A desestabilização é o caldo de cultura para os terroristas, e aí participam a al-Quaeda e os takfirís, mas não permitiremos que tirem vantagens de um tal contexto, por mais que ampliem as suas acções; e a solução para a crise na Síria reside e estender a mão ao Governo sírio e auxiliá-lo”, concluiu Makdisi.
Makdisi explicou que o que sucedeu em Hula foi já verificado: centenas de homens armados reuniram-se ao meio-dia de sexta feira, com carrinhas pick-up repletas de armas pesadas sofisticadas, tais como morteiros, metralhadoras pesadas e mísseis anti-tanque, o que não constitui novidade nos confrontos com as forças governamentais.
“Os homens armados dirigiram-se para a zona de Hula, que é protegida por tropas governamentais em apenas cinco posições, todas elas situadas fora dos lugares em que os massacres foram cometidos…estas posições foram atacadas em simultâneo desde as duas horas da tarde até às onze da noite, tendo resultado na morte de 3 efectivos das forças de segurança e em ferimentos em outros 16, alguns dos quais em estado crítico, e há corpos carbonizados devido à grande potência das armas utilizadas contra as forças governamentais”.
“Constituímos uma comissão militar de inquérito para investigar os factos cujos resultados serão divulgados no prazo de três dias”.
O porta-voz reiterou firmemente que não existiu qualquer entrada de tanques sírios ou de artilharia na região onde foram cometidos os massacres.
Makdisi sublinhou que o massacre de Hula não foi o único, uma vez que se verificou um outro na aldeia de Shomaniye, onde foram queimadas as culturas, as casas e o Hospital Nacional, garantindo que ambos estes injustificáveis massacres justificam uma reunião do Conselho de Segurança para analisar quem financia, arma, acolhe e instiga à intervenção da OTAN.
Makdisi informou que no plano diplomático o Ministro dos Estrangeiros e da Emigração Walid al-Moalem contactou com o enviado da ONU à Síria, Kofi Annan – que chegará ao país na segunda-feira – para o pôr ao corrente dos acontecimentos e das investigações oficiais que estão em curso sobre este assunto.
“Lamentamos que primeiros-ministros de alguns países que se consideram potências se antecipem às conclusões e lancem acusações levianas em importantes fóruns internacionais sem se fundamentar em factos, mas apenas naquilo que alguns opositores sírios ou círculos mediáticos enviesados divulgam, bem como aqueles que têm agendas políticas contra a Síria”, acrescentou.”
“A concentração de homens armados vindos de várias regiões como Roston, Telbisa ou Qsair, bem como o lançamento do ataque a uma hora determinada, o que é um facto que as informações de inteligência que possuímos confirma irrefutavelmente, significa que não se tratou de um ataque improvisado mas sim de uma acção premeditada e planeada”, disse.
Makdisi garantiu que “todos aqueles que sabotam a trégua, sejam eles os países da região que albergam os terroristas ou fazem vista-grossa à sua infiltração na Síria, ou sejam os países que financiam e ameaçam publicamente,são cúmplices deste crime cometido contra o sangue do povo sírio”.
Estamos comprometidos com o Plano Annan e desejamos que tenha sucesso, mas as chaves da solução não residem apenas na Síria: há que aposte na desintegração do Estado e em golpear a sua estabilidade, e em atrair uma intervenção militar estrangeira no nosso país”, denunciou Makdesi.
“Não existe nada que tenha o nome de “tropas armadas da oposição”, como foi mencionado no relatório de Ki-moon: ou existe uma oposição de opinião que é bem-vinda a dialogar com o Estado, que nunca fechou as portas ao diálogo, ou são terroristas e, portanto, o emprego de tal designação requer um exame por parte da equipa do Secretário-Geral das Nações Unidas, porque não pode dizer-se “forças da oposição armadas” e não pode justificar-se a acção armada contra o prestígio do Estado, seja qual for a razão política invocada”, sublinhou.
Makdesi referiu-se ao relatório do Secretário-Geral da ONU, no qual é mencionado que intervêm veículos armados e máquinas pesadas, e em que é também dito que existem cidades que se encontram fora do controlo do Estado. “Parece a pintura da Mona Lisa, que cada um interpreta à sua maneira, … ou existem cidades fora do controlo do Estado e é portanto direito constitucional proteger os seus cidadãos e expulsar os terroristas e homens armados, procurando que passem a intervir no plano político e não no plano militar, ou então nada do que é dito faz sentido, o que é o que nós dizemos”.
“Existem bairros que podem estar fora de controlo devido à presença dos grupos armados, mas não existem cidades nessa situação e, por isso, o relatório não está à altura do Secretário-Geral das Nações Unidas, e esperamos que o próximo relatório seja mais profissional e que assente em políticos experientes como os observadores que se encontram na síria, que entram nossa bairros e testemunham com os seus próprios olhos a presença dos grupos armados”.
Makdisi disse: ”O Ministro dos Negócios Estrangeiros informa Annan e Ban Ki Moon, bem como os nossos aliados e amigos sobre a violações diariamente cometidas pela oposição síria, e as mais recentes estatísticas (com dados até há 4 ou 5 dias) indicam que há registo de mais de 3.500 violações documentadas”.

fonte: Agência síria SANA

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Um ideal neoliberal: o “Homo Economicus”


Vaz de Carvalho

 
Os filósofos representaram como um Ideal - o “Homem” – indivíduos que não se veem subordinados à divisão do trabalho (…) Deste modo se concebe este processo como um processo de alienação do “Homem” (Marx – A Ideologia Alemã). (1)

1 – Sem consciência do bem e do mal
 

O mundo perfeito do neoliberalismo – a que a social-democracia se submete, para além da retórica de ocasião - é formado por indivíduos perfeitamente livres, perfeitamente racionais, orientados pelas suas escolhas económicas. Trata-se do designado “homo economicus”. Que visão do mundo é que nos propõem? Seres humanos que se guiam e são guiados apenas por considerações económicas. Neste sistema, o lucro capitalista-financeiro sobrepõe-se a quaisquer outras considerações, os sacrifícios das pessoas não são tidos em conta, o desemprego, não é um acidente: é uma forma de gestão. (2) As “reformas estruturais” – eufemismo para iludir os incautos – postas em prática pelo governo e reclamadas pela “troika” – e apoiantes - são bem a confirmação do que dizemos.
“O direito ao trabalho e a proteção do ambiente tornaram-se excessivos na maior parte dos países desenvolvidos. O comércio livre vai reprimir alguns destes excessos, obrigando cada um a tornar-se competitivo” declara o Prémio Nobel, Gary Becker, pai de uma “economia generalizada”, segundo a qual toda alógica social é redutível a uma pura racionalidade económica” (2) Este “puro” faria sorrir não fosse a tragédia dos que sofrem as dramáticas consequências desta “racionalidade”, que se traduz em desemprego, pobreza e fome que alastram pelos países onde é aplicada.
Mas acerca da concorrência vale a pena recordar Marx e Engels: “A concorrência isola os indivíduos, não apenas os burgueses mas mais ainda os proletários enfrentando-se uns aos outros, apesar do que os une.” (3), O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência (4)
Bem se pode dizer que o “homo economicus” é o grau zero do pensamento, um “Homem” imaginado sem História, sem sociologia, sem psicologia que não a das escolhas do mercado, sem ideias nem ideologia, passivamente explorado pela oligarquia triunfante eis, pois, o ideal “democrático” do neoliberalismo. Não admira que nos governos, tecnocratas adeptos destes preconceitos ocupem ministérios fundamentais. Neste sentido a sua mais brilhante argumentação – não parece disporem de mais – é classificarem de “ideologia” as críticas mais pertinentes. No fascismo era-se perseguido por ter ou fazer “política”, no neoliberalismo é-se marginalizado por ter “ideologia”.
Quando não há princípios tudo se pode equivaler, sendo que o equivalente universal é o dinheiro. O “homo economicus” a que querem reduzir a humanidade, parece-se com o protagonista de “O Estrangeiro” de Albert Camus, sem consciência do bem e do mal. Uma humanidade seguindo raciocínios que se traduzem em fórmulas matemáticas, que ora nos dizem ser simples e evidentes, ora nos apresentam inextrincavelmente complexas. Um mundo em que a irresponsabilidade moral dos indivíduos e da sociedade está coberta pela acção do mercado. Mas será só isto a vida? Não haverá nada para além deste modelo artificial com o qual querem construir uma hipotética realidade que seria perfeita quando abandonássemos toda a dimensão do humanismo?
Claro que não são negados valores, pelo contrário, são proclamados e lamenta-se a sua falta. Porém, não vão além de piedosos votos religiosos, de superstições diversas, de ilusória boa consciência dos voluntariados, de caridade, que serve para mascarar as crescentes injustiças e a desagregação social.
Na realidade, independentemente de toda a retórica “personalista” o “homo economicus” é forçosamente conformista. O objetivo do neoliberalismo é produzir seres humanos à medida de interesses assumidamente privados das transnacionais e da finança especuladora, para daí deduzir e aplicar os seus dogmas.

2 – A corrupção moral
 
A racionalidade neoliberal é evidente na corrupção moral da oligarquia. Gary Smith, um ex-executivo da Goldman Sachs expressa-o claramente: “o objetivo dos banqueiros de todo o mundo é maximizar o seu ganho independentemente das consequências para os outros (5)
Os paraísos fiscais são a expressão funcional desta corrupção. Enquanto os povos são sujeitos a sacrifícios apenas comparáveis aos tempos de guerra e de ditadura, o grande capital circula em livre simbiose com a fraude e o dinheiro sujo repleto de horrores das “máfias”. É hoje praticamente impossível distingui-los.
Nesta UE a racionalidade competitiva tem sentidos opostos conforme o poder de mercado de cada um. O povo trabalhador é sujeito a mais impostos e à perda de direitos laborais e sociais: são os “ajustamentos estruturais” e a austeridade; para os oligarcas da banca e mono ou oligopólios são oferecidos resgates financeiros (os “bailouts”) e paraísos fiscais onde praticamente sem impostos colocam “livremente” o resultado das fraudes e da exploração acrescida a que as camadas trabalhadoras estão sujeitas. As deslocalizações de empresas e ativos financeiros são um exemplo da corrupção de moral social de que o grande capital está possuído. A simples exigência de contribuírem com mais algumas migalhas de impostos em países sufocados por iníquas austeridades torna “os mercados traumatizados”, na expressão de um dos seus epígonos, perante o ar reverente do sr. entrevistador.
Na base de tudo isto estão três dogmas, afinal, atratores do capitalismo (6)
“- A obrigação moral de cada indivíduo para com a sociedade é alcançada maximizando o ganho pessoal
- Dinheiro é riqueza e ganhar dinheiro aumenta a riqueza da sociedade
- Ganhar dinheiro é o objetivo da iniciativa individual e a medida adequada da prosperidade e desempenho económico.” (5)
Como é que chegamos aqui? Negando que existam classes, camadas sociais, originadas pelas contradições não resolvidas, antagónicas, do capitalismo. Na prática, impõe-se um modelo no qual só há indivíduos isolados, separados uns dos outros, cuja ligação é estabelecida pelas leis do mercado. Ou seja, cada indivíduo guia-se pelo seu máximo interesse, isto é, pelo seu egoísmo. Porém, as escolhas da sociedade não podem guiar-se apenas pelos interesses individuais, ou seja, pelo seu egoísmo, numa sociedade que justamente o amplia, justificando assim uma hipotética eficiência na utilização dos recursos existentes, porém apenas no interesse da minoria dominante. A depredação dos recursos naturais e do ambiente representa a mais completa negação desta pseudo eficiência, na realidade corrupção moral.
Foi aqui que chegamos por se sobrepor o egoísmo individual às necessidades colectivas, com justificações apoiadas em abstracções matemáticas. A questão verdadeiramente importante não consiste em saber se as descrições causais podem ser expressas numa fórmula matemática precisa, mas em saber se a fonte do nosso conhecimento são as leis objetivas da Natureza ou proposições da nossa mente. (7)
A questão que se pode colocar é: como é que teses tão absurdas, frouxas sob qualquer perspectiva teórica, que os factos negam de forma evidente, fez escola, governa e submete os povos, com o apoio explícito da social-democracia.
Porém, por incrível, o absurdo faz por vezes história na História. No século XVII, o bispo Bossuet construiu uma tese demonstrando o direito divino dos reis. Era o que o absolutismo monárquico e em primeiro lugar Luis XIV desejava ouvir, a quem a obra foi dedicada. Quando, depois de Erasmo, os mais eminentes pensadores, como Espinosa, Hobbes, e outros - desfaziam os preconceitos e as superstições de um passado obscurantista e feudal, Bossuet, reformulava dogmas medievais. O direito divino dos reis, então outorgado pelo Papa, passava a ser recebido directamente de Deus, para governar os povos. Onde está direito divino leia-se hoje “os mercados”. Em ambos os casos, na prática, foi uma forma de aprofundar a arbitrariedade dos poderosos.

3 – O egoísmo como lei fundamental.
 
A economia neoliberal trouxe de volta o egoísmo individual e o mercado “livre” como lei fundamental das sociedades e princípio do máximo benefício para todos. O capital querendo libertar-se de todas as determinações que não favoreçam a maximização do lucro inventou um “homo economicus”.
A promoção do egoísmo é feita ao pretender reduzir a sociedade a uma soma de indivíduos, é como se a sociologia fosse uma simples aritmética. O curioso é que se vende este cúmulo de egoísmos, esta irracionalidade, como a suprema racionalidade.
Em cada passo deste contexto concepções voluntaristas substituem a análise dialéctica. Em termos sociológicos procura-se transformar as pessoas de cidadãos em – apenas - consumidores, autómatos programáveis de acordo com a maior vantagem para os mono e oligopólios. Tudo entrou no campo da mercadoria, assim a generalidade das pessoas para serem consumidoras são em primeiro lugar mercadorias como trabalhadores. A liberdade que se promove é, pois, a de consumir – se puder.
Os que detêm maior poder de mercado determinam as escolhas, ou pelo menos os seus contextos. São eles os donos do casino em que se tornou a economia, os outros jogam com as suas fichas e eles ganham sempre. Na realidade, a escolha de base já está feita: o máximo lucro do grande capital acima de tudo.
O livre arbítrio morreu há muito, mas é ressuscitado nos padrões do “homo economicus” para camuflar a alienação e a manipulação. As tese liberais de que cada indivíduo conhece melhor o que lhe convém faz por ignorar quais os critérios e contextos em que esse conhecimento se aplica. As pessoas agem no seu círculo de circunstâncias com graus de liberdade muito diferentes conforme a situação económica e, claro, também psicológica. Que espécie de liberdade existe, isto é, capacidade de autodeterminação, numa sociedade cujo funcionamento repousa em padrões de desemprego, precariedade e dita “flexibilidade” laboral? Note-se que os seus mentores consideram um desemprego de 3 ou 4%, “anormalmente baixo”…O desemprego nesta ideologia, para além das ditas “preocupações” de governantes que fazem tudo o que podem para o facilitar, não é um acidente, é como dissemos: uma forma de gestão.
Com o sofisma do “homo economicus” procura-se destruir as defesas sociais dos indivíduos criando-lhes novas necessidades: necessidades não satisfeitas, a todos os níveis. Desperta-se, em particular nos jovens, a exaltação de desejos, compulsões de origem psicológica desenvolvendo automatismos de procura de autosatisfação. Procura-se cristalizar na sua imaginação que tudo o que lhes é proposto apareça como belo e excitante. Quanto mais deprimido estiver, e a vida real gera a depressão pela insegurança fruto da amoralidade economicista, mais facilmente a pessoa assume essas acções de alienação. E aqui reside a libertação que o sistema lhe proporciona, não mais, e que vale apenas o dinheiro de que dispuser.

4 – Que racionalidade?
 
O axioma da racionalidade liberal foi definido por Marx quando expôs o que representava para a burguesia o consumidor racional: “Abaixamento do salário e longas horas de trabalho – é este o núcleo do comportamento racional e saudável do operário” (8)
Para suportar as suas teses o neoliberalismo inventa o tal “homo economicus, considerando que todas as motivações são conscientes e racionais. Faz por ignorar que a tomada de consciência é apenas a fase última do processo psíquico, condicionado por estímulos exteriores, que em muitos casos levam os indivíduos menos preparados ao consumo de objectos inúteis e de substâncias prejudiciais à saúde física ou mental e daí à frustração, aos comportamentos irracionais, ao desespero, à insanidade, à dependência e inclusive à marginalidade.
Para as escolhas, serem racionais e eficientes, deveria haver uma lista exaustiva dos estados futuros a que poderia conduzir cada uma das suas escolhas. Só que nesta economia não há futuro, é uma teoria sem tempo, ou melhor, cujo horizonte de tempo é uma derivada do presente, isto é, uma variação infinitesimal do presente numa função supostamente continua. Uma teoria que já mostrou não saber lidar com uma variável fundamental: a incerteza do futuro. Daqui que estes especialistas mostrem a sua competência quando tentam explicar por que erraram nas suas previsões ou se confessem “surpreendidos” com as nefastas consequências das suas políticas.
A racionalidade e a eficiência das escolhas têm sido experimentalmente postas em causa quando intervém a avaliação de probabilidades, em situações incerteza e de ambiguidade. Na economia, a complexidade das variáveis e sua evolução no tempo mostram que escolhas puramente racionais não podem ser tomadas individualmente. Estas escolhas estão desde logo condicionadas pelos interesses que dominam o ambiente social, sejam “os mercados”, seja a condução política. A racionalidade individual perde-se se aqueles interesses agirem em sentido contrário ao social, isto é, ao de cada vez maiores camadas da população.
A ilusão do “homo economicus”, vendida ao público como princípio de equidade moral e eficiência económica, serve apenas de álibi para a fraude, a corrupção e a especulação que lhe está associada. Trata-se da falácia da “Nova Economia”, que não passa da economia do desemprego e do empobrecimento das camadas trabalhadoras. As teses associadas ao “homo economicus” fazem parte do mecanismo de alienação necessário ao totalitarismo neoliberal.
A democracia só pode ser efectiva se consagrada por homens e mulheres livres, entenda-se com direitos sociais garantidos, sem existências precárias e não vivendo ao nível de uma incerta subsistência.
Perante o “homo economicus” amoral e unidimensional do neoliberalismo é necessário afirmar com Bento Jesus Caraça “a cultura integral do indivíduo” libertadora e revolucionária, pois, como afirma: “No seio das sociedades humanas manifestam-se dois princípios contrários, o individual e o colectivo, de cuja luta resultará um estado superior dessas mesmas sociedades em que o primeiro princípio – o individual – chegado a um elevado grau de desenvolvimento se absorverá no segundo.”
E estas palavras que podem até parecer estranhas à luz da dominante atual, exprimem afinal o conteúdo dos mais elevados momentos da Humanidade.

1 - Carl Marx – A Ideologia Alemã – Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.76 – Ed. Progresso Moscovo - 1972
2 - A Ilusão Neoliberal – René Passet – Ed. Terramar – 2002 - p.109
3 - Carl Marx – A Ideologia Alemã – Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.62– Ed. Progresso Moscovo - 1972
4 – F. Engels - Princípios do Comunismo - Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.85 – Ed. Progresso Moscovo – 1972
5 - When Bankers Rule the World - By David Korten – www.informationclearinghouse - April 03, 2012
6- Um “atractor” pode ser definido como o conjunto de comportamentos característicos para o qual evoluiu um sistema dinâmico independentemente do ponto de partida.
7 – “A questão verdadeiramente importante da não consiste em saber qual o grau de precisão que alcançaram as nossas descrições das conexões causais e em saber se estas podem ser expressas numa fórmula matemática precisa - mas em saber se a fonte do nosso conhecimento dessas conexões são as leis objetivas da Natureza ou as propriedades da nossa mente, a faculdade que lhe é inerente de conhecer determinadas verdades apriorísticas, etc.” - V. I. Lenine – Materialismo e Empiriocriticismo – citado em “Sobre Lenine e a Filosofia” - J. Barata Moura – Ed. Avante 2010 – p.139.
8 - O Capital - Livro Segundo - Tomo V – Ed. Avante - p.550.
Dado que algumas pessoas ficam muito confusas ou perturbadas com o termo burguesia, esclareça-se que Marx e Engels distinguiram desde logo entre a burguesia e o pequeno empresariado. Os primeiros constituindo a “classe dos capitalistas modernos”, isto é “a indústria moderna que transformou a pequena oficina do mestre na grande fábrica do capitalista industrial” (Manifesto).

domingo, 27 de maio de 2012

A política da linguagem e a linguagem da regressão política


Os capitalistas subverteram em grande medida ganhos fundamentais da classe trabalhadora e estamos a cair outra vez em direção ao domínio absoluto do capital


James Petras no BRASIL DE FATO

O capitalismo e os seus defensores mantém a dominação através dos "recursos materiais" sob o seu comando, especialmente o aparelho de Estado, e suas empresas produtivas, financeiras e comerciais, bem como através da manipulação da consciência popular via ideólogos, jornalistas, acadêmicos e publicitários que fabricam os argumentos e a linguagem para enquadrar as questões do dia.

Hoje as condições materiais para a vasta maioria dos trabalhadores deterioram-se drasticamente, pois a classe capitalista descarrega todo o fardo da crise e da recuperação dos seus lucros sobre as costas das classes assalariadas. Um dos aspectos gritantes deste contínuo rebaixamento de padrões de vida é a ausência, até agora, de um grande levantamento social. A Grécia e a Espanha, com mais de 50% de desemprego na faixa etária dos 16-24 anos e aproximadamente 25% de desemprego geral, experimentaram uma dúzia de greves gerais e numerosos protestos nacionais com muitos milhões de pessoas; mas não provocaram qualquer mudança real de regime ou de políticas. Os despedimentos em massa, os salários penosos, os cortes em pensões e serviços sociais continuam. Em outros países, como a Itália, França e Inglaterra, protestos e descontentamento manifestam-se na arena eleitoral, com governantes afastados e substituídos pela oposição tradicional. Mas no decorrer da agitação social e da profunda erosão socioeconômica das condições econômicas e de vida, a ideologia dominante que informa os movimentos, sindicatos e oposição política é reformista: apelos para defender benefícios sociais existentes, aumentar despesas públicas e investimentos, pela expansão do papel do Estado onde a atividade do setor privado deixou de investir ou empregar. Por outras palavras, a esquerda propõe conservar um passado em que o capitalismo estava arreado com o Estado previdência.

O problema é que este "capitalismo do passado" foi-se e um novo capitalismo mais virulento e intransigente emergiu forjando uma nova estrutura mundial e um poderoso aparelho de Estado obstinado e imune a todos os apelos por "reforma" e reorientação. A confusão, frustração e má direção da oposição popular de massa é, em parte, devido à adoção por escritores, jornalistas e acadêmicos de esquerda dos conceitos e linguagem adotados pelos seus adversários capitalistas: linguagem concebida para obscurecer as verdadeiras relações sociais de exploração brutal, o papel central das classes dominantes na reversão de ganhos sociais e as ligações profundas entre a classe capitalista e o Estado. Publicitários, acadêmicos e jornalistas elaboraram toda uma litania de conceitos e termos que perpetuam o domínio capitalista e desviam seus críticos e suas vítimas dos que perpetram o seu drástico deslizamento rumo ao empobrecimento em massa.

Mesmo quando formulam suas críticas e denúncias, os críticos do capitalismo utilizam a linguagem e os conceitos dos seus apologistas. Na medida em que a linguagem do capitalismo entrou no linguajar geral da esquerda, a classe capitalista estabeleceu a hegemonia ou dominação sobre os seus antigos adversários. Pior, a esquerda, ao combinar alguns dos conceitos básicos do capitalismo com a crítica aguda, cria ilusões acerca da possibilidade de reformar "o mercado" para servir objetivos populares. Isto faz com que falhe a identificação das ideias mestras das forças sociais que devem ser expulsas dos comandos da economia e do imperativo de desmantelar o Estado dominado pela classe. Enquanto a esquerda denuncia a crise capitalista e os salvamentos do Estado, a sua própria pobreza de pensamento mina o desenvolvimento da ação política de massa. Neste contexto, a "linguagem" da ocultação torna-se uma "força material" – um veículo do poder capitalista, cuja utilização primária é desorientar e desarmar seus críticos intelectuais através do uso de termos, estruturas concetuais e linguagem que dominam a discussão da crise capitalista.

Eufemismos chave ao serviço da ofensiva capitalista

Os eufemismos têm um duplo significado: o que os termos implicam (conotação) e o que eles realmente significam. Concepções eufemísticas sob o capitalismo implicam uma realidade favorável ou comportamento aceitável e atividade totalmente dissociada do engrandecimento da riqueza da elite e da concentração de poder e privilégio. Os eufemismos disfarçam o impulso das elites do poder para impor medidas específicas de classe e para reprimir sem serem adequadamente identificados, responsabilizados e opostos pela ação popular de massa.

O eufemismo mais comum é a palavra "mercado", a qual é dotada de características e poderes humanos. Como tal, dizem-nos que "o mercado exige cortar salários", desligado da classe capitalista. Mercados, intercâmbio de mercadorias ou compra e venda de bens, têm existido há milhares de anos em diferentes sistemas sociais em contextos altamente diferenciados. Eles têm sido globais, nacionais, regionais e local. Envolvem diferentes atores socioeconômicos e compreendem unidades econômicas muito diferentes, as quais vão desde casas comerciais gigantes promovidas pelo Estado até ao nível de aldeias camponesas de semi-subsistência e praças de cidades. Existiram "mercados" em todas as sociedades complexas: escravocratas, feudais, mercantis e em primitivas ou tardias sociedades capitalistas competitivas, monopolistas industriais e financeiras.

Ao discutir e analisar "mercados" e compreender as transações (quem beneficia e quem perde), deve-se claramente identificar as classes sociais que dominam as transações econômicas. Escrever na generalidade acerca de "mercados" é enganoso porque os mercados não existem independentemente das relações sociais que definem o que é produzido e vendido, como é produzido e que configurações de classe modelam o comportamento dos produtores, vendedores e do trabalho. A realidade do mercado de hoje é definida por corporações e bancos multinacionais gigantescos, os quais dominam o trabalho e os mercados de commodities. Escrever de "mercados" como se operassem numa esfera acima e para além das brutais desigualdades de classe é esconder a essência das relações de classe contemporâneas.

Fundamental para qualquer entendimento, mas ignorado pela discussão contemporânea, é o poder incontestado dos proprietários capitalistas dos meios de produção e de distribuição, a propriedade capitalista da publicidade, os banqueiros capitalistas que concedem ou negam crédito e os responsáveis do estado nomeados pelos capitalistas que "regulamentam" ou desregulamentam relações de troca. Os resultados das suas políticas são atribuídos às eufemísticas exigências do "mercado" as quais parecem estar divorciadas da realidade brutal. Portanto, como insinuam os propagandistas, ir contra "o mercado" é opor-se ao intercâmbio de bens. Isto é claramente absurdo. Em contraste, identificar exigências capitalistas sobre o trabalho, incluindo reduções em salários, bem-estar e segurança, é confrontar uma forma exploradora específica de comportamento de mercado onde capitalistas procuram ganhar lucros mais altos contra os interesses e o bem-estar da maioria dos trabalhadores assalariados.

Ao confundirem relações de mercado exploradoras sob o capitalismo com mercados em geral, os ideólogos alcançam vários resultados: eles disfarçam o papel principal dos capitalistas quando evocam uma instituição com conotações positivas, isto é, um "mercado" onde pessoas compram bens de consumo e "socializam-se" com amigos e conhecidos. Por outras palavras, quando "o mercado", o qual é retratado como um amigo e benfeitor da sociedade, impõe políticas presumivelmente penosas para o bem-estar da comunidade. É o que os propagandistas dos negócios querem que o público acredite ao mercadejarem sua virtuosa imagem do "mercado"; eles mascaram o comportamento predatório do capital na caça por maiores lucros.

Um dos eufemismos mais comuns lançado em meio a esta crise econômica é "austeridade", um termo utilizado para encobrir as duras realidades de cortes draconianos em salários, pensões e bem-estar público e o aumento drástico de impostos regressivos (IVA). Medidas de "austeridade" significam políticas para proteger e mesmo aumentar subsídios do Estado a negócios, criar lucros mais altos para o capital e maiores desigualdades entre os 10% do topo e os 90% da base. "Austeridade" implica autodisciplina, simplicidade, parcimônia, poupança, responsabilidade, limites em luxos e gastos supérfluos, evitar a satisfação imediata em benefício da segurança futura – uma espécie de calvinismo coletivo. A conotação da palavra é o sacrifício compartilhado hoje para bem-estar futuro de todos.

Contudo, na prática "austeridade" descreve políticas que são concebidas pela elite financeira para implementar reduções no padrão de vida de uma classe específica e em serviços sociais (tais como saúde e educação) disponíveis para trabalhadores e empregados assalariados. Significa que fundos públicos podem ser desviados numa extensão ainda maior para pagar altos juros a possuidores de títulos ricos enquanto sujeitam a política pública aos ditames dos senhores do capital financeiro.
Ao invés de falar de "austeridade", com sua conotação de severa autodisciplina, os críticos de esquerda deveriam descrever claramente as políticas da classe dominante contra o trabalho e as classes assalariadas, as quais aumentam desigualdades e concentram no topo ainda mais riqueza e poder. Políticas de "austeridade" são portanto uma expressão de como as classes dominantes utilizam o estado para comutar o fardo do custo da sua crise econômica para cima do trabalho.
Os ideólogos das classes dominantes apropriaram-se de conceitos e termos, os quais a esquerda originalmente utilizou para o avanço de melhorias em padrões de vida e que se voltaram contra si. Dois destes eufemismos, tomados da esquerda, são "reforma" e "ajustamento estrutural". "Reforma”, durante muitos séculos, referia-se a mudanças, as quais diminuíam desigualdades e aumentavam a representação popular. "Reformas" eram mudanças positivas que promoviam o bem-estar público e a restrição do abuso de poder por regimes oligárquicos ou plutocráticos. Ao longo das últimas três décadas, contudo, importantes acadêmicos, economistas, jornalistas e responsáveis da banca internacional subverteram o significado de "reforma" transformando-o no seu oposto: agora refere-se à eliminação de direitos do trabalho, ao fim da regulamentação pública do capital e à redução de subsídios públicos que tornavam a alimentação e o combustível acessíveis aos pobres. No vocabulário capitalista de hoje "reforma" significa reverter mudanças progressistas e restaurar os privilégios de monopólios privados. "Reforma" significa acabar com a segurança de emprego e facilitar despedimentos maciços de trabalhadores pelo rebaixamento ou eliminação da indenização por despedimento. "Reforma" já não significa mudanças sociais positivas; agora significa reverter aquelas mudanças arduamente conquistas e restaurar o poder irrestrito do capital. Significa um retorno à fase primitiva e mais brutal do capital, antes de existirem organizações de trabalhadores e quando a luta de classe era suprimida. Portanto "reforma" agora significa restaurar privilégios, poder e lucro para os ricos.
De um modo semelhante, os cortesões linguísticos da profissão econômica puseram o termo "estrutural", como em "ajustamento estrutural", ao serviço do poder desenfreado do capital. Ainda na década de 1970 a mudança "estrutural" referia-se à redistribuição da terra dos grandes latifundiários para os destituídos de terra; uma mudança de poder dos plutocratas para as classes populares. "Estruturas" referia-se à organização do poder privado concentrado no Estado e na economia. Hoje, contudo, "estrutura" refere-se às instituições e políticas públicas, as quais tiveram origem nas lutas do trabalho e da cidadania para proporcionar segurança social, para proteger o bem-estar, saúde e aposentadoria de trabalhadores. "Mudanças estruturais" são agora o eufemismo para esmagar aquelas instituições públicas, acabar com os constrangimentos ao comportamento predatório do capital e destruir a capacidade do trabalho para negociar, lutar ou preservar seus avanços sociais.
O termo "ajustamento", como em "ajustamento estrutural" (AS), é em si próprio um eufemismo suave que implica sintonia fina, a modulação cuidadosa de instituições e políticas públicas que apoiam a saúde e o equilíbrio. Mas, na realidade, "ajustamento estrutural" representa um ataque frontal ao setor público e um desmantelamento geral de legislação protetora e de agências públicas organizadas para proteger o trabalho, o ambiente e os consumidores. "Ajustamento estrutural" mascara um assalto sistemático aos padrões de vida do povo em benefício da classe capitalista.
A classe capitalista tem cultivado uma safra de economistas e jornalistas que apregoam políticas brutais em linguagem suave, evasiva e enganosa a fim de neutralizar a oposição popular. Infelizmente, muito dos seus críticos "de esquerda" tendem a apoiar-se na mesma terminologia.
Dada a corrupção generalizada da linguagem, tão difusa nas discussões contemporâneas acerca da crise do capitalismo, a esquerda deveria cessar de se apoiar neste conjunto enganoso de eufemismos apropriados pela classe dominante. É frustrante ver quão facilmente as expressões seguintes entram no nosso discurso:

"Disciplina de mercado" - O eufemismo "disciplina" denota uma fortaleza de caráter sério e consciente em face de desafios em contraposição ao comportamento irresponsável, escapista. Na realidade, quando vai a par com "mercado", refere-se a capitalistas a aproveitarem-se de trabalhadores desempregados e utilizarem sua influência política e o poder de despedirem massas de trabalhadores e intimidar os empregados remanescentes para maior exploração e excesso de trabalho, produzindo, portanto, mais lucro por menos pagamento. Ela também cobre a capacidade de grandes senhores capitalistas de elevarem sua taxa de lucro cortando os custos sociais de produção, tais como proteção ambiental e do trabalhador, cobertura de saúde e pensões.

"Choque de mercado" - Refere-se a capitalistas ocupados com maciços e abruptos despedimentos brutais, cortes em salários e eliminação de planos de saúde e pensões a fim de melhorar cotações de ações, aumentar lucros e assegurar maiores bônus para os patrões. Ao ligar o termo suave e neutro de "mercado" com "choque", os apologistas do capital disfarçam a identidade dos responsáveis por tais medidas, suas consequências brutais e os imensos benefícios desfrutados pela elite.

"Exigências do mercado" - Esta frase eufemística é destinada a antropomorfizar uma categoria econômica, afastar a crítica de proprietários reais de carne e osso, dos seus interesses de classe e do seu despótico estrangulamento do trabalho. Ao invés de "exigências de mercado", a frase deveria ser lida: "a classe capitalista ordena aos trabalhadores que sacrifiquem seus próprios salários e saúde para assegurar mais lucro para as corporações multinacionais" – um conceito claro que provavelmente despertará a ira daqueles adversamente atingidos.

"Livre empresa" - Um eufemismo que é a combinação de dois conceitos reais: empresa privada para lucro privado e competição livre. Ao eliminar a imagem subjacente do ganho privado para os poucos contra o interesse dos muitos, os apologistas do capital inventaram um conceito que enfatiza as virtudes individuais de "empresa" e "liberdade" em oposição aos vícios econômicos reais da cobiça e da exploração.

"Mercado livre" - Um eufemismo que implica competição livre, justa e igual em mercados não regulados encobrindo a realidade da dominação de mercado por monopólios e oligopólios dependentes de maciços salvamentos do Estado em tempos de crise capitalista. "Livre" refere-se especificamente à ausência de regulamentações públicas e intervenção do Estado para defender a segurança dos trabalhadores bem como a do consumidor e a proteção ambiental. Por outras palavras, "liberdade" mascara a destruição desumana da ordem cívica por capitalistas privados através do seu exercício desenfreado do poder econômico e político. "Mercado livre" é o eufemismo para o domínio absoluto de capitalistas sobre os direitos e meios de vida de milhões de cidadãos, na essência uma verdadeira negação da liberdade.

"Recuperação econômica" - Esta frase eufemística significa a recuperação de lucros pelas grandes corporações. Ela disfarça a ausência total de recuperação de padrões de vida para as classes trabalhadora e média, a reversão de benefícios sociais e as perdas econômicas de detentores de hipotecas, devedores, os desempregados a longo prazo e proprietários de pequenos negócios em bancarrota. O que é encoberto na expressão "recuperação econômica" é como a pauperização em massa se torna uma condição chave para a recuperação de lucros corporativos.

"Privatização" - O termo descreve a transferência de empresas públicas, habitualmente aquelas lucrativas, para capitalistas de grande escala privados, bem conectados, a preços bem abaixo do seu valor real, levando à perda de serviços públicos, emprego público estável e custos mais elevados para os consumidores, pois os novos proprietários privados elevam preços e despedem trabalhadores – tudo em nome de outro eufemismo: "eficiência".

"Eficiência" - Eficiência aqui refere-se apenas ao balanço de uma empresa; não reflete os custos 
pesados da "privatização" arcados por setores relacionados da economia. Exemplo: "privatizações" dos transportes aumentam custos de negócios a montante e jusante tornando-os menos competitivos em comparação com competidores de outros países; "privatização" elimina serviços em regiões que são menos lucrativas, levando ao colapso econômico local e ao isolamento dos mercados nacionais. Frequentemente, responsáveis públicos, que estão alinhados com capitalistas privados, desinvestem deliberadamente em empresas públicas e nomeiam compadres políticos incompetentes como parte da política clientelista, a fim de degradar serviços e fomentar descontentamento público. Isto cria uma opinião pública favorável à "privatização" da empresa. Por outras palavras, a "privatização" não é um resultado das ineficiências inerentes das empresas públicas, como os ideólogos do capital gostam de argumentar, mas um ato político deliberado destinado ao ganho do capital privado às custas do bem-estar público.

Conclusão

Linguagem, conceitos e eufemismos são armas importantes na luta de classe "dos de cima", concebidos por jornalistas e economistas capitalistas, para maximizar a riqueza e o poder do capital. Na medida em que críticos progressistas e de esquerda adotam estes eufemismos e seu quadro de referência, as críticas e alternativas que propõem são limitadas pela retórica do capital. Colocar "aspas" em torno dos eufemismos pode ser um sinal de desaprovação, mas isto não promove o quadro analítico diferente que é necessário para o êxito da luta de classe dos "de baixo". Igualmente importante, deixa de lado a necessidade de uma ruptura fundamental com o sistema capitalista, incluindo sua linguagem corrompida e seus conceitos enganosos. Os capitalistas subverteram em grande medida ganhos fundamentais da classe trabalhadora e estamos a cair outra vez em direção ao domínio absoluto do capital. Isto deve relançar a questão de uma transformação socialista do Estado, da economia e da estrutura de classe. Uma parte integral desse processo deve à rejeição total dos eufemismos utilizados pelos ideólogos capitalistas e a sua substituição sistemática por termos e conceitos que verdadeiramente reflitam a implacável realidade, que claramente identifiquem os perpetradores deste declínio e que definam as agências sociais para a transformação política.
O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/?p=1898
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Argentina: dilemas da esquerda marxista




Atílio Boron - CORREIO DA CIDADANIA   


Tal como Hamlet, a esquerda argentina passeia incansavelmente pelos confins da oposição, perguntando-se as razões pelas quais não consegue se constituir como uma efetiva alternativa de governo. Mas essa imagem é, na verdade, enganosa, porque não há um errante príncipe Hamlet, e sim dois. O primeiro – que representa uma minoria na esquerda – se questiona angustiadamente sobre o significado e impacto das mudanças experimentadas recentemente pelo capitalismo argentino, sendo que uma de suas conseqüências foi a fragmentação e desorganização do universo popular e sua subordinação às políticas clientelistas desenvolvidas pelo Estado.

Isso, além de tudo, teve lugar num período como o que se abriu após a crise da convertibilidade e na qual se registraram taxas muito elevadas de crescimento econômico, que mesmo assim não conseguiram fazer os indicadores da pobreza retornar aos níveis anteriores à crise. Houve uma melhora, sem dúvida, em relação ao ponto mais candente da crise (fins de 2001, parte de 2002), na qual os índices de pobreza e desigualdade dispararam a níveis sem precedentes na história nacional, próximos aos que caracterizam a África subsaariana.

Mas se a recomposição capitalista gerenciada primeiro pelo governo de Eduardo Duhalde e seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, e continuada depois, em parte com o mesmo ministro, na primeira metade do mandato de Nestor Kirchner, pôde garantir uma rápida recuperação do crescimento econômico, os resultados em matéria de redistribuição da renda foram, no melhor dos casos, modestos.

A dez anos do início de tal processo, a pobreza segue afetando, segundo cálculos de diversas fontes (governos provinciais administrados pelo kirchnerismo, consultorias privadas, a Universidade Católica Argentina etc.), aproximadamente a quarta parte da população argentina. As cifras oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC), sob interferência do governo e completamente carente de credibilidade, anuncia, em compensação, uma proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza inferior a 10%, dado que não é levado a sério sequer pelos sindicatos afinados ao kirchnerismo na hora de negociar seus convênios coletivos com as distintas entidades patronais.

O paradoxo que atribula este primeiro Hamlet da esquerda é que sob tais condições, tendo-se demonstrado a incapacidade da economia capitalista em redistribuir renda mesmo em um contexto de elevado crescimento econômico durante mais de oito anos, as camadas e setores populares não consideram a esquerda como uma alternativa de governo capaz de construir uma sociedade melhor.

O outro Hamlet, representante da opinião majoritária no seio da esquerda, gosta de se vestir com os adereços do dr. Pangloss e pensar, como o personagem incuravelmente otimista de Voltaire, que cedo ou tarde “a verdade da revolução” amadurecerá no proletariado e que não há nada a se mudar. A própria irrelevância política e falta de gravitação eleitoral e social, assim como as complexas mediações da conjuntura, não abalam sua fé na vitória final.

Para essa concepção sectária, a tragédia de uma esquerda ausente nada tem a ver com as renovadas capacidades de desarticulação do protesto social exibidas pelo capitalismo contemporâneo, sua eficácia para cooptar as lideranças contestadoras, o poderio de sua indústria cultural para manipular consciências mesmo com a debilidade de suas propostas, suas formas autoritárias de organização, seus discursos arcaicos para a sociedade ou seu descolamento das urgências sociais de nosso tempo.

“Autocrítica” é uma palavra que não existe no dicionário dos fundamentalistas de esquerda; “corrigir” é outro verbo desconhecido de sua linguagem. Em sua versão mais rudimentar, essa atitude repousa sobre um axioma indiscutível: se a revolução não se consumou foi porque certa direção de esquerda traiu o mandato popular.

Fragmentação
Essas duas posturas se encontram em diferentes proporções, em todas as forças e organizações de esquerda, sem exceção. Fiel à tradição peronista, a práxis governamental do kirchnerismo acentuou a fragmentação da esquerda. Na realidade, não só desta: também dividiu a Central dos Trabalhadores Argentinos em uma ala pró-K e outra profundamente anti-K. O mesmo se fez com a organização das pequenas e médias empresas e até com a mais importante central empresarial, a União Industrial Argentina. Partidos centenários como o Radicalismo ou Socialismo, assim como importantes agrupamentos estudantis universitários, não escaparam dessa lógica de “divisão primeiro, autodestruição depois” que caracterizou o peronismo nos seus inícios.

No campo da esquerda, essa divisão promovida por um poder cuja voracidade é inesgotável não fez senão aprofundar sua fragilidade. Um setor dela, principalmente o Partido Comunista (PC), transita pelo estreito e perigoso caminho do “apoio crítico” ao governo de Cristina Fernández de Kirchner, a partir do reconhecimento do caráter progressista de algumas políticas, como o massivo julgamento dos genocidas; reorientação latino-americanista da política exterior; algumas medidas de política social como o “auxílio universal por filho”, extensão dos benefícios de aposentadoria; estatização dos fundos privados de pensão; Lei da Mídia; matrimonio igualitário; e mais recentemente, a renacionalização da YPF, via expropriação das ações da Repsol.

Porém, junto com essas iniciativas há outras, de signos claramente reacionários, como a aprovação de quatro – não uma, mas quatro – leis antiterroristas entre 2007 e 2011 a pedido “da embaixada”; e outras de caráter regressivo, como o apoio à megamineração a céu aberto, a sojização do campo, a estrangeirização da economia, a cumplicidade com o gigantesco processo de saque experimentado pela YPF sob as mãos da Repsol, a manutenção de algumas vigas-mestres do modelo neoliberal estabelecido pela ditadura civil-militar (como, por exemplo, a “Lei de entidades financeiras”, que consagra a primazia do capital financeiro e da renda especulativa), a impotência reguladora do Estado e a escandalosa regressividade tributária que caracteriza a economia argentina.

Essa volátil e contraditória combinação faz com que algumas forças políticas, não só do PC, pensem que há “um governo em disputa” e que devem se aproveitar as fissuras e inconsistências do governo de Cristina Fernández para avançar em uma agenda de radicalização das transformações em curso. É uma aposta arriscada e a probabilidade de um final vitorioso é incerta, apesar de que não são poucas as vezes em que a história adotou cursos inesperados que surpreenderam até os atores mais prevenidos.

É por isso que a tese do “governo em disputa” segue angariando adeptos em muitas forças políticas e espaços do progressismo argentino, sobretudo quando se comprova que, ao menos em termos eleitorais, as alternativas mais prováveis de substituição do kirchnerismo seriam portadoras de um retrocesso considerável em quase todas as frentes, começando pelos direitos humanos e terminando na gestão macroeconômica.

Relutantes a qualquer tipo de “apoio tático ou crítico” são outras organizações de esquerda, de inspiração trotskista, como o Partido Operário (PO) e o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PST), que propõem uma política de oposição intransigente e radical ao kirchnerismo. Não é de se estranhar tal atitude quando propõem o mesmo para governos como os de Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, e Hugo Chávez na Venezuela, além de ter uma atitude bastante crítica sobre a própria Revolução Cubana.

O fundamento dessa política maximalista é a repulsa que emana do reconhecimento dos traços mais conservadores do kirchnerismo (assinalados no parágrafo anterior), acompanhada de um simétrico desconhecimento de que, apesar da manutenção de importantes níveis de pobreza e exclusão social, a situação das camadas mais esquecidas e exploradas da população experimentou uma relativa melhora a partir dos horrores de fins de 2001 e começo de 2002, e que as conquistas do governo não são apenas um “relato”, mas têm uma certa imbricação no terreno prosaico e crucial da economia popular.

E isso não apenas surge do exame de alguns dados objetivos, porém, mais importante ainda, tem seu fundamento na percepção e sensação que manifestam setores majoritários das classes trabalhadoras. Do contrário, não se compreende como a fórmula da “esquerda dura”, que unificou o PO e o PST obteve nas últimas eleições presidenciais pouco mais de 2% de votação popular contra 54% do ‘cristinismo’. A consciência alienada da classe trabalhadora não é suficiente pra explicar tamanha diferença. Sem dúvida há algo mais.

Essa dispersão da esquerda marxista afeta também outros espaços do progressismo, atravessado por contradições similares. Com o agravante de que, por sua grande instabilidade ideológica, são forças facilmente cooptáveis pelo kirchnerismo. O Partido Humanista e setores importantes do Novo Encontro, por exemplo, se aproximaram tanto em suas políticas de alianças com o ‘cristinismo’ que sem se darem contam acabaram instalados no interior da Frente para a Vitória da presidenta Cristina Fernandez.

Isso revela, novamente, a grande dificuldade que representa o peronismo como fenômeno de massas e como herdeiro da mais radical experiência populista que se tem notícias na América Latina, causadora na segunda metade da década de 40 da maior redistribuição de renda de qualquer país da região, até o triunfo da Revolução Cubana.

O peronismo em suas sucessivas encarnações é: o populismo keynesiano do primeiro Perón, o ultraneoliberalismo de Menem e o kirchnerismo neodesenvolvimentista; é um Júpiter político que atrai para seu campo gravitacional qualquer força que, seduzida pela sua retórica tão desafiante como inconseqüente ou por seus componentes mais reformistas, tente acompanhar suas políticas com a esperança secreta de conduzi-las por um caminho alheio ao itinerário traçado pelo capital.

Mas se o perigo para aqueles que pensam em sustentar “alianças táticas” com tão poderoso aliado é a própria desaparição, fundida no magma de um populismo em permanente reconversão e onde os elementos de direita adquirem cada vez mais força, o risco para quem decide enfrentá-lo radicalmente como se fosse um governo de direita mais – como se Cristina fosse Calderón ou Chichilla – e manter-se longe de seu campo gravitacional é ficar reduzido a uma força eternamente condenada a ser testemunha ocular, de irreparável radicalismo mas completamente privado de relevância prática, o que, deve-se dizer, suscita problemas nem um pouco insignificantes de responsabilidade política que não podemos analisar aqui.

Como se pode compreender do exposto, não há uma solução simples para o enigma que representa o peronismo na política argentina: um projeto burguês, sem dúvidas, porque a mesma Cristina já disse mil e uma vezes que seu desejo é instalar na Argentina um “capitalismo sério”, mas dotado de uma invejável base popular que manteve sua lealdade ao peronismo durante 67 anos, desde as longínquas fundacionais de 17 de outubro de 1945.

Não é a mesma coisa, para a esquerda, se posicionar diante de Piñera, Calderón, Santos ou Chinchilla, e fazê-lo igualmente diante de Cristina ou, salvando algumas diferenças, Dilma no Brasil. Daí a enorme dificuldade da esquerda marxista em fazer política, para passar de suas mais que justificadas denúncias – éticas, econômicas, políticas – à construção de uma alternativa de massas orientada na direção da superação histórica do capitalismo.

Nota:

Este breve texto reelabora algumas das idéias contidas no capítulo 7 de nosso “Depois da Coruja de Minerva”. O livro pode ser baixado integralmente no nosso blog: www.atilioboron.com.ar

Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia da Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).
Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.
Artigo integrante da revista “América Latina en Movimiento”, No 475, de maio de 2012 e que trata sobre "América Latina: as esquerdas nas transições políticas” (em espanhol).

terça-feira, 22 de maio de 2012

O que é a Syriza, a esquerda que pode chegar ao poder na Grécia

Por Esquerda.net


Em 2001, o movimento altermundista atingia um dos seus pontos mais altos, com centenas de milhares de europeus nas ruas de Gênova contra os senhores do mundo que eram hóspedes de Berlusconi na cúpula do G8. A repressão policial demorou anos a ser condenada na justiça italiana, mas as cúpulas passaram a realizar-se ainda mais às escondidas. 

A mobilização grega para esse protesto foi uma das primeiras tarefas do Espaço de Diálogo para a Unidade e Ação Comum da Esquerda, que agrupava várias correntes que já se tinham encontrado noutras lutas, como a oposição à intervenção militar no Kosovo, as privatizações ou a legislação antiterrorista que ameaçava as liberdades civis na Grécia. O "Espaço" foi também determinante para organizar o Fórum Social Grego em 2003.

A figura de referência do "Espaço" era Manolis Glezos, o conhecido resistente ao nazismo que em maio de 1941 subiu à Acrópole e tirou de lá a bandeira da suástica, no que ficou conhecido como o primeiro ato de resistência do povo de Atenas contra a ocupação da cidade no mês anterior. Glezos foi o candidato da aliança eleitoral promovida pelo "Espaço" em 2002 à super-autarquia de Atenas-Piraeus, obtendo 10,8% dos votos. Dez anos depois, voltou a aparecer ao lado de Alexis Tsipras na campanha da Syriza em Atenas antes de encerrar a campanha eleitoral.

A coligação Syriza apresenta-se pela primeira vez a votos com programa eleitoral próprio nas legislativas de 2004 e consegue passar a barreira dos 3% para eleger seis deputados, todos pertencentes à corrente maioritária, o Synaspismos. A coligação conseguiu sobreviver à tensão interna com a substituição da liderança do Synaspismos no fim desse ano e ganhou novo fôlego com a organização do Fórum Social Europeu em Atenas dois anos depois.

2006 foi também ano de eleições autárquicas, com um jovem de 32 anos sendo lançado para a disputa eleitoral em Atenas com o objetivo de abrir o movimento às novas gerações. Alexis Tsipras, líder estudantil nos anos 90 e responsável pelo setor juvenil do Synaspismos, repetiu o resultado de Glezos quatro anos antes e tornou a Syriza na terceira força política na capital grega.

As eleições seguintes (legislativas em 2007 e 2009 e europeias de 2009) vieram confirmar a coligação como uma força ascendente no panorama político nacional, ao mesmo tempo que registaram um alargamento das forças que compõem a coligação. Alexis Tsipras sucedeu a Alekos Alavanos na liderança do Synaspismos e tornou-se líder parlamentar após as eleições de 2009. No ano seguinte enfrentou uma cisão importante no seu partido, que retirou quatro dos treze deputados da coligação para formarem um novo partido, a Esquerda Democrática.

A luta persistente contra a austeridade do governo da troika e os efeitos desastrosos das políticas da crise impostas pela direita e pelo PASOK, bem como a atitude de abertura para a unidade da esquerda por um governo de alternativa aos diktats de Berlim e Bruxelas, tudo isso ajudou a catapultar a Syriza para a primeira linha da oposição na Grécia. Ao contrário do KKE, que se entricheirou na sua linha política nacionalista e cujas práticas sectárias no movimento dos trabalhadores e nas lutas populares não tem paralelo hoje na Europa, a Syriza conseguiu nos últimos anos alargar a sua base de apoio também entre os Indignados da Praça Syntagma e transmitir ao povo grego a esperança de que é mesmo possível derrotar a troika e evitar o colapso do país.

Atualmente, fazem parte da Syriza doze organizações. A corrente maioritária é o Synaspismos, uma antiga coligação entre comunistas que se transformou em partido na sequência da purga de 45% do Comitê Central do PC grego após o fim da URSS. As outras organizações são a AKOA (Esquerda Comunista Ecológica e Renovadora, membro observador do Partido da Esquerda Europeia); DEA (Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, próxima da tendência trotskista internacional IST, fundada por Tony Cliff); DKKI (Movimento Democrático Social, corrente que saiu do PASOK em 1995); KOE (Organização Comunista da Grécia, de inspiração maoísta, integrou a Syriza em 2007); Kokkino (Vermelho, corrente de inspiração trotskista); Ecosocialistas da Grécia; Cidadãos Ativos (corrente fundada pelo herói da Resistência Manolis Glezos); KEDA (Movimento pela Esquerda Unida na Ação, cisão do PC grego em 2000); Rizospastes (Radicais, cisão dos Cidadãos Ativos, sublinham o patriotismo no discurso); Omada Roza (Grupo Rosa, esquerda radical); e APO (Grupo Político Anticapitalista, corrente de inspiração trotskista).

Para além destas organizações e partidos, e principalmente durante este ano, o Syriza tem sido apoiada por pessoas com diferentes experiências de militância. Nesta campanha para as eleições de 6 de Maio, as mais fortes na polarização contra a troika, deram a cara pela coligação antigas figuras do PASOK como a ex-deputada e atleta olímpica Sofia Sakorafa - que acabou por ser a candidata mais votada – ou Alexis Mitropoulos, responsável pelo desenho das leis laborais nos anos 80. Também Stathis Kouvelakis, professor de Filosofia no King´s College em Londres e Despina Spanou, dirigente do sindicato da função publica Adedy, deram o seu apoio à Syriza nesta campanha.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Capitalismo é incompatível com justiça e igualdade social

Lula Falcão no A VERDADE

Durante décadas, o Estado do bem-estar social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a propriedade privada dos meios de produção e o lucro podem conviver com o respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social. Mas, como a mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a demolição do Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e aprofundada com a política econômica neoliberal, caracterizada por ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de exploração para o capital na década de 80.

 
Agora, os que prometiam alcançar a igualdade social no capitalismo fazem discursos e  publicam artigos nos seus jornais apontando os gastos sociais dos  governos como o responsável pela crise, confirmando assim, a incompatibilidade entre  os interesses da classe capitalista de obter lucros cada vez maiores e os dos trabalhadores e da imensa maioria da sociedade de ter uma vida digna.
Na verdade, o chamado Estado do bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.

Austeridade só para os trabalhadores

O fato é que um por um os direitos que os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a mando da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional estão implementando. O objetivo é permitir que os capitalistas demitam sem pagar nenhum direito ao trabalhador, aumentem a jornada de trabalho e tornem letra morta os contratos coletivos de trabalho, em resumo, pagar um salário menor pela força de trabalho explorada.
Com efeito, a Grécia, para receber um empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário mínimo, demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de empresas públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos Coelho (PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a mesma política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os salários dos aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas estão sendo sucateadas.
Na Itália, o Governo de Mario Monti, um técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão do trabalhador.
Na Espanha, o governo segue a mesma receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e retirar vários direitos.
Na Holanda, uma das principais economias da Europa, o governo também pretende reduzir os salários dos aposentados, mas não os lucros dos seus bancos e monopólios.  Até na Alemanha, um dos poucos países europeus que não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.
O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.
Dados divulgados em abril pela União Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o desemprego está acima de 30%.
Vale resaltar que essas taxas oficiais levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm emprego temporário ou estágio.
Esse enorme desemprego entre os jovens forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é, milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, “a burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.

FMI exige mais arrocho

Não bastasse, a última reunião do Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado. Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social, administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”. Leia por cidadãos, os banqueiros.
Essa política da chamada troica FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde, educação, habitação, etc.
Em decorrência dessa espoliação, o número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de pagamento das mensalidades.
Segundo  documento do Eurostat, mais de 115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27 Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda maior: 27%.
Na Espanha, desde o início do ano, milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos devedores. Portanto, outra consequência dessas medidas é a proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos impostos.
Na realidade, todos os países que têm seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista, tiveram um aprofundamento da recessão.
A Grécia, país que está em recessão há cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB em comparação com o ano passado.  Não bastasse, a dívida grega, apesar de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012.  Portugal, segundo o boletim do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.

Quem paga a conta?

Por outro lado, ao mesmo tempo em que aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o capital financeiro.
O FMI anunciou em abril mais US$ 430 bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise.  Esses 430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos povos que pagam impostos.  Os EUA não se comprometeram com nenhum centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em 2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10 bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e, agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe pague!”.
No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a  US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe capitalista: 16 trilhões de dólares.
De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e cortes nos gastos sociais.
A justificativa para essa política é sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a moderna socialdemocracia, o capital bancário.
Em resumo, os governos capitalistas fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.
Fica, portanto, evidente, a total impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um punhado de ricos.  Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300 milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe rica vive na fartura e no esbanjamento.

A repressão ao movimento operário e popular

Mas, por que as centenas de greves e de manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia, Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os trabalhadores?
Um dos obstáculos ao desenvolvimento e avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.
Na última greve geral realizada na Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se transforma em prisão perpétua.  Essa, aliás, é uma política globalizada pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há 30meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500 mil reais para sair da cadeiaNos EUA, em um protesto do movimento Occupy Wall Street no início do ano contra a dívida dos financiamentos estudantis nos Estados Unidos, centenas de estudantes foram detidos pela Polícia de Nova York. As cidades de Oakland, Nova York e Los Angeles foram as que mais registraram os maiores protestos na linha “Ocupe” e, também, as  que mais registraram prisões.  Em comunicado, a polícia afirmou que os protestos diminuíram depois que os governos destas cidades usaram de força para retirar centenas de manifestantes acampados em ruas destas cidades. Ainda nos EUA, a lei, que criminaliza os protestos estabelece que qualquer pessoa que “entre ou permaneça em qualquer edifício ou terreno (de acesso) restringido sem a autoridade legal para fazê-lo, será castigada com uma multa ou o encarceramento por 10 anos, ou ambos”.
Na França, durante as últimas jornadas nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.
Tem mais: O Governo espanhol decidiu adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”. “Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o início da crise.
A importância da repressão para manter o sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.
Este é também o motivo para, mesmo com os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares, dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças dignamente.
Mas há ainda outra condição que impede que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe operária.  Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente, não se decidem em votações, mas se conquistam em uma demorada e difícil luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães).
De fato, para realizar uma revolução é necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto, só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou, como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio capitalismo forem derrotadas.   Propõem que o “estado de bem-estar social” deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores, esquecendo que o capitalismo em sua fase final, para não dizer moribunda, é além de profundamente reacionário, incapaz de realizar algum progresso definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam ilusões nas massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como revela a atual crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.
Não há, portanto, porque se desesperar com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento operário e popular.

Lula Falcão, membro do Comitê Central do PCR
(Publicado em A Verdade nº 139, maio de 2012)