Fernando Silva
Aceitar algum tipo de regulamentação estatal é aceitar reduzir, limitar a força da classe trabalhadora e sua capacidade de ação independente, única possibilidade de fazer frente à classe dominante, de defender seus direitos e construir condições para fazer a relação de forças mudar a seu favor, o que evidentemente não é aceito pelo Capital e o seu Estado, que tratam sistematicamente de impor formas de coerção e tutela sobre a ação dos explorados. “Somente um governo de ex-sindicalistas pode propor restrições ao direito de greve”. Com essa inacreditável declaração, durante visita à Guiana, o presidente Lula reforçou a disposição do governo em regulamentar a greve nos serviços públicos.
Se nessa ocasião Lula estivesse sendo assessorado por algum consultor de um grande grupo capitalista, possivelmente seria aconselhado a não ser tão explícito, a evitar o desgaste com tamanha demonstração de subserviência. Até porque os verdadeiros interessados na restrição do direito de greve entendem perfeitamente o papel que ocupa um governo oriundo do movimento popular e da esquerda para manter a agenda do Capital e aprofundá-la.
Houve outras tantas constrangedoras declarações de ministros, como a do também ex-sindicalista Luiz Marinho. Preferimos nesse espaço poupar os leitores delas para irmos diretamente ao debate.
Primeiro: a regulamentação, restrição ou a proibição de greves em alguns setores (como diretamente sugeriu o ministro Paulo Bernardo) sempre foi uma exigência do Capital. Não por acaso, coube a órgãos como a Folha de São Paulo (Editorial, 6/3/2007) começar a dar nome aos bois, pedindo a cabeça dos servidores da Anvisa e do INSS.
Rigorosamente, o direito de greve já vem sendo atacado pelo Capital há vários anos através dos julgamentos de “abusividade”, multas aos sindicatos, interditos proibitórios, determinação de que um percentual da atividade não seja interrompida durante a greve.
Em oposição e em confronto a essa trincheira, a classe trabalhadora levantou as reivindicações de amplo e irrestrito direito de greve, nenhuma intervenção do Estado nos sindicatos, autonomia e liberdade de organização sindical e popular. Bandeiras históricas que ajudaram a produzir os próprios governantes que estão hoje dedicados a limitar o direito de greve... incluindo aqui a própria CUT, que, nesse debate, a pretexto de ratificar a Convenção 151 da OIT, aceita “conversar” sobre o direito de greve no setor público.
Segundo: quem é “prejudicado” durante uma greve é o lucro, é o Capital, direta ou indiretamente, mesmo quando a greve ocorre nos serviços públicos, de transporte, incluindo serviços portuários e aeroportuários. O resto é campanha cínica, pois o desmonte dos serviços públicos, dos direitos sociais, as privatizações, o corte de verbas e recursos para áreas sociais foram o que realmente importou para o Capital e o seu Estado, isso é, o essencial para a classe dominante.
Pois sabemos todos que o drama diário da população para ter acesso à saúde e educação dignas, transporte de qualidade com tarifas baratas e tantos outros serviços não tem nada a ver com a ocorrência de greves dos trabalhadores do setor público.
Terceiro: os socialistas, por princípio, devem se opor a qualquer tipo de regulamentação ou intervenção do Estado capitalista sobre direito de greve e de organização.
Aceitar algum tipo de regulamentação estatal é aceitar reduzir, limitar a força da classe trabalhadora e sua capacidade de ação independente, única possibilidade de fazer frente à classe dominante, de defender seus direitos e construir condições para fazer a relação de forças mudar a seu favor, o que evidentemente não é aceito pelo Capital e o seu Estado, que tratam sistematicamente de impor formas de coerção e tutela sobre a ação dos explorados.
São os próprios trabalhadores que devem ter o direito irrestrito de greve e total soberania para desenvolver a sua ação coletiva e o diálogo com o conjunto da população em relação à prestação dos serviços.
O governo Lula ameaça dar um passo ainda mais lamentável na ofensiva antidemocrática que vem sendo desenvolvida contra as classes trabalhadoras desde o governo Collor: ataques aos direitos sociais dos trabalhadores, criminalização dos movimentos sociais, com alvo nos sem-terra, e, agora, restrição do direito de greve nos serviços públicos.
Este novo fato reforça sobremaneira a necessidade de que uma agenda unificada dos movimentos sindical e popular combativos coloque esses temas em lugar de destaque, com uma enfática defesa do direito irrestrito de greve.
Fernando Silva, jornalista, é membro do diretório nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.