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sexta-feira, 15 de junho de 2012

ECONOMIA BRASILEIRA E MEIO AMBIENTE

I
NTRODUÇAO
Vivemos em um mundo onde  20% da humanidade consomem cerca de 80% dos recursos, enquanto produzem cerca de 80% da poluição e da degradação. E parte da humanidade restante almeja  se igualar a estes 20%.
Para explicarmos comportamento tão irracional, temos de entender a lógica da sociedade cujo objetivo é o lucro.  No capitalismo, tudo se transforma em mercadoria, inclusive a força de trabalho que é comprada e vendida no mercado. Portanto, nada tem a ver com humanismo ou qualidade de vida. Que pode até acontecer, se der lucro e se houver pressão da sociedade.  Portanto, falar de capitalismo humanizado é uma impropriedade. É ir contra a sua própria dinâmica.
O lucro, objetivo da produção das mercadorias, é obtido ao não se pagar a força de trabalho por tudo aquilo que ela produz. O argumento é que o capitalista é o dono dos meios de produção. Mas, também, os meios de produção são frutos do trabalho humano. Assim, se reduzirmos este processo a sua última instância, resta o trabalho humano e a natureza.  Daí a importância de o capitalista ter o controle sobre estes dois elementos básicos da mercadoria, buscando explorá-las ao máximo, obtendo assim uma maior taxa de lucro.
Na fase atual do capitalismo neoliberal, a exploração do trabalho e a devastação da natureza são levados ao paroxismo, em sua ânsia de retomar e ampliar a taxa histórica de lucro. Como dizia Engels: «O Capital tem de permanecer em crescimento e expansão, ou terá de morrer.»  Isso tem implicações muito concretas na apropriação e na gestão de recursos naturais, fonte de toda a matéria prima e dos elementos fundamentais à vida de todos os seres humanos.
Já dizia Keynes, o maior economista burguês, que o importante é produzir o lucro imediato, pois no longo prazo todos estaremos mortos. Esta é a lógica do capitalismo que, em sua ânsia de lucro, produz  maravilhas tecnológicas e, de outro lado, produz condições de vida sub-humana, destroem a natureza, produzem armas como os crones para jogar bombas sobre toda uma sociedade, apenas porque pensam de forma diferente.
Os trabalhadores sempre lutaram por melhores condições de vida e trabalho, se concentrando nos salários. Neste quadro atual, se torna decisiva a inclusão das questões ambientais na luta dos trabalhadores. Nas crises, como na atual, o próprio sistema é confrontado com um momento de decisões críticas em torno dos paradigmas produtivos, econômicos e financeiros, colocando a nu todos estes problemas.
E O BRASIL?  
Os dirigentes atuais sustentam que o Brasil passa por uma fase de desenvolvimento autodeterminado e sustentável, com um ciclo endógeno de crescimento com distribuição de renda, aumento da soberania nacional e preservação do meio ambiente. Vejamos se os fatos sustentam tais afirmações:
a) O crescimento médio da economia brasileira durante os oito anos de governo Lula foi modesto, 4,1% ao ano, pouco acima do desempenho do conjunto das economias latino-americanas e bem abaixo de economias como a Venezuela, a Argentina, o México, Chile.
Aparte: é interessante também discutir os limites de Conceitos como o PIB (Produto Interno Bruto), base para falar do crescimento. Estima-se que o PNB (Produto Nacional Bruto) brasileiro equivale a 60% do PIB. Assim, comparar o PIB mostra a produção interna, mas não diz que boa  parte desta produção é de empresas estrangeiras.
b) O crescimento do PIB no governo Lula só foi maior do que o de Collor e FHC:  Vargas (6,7), JK (8,1), Jango (5,4), Ditadura/Milagre (8,4), Ditadura/Crise (4,4), Sarney (4,4), Collor (-1.3), Itamar (5,0), FHC (2,3) e Lula (4,1)
                                 In: http://brasilfatosedados.wordpress.com/
c) Crescimento autossustentável? O crescimento atual é baseado em fatores circunstanciais, como no aumento do grau de endividamento das famílias, na abundância de crédito barato no mercado financeiro internacional, aumento das exportações  em grande parte causada pela elevação especulativa dos preços das commodities.
d) O aumento das exportações está baseado nas exportações de comodities, ocasionado, em especial, pelo grande crescimento da China (10 a 11º.a.a.) e pela Índia (7 a 9º. a.a.), ficando o Brasil na dependência da continuidade deste crescimento. Alem disto, são visíveis as consequências  deste tipo de crescimento: devastação do meio ambiente e superexploração do trabalho. Os melhores exemplos são as obras do PAC: hidrelétricas, refinarias, portos, obras da Copa.
A mais intensa denúncia da exploração do trabalho são as greves que explodem de forma quase espontânea, nas obras de Belo Monte e do Rio Madeira, com reivindicações de direitos mínimos como: visitar família com 90 dias; plano de saúde; aumento do valor do vale refeição, alojamentos dignos. Estas lutas são acompanhadas por um arsenal de perseguições, assédios, prisões e demissões de trabalhadores e lideranças. 
E, temos, também, as organizações ambientalistas que denunciam a devastação do meio ambiente e a expulsão das populações tradicionais: indígenas, quilombolas, ribeirinhos.
Em Minas Gerais, predominam o agronegócio, com o uso abundante de agrotóxico, e a extração de minério, deixando crateras por onde passa, mostrando a extensão dos males para o futuro de nossa sociedade, com este tipo de exploração predatória.  
e) Situação da indústria -  Desde os anos 80 a indústria cresce menos do que a média do crescimento nacional. A partir de 2003 ela cresce na esteira da agroindústria e beneficiamento mineral, para atender a necessidade de exportação, aproveitando as vantagens comparativas que o Brasil oferece: recursos naturais e mão de obra barata. Deixando para as gerações futuras as consequências do crescimento atual. Não se investe na qualidade - progresso técnico e inovação industrial - tendo como consequência a perda da competitividade externa do sistema econômico como um todo. Todo este debate é escondido da opinião pública, oferecendo uma explicação mais simplista - entrada de produtos baratos da China. Não precisando discutir o fundo do problema: a perda de competitividade tecnológica.
Como é possível, alguém em sã consciência ter o desplante de imaginar a possibilidade de conciliar desenvolvimento e perda de importância do setor de tecnologia? Seria o primeiro caso na história de um desenvolvimento (endógeno e sustentável??) com regressão das forças produtivas.
 f) Privatização – Orientado pelo Consenso de Washington, o governo FHC entrega para o grande capital nacional e internacional, as grandes empresas brasileiras. O governo petista, além de não rever este processo, deu continuidade aos leilões de petróleo, a privatização dos bancos estaduais que tinham sido federalizados, a privatização das estradas. Intensifica uma forma sutil e perigosa, as Parcerias Publica-Privadas (PPPs), garantidas pelo Estado. A iniciativa privada só participa se conseguir lucro garantido. Exige, portanto, um arcabouço jurídico das PPPs que garanta segurança no negócio e certeza na manutenção das regras ao longo do tempo. Assim, consegue ter o capitalismo sem risco, com o lucro garantido.
E agora, conseguiu  realizar o grande sonho dos privatistas, que nem FHC havia conseguido: a privatização da previdência dos servidores públicos com sua entrega para ser administrado pelos bancos e pelos fundos de pensão. O Estado assim se desincumbe de garantir a aposentadoria dos servidores e a sua entrega aos bancos, cujas aplicações financeiras poderão virar pó, assim como já ocorreu nos EUA, na Europa e na America Latina. O argumento oficial é sempre o mesmo: que o governo não teria recursos. Ao mesmo tempo, destina cerca da metade do orçamento para o pagamento de uma dívida pública que deveria ser auditada, conforme manda a constituição.
g) Dívidas – O governo brasileiro afirma que não temos mais dívida externa. E nada fala da dívida interna. Assim, como explicar que 47% do orçamento são dedicados para pagar o serviço da dívida? Um estudo mais detalhado deste tema pode ser encontrado no site da Auditoria Cidadã da Dívida e do Jubileu Sul. Vamos aqui fazer uma breve síntese, pela importância que tem o tema.
Em um processo de crise internacional do capitalismo, o capital tende a procurar os espaços onde possa garantir a continuidade da produção, ampliação e aumento da taxa de lucro. É neste processo, que busca os países subdesenvolvidos, se apropriando das riquezas ali geradas. Hoje, os principais instrumentos utilizados são as dívidas públicas interna e externa. 
O Estado brasileiro compromete anualmente metade de seu orçamento para essa gigantesca transferência de valor. Isto é feito em especial através da dívida pública, que tem consumido em torno de 45% do orçamento. Mas, não só através disto são transferidos recursos para o grande capital. Analisando o Balanço de Pagamentos percebemos que em 2003, o Brasil transferiu US$ 18,6 bi em “renda de investimento”, em 2010 essa cifra passou para US$ 40 bi; na rubrica “lucros e dividendos – investimento direto” passou de US$ 4 bi para US$23,6 bi; e no de  “lucros e dividendos – investimento em carteira” foi de US$1,5 bi para US$6,7 bi. Há assim, uma enorme exportação de capital, possibilitando a acumulação no exterior e no grande capital interno.
Em 2008, quando a crise do capitalismo ficou mais visível, o saldo de transações correntes do balanço de pagamentos se tornou deficitário. Isso significou que o superávit comercial – importaçao e exportaçao de mercadorias - não conseguiu fazer frente à gigantesca quantidade de riqueza que tem sido sugada do país, na forma monetária. Ainda mais considerando que exportamos commodities e importamos bens com maior valor agregado. Como forma de cobrir este déficit, usou o artifício de manter a taxa de juros como a maior do mundo, com total garantia de seu retorno. Portanto, exportamos comodities para pagar a especulaçao financeira.

Assim, o endividamento público está se aprofundando devido às altas taxas de juros pagas generosamente pelo governo aos rentistas. A maior parte destes credores são os bancos nacionais e estrangeiros e os fundos de pensão. Pagamos juros sobre juros e por isso, a dívida não pára de crescer.
A dívida interna e externa do Brasil, conforme dados de janeiro de 2011, atingiu a marca histórica de R$ 2,837 trilhões (R$ 2,241 trilhões de dívida interna e R$ 596 bilhões de dívida externa). Só para se ter uma ideia, o orçamento total da união em 2010 foi de R$ 1,41 trilhão. E, foram pagos 635 bilhões de reais em juros, amortizações e “rolagem” (44,93%) do orçamento da dívida pública da União, ou seja, quase a metade de todo o orçamento do ano, beneficiando apenas 10 mil rentistas e banqueiros. A previdência pública que é tão vilipendiada – a ponto de ser privatizada -, teve um investimento de 22,12% do total,  beneficiando aproximadamente 28 milhões de pessoas.
A educação recebeu 2,89% ou R$ 40,86 bilhões; o trabalho 2,2% ou R$ 31,10 bilhões; a saúde 3,91% ou R$ 55,28 bilhões.
Mesmo assim, os meios de comunicação, o governo, muitos economistas e acadêmicos divulgam que a dívida não é mais problema, que inclusive já acabou. Ao contrário, a dívida continua sendo um enorme problema.
E, mesmo a grande propaganda que se fez por ter quitado a divida com o FMI, não esclarecendo que foi à custa de emissão de novas dívidas ainda mais caras, ou seja, o problema não foi resolvido, ele se agravou. E, a questao mais denunciada pelos movimentos sociais, eram da dependência e subordinação ao receituário neoliberal do FMI - cortes nos gastos sociais, privatizações e reformas como as da Previdência. Como verificamos, isto permanece.
h) Distribuição de renda - A despeito de toda a propaganda, o Brasil permanece como uma das sociedades mais desiguais do mundo. O governo propagandeou intensamente, a imprensa reproduziu e a sociedade aceitou que tinha havido uma melhoria na distribuição de renda. Isto é parte da realidade.
De um lado, houve uma melhora na distribuição pessoal da renda, isto é, a distribuição entre quem ganha salários. Isto foi ocasionado pelo crescimento do salário mínimo acima da inflação, pela bolsa família que retira da miséria absoluta milhões de pessoas e pela compressão dos salários médio. Desta forma, há uma distribuição entre os que ganham salario.
De outro lado, nada se fala da distribuição funcional da renda, isto é, entre o trabalho e o capital. Esta, com todo o crescimento deste período, não se alterou. Em outras palavras, após uma década de governo petista, a divisão do bolo entre lucro e salário ou a divisão da riqueza, continua uma das piores do mundo e não apresenta nenhum sinal de alteração substantiva. Por isto que o Brasil ainda continua como o 3º pior país em distribuição de renda do mundo.
i) Relação com a rica natureza – um capítulo à parte.
Concordo com a posição expressa na Carta da Terra: "Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade”.
Esta clareza não conseguimos ver na posição do governo petista que fala de uma economia verde inclusiva e, faz a transposição do Rio São Francisco e o Código Florestal. Faz barragens utilizando a fantástica área da Amazônia, destruindo a biodiversidade, expulsando a população tradicional.
Um exemplo para clarear a posiçao. Quando da licitação das Usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, os movimentos sócio ambientais denunciavam: a devastação que causaria a obra, as incorreções dos projetos e os problemas sociais. Hoje, isto vem à tona com a Usina de Santo Antônio e os atrasos já existentes. O projeto foi aprovado com um novo tipo de turbina - bulbo - que já havia sido aplicado com sucesso no Japão, para rios com baixas quedas, como é o caso do Madeira. Mas, isto havia funcionado em um rio com baixa sedimentação, onde não tem uma floresta como a amazônica. Assim, a previsão era que em janeiro de 2011 entraria em funcionamento a 1ª turbina, passaram para janeiro de 2012, adiaram para março e ate hoje não entrou em funcionamento.
No início de 2012 ficou evidente que havia algo muito errado com as obras da usina de Santo Antônio. A abertura das comportas criou um aumento da força das águas contra as margens do rio Madeira. O desbarrancamento acelerado da margem direita, que recebe diretamente a força das águas que passam pelos vertedouros, destruiu moradias e desalojou dezenas de ribeirinhos. As empreiteiras estão se eximindo das responsabilidades. Depois iniciaram um trabalho de proteção das margens, com pedras, para evitar o progresso da erosão. Ainda não sabemos os resultados.
RIO + 20
Há muitos anos que os organismos internacionais produzem relatórios sobre os efeitos da destruição do Meio Ambiente sobre a sociedade. O capitalismo é um sistema extremamente eficiente e consegue diagnosticar rapidamente os problemas. Os organismos internacionais tambem fazem diagnósticos claros e profundos. Os países centrais e as grandes empresas usam os diagnósticos para amenizar os problemas e conseguirem dar continuidade a acumulação de capital. E assim que, em março de 2007, na reunião do G8+5,  se lança o termo da “Economia Verde”.
O Programa Ambiental das Nações Unidas - PNUMA coordena estudos que eles chamam de: A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB). O objetivo é criar um valor financeiro para a biodiversidade. Isso não é simplesmente colocar preços nos recursos naturais e meio ambiente, mas capturar os complexos processos ecológicos para a economia. De acordo com os estudos TEEB, as interações entre todos os seres vivos e o ambiente em que vivem, devem ser quantificados economicamente.
Em 2011, o PNUMA lançou um relatório, "Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza", que traça um caminho de crescimento econômico até 2050. Esse relatório "está entre as contribuições-chave do PNUMA ao processo Rio+20 e ao objetivo geral de luta contra a pobreza e promoção de um século XXI sustentável". “O caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e quando possível, reconstruir capital natural como um bem econômico crítico e como uma fonte de benefícios públicos, principalmente para a população carente, cujo sustento e segurança dependem da natureza". A natureza continua a ser vista como bem econômico.
Em 2010, no relatório do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável ( WBCSD), chamado "Visão 2050 - uma nova agenda para os negócios", assinada por 29 grandes corporações, ele dizem: “A transformação que temos pela frente representa grandes oportunidades em uma gama imensa de setores de trabalho, à medida que os desafios globais de crescimento, urbanização, escassez e mudanças ambientais se tornarem indutores estratégicos das relações comerciais nas próximas décadas. Só em recursos naturais, saúde e educação, a magnitude desses negócios poderá chegar à ordem de 500 bilhões a 1,5 trilhão de dólares por ano em 2020, alcançando entre 3 trilhões e 10 trilhões de dólares por ano em 2050 – considerando-se os preços atuais –, o que deve significar algo em torno de 1,5% a 4,5% do PIB mundial em 2050”.
Fica claro que a preocupação do Rio + 20 é de como transformar todo este debate sobre o meio ambiente em um grande negócio. É nesta lógica que vai a economia verde: mudar para manter tudo como está e incorporar outros bens como mercadorias, possibilitando a continuidade da acumulacao de capital.
Quanto ao discurso público de proteção ao meio ambiente, como dizemos aqui no Brasil, é só para inglês ver. Ou melhor, só para enganar o povo.  Pode até gerar algum relatório, propostas, mas, como não gera obrigação internacional, não tem eficácia. Esta é a face do capitalismo, destrói e aproveita disto para ter mais lucro.
CUPULA DOS POVO
Existem grandes diferenças entre os movimentos sociais: desde os que acreditam na humanização do capitalismo aos que propõem um novo mundo, fora do capitalismo.
Mas, existe uma grande unidade na busca de utilizar o espaço da Rio + 20 para divulgar uma visão social e denunciar as causas da crise socioambiental, da destruição do meio ambiente em especial, no mundo subdesenvolvido, do avanço na mercantilizarão da água, do ar, dos recursos naturais. Mostrar como o sistema de produção e consumo atual aprofundam problemas como mudanças climáticas, escassez de água potável e a mercantilização da vida nas cidades e nos campos. Mostrar como o uso de tecnologia, como a Terminator (tecnologia transgênica para fabricar sementes suicidas, que só dão frutos uma vez), inviabilizando a sobrevivência do pequeno agricultor.  E que a 'economia verde' calcada na exploração da natureza, é um novo espaço encontrado pelo capital, para ampliar seus lucros. E que ações, travestidas de preocupação ambiental, como o bônus de certificados de carbono, representam mais devastação.
A verdade é que não existe “economia” em geral: ou se trata de uma economia capitalista, ou de uma economia não capitalista. No caso, a "economia verde"  não é outra coisa do que uma economia capitalista de mercado que busca traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas "verdes" bastante limitadas. Os movimentos lutam para conseguir ganhos localizados, como desenvolver energias alternativas tipo a eólica ou fotovoltaica. Enquanto isto, buscamos formar a consciencia de que o problema só vai ser resolvido, rompendo com a lógica da competição mercantil e da rentabilidade do capital. Propostas aparentemente corretas, como os "biocombustíveis", nas maos do capital se transformam em algo nefasto, ao utilizar os solos férteis produzindo combustivel para abastecer automoveis, que vão poluir as cidades e não investem no transporte coletivo.
CONCLUSAO
O  governo petista, como é da lógica do capitalismo, é contraditório. Faz o discurso do social e atende ao capital -  propõe uma economia verde inclusiva e destrói a nossa riqueza natural. Fala de distribuição de renda, de qualidade ambiental, de segurança alimentar, moradia adequada, acesso à água limpa e proteção socioambiental; mas, em contrapartida, faz a transposição do Rio São Francisco e o código florestal. Faz barragens utilizando a fantástica área da Amazônia, destruindo a biodiversidade, expulsando a população tradicional. Privatiza a previdência e paga a maior taxa de juros para o capital financeiro. Como dizem alguns economistas: é o governo da bolsa família e da bolsa de valores. Na mesma logica do capitalismo: alguns trilhões para o capital e migalhas para o povo junto com o grande carisma do ex-presidente Lula.
Entender as especificidades do capitalismo brasileiro é fundamental para conseguirmos ver seus limites e fazer as críticas para sua superação. Ou então, acabaremos presos na armadilha colocada pelos governistas: maior ou menor crescimento, num padrão de acumulação que não dá margem para muita expansão do mercado interno; maior ou menor concentração de renda, dentro dos limites de uma sociedade marcada pela segregação social; maior ou menor participação do Estado na economia, dentro de um esquema que impede qualquer possibilidade de políticas públicas universais; maior ou menor dependência externa, dentro de um tipo de inserção na economia mundial que coloca o país a reboque do capital internacional; e, como consequência, maior ou menor repressão às lutas sociais.
O projeto atual fortalece o capitalismo brasileiro, na sua integração internacional. Todo o discurso é centrado no crescimento, com inclusão dos excluídos no sistema de exploração do ser humano e da natureza. Não se tolera a emergência do povo como sujeito histórico, consciente. Passam a usar todos os recursos da cooptação: cargos de confiança para as direções dos movimentos sociais, financiamento de projetos para as ONGs, movimentos sociais e micro empresas, financiamento de encontros e articulação dos movimentos. Desta forma, as críticas ficam dentro do limite estabelecido pela ordem.
O preço que se paga pelo afã de copiar o primeiro mundo é o subdesenvolvimento, ou seja, a reprodução de uma sociedade ultraelitista, marcada pela segregação social, pela dependência externa e pela devastação dos recursos naturais.
As mudanças que têm sido propostas ao longo de tantos relatórios, não ocorrem porque os seres humanos são maus, como querem nos fazer crer. Não se trata só de má vontade, cupidez, corrupção, ignorância e cegueira. Tudo isto existe, mas o problema é mais profundo: é o próprio sistema que é incompatível com as radicais e urgentes transformações necessárias.
E, o mais perverso é como as elites políticas e econômicas tratam de culpabilizar os cidadãos, criando a ilusão de que bastaria que os indivíduos tivessem comportamentos mais ecológicos ou fizessem mais caridades para resolver o problema. É claro que as pessoas devem, desde agora, agir de forma solidaria, ecologica, sem preconceitos já construindo as relaçoes que queremos em uma outra sociedade. É claro que seria importante que cada um utilizasse mais o transporte coletivo e nao o Automovel. Mas, como fazer isto quando o governo estimula a compra de automoveis e nao melhora a qualidade do transporte coletivo? Temos de entender esta logica para colocarmos em cheque o sistema. Fica claro que sem transformações macroeconômicas, não será possível brecar a corrida ao abismo.
Para os partidários de que,  Um Outro Mundo é Possível, tem-se que buscar um novo modo de produção, com uma nova civilização baseada em valores de solidariedade, democracia participativa, preservação do meio ambiente.
E, é claro que esta luta começa aqui e agora.
*  Dirlene Marques, professora da UFMG, economista, militante dos movimentos sociais.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Jair de Souza: Documentário Catastroika em português

por Jair de Souza no VIOMUNDO

Creio que você já conhece o documentário grego Catastroika, recentemente lançado ao público pelos mesmos realizadores de outro importante documentário, Dividocracia.
Fiz a adaptação das legendas ao português do Brasil e gostaria de contar com a ajuda do Viomundo  para sua divulgação entre nós.
Neste novo documentário, podemos constatar como se originou a política global de privatizações em massa, com a aplicação dos métodos muito bem relatados por Naomi Klein em seu conceituado livro  
A doutrina do choque.

Podemos ver que, para implementar o propalado modelo de “Estado mínimo”, é preciso usar ao máximo a força do Estado, especialmente forças militares e policiais, para vencer as enormes resistências de grande parte da população. Ou seja, os defensores do “Estado mínimo” apelam para o Estado máximo para impor suas condições a toda a sociedade.
A partir dos postulados do neoliberalismo, entenderemos que o Estado só deverá manter-se afastado na hora da apropriação dos recursos gerados pelo conjunto da nação (para evitar que os mesmos caiam nas mãos erradas da maioria). Estes recursos devem sempre ficar à disposição dos grupos econômicos (especialmente os representantes do capital financeiro) que de fato comandam o Estado. A participação estatal na questão da distribuição da renda só será admitida (e, na verdade, exigida) quando o modelo entrar em crise e gerar situações que ponham em risco os interesses dos grupos econômicos dominantes. Aí, sim, o Estado precisa desempenhar um papel de primeira linha e deve atuar para fazer com que o conjunto da sociedade assuma os custos da crise originada pelas ações especulativas daqueles que vinham se beneficiando do sistema.
O documentário nos mostra em detalhes como se gestou a crise na Grécia. Também nos deixa muito claro que permanece plenamente em vigor a máxima do neoliberalismo econômico, a qual reza que: “Todo lucro deve sagradamente ser apropriado de forma privada, e todos os prejuízos que surjam desse processo de apropriação devem necessariamente ser assumidos pelo conjunto da sociedade”.
Em outras palavras, o neoliberalismo defende a ideologia robinhoodiana com sinal trocado: “Tirar dos pobres para servir aos ricos”.


sábado, 2 de junho de 2012

Mundo tem 20,9 milhões de vítimas de trabalho forçado, diz OIT





Relatório divulgado nesta sexta (1o), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta que 20,9 milhões de pessoas são vítimas de trabalho forçado em todo o mundo, sujeitas a emprego impostos através de coação ou de fraude, dos quais elas não podem sair. Do total, 11,4 milhões são mulheres e meninas e 9,5 milhões são homens e meninos. Cerca de 5,5 milhões possuem menos de 18 anos;
A organização, ligada às Nações Unidas, não divulga o cálculo por país mas por macrorregiões. A margem de erro é de 7%, ou seja, a estimativa – considerada conservadora por seus realizadores – vai de 19,5 milhões a 22,3 milhões. Alguns dados do estudo:
- Do total, 18,7 milhões (90%) são explorados no setor privado. Destes, 4,5 milhões (22%) são vítimas de exploração sexual forçada e 14,2 milhões (68%) de exploração do trabalho forçado em atividades econômicas, como agricultura, construção civil, trabalho doméstico ou industrial;
- Outros 2,2 milhões (10%) estão sujeitos a formas de trabalho forçado impostas pelo Estado, como o que ocorrem em algumas prisões ou em forças armadas rebeldes ou exércitos nacionais;
- A incidência por mil habitantes é maior na Europa Central, no Leste Europeu e na região da Comunidade de Estados Independentes (ex-União Soviética), com 4,2 casos/mil habitantes e na África, com 4/mil. É mais baixa nos países com economias desenvolvidas e na União Européia (1,5/mil);
- Em termos absolutos, a região da Ásia e Pacífico apresenta o número mais alto de trabalhadores forçados no mundo: 11,7 milhões (56% do total). O segundo maior número é registrado na África, com 3,7 milhões (18%), seguido pela América Latina, com 1,8 milhão de vítimas (9%). Nas economias desenvolvidas e na União Européia existem 1,5 milhão (7%) de trabalhadores forçados, enquanto que nos países da Europa Central e Leste Europeu e na Comunidade de Estados Independentes são registrados 1,6 milhão (7%) de pessoas. No Oriente Médio, o número de vítimas é estimado em 600.000 (3%);
- Há 9,1 milhões de vítimas (44%) que se deslocaram, seja dentro de seus países ou para o exterior. A maioria, 11,8 milhões (56%), está submetida a trabalho forçado em seus países de origem ou residência. Os deslocamentos entre fronteiras estão estreitamente vinculados com a exploração para fins sexuais.
Em nota divulgada pela OIT, a diretora do Programa Especial de Ação para Combater o Trabalho Forçado, Beate Andrees, afirma que “tivemos progresso ao assegurar que a maioria dos países tenha uma legislação que penalize o trabalho forçado, o tráfico de seres humanos e as práticas análogas à escravidão”. Contudo, segundo ela, “ainda é complicado ter êxito em processos judiciais contra indivíduos que causam tal sofrimento a tantas pessoas”.
Para ilustrar, no Brasil, há cerca de quatro dezenas de casos que resultaram em condenações criminais por conta de trabalho escravo contemporâneo em um universo de mais de 3 mil fazendas fiscalizadas por denúncias relativas a esse crime e 42 mil trabalhadores libertados desde 1995. Não há informação de empregador que tenha cumprido pena na cadeia após sentença transitada em julgado.
De acordo com a OIT, a metodologia utilizada pela instituição, em 2005, para estimar que o mundo tinha, ao menos, 12,3 milhões de pessoas submetidas ao trabalho forçado foi revista e melhorada. O dado anterior por exemplo, tinha margem de erro de 20%, em comparação aos 7% da estimativa divulgada hoje. Por isso, não é possível afirmar que o número de escravos aumentou.
“Produzimos estas novas estatísticas em nível regional e mundial utilizando uma grande variedade de fontes secundárias, complementadas pelos resultados de nossos estudos nacionais realizados em colaboração com contrapartes locais, o que nos permite extrapolar dados provenientes de meios de comunicação ou de outras fontes indiretas. No entanto, ainda estamos longe de uma situação ideal na qual os países possam realizar suas próprias medições. A OIT poderá apoiar o fortalecimento das capacidades necessárias para cumprir esta difícil tarefa”, afirma Andrees.
Em 2001, a Comissão Pastoral da Terra, organização ligada à Igreja Católica e uma das mais importantes no combate ao trabalho escravo no país, propôs 25 mil como o número mínimo de trabalhadores rurais que, anualmente, eram submetidos à escravidão na Amazônia brasileira. Essa estimativa resultava de interações entre os números anuais de pessoas encontradas pela fiscalização, a observação do fluxo de trabalhadores migrantes e a uma análise da instituição de que para cada pessoa libertada outras três continuariam em cativeiro. A preocupação da CPT foi de alertar a sociedade com um número que sinalizasse a relevância numérica do problema sem cair num exagero insustentável cientificamente.
Na falta de outra, a estimativa foi aceita e utilizada por várias entidades. Em 2003, o governo brasileiro endossou o número ao colocá-lo no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Em 2004, uma delegação brasileira nas Nações Unidas reconheceu também o número de 25 mil como estimativa mínima e, posteriormente, a própria Organização Internacional do Trabalho. Outra estimativas apareceram, como a de 40 mil ou 100 mil trabalhadores nessas condições, mas nenhuma delas foi utilizado pelas principais entidades estatais ou da sociedade civil que atuam no combate a esse crime.
Apesar do esforço estatístico trazido pela Comissão Pastoral da Terra, ele não seguiu normas científicas ou passou por uma atualização. A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), que reúne instituições públicas e da sociedade civil para monitorar as políticas públicas contra esse crime no país, parou de utilizar a estimativa da CPT e qualquer outra em 2007.
No ano passado, a OIT ofereceu ao Brasil apoio técnico para o desevolvimento de uma estimativa do número de escravos no país. Os custos de tal levantamento estão sendo analisados pela Conatrae e o governo brasileiro.
Por outro lado, devido às informações dos trabalhadores colhidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego no momento do resgate, há um perfil traçado de quem é a vítima no Brasil. Por exemplo, no caso de exploração econômica, entre 2003 e 2009, os libertos foram homens (95%), entre 18 e 44 anos (82%), analfabetos ou com até quatro anos de estudo (68%), oriundos de Estados como o Maranhão e o Pará.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

As condições políticas para o belicismo do capital


por Milton Pinheiro [*]

A revolução é o freio de emergência para conter a barbárie
Walter Benjamim

Este artigo tem por objetivo analisar a cena política onde o belicismo se consolidou como ação de longo impacto, tentando responder à prolongada crise econômica, caracterizada no texto como manifestação da crise sistêmica do capital. Colocamos em discussão as condições políticas criadas pelo capital para, através da guerra e da violência, efetivar um novo ciclo. Esse cenário político não está desarticulado da conjuntura social e da luta de classes. O projeto conservador, e sua forma política, se debate no mundo, e no Brasil, contra a estratégia anti-sistêmica, que procura movimentar as lutas sociais, o operador político e os trabalhadores na perspectiva de impedir o projeto político do capital.

A crise do capital e a aventura neocolonial

Analisar o belicismo enquanto instrumento político no pós-guerra fria passa, necessariamente, pelo entendimento da crise do capital e da forma gerencial de se fazer política, dentro e fora do ambiente do Estado Nação.

O grave e profundo processo de crise econômica exige uma análise que nos permita visualizar, que essa onda atual manifesta uma rotação que é caracterizada pela dimensão da crise sistêmica do capitalismo. Neste momento, em que o excedente de capital não encontra possibilidades de investimento para se valorizar, cria uma inércia, pela incapacidade de recomposição do capital. A crise veio para ficar, gerando um movimento que é de especulação e ajuste. Hoje, um dos pontos da crise é a questão do erário público (tesouro nacional) que está com dificuldade para remunerar o capital, ou seja, os diversos Estados nacionais não se encontram em condições de pagar os juros e as diversas obrigações alocadas e "contratadas", em situações já denunciadas, para os bancos, não cumprindo assim o papel de remunerador sem limites do capital no seu processo de agiotagem exacerbada e na tentativa de se revalorizar. Portanto, como foi percebido até mesmo por Weber, "De qualquer forma, porém, o capitalismo na organização capitalista permanente e racional, equivale à procura do lucro, de um lucro sempre renovado, da 'rentabilidade'. Só pode ser assim" (2000, p. 04).

A crise não se manifesta apenas no cenário estadunidense. É uma crise sistêmica e suas complicações estão sendo disseminadas por todo o mundo, mesmo que num primeiro momento, tenha aparecido na Grécia (elo fraco da corrente) e em outros países mais fracos da cadeia capitalista, a exemplo da Irlanda, Portugal, Itália, Espanha e outros. Ela espalhará seus tentáculos pelo globo. O Estado nacional como operador dos intereses das suas burguesias, realiza ações no sentido da transferência da crise. Os EUA tentam transferir os sintomas da crise para a Europa. E, no velho continente, a Alemanha empurra a crise para a periferia do próprio continente (Grécia, etc).

Os títulos gregos estão nas mãos de bancos privados, em especial dos bancos de França e da Alemanha. Esses países tem pressionado o Banco Central Europeu para realizar uma política fiscal de grande impacto, na tentativa de implementar na Grécia, e depois nos outros países que se tornarem o furacão da vez, o laboratório de onde retirarão experimentos para enquadrar os demais. A tentativa do Banco Central Europeu, pressionado pela política conservadora da Alemanha, é no sentido que esses países aviltados pela crise, massacrem as suas populações com políticas monetaristas recessivas, para que possam efetuar os pagamentos aos bancos privados, cujo interesse principal é o de não comprometer os balanços dos bancos da zona do Euro.
O euro, como novo padrão-ouro [1] , reedita os problemas de gestão capitalista desse intrincado sistema econômico em outras bases. Mesmo assim, sob a perspectiva da teoria econômica dominante, e, fundamentalmente, do capital com acumulação em escala global, a manutenção da moeda forte e da taxa de câmbio fixa está acima da gestão das economias domésticas. O reflexo, na esfera da política, já se manifesta por toda a União Européia, mas principalmente nos elos fracos do sistema, na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Itália, ali onde o novo padrão-ouro traz apenas as desvantagens (MANZANO, 2011, 113).
Essa situação de crise, caracterizada pela economia política burguesa, como uma particularidade da dívida pública, tem algumas especificidades que foram estudadas por Alexander Sack [2] , que encontrou em suas pesquisas duas formas de manipulação da dívida: a primeira é de natureza odiosa [3] . O que seria essa caracterização? Para Sack, seria uma conduta de governos que executariam políticas centradas em ações autoritárias, que comprometem o fundo público, e esse dispêndio do tesouro não está pautado no interesse público, mas numa relação subalterna com os bancos privados. A outra característica, é construída numa situação de dívida ilegítima, quando os Estados favorecem diretamente o capital, através de contratos com benefícios especiais, cujo eixo central está envolvido numa baixa tributação, e que ainda são reforçadas por medidas de evasão fiscal, que comprometem o fundo público. Demonstrando, assim, que o Estado é o conflito de classe institucionalizado, pois o "Estado burguês, títere do capital estrangeiro, da dominação imperialista é permanentemente ditatorial, qualquer que seja a coloração de sua legitimidade" (FERNANDES, 2009, p. 18).

Para alguns estudiosos dessa questão, em especial François Chesnais [4] , a resposta seria um grande movimento pela auditoria da dívida. E ele cita como exemplo, a auditoria que foi feita na dívida do Equador:
Até o momento , o único exemplo da auditoria é a que foi realizada no Equador, em 2007. Resultou de uma decisão governamental. O presidente Rafael Correa queria conhecer as condições em que teve origem a dívida do país. A auditoria permitiu ao governo decidir suspender o reembolso da dívida, constituída de títulos da dívida a vencer, alguns em 2012, outros em 2030. Com isso, forçou os banqueiros detentores de títulos, sobretudo norte-americanos, a negociar (CHESNAIS, 2011, 14).
Essa ação fez com que diminuisse o estoque da dívida e possibilitou uma nova relação do Estado, agora soberano, com os seus credores. Permitindo assim, após a auditoria, uma maior capacidade de investimento social através do fundo público.

François Chesnais (2011) tem defendido, no limite, uma ação que demandaria a tomada dos bancos, tendo como elemento central para essa medida, a percepção dos movimentos sociais e organizações políticas sobre a conduta irresponsável desses agentes (Bancos) no mercado de crédito, e que esses deveriam passar, interpretando Chesnais, a ser administrado pelo Estado, quando afirma que,
A vulnerabilidade do sistema financeiro europeu, mas também mundial, torna possível uma nova crise. A falência de setores inteiros do sistema bancários não está excluída. Em países em que o pagamento da dívida tiver sido questionado pelo movimento social, pelos trabalhadores e os jovens interessados de diversas maneiras nas questões "políticas" estarão preparados para isso, pelo menos um pouco (CHESNAIS, 2011, 17).
Diante desse cenário em aberto, correndo o risco do acirramento das contradições de classe, a burguesia belicista, operando de acordo com os interesses das suas frações hegemônicas no bloco do poder (POULANTZAS, 1971), utiliza o momento de crise como instrumento ideológico, para impor um conjunto de medidas que expropria dos trabalhadores a capacidade de manter a reprodução da sua existência. No entanto,
De outro lado, os ritmos do desenvolvimento e a vitalidade do capital se refletem nos ritmos do desenvolvimento e na vitalidade da classe trabalhadora. Seria paradoxal que uma 'burguesia fraca' tivesse como oponente, na cena histórica, um 'proletariado forte', pois a coalescência e o vigor da classe trabalhadora repousa, literalmente, no grau de desenvolvimento da produção capitalista como um todo (FERNANDES, 2009, 13).
Os interesses da burguesia, avançando no seu projeto de barbárie, via o belicismo, como síntese para um novo ciclo, demanda à sociedade, e em particular aos Parlamentos dos Estados nacionais, uma saída que requer aprovação de leis que consolidem a contrarrevolução, pois, são leis de exceção, autoritárias e predatórias que avançam sobre os direitos da população e dos trabalhadores. E o aporte político da burguesia é a efetivação de um esmagador ajuste fiscal, que retiraria pela força do bloco hegemônico no poder, os recursos públicos do orçamento que são de interesse da população, para remunerar a necessidade de acumulação do capital.
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social (MARX, 1982, 25).
Essa ação vem acompanhada de uma intensa propaganda política, que diuturnamente responsabiliza o Estado pela crise, por não conseguir fazer o "dever de casa" no controle dos seus gastos.

Consideramos que existe uma contrarrevolução em curso, que é sempre articulada como resposta da burguesia à esses momentos de crise. A burguesia, como afirmou o sociólogo Florestan Fernandes (2006), tem na contrarrevolução um instrumento de uso permanente para manter os interesses e os privilégios de classe. Levando ao limite das privações os trabalhadores, esgarçando o tecido social, se utilizando do seu instrumento ideológico, que é a globalização, para perpetuar a miséria. Essa é a prática, pois a globalização neocolonial tem a fome tatuada no seu DNA, como princípio de gestação da miséria e da subalternidade dos povos.

O subalterno estrutural, hoje, é o trabalhador moderno que ainda sofre a influência ideológica de quem está em cima. Como sabemos, a ideologia é o processo de constituição dos indivíduos como sujeitos. E esse sujeito surgirá no espaço das lutas sociais, pois ele é historicizado. Cabe aos trabalhadores, portanto, movimentarem-se para destruir a ordem do capital, agindo para "instabizá-la", dando "o primeiro passo para levá-la à derrocada, o ponto de partida da revolução dos oprimidos nas áreas às quais o capitalismo nasceu, cresceu e atingiu sua maturidade vinculando o capital a várias formas mascaradas de colonialismo" (FERNANDES, 2009, p.19).

O capitalismo é uma "jaula de ferro" (WEBER, 2000), onde a burguesia naturalizou o mercado e aprisionou os trabalhadores. Criando um mundo sem perspectiva, gerando a perda da liberdade humana através da alienação, do fetiche e da coisificação do homem. É o culto ao dinheiro, é o tempo do mammonismo [5] que está engendrando uma outra possibilidade de "civilização".

Além disso, a saída arquitetada pela burguesia, levará ao desemprego, à informalidade no mercado de trabalho, ao rebaixamento das pautas dos trabalhadores em luta, ao recuo do Estado, à precarização e intensificação do trabalho. No conjunto da população, mediado pelo contexto da cidadania, essa contrarrevolução burguesa poderá causar uma disputa intercamadas sociais, pautada na construção de uma sociófobia que contribuirá para o surgimento da xenofobia (vide a relação dos brasileiros com os bolivianos na periferia de São Paulo). Essa sociófobia se caracteriza pelo constante medo da luta coletiva, pela reivindicação de uma segurança com caráter patrimonial, pelo receio do pobre (que é sempre visto como uma ameaça) e por ações reacionárias que fazem surgir, com esse caldo de cultura, o racismo, a reliogiosidade pragmática e o individualismo exarcebado.

O quadro societal que está sendo construído pela hegemonia conservadora, tem na crise sistêmica e na ideologia da globalização, uma manifestação concreta que está em formação um novo colonialismo, como um instrumento infra e superestrutural da ação da burguesia para construir um novo ciclo do capital, que em caso de sucesso, levará a espécie humana para as trevas da barbárie.
Deve-se enfatizar bem: a crise em nossos dias não é compreensível sem que seja referida à ampla estrutura social global. Isso significa que, a fim de esclarecer a sua natureza persistente e cada vez mais profunda em todo o mundo hoje, devemos focar a atenção na crise do sistema do capital em sua totalidade. Pois o que ora experimentamos é uma crise estrutural que tudo abrange (MÉSZÁROS, 2011, 55).
Ordem política do belicismo estrutural

Na dimensão política da crise se constituiu um "novo" comando, pautado pela ordem armada do capital, que é cada dia mais violento. Essa articulação passou por uma reformulação no sentido de unificar o bloco de forças que tem na defesa do neoliberalismo, a sua agenda constante. Essa síntese política e ideológica sacralizou, numa inflexão à direita, um conjunto de forças que antes tinha pequenas divergências de método, mas que agora unificaram-se na perspectiva de um padrão de disputa que encontra fundamentos na americanização da política. Portanto, temos um projeto do bloco conservador que é operado na esfera política e na sociedade civil, por uma política e dois partidos, com todo o seu arcabouço montado a partir de uma estrutura de coalização política e nos aparerelhos de hegemonia.

Uma política e dois partidos, mas também, uma direita e dois partidos. Esse projeto originário do sistema eleitoral estadunidense, com o acirramento da luta de classes, a burguesia agiu para torná-lo perene em amplos espaços da cena política mundial, como forma de dominação sem risco através de eleições "seguras". Passamos a ter esse modelo na política alemã, isso tem ocorrido na França, na Espanha, em Portugal, Canadá, India, Chile, México, Itália, Paquistão, Austrália, e está consolidado na Inglaterra. A partir da primeira década do século XXI, o Brasil iniciou a sua adesão a esse modelo, com a indiferenciação, a grosso modo, das políticas entre o PT [6] e o PSDB [7] na gestão do Estado, e no comando dos interesses de classe, de frações hegemônicas da burguesia que foram defendidos em um primeiro momento pelo PSDB com o seu neoliberalismo ortodoxo, mas, que agora são defendidos e estimulados pelo PT, com a política de "neodesenvolvimentismo do capitalismo neoliberal" (Boito, 2011).

Essa americanização da política tem, no modelo estadunidense, uma "forma enfim encontrada" para permitir à "disputa" eleitoral manter intacto o aparato ideológico conservador, realizando o ciclo jurídico da "democracia" burguesa, do qual sairá vencedor o partido republicano ou o partido democrata, mas principalmente a burguesia, que apenas realiza a disputa entre as suas frações, para saber quem será hegemônico no bloco que controlará o poder (POULANTZAS, 1971).

Essa ação política é, em primeira instância, produto da capitulação da social-democracia européia, que capitulou ao projeto conservador, como expressão do rebaixamento da pauta política levando essa concepção ideológica à vários governos dos Estados Europeus. A social democracia chegou ao limite da sua perspectiva, bateu no teto, e agora está na sargeta, tamanha foi a sua conversão à lógica do capital. Por falta de um projeto alternativo, de cunho desenvolvimentista e centrado no papel do Estado, se conformou em ser o resignado operador das políticas da burguesia monopolista e do imperialista. Pois o Estado é "todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não só justifica e mantém não só seu domínio, mas consegue obter o consentimento ativo dos governados" (GRAMSCI, 2000, p. 331).

Temos nesse projeto a geração concreta de um modelo para realizar a política institucional, com sua prática em várias partes do mundo. Centrada em dois partidos que são fortes, que têm uma formulação política pouco diferenciada, uma mesma relação ideológica com o mercado, poucas diferenciações na forma de agir, com repercussões particulares no Parlamento e na metodologia de implementar as políticas de governo. Mas, no concreto e real da vida em sociedade, na sua natureza ideológica e do ponto de vista da política, sempre, uma política e dois partidos. Mas, também, uma direita e dois partidos como instrumento estrutural da política belicista.

Na dimensão da geopolítica internacional, a leitura da crise nos permite entender, com ampla visibilidade, a queda do predomínio dos Estados Unidos, apesar do seu aparato bélico. Não só pela percepção de um projeto que está em processo de esgotamento, mas também por uma tumultuada forma de fazer política no cenário internacional. Somada à saturação do seu modelo de desenvolvimento, os EUA precisam construir cotidianamente conflitos bélicos para reafirmar a ideologia nacional e manter seu complexo militar em funcionamento.

Essa ação dos falcões estadunidenses, nome autointitulado pela direita fascista no aparato do governo Bush (2001-2009), tem criado guerras pelo mundo afora. Guerra contra os povos em luta; guerras por interesses econômicos; guerra para criar mercados para a grande burguesia monopolista; guerras como alavancagem eleitoral para aqueles que estão no poder pleiteando a sua continuidade; guerras para lucrar com a reconstrução; guerras para exterminar a possibilidade de encontro da classe operária com a sua humanidade.

Na política internacional, os abutres que adotam uma política especializada no morticínio têm forçado a federalização da ONU, ou seja, a ONU tem servido de forma particular aos interesses elementares de frações regionais (governos nacionais) da burguesia mundial. Essa perspectiva de comando partilhado, tem demonstrado o loteamento das ações desse organismo internacional de "mediação de conflitos políticos", a partir de novos interesses do imperialismo para manter o predomínio de classe da burguesia, e avançar com suas garras sobre outras nações, a exemplo da França no norte da África.

A particularização dessa política de federalização tem permitido uma conduta imperialista com a total leniência da ONU [8] . A nova partilha, realizada entre os membros do Conselho de Segurança, permitem que eles avancem como aves de rapina sobre os diversos povos em luta, e sobre os seus ricos territórios.

A presença do Brasil nesse cenário de federalização de organismos internacionais, tem como meta a criação de uma tensão que consolide a abertura de mercados para a sua burguesia associada, com interesse na perspectiva de se colocar como alternativa de mediação para os conflitos interregionais. No entanto, não como aliado dos povos em luta, mas sim como um dos braços que age no campo do imperialismo [9] . Todavia, a vertente diferenciada do Brasil nos conflitos em curso, deve ser interpretada a partir da lógica de negócios que norteia a diplomacia brasileira, desde o período da ditadura militar. O Brasil gerenciado pelo atual consórcio, notório braço da social democracia tardia [10] , e sua coalizão, desejam a inserção da "burguesia interna" na nova perspectiva de dominação mundial.

O Brasil potência é um aviltado projeto de consórcio com o imperialismo federalizado, a serviço da burguesia, que no plano interno permitiu a uma camada (parcela de classe) identificada como aristocracia operária e, ao sindicalismo dos fundos de pensão, a gerência do Estado. Portanto (...) "os estratos radicais da burguesia e da pequena burguesia se compõem com a ordem" (FERNANDES, 2009, p. 19), com os últimos dois governos (Lula e Dilma) executando a contrarrevolução permanente, tão necessária para a dominação da hegemonia conservadora. Por outro lado, esse projeto abriu brechas significativas para integrar de forma passiva e cooptada, sob o comando da "burguesia interna", segmentos populares: "baixa classe média"; populações que transitam entre os baixos salários e o desemprego; e uma parcela do campesinato.

A revolução passiva, que é para Gramsci (1992) um critério de interpretação histórica, serve, nesse caso, para que possamos analisar a realidade brasileira.
Ainda a respeito do conceito de "revolução passiva" ou "revolução-restauração (...) devemos notar que é preciso colocar com exatidão o problema que, em algumas tendências historiográficas, é chamado de relações entre condições objetivas e condições subjetivas do acontecimento histórico. Parece evidente que as chamadas condições subjetivas não podem faltar nunca quando existem as condições objetivas, pois se trata de simples distinção de caráter didático: portanto, é sobre a medida das forças subjetivas e de sua intensidade que pode haver discussão, daí a relação dialética entre as forças subjetivas constratantes (GRAMSCI, 1992, 89-90).
Desde a última década estamos vivendo, no Brasil, uma "revolução passiva" permanente, que se transformou em contrarrevolução preventiva (restauração conservadora), esse procedimento operou algumas concessões aos de baixo e executou o transformismo (GRAMSCI, 2002) na esquerda brasileira para aperfeiçoar a impotência dos impotentes. Podemos entender como transformismo a "absorção gradual mas continua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliavelmente inimigos" (GRAMSCI, 2002, p. 63).

Ainda podemos caracterizar esse conceito teórico, no sentido de analisar a política desenvolvida por determinados blocos no poder, que com a sua ação nos permite perceber o processo no qual se constrói, também, a dominação de classe.
Por "revolução passiva" deve entender-se que o processo de desenvolvimento histórico está protagonizado pelas classes dominantes que conseguem neutralizar as classes subordinadas mediante uma política de oportunas concessões reformistas. Trata-se de uma situação na qual forças conservadoras hegemônicas conseguem desagregar seus antagonistas, incorporando a seu projeto político parte da antítese, ainda que bem controlada (PRAT, 1984, 54).
À guisa de concluir

A cena política protagonizada pela burguesia monopolista mundial construiu um consórcio ramificado no Estado Nação e nos organismos multilaterais para possibilitar, via a institucionalidade, ou através da guerra, o caminho para um novo ciclo do capital. No entanto, essa perspectiva da burguesia tem encontrado a resistência das lutas anti-sistêmicas e dos movimentos sociais, em variadas manifestações; bem como o resurgir de uma nova necessidade histórica, que é a luta pautada pela presença do operador político, enquanto organizador coletivo, para agir como vanguarda dos trabalhadores no processo em curso da luta de classes. Pois, "É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver" (MARX, 1982, p. 26).
Bibliografia
 

BOITO JR., Armando. "A nova fase do capitalismo neoliberal no Brasil e a sua inserção no quadro político da América Latina". In: ALIAGA, Luciana; AMORIN, Henrique; MARCELINO, Paula (Orgs.), Marxismo: Teoria, História e Política.
CHESNAIS, François. "A vulnerabilidade do sistema financeiro, a ilegitimidade das dívidas públicas e o combate político internacionalista por sua anulação". Lutas Sociais, São Paulo, nº 25/26, 2011.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2006.
__________. Nós e o marxismo. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárceres (V.3). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
__________. Cadernos do Cárcere (V.5). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
__________. Poder, Política e Partido. São Paulo: Brasiliense, 1992.
MANZANO, Sofia. "Crise estrutural e os direitos dos trabalhadores na Europa do euro". Uberlândia, Crítica e Sociedade, nº 3, 2011.
MARX, Karl. Para a crítica da economia política; Salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes: a economia vulgar (Coleção os economistas). São Paulo: Abril Cultural, 1982.
MÉSZÁROS, István. "Uma crise estrutural necessita de mudança estrutural". São Paulo, Margem Esquerda, nº 17, 2011.
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971.
PRAT, C. R. Aguilera de. Gramsci y la via nacional al Socialismo. Madri: Akal/Universitaria, 1984.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2000.

Notas
1. A hipótese levantada pela autora, neste artigo, é de que a política de união monetária e o estabelecimento do Euro como moeda única levou à edição de um 'novo padrão-ouro' que, como no período clássico do padrão-ouro, transferem aos trabalhadores os custos dos ajustes macroeconômicos.
2. Jurista russo, foi professor de direito internacional em Paris.
3. Ver esse debate em http//cadtm.org/Dette-odieuse/
4. Ver, CHESNAIS, François. "A vulnerabilidade do sistema financeiro, a ilegitimidade das dívidas públicas e o combate político internacionalista por sua anulação". Lutas Sociais , São Paulo, s/ed., 25/26, 2011.
5. Culto ao dinheiro na constante procura do lucro, que tem ganhado protagonismo ideológico no contexto das relações sociais.
6. Partido dos Trabalhadores ao qual pertencem o ex-presidente Lula e a atual presidente, Dilma Roussef.
7. Partido da Social Democracia Brasileira ao qual pertence, o ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso.
8. Ver a postura desse organismo internacional nas questões do Iraque, Afeganistão e do norte da África.
9. Vide a postura intervencionista, do Brasil, no Haiti.
10. Não temos no Brasil uma tradição, histórica, da social-democracia. Ela surge com o PT em um processo tardio, quando a pauta social dessa tendência reformista não tinha mais aderência à cena política contemporânea.


[*] Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB); editor da revista Novos Temas; autor/organizador, entre outros, dos livros Outubro e as experiências socialistas do século XX, e 140 anos da Comuna Paris; Membro do CC do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A luta de classe é sempre pedagógica

Elaine Tavares - Adital

A greve dos trabalhadores do transporte público foi uma linda lição de luta de classe que durou três dias em Florianópolis. Nesses momentos de ruptura da ordem estabelecida é que se pode ver como todo esse pacto que os ditos liberais fazem de "colaboração e parceria” com os trabalhadores se traduz em nada. Basta que os trabalhadores exijam um direito, melhores salários e melhores condições laborais e o empresariado arreganha os dentes, acompanhado de toda a mídia comercial, mais os poderes da república. Tudo vira contra a luta dos trabalhadores. E eles ainda passam pelos grandes vilões.
Quem mora numa cidade grande, sabe. O trânsito mata. Não só por conta da violência dos acidentes, mas pelo caos diário que provoca estresse e selvageria. Nesse universo, um motorista de ônibus, que faz dezenas de viagens, iguais e repetitivas, está submetido a forte pressão. Não é à toa o pedido de redução de carga horária para seis horas. E a resposta dos empresários? "Isso é impossível, vamos ter de contratar mais gente!”. Mas, ora, e isso não é bom? Mais emprego, mais "colaboradores”? Pois ninguém fala sobre isso. A imprensa, feito papagaio, se limita a reproduzir à exaustão os argumentos pífios dos empresários.
Em todos os canais de televisão foram convidados os empresários do transporte, os lojistas, especialistas em economia e o festival de bobagens se espraiou. Reclamações indignadas dos comerciantes que estavam perdendo dinheiro. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Declarações indignadas dos empresários do transporte sobre o prejuízo à cidade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Também a população era incitada a dar sua opinião, com os telefones abertos, para que reclamassem à vontade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores.
Uma reportagem da RBS mostrou um repórter, dentro de uma empresa de ônibus, no interior de um veículo que tentava furar o cerco que os grevistas faziam em frente ao portão. O espetáculo da defesa do direito daquele trabalhador específico que queria trabalhar, e não podia. Uma minoria entre os motoristas e cobradores, mas foi o que recebeu os holofotes. A maioria dos trabalhadores que enfrenta o trânsito maluco de uma cidade que prioriza o carro não teve sua história contada. As duas seriam boas histórias, as duas, e não apenas um lado da moeda.
Não teve repórter na casa de um motorista mostrando seu cotidiano, sua vida na periferia, seu acordar de madrugada, seu medo de assalto nos madrugadões, o sacrifício para criar os filhos. Não. A dor era a dos empresários que, desgraçadamente, estavam tendo prejuízos por conta do fato de que os trabalhadores estavam exigindo direitos.
Também os números eram manipulados na cara dura. "Os empresários estão dando aumento de 7%, o que querem mais?”, diziam os comentaristas, arvorados subitamente de defensores da ordem e das gentes. Mentira. A proposta era de recomposição salarial de quatro e pouco, mais dois de aumento real. Os mesmos comentaristas, inflamados diante da ousadia dos trabalhadores não eram capazes de falar que em Florianópolis são apenas cinco empresas que cobrem o serviço de transporte, que há um monopólio de linhas, que as gentes não têm opção, que nunca houve licitação para a contratação das empresas, que tem gente graúda da política com ações nessas empresas. Nenhuma confrontação de dados sobre os lucros das empresas, do que a prefeitura joga de dinheiro público no serviço privado. Nada. Hélio Costa foi o único que fez alguma pergunta incômoda ao representante dos empresários, mas acabou incorporando o discurso de que o caos era culpa dos trabalhadores.
O prefeito Dario Berger, como sempre, foi um fiasco, agindo como se a prefeitura não tivesse nada o que fazer diante da "violência” imposta pelos trabalhadores. Seu único arroubo foi dizer que mandaria punir os donos de vans que estariam cobrando a mais dos quatro reais autorizados pela prefeitura. E nenhum repórter ou comentarista para questionar essa omissão.
A procuradoria foi rápida em dar seu parecer, lançando uma nota digna de "nota”. Chegou a propor a demissão de 10% dos trabalhadores de cada empresa, como medida de punição aos trabalhadores em luta. E a nota era lida e relida, como se fosse a verdade verdadeira. Lembrei-me do dia em que entramos na Justiça com pedido de suspensão do show do Bem Harper, no Campeche, que estava sendo proposto em uma área de preservação permanente. Nenhuma palavra da "justiça”. Contra os ricos não há ação "punitiva”. Não há. É fácil ser valente diante daqueles que só têm os "seus corpos nus”, como diria o grande contador de histórias do povo, o repórter Marcos Faerman.
Mas essa gente aguerrida fez a sua luta. Mostrou que esse papo de conciliação entre capital e trabalho não existe. Não há como existir. Os trabalhadores estarão sempre em busca de melhoria no seu fazer cotidiano que, dentro do capitalismo, sempre será de exploração. É uma corda esticada no limite. E nesse cabo de guerra, os empresários nunca – eu disse nunca – serão bonzinhos. Cada pequeno avanço só vem com luta, luta forte, luta renhida. Assim, quando a luta de uma categoria se faz, o certo mesmo é haver a união de classe. Os trabalhadores todos, juntos, apoiando a luta daqueles que tiveram coragem de fazê-la.
Aí, agora, os papagaios dos poderosos já estão atuando ideologicamente. Os trabalhadores venceram essa queda de braço, arrancaram mais uma coisinha dos patrões. Isso não pode ficar impune. Então, o braço duro da vingança vem com força. Já começam a falar em aumento da tarifa. E aí, a culpa será de quem? Dos trabalhadores que lutaram. Falar-se-á em conluios, em tramoias entre o sindicato dos trabalhadores e os patrões. Dir-se-á que foi tudo armado, que era jogada. E mais uma vez os trabalhadores serão punidos, porque ousaram lutar e vencer.
Então, quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. A greve é a expressão da luta de classe. A greve é a ruptura da ordem que impõe a exploração aos trabalhadores. A greve é um dos poucos recursos de força que os trabalhadores têm para negociar. Ela é necessária para que os direitos avancem. Se vier aumento, não é por causa da greve. É porque os empresários não querem diminuir em um centavo sequer os seus lucros. Então, eles, não satisfeitos em sugar os trabalhadores, ainda sugam o povo. Se vier aumento, a causa é a ganância pelo lucro, a omissão de uma prefeitura que não se importa com os cidadãos.
E se ele, o aumento, de fato vier? Então, será hora de a população aprender com os motoristas e cobradores. Lutar e vencer!

Elaine Tavares
Jornalista do Instituto de Estudos Latino-americanos

terça-feira, 29 de maio de 2012

Cumplicidade com o atraso

Por Raul Silva Telles do Valle no BLOG DO JUREMIR MACHADO




Em setembro de 2010, em plena corrida presidencial, um grupo de organizações da sociedade civil encaminhou aos então candidatos um conjunto de questões relativas às propostas de modificação do Código Florestal. Já àquela época, avançava na Câmara dos Deputados o projeto ruralista de modificação da legislação florestal e as organizações queriam saber o que pensavam os aspirantes ao cargo maior do País. A hoje presidenta da República, Dilma Rousseff, questionada se apoiava ou não a anistia proposta pelo texto então em tramitação, disse textualmente: “construímos no governo Lula um consenso de que a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente. Temos que estimular e apoiar esta transição, dando condições técnicas e materiais para nossos agricultores recuperarem estas áreas” (veja aqui).
A partir daí, a candidata e depois presidenta teve a oportunidade de repetir diversas vezes que não passaria a mão na cabeça de quem desmatou ilegalmente. Isso alimentou um sentimento difuso de esperança na sociedade, que, depois de aprovado o projeto ruralista pelo Congresso Nacional, passou a manifestar de forma inequívoca, por todos os meios disponíveis, amplo apoio à presidenta para que ela cumprisse com sua palavra. Ciente de que ela estava emparedada entre sua palavra e os anseios da sociedade, de um lado, e os interesses de uma parte expressiva de sua base de apoio parlamentar, os cidadãos brasileiros sinalizaram que ela poderia contar com eles para confrontar a chantagem dos representantes da elite agrária brasileira.
Na tarde da última sexta-feira, 25 de maio, exatamente um ano após a aprovação do relatório Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, três ministros vieram a público, com muitas palavras e nenhum documento, para reafirmar que o projeto seria vetado. Não na sua íntegra, como sinal de respeito ao Congresso Nacional. Mas os pontos que significassem anistia teriam sido extirpados. Mais desmatamentos? De jeito nenhum, tudo seria eliminado.
O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século 21 – e repleto de anistias.
Perguntam-se muitos: mas como? A presidenta não disse que não aceitaria? Os ministros não afirmaram veementemente que a anisitia havia sido retirada? Então, como alguns ainda dizem que há anistia na lei?
A partir de agora vai começar a guerra de comunicação. Tal como Goebbels, o Governo Federal vai insistir na tese de que uma mentira contada mil vezes vai virar verdade. Assim, para que não fique o dito pelo não dito, explico porque Dilma Roussef, contrariando tudo o que havia dito até agora, assinou embaixo da maior anistia ambiental da história do país.
A ministra do Meio Ambiente, repetindo um mantra ecoado pelos ruralistas, afirmou publicamente que o projeto não tem anistia. Teria como objetivo, simplesmente, legalizar ocupações “antigas”, feitas de acordo com as regras da época.
A Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012, o novo Código “Florestal”, continua mantendo, no entanto, a figura de “área rural consolidada”. Segundo o artigo 3o, ela é uma “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008” (inciso IV).
Um incauto leitor da lei deve logo pensar: “então, antes de 2008, os proprietários rurais não precisavam proteger as florestas existentes em suas terras ou a quantidade de área protegida era menor”. Ledo engano. Desde 1934, com o “velho” Código Florestal, o proprietário é obrigado a manter as florestas das áreas “vulneráveis a erosões” e respeitar os 25% da propriedade que não poderiam ser convertidos para agropecuária, o que posteriormente veio a ser denominado de “reserva legal”.
Em 1965, como todo mundo desmatava alegando que não sabia quais eram essas tais áreas vulneráveis, veio o “novo” Código Florestal e deixou claro que essas áreas eram os topos de morro, as encostas íngremes, as nascentes, as beiras de rio. E fixou padrões e metragens, para ninguém dizer que não sabia que ali não podia desmatar.
Em 1986, houve uma alteração pontual: as matas ciliares deveriam ser protegidas em, no mínimo, 30 metros contados das margens, e não apenas cinco como era até então. Em 1996, veio outra modificação: na Amazônia Legal (e só lá), a reserva legal seria aumentada de 50% para 80% do imóvel, em áreas de floresta, e diminuída de 50% para 35%, em áreas de cerrado (clique no quadro abaixo para ampliar).

Dessa brevíssima digressão espero ter ficado claro que um desmatamento realizado em 2008 em encostas íngremes ou nascentes, por exemplo, assim como na área destinada à reserva legal, era absolutamente ilegal. Mesmo que realizado dez anos antes, era ilegal. Em muitos casos, mesmo que realizado várias décadas antes seria ilegal.
O “novíssimo” Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de “Preservação Permanente” e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008 (e não em 1965, 1989 ou 1996). Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia. Mas como?
O artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.
O artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior (saiba mais).
O artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros (veja aqui).
Mesmo no caso das matas ciliares e nascentes, que erroneamente foi tomado pela grande mídia como “o” caso de anistia (como se as anteriores não existissem), e que o Governo Federal, na pirotecnia feita no dia 25/5, usou como exemplo para dizer que “não havia mais anistia”, ela está lá, inteirinha. O art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008 (e não em 1965 ou 1986), quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.
E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com “espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas”. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc. Ou seja: o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%. Uma “correção” publicada hoje no Diário Oficial determina que esse dispositivo vale apenas para áreas de até quatro módulos fiscais.
Mas o problema da anistia não é apenas, ou principalmente, moral. É ambiental. O “novíssimo” Código Florestal diz em seu Art. 3º que as áreas de preservação permanente têm a função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Com a anistia promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, haverá uma grande parte dessas áreas que nunca mais cumprirão com essa função, pois jamais voltarão a ter vegetação nativa. Em várias regiões do país há mais APPs e reservas legais desmatadas do que preservadas (leia mais). Justamente nessas regiões falta água, sobram enchentes, morrem nascentes, acaba a fauna. E assim será.
Somando-se todas as anistias com todos os pontos onde há uma diminuição na proteção das florestas que não foram ainda derrubadas e como prenunciado aqui (leia aqui), deixamos de ter, na prática, uma lei de proteção às florestas existentes em áreas privadas. O remendo de lei aprovado tem todos os defeitos das leis anteriores (poucas medidas de apoio a sua implementação), mas poucas de suas virtudes. É contraditório e complexo de interpretar.
Ao não cumprir com a palavra empenhada perante a sociedade, a presidenta Dilma Rousseff se tornou cúmplice do projeto de país que a ala mais retrógrada de nossa elite econômica está desenhando. E entrará para história como aquela que, mesmo podendo, mesmo tendo todo o apoio da sociedade, não evitou o maior retrocesso nos padrões de proteção ambiental da história brasileira. E talvez mundial, pois não me consta que em outros países a proteção às florestas esteja diminuindo, muito pelo contrário. Em pleno século 21, voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Um ideal neoliberal: o “Homo Economicus”


Vaz de Carvalho

 
Os filósofos representaram como um Ideal - o “Homem” – indivíduos que não se veem subordinados à divisão do trabalho (…) Deste modo se concebe este processo como um processo de alienação do “Homem” (Marx – A Ideologia Alemã). (1)

1 – Sem consciência do bem e do mal
 

O mundo perfeito do neoliberalismo – a que a social-democracia se submete, para além da retórica de ocasião - é formado por indivíduos perfeitamente livres, perfeitamente racionais, orientados pelas suas escolhas económicas. Trata-se do designado “homo economicus”. Que visão do mundo é que nos propõem? Seres humanos que se guiam e são guiados apenas por considerações económicas. Neste sistema, o lucro capitalista-financeiro sobrepõe-se a quaisquer outras considerações, os sacrifícios das pessoas não são tidos em conta, o desemprego, não é um acidente: é uma forma de gestão. (2) As “reformas estruturais” – eufemismo para iludir os incautos – postas em prática pelo governo e reclamadas pela “troika” – e apoiantes - são bem a confirmação do que dizemos.
“O direito ao trabalho e a proteção do ambiente tornaram-se excessivos na maior parte dos países desenvolvidos. O comércio livre vai reprimir alguns destes excessos, obrigando cada um a tornar-se competitivo” declara o Prémio Nobel, Gary Becker, pai de uma “economia generalizada”, segundo a qual toda alógica social é redutível a uma pura racionalidade económica” (2) Este “puro” faria sorrir não fosse a tragédia dos que sofrem as dramáticas consequências desta “racionalidade”, que se traduz em desemprego, pobreza e fome que alastram pelos países onde é aplicada.
Mas acerca da concorrência vale a pena recordar Marx e Engels: “A concorrência isola os indivíduos, não apenas os burgueses mas mais ainda os proletários enfrentando-se uns aos outros, apesar do que os une.” (3), O proletariado liberta-se suprimindo a concorrência (4)
Bem se pode dizer que o “homo economicus” é o grau zero do pensamento, um “Homem” imaginado sem História, sem sociologia, sem psicologia que não a das escolhas do mercado, sem ideias nem ideologia, passivamente explorado pela oligarquia triunfante eis, pois, o ideal “democrático” do neoliberalismo. Não admira que nos governos, tecnocratas adeptos destes preconceitos ocupem ministérios fundamentais. Neste sentido a sua mais brilhante argumentação – não parece disporem de mais – é classificarem de “ideologia” as críticas mais pertinentes. No fascismo era-se perseguido por ter ou fazer “política”, no neoliberalismo é-se marginalizado por ter “ideologia”.
Quando não há princípios tudo se pode equivaler, sendo que o equivalente universal é o dinheiro. O “homo economicus” a que querem reduzir a humanidade, parece-se com o protagonista de “O Estrangeiro” de Albert Camus, sem consciência do bem e do mal. Uma humanidade seguindo raciocínios que se traduzem em fórmulas matemáticas, que ora nos dizem ser simples e evidentes, ora nos apresentam inextrincavelmente complexas. Um mundo em que a irresponsabilidade moral dos indivíduos e da sociedade está coberta pela acção do mercado. Mas será só isto a vida? Não haverá nada para além deste modelo artificial com o qual querem construir uma hipotética realidade que seria perfeita quando abandonássemos toda a dimensão do humanismo?
Claro que não são negados valores, pelo contrário, são proclamados e lamenta-se a sua falta. Porém, não vão além de piedosos votos religiosos, de superstições diversas, de ilusória boa consciência dos voluntariados, de caridade, que serve para mascarar as crescentes injustiças e a desagregação social.
Na realidade, independentemente de toda a retórica “personalista” o “homo economicus” é forçosamente conformista. O objetivo do neoliberalismo é produzir seres humanos à medida de interesses assumidamente privados das transnacionais e da finança especuladora, para daí deduzir e aplicar os seus dogmas.

2 – A corrupção moral
 
A racionalidade neoliberal é evidente na corrupção moral da oligarquia. Gary Smith, um ex-executivo da Goldman Sachs expressa-o claramente: “o objetivo dos banqueiros de todo o mundo é maximizar o seu ganho independentemente das consequências para os outros (5)
Os paraísos fiscais são a expressão funcional desta corrupção. Enquanto os povos são sujeitos a sacrifícios apenas comparáveis aos tempos de guerra e de ditadura, o grande capital circula em livre simbiose com a fraude e o dinheiro sujo repleto de horrores das “máfias”. É hoje praticamente impossível distingui-los.
Nesta UE a racionalidade competitiva tem sentidos opostos conforme o poder de mercado de cada um. O povo trabalhador é sujeito a mais impostos e à perda de direitos laborais e sociais: são os “ajustamentos estruturais” e a austeridade; para os oligarcas da banca e mono ou oligopólios são oferecidos resgates financeiros (os “bailouts”) e paraísos fiscais onde praticamente sem impostos colocam “livremente” o resultado das fraudes e da exploração acrescida a que as camadas trabalhadoras estão sujeitas. As deslocalizações de empresas e ativos financeiros são um exemplo da corrupção de moral social de que o grande capital está possuído. A simples exigência de contribuírem com mais algumas migalhas de impostos em países sufocados por iníquas austeridades torna “os mercados traumatizados”, na expressão de um dos seus epígonos, perante o ar reverente do sr. entrevistador.
Na base de tudo isto estão três dogmas, afinal, atratores do capitalismo (6)
“- A obrigação moral de cada indivíduo para com a sociedade é alcançada maximizando o ganho pessoal
- Dinheiro é riqueza e ganhar dinheiro aumenta a riqueza da sociedade
- Ganhar dinheiro é o objetivo da iniciativa individual e a medida adequada da prosperidade e desempenho económico.” (5)
Como é que chegamos aqui? Negando que existam classes, camadas sociais, originadas pelas contradições não resolvidas, antagónicas, do capitalismo. Na prática, impõe-se um modelo no qual só há indivíduos isolados, separados uns dos outros, cuja ligação é estabelecida pelas leis do mercado. Ou seja, cada indivíduo guia-se pelo seu máximo interesse, isto é, pelo seu egoísmo. Porém, as escolhas da sociedade não podem guiar-se apenas pelos interesses individuais, ou seja, pelo seu egoísmo, numa sociedade que justamente o amplia, justificando assim uma hipotética eficiência na utilização dos recursos existentes, porém apenas no interesse da minoria dominante. A depredação dos recursos naturais e do ambiente representa a mais completa negação desta pseudo eficiência, na realidade corrupção moral.
Foi aqui que chegamos por se sobrepor o egoísmo individual às necessidades colectivas, com justificações apoiadas em abstracções matemáticas. A questão verdadeiramente importante não consiste em saber se as descrições causais podem ser expressas numa fórmula matemática precisa, mas em saber se a fonte do nosso conhecimento são as leis objetivas da Natureza ou proposições da nossa mente. (7)
A questão que se pode colocar é: como é que teses tão absurdas, frouxas sob qualquer perspectiva teórica, que os factos negam de forma evidente, fez escola, governa e submete os povos, com o apoio explícito da social-democracia.
Porém, por incrível, o absurdo faz por vezes história na História. No século XVII, o bispo Bossuet construiu uma tese demonstrando o direito divino dos reis. Era o que o absolutismo monárquico e em primeiro lugar Luis XIV desejava ouvir, a quem a obra foi dedicada. Quando, depois de Erasmo, os mais eminentes pensadores, como Espinosa, Hobbes, e outros - desfaziam os preconceitos e as superstições de um passado obscurantista e feudal, Bossuet, reformulava dogmas medievais. O direito divino dos reis, então outorgado pelo Papa, passava a ser recebido directamente de Deus, para governar os povos. Onde está direito divino leia-se hoje “os mercados”. Em ambos os casos, na prática, foi uma forma de aprofundar a arbitrariedade dos poderosos.

3 – O egoísmo como lei fundamental.
 
A economia neoliberal trouxe de volta o egoísmo individual e o mercado “livre” como lei fundamental das sociedades e princípio do máximo benefício para todos. O capital querendo libertar-se de todas as determinações que não favoreçam a maximização do lucro inventou um “homo economicus”.
A promoção do egoísmo é feita ao pretender reduzir a sociedade a uma soma de indivíduos, é como se a sociologia fosse uma simples aritmética. O curioso é que se vende este cúmulo de egoísmos, esta irracionalidade, como a suprema racionalidade.
Em cada passo deste contexto concepções voluntaristas substituem a análise dialéctica. Em termos sociológicos procura-se transformar as pessoas de cidadãos em – apenas - consumidores, autómatos programáveis de acordo com a maior vantagem para os mono e oligopólios. Tudo entrou no campo da mercadoria, assim a generalidade das pessoas para serem consumidoras são em primeiro lugar mercadorias como trabalhadores. A liberdade que se promove é, pois, a de consumir – se puder.
Os que detêm maior poder de mercado determinam as escolhas, ou pelo menos os seus contextos. São eles os donos do casino em que se tornou a economia, os outros jogam com as suas fichas e eles ganham sempre. Na realidade, a escolha de base já está feita: o máximo lucro do grande capital acima de tudo.
O livre arbítrio morreu há muito, mas é ressuscitado nos padrões do “homo economicus” para camuflar a alienação e a manipulação. As tese liberais de que cada indivíduo conhece melhor o que lhe convém faz por ignorar quais os critérios e contextos em que esse conhecimento se aplica. As pessoas agem no seu círculo de circunstâncias com graus de liberdade muito diferentes conforme a situação económica e, claro, também psicológica. Que espécie de liberdade existe, isto é, capacidade de autodeterminação, numa sociedade cujo funcionamento repousa em padrões de desemprego, precariedade e dita “flexibilidade” laboral? Note-se que os seus mentores consideram um desemprego de 3 ou 4%, “anormalmente baixo”…O desemprego nesta ideologia, para além das ditas “preocupações” de governantes que fazem tudo o que podem para o facilitar, não é um acidente, é como dissemos: uma forma de gestão.
Com o sofisma do “homo economicus” procura-se destruir as defesas sociais dos indivíduos criando-lhes novas necessidades: necessidades não satisfeitas, a todos os níveis. Desperta-se, em particular nos jovens, a exaltação de desejos, compulsões de origem psicológica desenvolvendo automatismos de procura de autosatisfação. Procura-se cristalizar na sua imaginação que tudo o que lhes é proposto apareça como belo e excitante. Quanto mais deprimido estiver, e a vida real gera a depressão pela insegurança fruto da amoralidade economicista, mais facilmente a pessoa assume essas acções de alienação. E aqui reside a libertação que o sistema lhe proporciona, não mais, e que vale apenas o dinheiro de que dispuser.

4 – Que racionalidade?
 
O axioma da racionalidade liberal foi definido por Marx quando expôs o que representava para a burguesia o consumidor racional: “Abaixamento do salário e longas horas de trabalho – é este o núcleo do comportamento racional e saudável do operário” (8)
Para suportar as suas teses o neoliberalismo inventa o tal “homo economicus, considerando que todas as motivações são conscientes e racionais. Faz por ignorar que a tomada de consciência é apenas a fase última do processo psíquico, condicionado por estímulos exteriores, que em muitos casos levam os indivíduos menos preparados ao consumo de objectos inúteis e de substâncias prejudiciais à saúde física ou mental e daí à frustração, aos comportamentos irracionais, ao desespero, à insanidade, à dependência e inclusive à marginalidade.
Para as escolhas, serem racionais e eficientes, deveria haver uma lista exaustiva dos estados futuros a que poderia conduzir cada uma das suas escolhas. Só que nesta economia não há futuro, é uma teoria sem tempo, ou melhor, cujo horizonte de tempo é uma derivada do presente, isto é, uma variação infinitesimal do presente numa função supostamente continua. Uma teoria que já mostrou não saber lidar com uma variável fundamental: a incerteza do futuro. Daqui que estes especialistas mostrem a sua competência quando tentam explicar por que erraram nas suas previsões ou se confessem “surpreendidos” com as nefastas consequências das suas políticas.
A racionalidade e a eficiência das escolhas têm sido experimentalmente postas em causa quando intervém a avaliação de probabilidades, em situações incerteza e de ambiguidade. Na economia, a complexidade das variáveis e sua evolução no tempo mostram que escolhas puramente racionais não podem ser tomadas individualmente. Estas escolhas estão desde logo condicionadas pelos interesses que dominam o ambiente social, sejam “os mercados”, seja a condução política. A racionalidade individual perde-se se aqueles interesses agirem em sentido contrário ao social, isto é, ao de cada vez maiores camadas da população.
A ilusão do “homo economicus”, vendida ao público como princípio de equidade moral e eficiência económica, serve apenas de álibi para a fraude, a corrupção e a especulação que lhe está associada. Trata-se da falácia da “Nova Economia”, que não passa da economia do desemprego e do empobrecimento das camadas trabalhadoras. As teses associadas ao “homo economicus” fazem parte do mecanismo de alienação necessário ao totalitarismo neoliberal.
A democracia só pode ser efectiva se consagrada por homens e mulheres livres, entenda-se com direitos sociais garantidos, sem existências precárias e não vivendo ao nível de uma incerta subsistência.
Perante o “homo economicus” amoral e unidimensional do neoliberalismo é necessário afirmar com Bento Jesus Caraça “a cultura integral do indivíduo” libertadora e revolucionária, pois, como afirma: “No seio das sociedades humanas manifestam-se dois princípios contrários, o individual e o colectivo, de cuja luta resultará um estado superior dessas mesmas sociedades em que o primeiro princípio – o individual – chegado a um elevado grau de desenvolvimento se absorverá no segundo.”
E estas palavras que podem até parecer estranhas à luz da dominante atual, exprimem afinal o conteúdo dos mais elevados momentos da Humanidade.

1 - Carl Marx – A Ideologia Alemã – Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.76 – Ed. Progresso Moscovo - 1972
2 - A Ilusão Neoliberal – René Passet – Ed. Terramar – 2002 - p.109
3 - Carl Marx – A Ideologia Alemã – Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.62– Ed. Progresso Moscovo - 1972
4 – F. Engels - Princípios do Comunismo - Obras Escolhidas de Marx e Engels - p.85 – Ed. Progresso Moscovo – 1972
5 - When Bankers Rule the World - By David Korten – www.informationclearinghouse - April 03, 2012
6- Um “atractor” pode ser definido como o conjunto de comportamentos característicos para o qual evoluiu um sistema dinâmico independentemente do ponto de partida.
7 – “A questão verdadeiramente importante da não consiste em saber qual o grau de precisão que alcançaram as nossas descrições das conexões causais e em saber se estas podem ser expressas numa fórmula matemática precisa - mas em saber se a fonte do nosso conhecimento dessas conexões são as leis objetivas da Natureza ou as propriedades da nossa mente, a faculdade que lhe é inerente de conhecer determinadas verdades apriorísticas, etc.” - V. I. Lenine – Materialismo e Empiriocriticismo – citado em “Sobre Lenine e a Filosofia” - J. Barata Moura – Ed. Avante 2010 – p.139.
8 - O Capital - Livro Segundo - Tomo V – Ed. Avante - p.550.
Dado que algumas pessoas ficam muito confusas ou perturbadas com o termo burguesia, esclareça-se que Marx e Engels distinguiram desde logo entre a burguesia e o pequeno empresariado. Os primeiros constituindo a “classe dos capitalistas modernos”, isto é “a indústria moderna que transformou a pequena oficina do mestre na grande fábrica do capitalista industrial” (Manifesto).