Um por um, os direitos que os
trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de luta,
estão sendo abolidos na Europa. Bastou mais uma profunda crise
econômica do capitalismo para que os governos europeus completassem a
destruição do Estado do bem-estar social e provassem que o lucro não
rima com justiça social ou que é impossível haver igualdade enquanto
existir a propriedade privada dos meios de produção.
Durante décadas, o Estado do bem-estar
social (Welfare State, em inglês) foi apresentado pelos partidos
burgueses, entre eles os partidos social-democratas, como prova de que a
propriedade privada dos meios de produção e o lucro podem conviver com o
respeito aos direitos trabalhistas e à garantia de padrões mínimos de
educação, saúde, habitação, renda e seguridade social. Mas, como a
mentira tem pernas curtas, bastou uma profunda crise econômica do
capitalismo para que os governos europeus completassem a demolição do
Estado do bem-estar social, obra iniciada nos anos 70 e aprofundada com a
política econômica neoliberal, caracterizada por ataques sistemáticos
aos direitos dos trabalhadores e ampla liberdade de exploração para o
capital na década de 80.
Agora, os que prometiam alcançar a
igualdade social no capitalismo fazem discursos e publicam artigos nos
seus jornais apontando os gastos sociais dos governos como o responsável
pela crise, confirmando assim, a incompatibilidade entre os interesses
da classe capitalista de obter lucros cada vez maiores e os dos
trabalhadores e da imensa maioria da sociedade de ter uma vida digna.
Na verdade, o chamado Estado do
bem-estar social foi uma tentativa de deter na Europa o vigoroso
crescimento do movimento operário após a Segunda Guerra Mundial e de
enganar as massas de que era possível obter direitos sociais sem
precisar fazer uma revolução. Entretanto, como provam as greves gerais e
manifestações que sacodem o continente, tal intento foi em vão.
Austeridade só para os trabalhadores
O fato é que um por um os direitos que
os trabalhadores europeus conquistaram com décadas e mesmo séculos de
luta estão sendo abolidos com reformas trabalhistas que os governos a
mando da União Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo
Monetário Internacional estão implementando. O objetivo é permitir que
os capitalistas demitam sem pagar nenhum direito ao trabalhador,
aumentem a jornada de trabalho e tornem letra morta os contratos
coletivos de trabalho, em resumo, pagar um salário menor pela força de
trabalho explorada.
Com efeito, a Grécia, para receber um
empréstimo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do BCE, foi obrigada
a adotar medidas anti-povo como a redução em 22% do salário mínimo,
demissão de 150 mil servidores públicos e privatização de empresas
públicas. Em Portugal, o governo do conservador Pedro Passos Coelho
(PSD), também em troca de um empréstimo do BCE, implementa a mesma
política: diversas empresas estatais foram privatizadas, os salários dos
aposentados foram reduzidos e a Saúde e a Educação públicas estão sendo
sucateadas.
Na Itália, o Governo de Mario Monti, um
técnico nomeado pelo Banco Central, adota uma reforma trabalhista que
além de eliminar vários direitos trabalhistas, cobra mais impostos dos
trabalhadores autônomos e quer o fim da indenização quando da demissão
do trabalhador.
Na Espanha, o governo segue a mesma
receita e impõe uma reforma para flexibilizar os contratos de trabalho e
retirar vários direitos.
Na Holanda, uma das principais economias da Europa, o governo também
pretende reduzir os salários dos aposentados, mas não os lucros dos seus
bancos e monopólios. Até na Alemanha, um dos poucos países europeus que
não está em recessão, as vagas de trabalho oferecidas são em sua
maioria em tempo parcial, mal pagas e sem direitos a benefícios sociais.
O resultado desses planos de austeridade são devastadores para a sociedade e, em particular, para a juventude.
Dados divulgados em abril pela União
Europeia revelaram que a taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24
anos passa dos 50% na Espanha e na Grécia. Na França, o desemprego entre
os jovens é de 21% e em Portugal, 30,8% dos jovens com menos de 25 anos
estão desempregados. Na Bulgária, Eslováquia, Irlanda e Itália, o
desemprego está acima de 30%.
Vale resaltar que essas taxas oficiais
levam em consideração apenas os trabalhadores que procuraram emprego nas
quatro semanas anteriores à pesquisa ser realizada. Ou seja, os jovens
que desistiram de procurar trabalho, os que estudam em tempo integral ou
vivem com os pais são considerados empregados, bem como os que têm
emprego temporário ou estágio.
Esse enorme desemprego entre os jovens
forma o que alguns economistas chamam de “geração perdida”, isto é,
milhões de jovens que depois de formados não conseguem emprego, ficam
desatualizados e tornam-se supérfluos para os capitalistas, os donos dos
meios de produção. Ou seja, passam a viver de trabalho temporário ou se
entregam à criminalidade, atividade que mais cresce junto com o tráfico
de drogas e de pessoas no capitalismo do século XXI. Enfim, ficam
desempregados para o resto de suas vidas. Ocorre o que já advertia Karl
Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, “a
burguesia é incapaz de assegurar ao seu escravo (trabalhador
assalariado) a própria existência no quadro da escravidão”.
FMI exige mais arrocho
Não bastasse, a última reunião do
Conselho do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada em 22 de
abril, em Washington, EUA, aprovou comunicado exigindo que os governos
da Zona do Euro adotem medidas drásticas para “acalmar os mercados e
evitar que a situação se agrave”. Wolfgang Schaeuble, ministro das
Finanças da Alemanha, assim justificou essas novas medidas: “Os países
europeus com crises financeiras adotaram reformas de profundo calado.
Isso inclui os mercados trabalhistas, os sistemas de seguridade social,
administrações públicas e instituições financeiras. É a única forma que
poderemos restaurar a confiança dos nossos cidadãos e investidores”.
Leia por cidadãos, os banqueiros.
Essa política da chamada troica
FMI-BCE-CE (Comissão Europeia) leva o povo a pagar duas vezes por um
serviço: primeiro, o verdadeiro cidadão paga um imposto ao Estado para
que esse Estado garanta seus direitos. Porém, como o dinheiro do imposto
pago é transferido para os bancos e grandes corporações, o povo fica
sem nenhuma assistência e passa a ser obrigado a pagar por saúde,
educação, habitação, etc.
Em decorrência dessa espoliação, o
número de famílias europeias sem abrigo e que recorre às instituições
humanitárias para sobreviver, aumentou imensamente e milhares de
estudantes de escolas particulares abandonaram os estudos por falta de
pagamento das mensalidades.
Segundo documento do Eurostat, mais de
115 milhões de pessoas, ou seja cerca de 23.4% da população nos 27
Estados membros da União Europeia, encontram-se em risco de pobreza e
exclusão social. Entre crianças e menores de 18 anos este número é ainda
maior: 27%.
Na Espanha, desde o início do ano,
milhares de famílias não conseguem pagar as prestações de suas casas e
centenas de empresas não pagam os empréstimos feitos. De acordo com o
Banco Central espanhol, os bancos privados do país têm 176 bilhões de
euros em ativos imobiliários que não serão pagos por falência dos
devedores. Portanto, outra consequência dessas medidas é a
proletarização dos pequenos e médios empresários. De acordo, com a
Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), todo mês centenas
de empresas fecham as portas no país. As causas, segundo a
Confederação, são a queda do consumo das famílias e o aumento dos
impostos.
Na realidade, todos os países que têm
seguido a receita do FMI e da Comissão Europeia, isto é, a receita de
tudo realizar para manter intocável o lucro da classe capitalista,
tiveram um aprofundamento da recessão.
A Grécia, país que está em recessão há
cinco anos, teve nesse primeiro semestre de 2012, uma queda de 7% no PIB
em comparação com o ano passado. Não bastasse, a dívida grega, apesar
de todos os pagamentos bilionários que o país fez, passou de 263 bilhões
de euros em 2008 para 355 bilhões em 2012. Portugal, segundo o boletim
do Banco Central do país, viu sua atividade econômica recuar 2,7% e o
consumo terá uma queda de 7,5% até 2013. O Reino Unido, mesmo mantendo
sua moeda, vive em recessão e tem os piores índices sociais de sua
história. Na Espanha, 5,6 milhões de pessoas estão desempregadas.
Tal é o verdadeiro Estado de bem-estar social que o capitalismo é capaz de oferecer à juventude e ao povo.
Quem paga a conta?
Por outro lado, ao mesmo tempo em que
aperta o cinto dos trabalhadores, os governos seguem drenando o dinheiro
público para alimentar a vampiragem da moderna classe capitalista, o
capital financeiro.
O FMI anunciou em abril mais US$ 430
bilhões para financiar os bancos e monopólios europeus em crise. Esses
430 bilhões sairão evidentemente dos governos e, consequentemente, dos
povos que pagam impostos. Os EUA não se comprometeram com nenhum
centavo, mas o Fundo quer que o Brasil entre com 10 bilhões de euros. Em
2009, o Brasil tirou da Saúde e da Educação do nosso povo US$ 10
bilhões que enviou generosamente para a Europa. A crise se aprofundou e,
agora, querem mais dinheiro do nosso país, na base do “Deus lhe
pague!”.
No total, do final do ano passado até abril de 2012, foram quase 1,5 trilhão de euros para financiar a banca.
Mas isso não é nada. De acordo com o
FMI, a conta do total de crédito que os governos terão que garantir para
evitar a falência do sistema financeiro na Europa pode ultrapassar a
US$ 2,6 trilhões até 2013. Uma cifra espantosa, mas ainda menor que a
que foi utilizada pelo governo dos Estados Unidos para salvar sua classe
capitalista: 16 trilhões de dólares.
De onde vem esse dinheiro, senão dos impostos pagos pelos trabalhadores?
Vejamos o exemplo da Grécia. O governo
deste país em troca das medidas draconianas contra seu povo recebeu um
empréstimo de 130 bilhões de euros. No entanto, esses 130 bilhões
ficaram sob controle do FMI para assegurar que serão gastos
exclusivamente com o pagamento da dívida da Grécia. A Espanha, no mesmo
dia que doou 66 bilhões de euros para o Fundo, adotou um ajuste fiscal
no valor de 27 bilhões de euros, composto por aumento dos impostos e
cortes nos gastos sociais.
A justificativa para essa política é
sempre obter a confiança do chamado “mercado”, isto é, do capital
financeiro que, como definiu Lênin, significa a fusão do capital
bancário com o capital industrial, e não simplesmente, como apresenta a
moderna socialdemocracia, o capital bancário.
Em resumo, os governos capitalistas
fazem opção em favor do capital em vez do emprego, da salvação de bancos
e monopólios em vez da Saúde e da Educação e do bem-estar do povo.
Fica, portanto, evidente, a total
impossibilidade de se alcançar a igualdade social, o fim do desemprego e
da pobreza enquanto o controle da economia estiver nas mãos de um
punhado de ricos. Provas: 1 bilhão de pessoas famintas, quase 300
milhões de desempregados, as guerras constantes e o empobrecimento da
população, enquanto, um reduzido grupo de pessoas que forma a classe
rica vive na fartura e no esbanjamento.
A repressão ao movimento operário e popular
Mas, por que as centenas de greves e de
manifestações ocorridas até agora no continente europeu e que
conseguiram derrubar 10 governos (Grécia, Portugal, Irlanda, Eslováquia,
Romênia, Itália, Reino Unido, Espanha, Grécia, Islândia e, agora, da
Holanda), alguns da socialdemocracia, outros da direita, não tiveram
força para estabelecer governos revolucionários ou comprometidos com os
trabalhadores?
Um dos obstáculos ao desenvolvimento e
avanço da luta revolucionária é, sem dúvida, a brutal repressão
desencadeada pelos governos burgueses e seus aparelhos de repressão.
Na última greve geral realizada na
Espanha, que teve cerca de 100 manifestações contra a reforma
trabalhista, mais de 500 pessoas foram presas por participar dos
protestos. Na Grécia, antes de cada greve geral várias prisões são
realizadas e nos dois últimos anos o número de presos políticos aumentou
vertiginosamente. Pior, devido a uma nova lei penitenciária, um preso
político para ser libertado é obrigado a pagar 10.000 euros, o
equivalente a R$ 25.000. Logo, se o preso for um desempregado a pena se
transforma em prisão perpétua. Essa, aliás, é uma política globalizada
pela burguesia. No Equador, o estudante Marcelo Rivera, ex-presidente da
Federação dos Estudantes Universitários (FEUE) encontra-se preso há
30meses e após cumprir a pena terá que pagar uma multa de mais de R$ 500
mil reais para sair da cadeia. Nos EUA, em um protesto do movimento
Occupy Wall Street no início do ano contra a dívida dos financiamentos
estudantis nos Estados Unidos, centenas de estudantes foram detidos pela
Polícia de Nova York. As cidades de Oakland, Nova York e Los Angeles
foram as que mais registraram os maiores protestos na linha “Ocupe” e,
também, as que mais registraram prisões. Em comunicado, a polícia
afirmou que os protestos diminuíram depois que os governos destas
cidades usaram de força para retirar centenas de manifestantes acampados
em ruas destas cidades. Ainda nos EUA, a lei, que criminaliza os
protestos estabelece que qualquer pessoa que “entre ou permaneça em
qualquer edifício ou terreno (de acesso) restringido sem a autoridade
legal para fazê-lo, será castigada com uma multa ou o encarceramento por
10 anos, ou ambos”.
Na França, durante as últimas jornadas
nacionais de greves e protestos contra a reforma previdenciária, segundo
o Ministério do Interior, duas mil pessoas foram presas, e nos
confrontos com a polícia, vários jovens foram assassinados.
Tem mais: O Governo espanhol decidiu
adotar mais sanções para quem convocar manifestações pela internet e
fizer frente à polícia. O anúncio foi feito pelo ministro do Interior,
Jorge Fernández Díaz, que disse no Parlamento ter a intenção de impor
uma pena mínima de dois anos de prisão para quem convoque “tumultos”.
“Há que robustecer a autoridade legítima de quem legitimamente tem a
exclusividade de poder atuar através da força”, disse o ministro do
Interior. As medidas do Governo espanhol surgem na sequência de vários
protestos e manifestações que têm acontecido por todo o país desde o
início da crise.
A importância da repressão para manter o
sistema capitalista é tão grande que entre as exigências feitas à
Grécia pela União Europeia está a de o país não realizar cortes das
verbas para a Defesa, de forma a garantir a repressão aos movimentos
populares e às greves e a compra de armas da França e da Alemanha.
Este é também o motivo para, mesmo com
os países mergulhados numa profunda recessão, o comércio mundial de
armas convencionais ter crescido 24% no período 2006-2010. De acordo com
o estudo do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo
(Sipri), em 2010, foi gasto em armas um total de 1,6 trilhão de dólares,
dinheiro esse que seria suficiente manter 212 milhões de crianças
dignamente.
Mas há ainda outra condição que impede
que a revolução triunfe de imediato. Trata-se do pequeno vínculo dos
partidos revolucionários com as massas, em particular, com a classe
operária. Como afirma Lênin, “A revolução proletária é impossível sem a
simpatia e o apoio da imensa maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o
proletariado. Mas esta simpatia e este apoio não se obtêm subitamente,
não se decidem em votações, mas se conquistam em uma demorada e difícil
luta de classes”. (Saudação aos comunistas italianos, franceses e
alemães).
De fato, para realizar uma revolução é
necessário que a maioria dos operários não só compreenda a necessidade
da revolução, mas esteja disposta a se sacrificar por ela. Entretanto,
só é possível desenvolver essa consciência revolucionária se as
concepções dos partidos social-democratas de humanizar o capitalismo ou,
como fazem hoje alguns partidos de esquerda no Brasil, de apresentar
como alternativa à crise do sistema o desenvolvimento do próprio
capitalismo forem derrotadas. Propõem que o “estado de bem-estar social”
deve ser o principal objetivo da luta dos trabalhadores, esquecendo que
o capitalismo em sua fase final, para não dizer moribunda, é além de
profundamente reacionário, incapaz de realizar algum progresso
definitivo para a sociedade. Com esse discurso, propagam ilusões nas
massas e as afastam da revolução. Mas aqui também, como revela a atual
crise capitalista, a mentira tem pernas curtas.
Não há, portanto, porque se desesperar
com tal traição. É preciso seguir em frente e trabalhar dia a dia de
maneira firme e infatigável para aumentar o vínculo dos comunistas
revolucionários com as massas e retomar a hegemonia no movimento
operário e popular.
Lula Falcão é membro do Comitê Central do PCR