O presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, considera que o decreto 7.777,
editado pela presidenta Dilma Rouseff (PT) no dia 24 de julho de 2012, é
uma “interferência inadequada no direito à greve”, pois permite que os
servidores federais que paralisaram as atividades sejam substituídos por
funcionários estaduais ou municipais.
Nesta entrevista ao Sul21, Vagner Freitas avalia o
contexto das relações entre o funcionalismo e o governo após as greves
que atingiram mais de 30 categorias e fala também sobre o relacionamento
entre a CUT e o Palácio do Planalto. Ele rechaça a tese de que havia
uma “lua-de-mel” entre a entidade e o ex-presidente Lula, e de que
agora, com Dilma, as relações seriam mais conturbadas.
O presidente da CUT faz elogios ao governo federal e diz que a
relação com o projeto petista é melhor do que a “relação nenhuma” que
existia com o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. Mas garante
que a CUT é uma central autônoma e faz críticas sobre o ritmo lento com o
qual o governo encaminha a reforma agrária.
“O governo precisa estabelecer uma mesa permanente de negociação com os servidores e agilizar a aplicação da convenção 151 da OIT”
Sul21 – Como o senhor avalia o atual contexto do serviço público federal, com greves em mais de 30 categorias?
Vagner Freitas - Eu espero que no ano que vem tenhamos
um processo de negociação numa mesa permanente e que a negociação não
ocorra só na época do acordo coletivo. O governo precisa estabelecer uma
mesa permanente de negociação com os servidores e agilizar a aplicação
da convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
garante o direito de negociação dos servidores. Espero que a soma dessas
duas coisas consiga um desfecho para a campanha salarial em condições
melhores dos que as que existem hoje.
Sul21 – Em quais condições ocorreram as negociações das greves deste ano?
Vagner – A proposta feita pelo governo, que está sendo
aceita pelos servidores, poderia ser melhor se houvesse um processo de
negociação de longo prazo. Algumas questões referentes a carreiras e a
benefícios, além do reajuste, poderiam ter sido mais vantajosas para os
servidores. A maior parte das categorias está aceitando a proposta e
fazendo acordos com o governo. Acho que dá-se por terminado a trajetória
para essa negociação. Espero que na próxima negociação tenhamos algo
melhor organizado.
Sul21 – A relação do funcionalismo com o governo federal está
muito tensa? Não faltaram críticas de que o governo teria se negado a
negociar num primeiro momento e estaria adotando práticas autoritárias
em relação às greves.
Vagner – Tirando as questões naturais de tensionamento
entre patrão e empregado, o que acho que foi muito ruim nesse processo
foi o decreto 777 que o governo federal estabeleceu, possibilitando a
substituição de servidores federais por estaduais ou municipais. Isso é
uma interferência inadequada no direito à greve. Não concordamos com
isso em nenhum momento. Inclusive entramos com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) contra esse decreto. No restante, puxar
para um lado e para o outro faz parte do processo de reivindicação dos
trabalhadores, com o governo tentando ver seu próprio lado. Acho que o
governo demorou muito tempo para apresentar a proposta, deixando tudo
para o final de agosto. Era melhor que ele tivesse feito a proposta
econômica antes, pois talvez tivéssemos um desfecho mais rápido.
Sul21 – E o episódio do corte no ponto dos grevistas?
Vagner – Particularmente, se eu fosse governo, negociaria os dias parados no desfecho da greve.
“A CUT nunca esteve em lua-de-mel com governo nenhum. E também não é verdade que esteja em lua-de-fel com Dilma”
Sul21 – Fala-se bastante que havia uma espécie de
“lua-de-mel” entre a CUT e o governo Lula, e que as boas relações
estariam rompidas agora no governo Dilma.
Vagner – As duas coisas não são verdadeiras. A CUT
nunca esteve em lua-de-mel com governo nenhum porque representa os
trabalhadores e em geral há conflito (entre governo e servidores).
E também não é verdade que a CUT esteja em lua-de-fel com o governo
Dilma. O papel da CUT é defender os trabalhadores. Quando eles entram em
conflito com o patrão, a CUT fica do lado deles. Nossa relação com o
governo Dilma continua da mesma forma como era com o governo Lula. É uma
relação respeitosa com um projeto de governo que entendemos que é
importante para o Brasil e que, em geral, contempla muitas questões
reivindicadas pelos trabalhadores. Muito melhor, por exemplo, do que a
relação nenhuma que a CUT tinha com o governo Fernando Henrique, que
adotava um processo de perseguição contra os movimentos sociais, os
trabalhadores e o movimento sindical. Era um projeto que não interessava
aos trabalhadores. Quando concordamos com alguma coisa no governo
Dilma, manifestamos isso sem nenhum problema. E, quando discordamos,
apresentamos a divergência. Isso é normal numa democracia.
Sul21 – Os trabalhadores não sentem em Dilma uma postura mais
áspera para negociação? Lula, por seu passado como líder sindical, não
era mais aberto às demandas das centrais sindicais?
Vagner – O governo é o mesmo, mas os estilos são
diferentes e isso é normal. Lula é sindicalista e Dilma vem de um outro
tipo de militância. Isso não significa que ela vá ter mais ou menos
atenção ou respeito pelo movimenot sindical. Os estilos são diferentes
porque as trajetórias são diferentes.
Sul21 – A presidente tem utilizado a crise financeira na
Europa como justificativa para puxar o freio nos gastos públicos, e isso
envolve o aumento salarial aos servidores. Na sua avaliação, essa
política é correta?
Vagner – O governo alega que tem a crise internacional,
mas o mesmo governo diz que a economia brasileira é saudável. Há um
processo de crescimento menor do que há dois anos, mas continua havendo
crescimento, a economia não está em recessão. A estratégia desse governo
é promover o crescimento interno, aumentar o poder de compra do salário
e baratear o crédito. É diferente da estratégia de outros países, que
aplicam ajustes fiscais, cortam os direitos dos trabalhadores e limitam o
papel do Estado, com uma agenda neoliberal. O governo brasileiro
critica publicamente esse tipo de postura. Mas se o governo quiser dar
razão à sua argumentação, precisa também aumentar o salário dos
trabalhadores, que é diretamente injetado na economia e no consumo
interno. Por isso que eu acho que a discussão em torno da crise
econômica não deve ser vista para limitar os salários dos trabalhadores.
Porque se não fica contrário ao que o próprio governo prega.
Sul21 – Temos visto uma série de medidas do governo federal
para ajudar as grandes indústrias, como redução de impostos. E também,
mais recentemente, Dilma lançou um programa de estímulo à logística que
envolve concessões à iniciativa privada. Como os trabalhadores podem ser
beneficiados por essas medidas?
Vagner – O governo precisa atender às reivindicações
dos trabalhadores. Se há renúncia fiscal em prol de determinado setor da
economia, é necessário que haja também contrapartidas para os
trabalhadores, como geração de empregos, qualificação profissional,
manutenção do nível de emprego e a volta do recurso que não entrará com a
isenção de impostos na forma de investimentos das empresas em
tecnologia. Essas medidas têm que ter contrapartidas sociais nas áreas
trabalhista e ambiental. A CUT tem divergência com o governo quando ele
promove renúncias fiscais e não exige contrapartidas positivas para os
trabalhadores.
“Há uma timidez muito grande do governo em relação à reforma agrária. O incentivo ao agronegócio contra a agricultura familiar é algo que o governo deveria rever”
Sul21 – E como o senhor avalia as ações do governo na promoção da reforma agrária?
Vagner – Nessa área a avaliação é completamente
insatisfatória. O número de assentamentos que o governo tem feito é
muito inferior ao necessário. O movimento rural da CUT tem se mostrado
muito insatisfeito com o ritmo do debate sobre a reforma agrária, que é
algo estrutural para a economia brasileira e essencial para os
trabalhadores. Há uma timidez muito grande do governo em relação à
reforma agrária. O incentivo ao agronegócio contra a agricultura
familiar é algo que o governo deveria rever. A agricultura familiar
alimenta o Brasil, enquanto o agronegócio é voltado somente para a
exportação. Nessa área rural o governo tem deixado a desejar e precisa
melhorar muito.
Sul21 – A reforma agrária é uma reivindicação história dos
trabalhadores no campo. Na sua avaliação, por que, mesmo após o governo
FHC, ela não sai do papel?
Vagner – Temos que fazer uma discussão sobre qual
modelo agrário o país quer: se queremos o agronegócio com a manutenção
dos latifúndios, ou se queremos as pequenas propriedades organizadas em
torno da agricultura familiar, colocando alimentos de qualidade na mesa
dos brasileiros.
Sul21 – A política do governo federal para a agricultura
familiar é bastante concentrada na facilitação do acesso ao crédito. Só
isso é suficiente?
Vagner – O acesso ao crédito é importante para qualquer
setor, mas é preciso investimento em tecnologia. Não adianta apenas dar
o acesso à terra se o trabalhador não tiver condições de se manter e
fazer a propriedade ser produtiva. É importante que o produtor tenha
acesso a maquinário e a tecnologia.
“Há uma concentração da comunicação nas mãos de poucos empresários, que acabam construindo opiniões sem absorver a diversidade”
Sul21 – A democratização da comunicação é uma bandeira
histórica da CUT. Como o senhor avalia o atual estágio desse debate no
país?
Vagner – Importante deixa claro que não queremos
nenhuma medida restritiva que impeça a liberdade de imprensa. Somos
lutadores pela democracia no Brasil, demoramos muito para chegar onde
estamos e não podemos ter retrocessos. O que acontece é que atualmente
há muita propriedade cruzada. O mesmo empresário é dono do jornal, da
televisão, da rádio e do espaço na internet. Precisamos ter uma abertura
maior nesse mercado para que outras organizações da sociedade civil
também possam deixar a sua voz. A sociedade brasileira é muito
diversificada e rica e há uma concentração da comunicação nas mãos de
poucos empresários que acabam construindo a opinião no Brasil sem
condições de absorver a diversidade da sociedade. Queremos um marco
regulatório que dê possibilidade para que outras vozes apareçam.
Sul21 – Há um conselho de comunicação no âmbito do Congresso
Nacional, mas os críticos dizem que ele está muito dominado por figuras
ligadas ao senador José Sarney (PMDB-AP).
Vagner – A ideia dos conselhos é boa desde que haja
participação paritária. É preciso que ele contemple várias opiniões para
que exista o contraditório. Se há um conselho com uma opinião
monolítica, obviamente ele não conseguirá cumprir sua importante função
de promover o debate.