segunda-feira, 8 de abril de 2013

Os privilégios da mídia têm que acabar


Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Li “A Renúncia de Jânio”, do jornalista Carlos Castelo Branco, o último grande colunista político brasileiro.

O que me levou a esse velho livro foram as recentes evocações do infame golpe militar de 1964 em seu aniversário, no dia 31 de março.

O golpe, de alguma forma, começa em Jânio, o demagogo que renunciou à presidência em 1961 quanto estava fazia apenas sete meses no cargo, por motivos jamais explicados.

Mas o que mais me chamou a atenção no livro é um episódio que mostra bem o regime de privilégios fiscais desfrutados há muito tempo pelas empresas jornalísticas brasileiras.

Castelinho, que foi assessor de imprensa de Jânio, conta que certa vez estava preparando uma sala para um pronunciamento que ele, Jânio, faria naquela noite em rede nacional de televisão.

No lugar escolhido, a biblioteca do Palácio da Alvorada, Castelinho viu sobre a mesma um exemplar do Estadão de domingo. Em cima, estava um bilhete do presidente: “Não toquem neste jornal. Preciso dele”.

“Só soube do que se tratava quando Jânio o ergueu na mão para exibi-lo audaciosamente ao país [na fala em rede] como fruto de privilégios, o esbanjamento de papel comprado com subvenção oficial, pago, portanto, pelo povo”, escreveu Castelinho.

É o chamado “papel imune”. Os contribuintes subvencionam há décadas o papel usado para imprimir jornais e revistas.

Jânio apontou o mal, mas não foi capaz de resolvê-lo. Os mesmos empresários que tanto falam num Estado mínimo não se embaraçam em, nas sombras, mamar nele em coisas como o papel imune, e em muitas outras.

Dinheiro público foi sempre usado também para financiar – em condições de mãe para filho – empreendimentos que deveriam ser bancados por nossos intrépidos, aspas, capitalistas da mídia.

Nos anos 90, Roberto Marinho comemorou ao lado de FHC a inauguração de uma supergráfica projetada para quando o jornal chegasse – hahaha – à marca de 1 milhão de exemplares.

FHC não estava na foto porque Roberto Marinho queria promovê-lo. É que o governo tinha concedido um empréstimo especial às Organizações Globo para fazer a gráfica que hoje parece uma piada.

Por que o empréstimo? Ora, a Globo era então já uma potência. Tinha mais de metade do faturamento da publicidade nacional, graças à tevê e a expedientes amorais como o chamado BV (bonificação por vendas).

A empresa poderia, perfeitamente, bancar o passo (torto) que decidira dar com a nova gráfica. Mas não. O Estado babá estava ali, à disposição, na figura sorridente de FHC.

Essencialmente, o resultado é que a fortuna da família Marinho foi poupada do risco de um investimento que poderia fracassar, como aconteceu.

Coisa parecida aconteceu com as outras grandes empresas em suas incursões para fazer novos parques gráficos: dinheiro farto, quase dado.

Fora o papel imune, naturalmente.

E fora, mais recentemente, artifícios como a criação de PJs (pessoas jurídicas) para reduzir os impostos pagos.

Note. As companhias jornalísticas não querem pagar impostos, mas depois esperam que o Estado – com dinheiro alheio, do “Zé do Povo”, como dizia o patriarca Irineu Marinho – esteja com os cofres cheios para bancar seus investimentos.

Para completar a tragicomédia, as empresas promovem campanhas sistemáticas de engambelação coletiva destinadas a provar, aspas, que os impostos são elevados no Brasil.

Não são. A carga tributária brasileira, na casa de 35%, é bem menor que a de países modelos, como a Escandinávia.

A diferença é que, neles, as corporações pagam o que devem. Vá, na Dinamarca ou na Noruega, inventar PJs e você é chutado da esfera corporativa e submetido a desprezo nacional.

Para que o Brasil avance socialmente, as mamatas das empresas de mídia – fiscais e não só fiscais — têm que acabar.

Não é fácil, como vemos ao constatar o que deu do brado janista de meio século atrás. Sucessivos governos têm vergado ao poder de intimidação da mídia. (Para a qual vigora ainda uma inacreditável reserva de mercado, aliás.)

Mas nada é fácil.

O poder de manipulação da mídia se reduziu, graças à internet.

Se há uma hora para fazer o que deve ser feito, é esta.

O dinheiro que custam as mordomias bilionárias da mídia deve servir à sociedade: que se construam escolas, hospitais e estradas com ele, em vez de vê-lo dar acesso à lista de superricos da Forbes.

Dilma tem que se mexer, em nome do Brasil.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Filme Egipcio....


Cairo 678 - Mohamed Diab (2010)

 
Egito | Mohamed Diab | 2010 | Drama
Língua: Árabe | Legendas: Português | IMDB
  100 min | 1.37 Gb

 Cairo 678 (2010)
Em “CAIRO 678” o diretor egípcio Mohamed Diab aborda a difícil realidade das mulheres de seu país que enfrentam a violência em uma batalha constante por respeito dentro do espaço público.
Para isso, ele resolveu contar a história de Fayza, Seba e Nelly. Três mulheres egípcias com vidas completamente diferentes se unem para combater o machismo que impera no Egito contemporâneo e que está em todos os lugares: nas ruas da cidade do Cairo, no trabalho e dentro de suas próprias casas. Determinadas, elas se unem e iniciam uma série de ataques contra os homens que ousam molestá-las. Quem são essas misteriosas mulheres que tem a coragem de enfrentar uma sociedade baseada na superioridade masculina?
 
Crítica 
Heitor Augusto 
 
Cairo 678 cai naquela categoria de filmes que uma pessoa consciente do estado das coisas fica feliz pela existência, mas quem tem apreço pelo cinema não consegue deixar de notar como o resultado é falho. Um melodrama político sobre uma causa nobre, mas com tintas tão deslocadas que chegam a anular a força do discurso.

É a típica produção que o crítico de cinema torce para que o público não tome o texto como juízo final, desistindo de conhecer o filme por causa da avaliação crítica. Mesmo assim, quem escreve não pode (nem deve) divorciar-se da obrigação de apontar falhas, cegando-se por causa da nobreza do tema. É urgente um filme que discute o machismo e toma uma posição feminista para tal, o que não anula, porém, a necessidade de problematizar o sentimentalismo no qual o filme obriga suas personagens a mergulharem.

Torço para que os que lerem este texto vão antes ao cinema, assistam a Cairo 678 e, então, venham dialogar com o que aqui está dito. 
 
CRÉDITOS: CINE-AFRICA
 
Texto completo aqui:  http://www.revistainterludio.com.br/?p=2694
 
 
Por favor, semeie! Semear é muito importante para que outras pessoas tenham acesso ao filme.

Agradecimentos a Na Moral do MKO

A ideologia brasileira da mesquinharia

 
Juremir Machado no Correio do Povo
O mesquinho acha-se moderno, pragmático, altivo, crítico, autônomo e visionário. Acredita que toda forma de proteção social, desde que não seja a empresas, é uma forma de populismo, de paternalismo e de assistencialismo.
A ideologia da mesquinharia usa sempre o mesmo argumento falacioso: não se deve dar o peixe, deve-se ensinar a pescar. Não se deve dar bolsa-família, deve-se dar empregos. Justamente os empregos que nunca foram dados pelos partidos que apoiam. E não foram dados por não existirem. E não existiram por incompetência na sua criação, por falta de um modelo adequado ou por impossibilidade conjuntural ou estrutural de serem gerados.
O mesquinho entende que, se os empregos não existem, os necessitados devem ralar-se. Que fiquem passando fome até que seja possível criá-los.
Nessa lógica, o mesquinho promete o futuro, não se lembra do passado e ignora o presente. Explora sofismas, meias verdades e mentiras inteiras como formas de justificar a sua indiferença pelo sofrimento dos outros. Espalha que o assistencialismo gera preguiça. Faz crer que a maioria das pessoas vai preferir viver com R$ 70 sem trabalhar a viver com R$ 700 trabalhando.
Essa é uma das asneiras mais difundidas por espíritos malignos, gente ruim, ideólogos da maldade, mas, principalmente, mentes toscas. Isso até pode acontecer de maneira marginal, mas jamais, estatisticamente falando, como tendência global. Viver bem, com trabalho, continua sendo mais interessante para a maioria do que viver mal sem trabalho. Salvo quando a alma do indivíduo alquebrado já está saturada e ninguém mais pode lhe incutir esperança, o que ocorre quando o sistema atrofia o gosto pela vida.
A ideologia da mesquinharia é dissimulada, ardilosa, cruel. Prefere gastar em repressão a investir em ajuda social. Todo adepto da ideologia da mesquinharia é um radical, um fundamentalista, um xiita, um extremista, um fanático da ordem dos cemitérios, da asfixia social, do parasitismo absoluto.
O mesquinho passa o dia repetindo chavões como se fossem pilares da modernidade. Acredita, como uma anta, que toda crítica aos excessos do capitalismo é uma defesa do comunismo.Vê em toda ressalva do modo de vida americano, marcado pelo consumismo, uma adesão ao estilo de vida cubano.
O mesquinho tem cérebro de ervilha. Mas não consegue enlatá-las para vender. Gasta o seu tempo no ódio aos demais. É pouco rentável.
As asneiras dos mesquinhos incluem: acreditar que Lula, de fato, se tornou milionário, ou bilionário, e que a revista Forbes publicou uma capa com ele como um dos homens mais ricos do mundo; crer que destacar os aspectos positivos das cotas, do bolsa-família, do ProUni e de outras políticas assistenciais dos governos do PT, é ser petista; difundir a ideia de que nunca houve tanta corrupção no Brasil, como se a corrupção atual, enorme e condenável, não fosse a mesma de antes; acreditar que a meritocracia realmente seleciona os melhores num sistema de desigualdade na competição e não que serve de mecanismo de reprodução dessa desigualdade.
Enfim, melhor não ser muito sofisticado na análise para não confundir as mentalidades mesquinhas mais lentas e pesadas.
Usina de ódio, de ressentimento e de rancor, o mesquinho odeia as ruas engarrafadas por causa do acesso dos pobres aos automóveis; odeia os aeroportos cheios por causa das viagens da classe C; odeia as universidades “rebaixadas” pela entrada dos que deveriam fazer cursos técnicos; odeia esses pobres que votam com o estômago; entende que só os ricos podem votar com os bolsos; vê como a modernidade a permanência dos pobres na pobreza, à espera dos empregos do futuro, e uma elite desfrutando da climatização. São os mesmos que se venderam aos Estados Unidos, em 1964, para evitar as reformas de base: reforma da educação, agrária, bancária, tributária, etc.
O Brasil corria um sério risco: poderia ficar melhor para a maioria.
A ideologia da mesquinharia deu o golpe para salvar-nos da melhoria.
Atrasou o país em mais de 20 anos.
Continua a cantar o refrão: o perigo comunista.
São fantasmas de opereta.
O comunismo acabou.
Falta construir um capitalismo muito melhor.
Uma verdadeira social-democracia.
Para isso, será preciso ensinar geografia aos mesquinhos.
Falar-lhe dos países escandinavos, etc.
O mesquinho adora Estado mínimo em economia e Estado máximo em moral. Gostar de meter-se na vida alheia para domesticá-la como seu moralismo.
Todo mesquinho é um moralista de ceroula.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Rumo a um estado teocrático????


PEC que ameaça estado laico avança no Congresso brasileiro

Rachel Duarte no SUL21
Deputado federal João Campos (PSDB-GO) é líder da Frente Parlamentar Evangélica e autor da PEC 99/11./ Foto: David Ribeiro/Ag.Câmara
Enquanto os movimentos sociais e personalidades seguem pressionando pela renúncia do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, uma proposta que ameaça o estado laico avança na Câmara Federal. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na última semana, a PEC 99/11 possibilita que entidades religiosas questionem decisões judiciais e eleva os valores da fé a argumentos jurídicos. O texto foi apresentado há dois anos pelo deputado federal João Campos (PSDB-GO), após conversa com a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Antes mesmo de ir a plenário, a proposta já tem repúdio dentro e fora das redes sociais.
A PEC 99/11 inclui as entidades religiosas de âmbito nacional, como Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil e Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil entre aquelas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja, religiosos poderão questionar decisões judiciais como a legalidade da união estável para casais de mesmo sexo, aprovada no Supremo em maio de 2011. Atualmente, só podem propor este tipo de ação a Presidência da República, Procuradoria Geral da República, Congresso Nacional (Câmara e Senado Federal), governadores de estado, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sindicatos e partidos políticos com representação no Congresso.
Advogada Maria Berenice Dias diz que PEC é para legitimar fundamentalistas nos tribunais, contra leis para população LGBT./ Foto: Ramiro Furquim/Sul21
De acordo com a presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, Maria Berenice Dias, a proposta é uma tentativa da bancada fundamentalista para frear o avanço dos direitos dos homossexuais. “Se aprovarem o PLC 122 (Criminalização da Homofobia) e o Estatuto da Diversidade Sexual, eles querem ter legitimidade diante dos tribunais superiores para contestar estas leis. É um movimento que já vai além da possível aprovação destas propostas. É um movimento que busca muito empoderamento”, avalia.
De acordo com a justificativa do texto assinado pelo parlamentar tucano, “os agentes estatais no exercício de suas funções públicas, muitas vezes se arvoram em legislar ou expedir normas sobre assuntos que interferem direta ou indiretamente no sistema de liberdade religiosa ou de culto nucleado na Constituição”. Por esta razão, o autor da PEC acredita que, com a possibilidade de questionar juridicamente as leis, as entidades religiosas terão sua autonomia de fé e auto-organização preservada. “Sem a intromissão do Poder Público ou qualquer outra inferência”, salienta o texto.
Texto voltou à pauta da CCJ após dois anos de tramitação 
A PEC 99/11 vinha sendo rejeitada pelos parlamentares contrários ao texto na CCJ, mas, em pleno momento de pressão contra o pastor Marco Feliciano na CDHM, a proposta foi em frente. Além do deputado federal Décio Lima (PT-SC) na presidência da CCJ, o PT tem a maioria dos parlamentares da comissão. O Sul21 tentou contato com vários representantes do partido e nenhum foi encontrado até o fechamento da matéria.
Para Atea, PEC só reforça poder da bancada evangélica que cresce a cada eleição./Foto: Blog de Paulo Suess
Para o presidente da Associação Brasileira dos Ateus e Agnósticos (Atea), Daniel Sottomaior, o avanço da proposta “assusta, mas não espanta”. Cientes da tramitação da PEC, a Atea lamenta a aprovação do texto na CCJ neste momento. “Não é uma questão de regimento. É uma questão de força política. A ocupação de poder pela bancada evangélica é uma tragédia anunciada há mais de 20 anos. A cada eleição crescem os fisiologismos dos dois lados, tanto dos políticos religiosos como dos demais interessados em alianças para se eleger”, afirma.
Para Sottomaior, a ameaça ao estado laico já está acontecendo antes mesmo da PEC 99/11. “Existem problemas de violação da laicidade muito mais sérios que este e que são recorrentes e ninguém nota. O ensino religioso nas escolas, as verbas públicas para incentivar eventos de caráter meramente religioso. Este poder de criar a ADIN só aumentará as demandas para o STF, que se continuar agindo bem, não mudará as suas decisões”, acredita. O desequilíbrio de poderes com a igualdade de poder para as entidades religiosas também não é novidade, na visão do presidente da Atea. “Este é o caminho que o Brasil já está trilhando. Permitir a presidência da CDHM com Marco Feliciano é outro exemplo disso. Não há reação da sociedade, apenas de um grupo que não chega a ser mais do que 10% de força política contrária a tudo isso”, fala.
Neste sentido, Maria Berenice também concorda. “Os segmentos religiosos já têm uma bancada numerosa no Congresso e uma forte influencia nos meios de comunicação. Agora, estão ingressando na via do judiciário”, diz.
“A proposta ameaça à democracia”, diz juiz federal
Juiz federal Roger Raupp Rios defende que direitos assegurados na Constituição Federal não podem e nem devem seguir preceitos de associações religiosas./Ramiro Furquim/Sul21
Conforme a justificativa aprovada da PEC 99/11, o objetivo da emenda é possibilitar “interferir direta ou indiretamente no sistema de liberdade religiosa ou de culto inscrito na Constituição Federal, na defesa racional e tolerante dos direitos primordiais conferidos a todos os cidadãos indistintamente e coletivamente aos membros de um determinado segmento religioso. A proposta “pretende democraticamente é estender a todas as entidades religiosas prerrogativas de participar do processo decisivo de manutenção da ordem jurídica no país tendo em vista os interesses morais de todas as crenças.”
A religiosidade ingressar no âmbito jurídico é mais do que uma discussão entre religião e laicidade, é uma afronta à democracia, afirma o juiz federal Roger Raupp Rios. “A proposta, conforme apresentada, a meu juízo, viola a separação entre Igreja e Estado. Mais que isso: ela põe em risco a convivência democrática entre aqueles que se identificam com determinada associação religiosa e aqueles que não estão vinculados a tais associações religiosas, ou ainda àqueles que não professam qualquer religião”, fala. Isso porque, segundo Raupp, “atribui a grupo religioso poder de iniciativa exclusivamente em função da crença religiosa para buscar a declaração sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de ato estatal”.
De acordo com o juiz, a Constituição Federal não é feita para proteger qualquer crença moral específica defendida por esta ou aquela associação religiosa. “Os direitos listados na Constituição não têm e não podem ter sua validade e interpretação dependendo da conformidade com os motivos religiosos de determinada associação religiosa”, defende. Ele considera preocupante que grupos vinculados as entidades religiosas tenham interesse em pautar a discussão sobre os direitos de uma sociedade democrática. “Ainda mais quando esta pretensão quer tomar lugar dentre aqueles que podem influir diretamente na interpretação da Constituição. Não se trata de excluir pessoas religiosas do debate sobre a Constituição, mas sim de diferenciar argumentos racionais e objetivos que podem ser entendidos e discutidos por todos (independente de religião) daqueles outros argumentos que só podem ser objeto de fé religiosa. Sem isto, é a democracia que está em risco. Uma constituição democrática não pode admitir que a democracia, para todos, religiosos ou não, corra este risco”, afirma.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Os índios e o Brasil: da história às redes sociais



As redes sociais devem ressignificar o conceito de espaço público, configurando-o, na medida em que o torna mais ativo em relação ao levantamento de opiniões, reflexões, diálogos, etc. E isto é o que deve ser mantido, não seu inverso, ou seja, um espaço do deslumbramento com a crítica esmaltada, a ideia de aprendizagem por “osmose”, compartilhamento de textos que não são lidos, etc. 

“Se não fosse o Facebook do homem branco todos já estariam mortos”
Líder Kaiowá Elizeu Lopes, falando sobre a situação da tribo, 
 em audiência pública realizada no dia 01 de novembro, 2012

Ana Monique Moura* no BRASILDEFATO

Estivemos à frente de uma grande manifestação a favor dos Guarani-Kaiowá, travada nas redes sociais, em especial no Facebook. E não se tratou de uma manifestação vã. Inspirada em Deleuze e Pierre Lévy eu diria que a potencialidade do virtual sobre as realizações na nossa realidade comum é inegável. Vivenciamos uma magnífica confluência da nossa extensão existencial nas redes sociais com algumas decisões importantes de nossa existência não virtual.
Mas o que me incomoda é como há ainda uma grandiosa ingenuidade permeando o que deveria ser senso crítico. Falam sobre as terras dos Guarani-Kaiowá com um tamanho frisson, que a crítica, ou, pra ser mais precisa, a luta, está em muitos aspectos mais próxima de uma agitação ou de uma folia da indignação do que de uma luta que faz a reflexão invadir aonde ela chegue.
As redes sociais devem ressignificar o conceito de espaço público, configurando-o, na medida em que o torna mais ativo em relação ao levantamento de opiniões, reflexões, diálogos, etc. E isto é o que deve ser mantido, não seu inverso, ou seja, um espaço do deslumbramento com a crítica esmaltada, a ideia de aprendizagem por “osmose”, compartilhamento de textos que não são lidos, etc. Esta ideia da urgência de um espaço público plenamente crítico não é, ademais, de nenhuma maneira algo recente, já que foi defendida, embora em outras condições, por filósofos como Hannah Arendt e, com mais força, por Jürgen Habermas. Então, a proposta aqui não se propõe inauguradora, mas contributiva ou reflexiva.
Desde 1500 os índios sofrem com o – assim chamam os índios - “homem branco”. A década de 80 foi marcada por uma série de atrocidades. E ainda hoje elas ocorrem. Contudo, agora temos o domínio de uma rede social com um poder comunicativo que vem superando as imprensas hegemônicas. Nós fazemos a matéria, a denúncia. Não esperamos mais por aquele jornalista poetizado e heroi que, de certa forma, era tutor da informação que nos chegava, e nos entregava uma informação de pouca expansão. Agora, com o uso incisivo do Facebook, uma situação como a dos Guarani-Kaiowá não passou batida. O compartilhamento de vídeos, informes e denúncias sobre o tema não nega isso. No entanto, há um problema: O discurso da indignação ou da comoção, que é, a meu ver, um pouco distante da crítica e a ela se confunde, ao mesmo tempo.
A indignação e a comoção movem as denúncias nas redes sociais. Foi isso o que moveu a luta virtual a favor dos Guaranis Kaiowás. Porém, acredito que isto não basta. É preciso uma ação não apenas comovida ou indignada, mas uma ação crítica. Embora a crítica muitas vezes instaure uma comoção ou indignação e vice-versa, quero dizer que a comoção ou indignação não precisa ser totalizante. Uma ação comovida no facebook, por exemplo, é passageira, porque os deslumbramentos e espantos com novas conjunturas chegam para substituir os antigos sentimentos e as antigas conjunturas. Já a crítica embasada, permanece.
Em relação à proposta de iniciativa virtual, não se trata de pensar que todos tem a obrigação de fazer de seus murais espaços para reivindicação de melhores condições aos índios. Nem todos querem usar seu facebook ou qualquer outra rede social com intenções de manifesto político. O ideal é apenas que a maioria, senão todos, partilhem a motivação para o reconhecimento, seja de modo ativo ou passivo, das possibilidades de contribuição do ciberespaço aos índios.
Agora esse é o momento pensarmos também sobre direitos em relação a outras situações tanto dos Guaranis, como dos outros indígenas. A própria Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que se propõe proteger os índios é um vilão para eles, com certas negligências, como, por exemplo, o desfalque da distribuição de cesta básica durante meses para os Guarani-Kaiowá. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI) chegou a fechar acordos com fazendeiros a favor da subjugação de índios para trabalharem em suas próprias terras roubadas e, em caso de trabalho improdutivo, serem expulsos. Foi o caso dos Xavante que tiveram terras roubadas pela família Ometto e a fazenda Suiá-Missú, no Mato Grosso do Sul. Recentemente a polícia federal matou um indígena Muduruku e deixou vários índios feridos. E, outro caso particular, mas não menos impactante: uma índia Guarani-Kaiowá foi estuprada por quatro pistoleiros há um só tempo. Enquanto se revezavam, mantinham a faca no seu pescoço. Ainda mais recente é o caso do cacique da aldeia Remanso Gwasu que, na segunda quinzena de janeiro, foi atingido por pistoleiros. Na década de 80 os Xikrin do Catete tiveram suas terras invadidas para a extração de madeira. As terras Yanomami estão sendo invadidas por garimpeiros. Só entre 1987 e 1992 foram mortos em média 1500 Yanomami. Sem contar a invasão do garimpo na Reserva Raposa Serra do Sol, uma área com várias etnias indígenas (dentre elas Wapixána Eingaripó, Macuxí, Taurepang).
Poderia me demorar aqui comentando praticamente ad ifinitum as atrocidades de ontem e de hoje... E, acrescento, os casos atuais são vários e faz-me recordar parte do enredo da obra Macbeth de Shakespeare, na qual Malcolm, o filho do rei morto, pergunta a Ross: “Qual a última desgraça?”, e ele lhe responde: “Referir a de há uma hora faz quem a narra ser vaiado; a cada instante se procria alguma nova”.
Parece importante acrescentar que o Brasil “não existe” para os índios. E as terras também não existem para eles como existem para nós. A noção de país é nossa. E de terra como propriedade privada também. O Brasil dos Índios é uma vastidão de natureza sagrada. As terras são sagradas e são deles não por uma finalidade de capital financeiro, mas por um princípio do cuidar daquilo que é sagrado. Deus dá a terra para o “homem branco” explorar. Os deuses dão a terra ao índio para que ele cuide dela.
Como pensou o antropólogo Lévi Strauss, os índios são iguais ao “povo civilizado”. A única diferença cabal é que os índios procuram preservar, e nós procuramos destruir. Eu acrescentaria que os índios vivem para contemplar, e nós vivemos para criar. Parece um condicionamento fortemente cultural e quase indelével. A questão é: como fazer essas forças existirem sem grandes problemas? Com a abertura para a convivência. Sem isso, não há como. Não há nada mais unível que criação e contemplação. O criar do homem branco não pode amedrontar o contemplar do homem índio. E o contemplar do homem índio deve encorajar a criação do homem branco a ser mais criativa e menos decadentista, no meu ver, o mesmo que progressismo.
Muito sangue, muito trabalho foi retirado dos índios para agora estarmos na nossa zona de conforto, apreciando as maravilhas de uma “sonhada civilização” (ou seria civilização sonhadora?).
Nós não viemos para apenas trabalhar ou ganhar a vida no Brasil. Viemos armados, prontos pra escravizar e maltratar vidas e tornar o país brasileiro, outrora rico, um país “miserável”, cheio de horror e ódio floreado com poesias portuguesas e estéticas cristãs.
Sejamos sensatos para assumir que todo o Brasil é um grande roubo de terra indígena. O Brasil é o maior furto geográfico da América Latina. Nós somos os intrusos. 
Nunca deixaremos de ser intrusos, enquanto ferirmos a terra. A exploração da terra foi por nós confundida com a subjugação da terra. Para reverter o nosso caráter opressor, nós, intrusos, precisamos nos unir aos índios. E isto não significa se tornar um deles. É muito mais: É reconhecê-los dentro de nós, porque nos colocamos dentro deles. É ver que isto não impede de sermos parte do outro universo que não o indígena, assim como não impede que os índios façam parte de seu modus vivendi natural. É preciso trocarmos a intrusão pelo princípio de coabitação. Eles devem nos ser sagrados porque nos receberam com inocência em suas terras sagradas. A bondade indígena não foi uma arma para a destrutiva atividade do homem branco, ao contrário, foi um trampolim. Não deveríamos ter saído às ruas em favor apenas dos Guarani-Kaiowá, mas por todos os indígenas. Ao lado disso poderíamos e podemos reescrever a história a partir da ação e da disposição de criticar a já existente história mal feita, como afirmava Brecht, escrita pelos vencedores.
E por falar história, não poderia deixar de fora que o problema da demolição do Museu do Índio, localizado na região norte do Rio de Janeiro, não é nada que deva nos causar tanto frisson. A memória nacional do índio nem mesmo alçou o fôlego necessário para existir. Isso é o que deveria ter sido, originariamente, inadmissível. Se um museu chega a ganhar a possibilidade de ser demolido por motivos pouco sustentados, isso é o resultado de como vem seguindo a miséria do reconhecimento histórico nacional do índio. Portanto, a notícia da demolição, que parece ser início de um problema, é apenas um de seus vastos desdobramentos.
Por fim, o que precisa ficar claro são as seguintes propostas, ainda parcas: 1. Amolar a crítica nacional do público que não está necessariamente vinculado às instâncias superiores de decisão; 2. Refletir, a partir de uma dada conjuntura as diversas outras conjunturas históricas e anteriores, de modo a se pensar melhor o aspecto global do problema, ou seja, não se aprisionar ao discurso da polêmica pela polêmica de um dado caso, mas se calcar no sentido histórico e político dele. 3. Reconstruir a memória do índio em nossa nação, desde o modo como a pensamos nos livros escolares ao modo como se vê a preservação da cultura nativa por instituições.
O processo da aplicabilidade de tais propostas, e agora me inspiro no pensamento de Marx, começa de baixo para cima, ou seja, da ação para o ideal. A rede social tem sido e deve ser, com mais força e criticidade, uma das importantes ferramentas para realizarmos isso. As instituições ideais, as leis ideais, as decisões éticas ideais devem se curvar ao que em um espaço virtual estivemos discutindo, ativa ou passivamente, e deve também atinar para a força de um povo que quer reconstruir, no real e no virtual, uma identidade merecida para essa terra por nós chamada, não por acaso, Brasil.

*Ana Monique Moura é mestre em filosofia pela UFPB, e autora do livro “Entre Kant, Filosofias & Arte”, Sal da Terra, 2012.

POA coloca milhares na rua contra o aumento abusivo das passagens dos transportes coletivos...


Mensagem de um ativista social


Prezado Juremir,
Sou um dos teus leitores assíduos e venho declarar minha satisfação em acompanhar teu trabalho jornalístico – ainda não tive oportunidade de acessar teus livros.
Bom, certamente não escrevo para babar ovo, mas sei o quanto é importante – para renovar as esperanças progressistas - que um ser qualquer venha reconhecer a qualidade do nosso trabalho.
Sou um desses ativistas de Porto Alegre – facilmente taxável de vagabundo, desocupado, baderneiro. Este estigma cabe a mim, mesmo sendo estudante e trabalhador da saúde, já que dedico meus tempos livres a fazer arruaça, quando deveria estar promovendo a paz familiar e a obediência dedicada à televisão.
Fui um dos manifestantes brutalmente espancado no 04 de outubro de 2012 pela Tropa de Choque da BM e mais brutalmente ainda pela Guarda Municipal de Porto Alegre. O motivo é claro: junto com algumas centenas de jovens (e não tão jovens) componho um grupo de desviados da moralidade e da opinião conservadora desta sociedade de discurso único.
Na última quarta-feira, após um dia de trabalho decidi novamente ir vagabundear no paço municipal e promover algazarra gratuitamente, contra o aumento da passagem de ônibus. Os meios retrataram com “assombrosa” solidariedade a violência praticada por manifestantes contra Secretário Buzato, atingido por tinta vermelha. Falou-se que os manifestantes teriam matado os servidores municipais caso tivessem conseguido entrar na Prefeitura. Falou-se muito em investigar, identificar e responsabilizar os meliantes. No entanto, os servidores da GM e da BM que usaram de violência extrema contra manifestantes completamente desarmados, deixando alguns litros de sangue derramados pelo centro da capital no outubro passado não foram identificados, e muito menos responsabilizados de nada. Tive minha cabeça aberta por uma bordoada (quando, com as mãos ao alto, pedia calma aos servidores da Guarda que me perseguiam). Fiquei 30 min sangrando com a cabeça aberta porque a SAMU foi proibida de atender pela Brigada Militar. Tudo isto foi dito inúmeras vezes em depoimentos ao Ministério Público, à Corregedoria da Guarda Municipal, à Ouvidoria de Segurança Pública do RS, à Brigada Militar. Disse mil vezes que poderia reconhecer o guarda. Nada foi feito. Como eu, dezenas de manifestantes foram violentados por este fascismo, já naturalizado, das forças repressoras do Estado Brasileiro. E que importância têm os Meios nesta maldita naturalização da violência do Estado e da criminalização do ativismo político.
Agora, deixando de lado este sarcasmo indignado, venho apelar a ti, que és uma rara voz crítica entre um mar de comunicadores fascistas da mídia. Necessitamos fazer uma grande aliança progressista para retomar a decência em Porto Alegre. Não faltam evidências para entender que nos aproximamos de um estado de brutalidade – acentuado pela proximidade da Copa 2014. Nem o patrimônio ambiental da cidade está a salvo do fascismo disfarçado de modernidade.
É preciso trazer à superfície a essência dos conceitos de democracia, participação, cidadania, justiça social e qualidade de vida. Está tudo fora de lugar, tudo subvertido pelo consumismo que faz pensar que shopping e carro são essenciais, enquanto árvores e espaços públicos de qualidade são besteiras. É preciso reconstruir a ideia de democracia, fora dessa sínica trama eleitoreira, que tira o sentido e a vida do ato político. É urgente.
Vozes fortes da hierarquia da Brigada e da Prefeitura trabalham intensamente para naturalizar a barbárie, o estado de exceção que se avizinha com a Copa. E para isto tem contado com o apoio incondicional dos Meios. Sei o quanto nadas contra essa maré. Meu apelo é para que não descanses enquanto formador de outros jornalistas, enquanto voz ativa e com espaço para tensionar. Se não fortificarmos as bases da democracia corremos o risco de voltar ao impensável. 1964 não está tão longe, tendo em conta que grande parte das novas gerações sequer sabe o que foi, e muitos dos que sabem foram induzidos ao erro e acham que foi positivo.
Como professor de Sociologia e servidor da Saúde Pública te coloco este apelo por solidariedade ao ativismo de agora, o real, o que ainda move milhares às ruas, mas que é massacrado pelos Meios para vetar qualquer identificação por parte da população a quem queremos comunicar. A pauta de hoje é justa e vem ganhando apoio da população e dos rodoviários. O último ato contra o aumento da passagem teve mais de 1500 pessoas, que corajosamente marcharam ao palácio da polícia para mostrar que não temos medo e continuaremos nas ruas. Tua voz é importante agora e sempre.
Um grande abraço.
German Alvarez

segunda-feira, 1 de abril de 2013

o VIOMUNDO CONTINUARÁ...


Azenha: "O leitor que me fez mudar de ideia"

por Luiz Carlos Azenha
A ideia de puxar o plug e simplesmente deslogar o Viomundo, depois de mais de 10 anos de existência, foi pessoal, familiar e amadurecida ao longo do tempo. Confesso: me emocionei com a tremenda onda de solidariedade de todos vocês nas redes sociais, que surpreendeu mesmo os meus melhores amigos. Minha mãe, de 88 anos de idade, recém-recuperada de uma operação de cataratas e, portanto, testando a nova capacidade visual no computador, riu muito de uma foto inventada pelo Gerson Carneiro, ainda que não tenha entendido muito bem o motivo de todo aquele fuzuê: estava muito mais interessada no programa da Fátima.
Em minha participação no I Encontro Nacional de Blogueiros, fiz duas observações em meu discurso: revelei minha antipatia à ideia de depender de governos, que mudam de opinião e de prioridades ao longo do tempo e que, frequentemente, acreditam que o dinheiro do Estado, que deveria ser investido em políticas públicas de longo prazo — por exemplo, na promoção da diversidade cultural e pluralidade de ideias — lhe pertence, quando este dinheiro é, evidentemente, público. Propus, na ocasião, uma cooperativa de blogueiros que vendesse clics coletivamente no mercado.
Meu segundo ponto: a crítica da mídia estava desgastada, como se fosse um pensamento único de esquerda, e era preciso gerar pauta e conteúdo próprios.
Explico: o grande poder da mídia corporativa no Brasil é o de definir a agenda do debate político. O tal consórcio midiático é formador de consensos: haverá um apagão que provará a incompetência geral do governo trabalhista, as filas de navios significam que é preciso privatizar os portos, a Petrobras é um fracasso e precisa ser “reestatizada” (isso do povo da Petrobrax, dos que faliram a indústria naval e que defendem a terceirização) e o mensalão foi o maior escândalo da História da República que merece um replay de 18 minutos noJornal Nacional às vésperas da eleição municipal de São Paulo.
Embora não sejam mais completamente reféns da pauta da direita, os meios progressistas ainda subsistem dentro de um espaço de debate cujos marcadores são definidos pela grande mídia. Se o telejornal de maior audiência do Brasil tivesse dedicado uma boa parte de seus recursos e competência editorial aos incêndios nas favelas paulistanas, por exemplo, durante o governo do ex-prefeito Geraldo Kassab, é provável que um grupo muito maior de brasileiros se interessasse pelo assunto, cobrasse explicações e, lá no fim, seria levado pelo menos a especular se alguns episódios foram intencionais, obedecendo à politica de expulsar os pobres que tão bem serve à especulação imobiliária.
Nada disso aconteceu, obviamente e nenhum meio de esquerda que conheço detém os meios financeiros para bancar uma investigação de longo prazo sobre o assunto.
Portanto, voltamos à questão financeira e, apesar das generosas ofertas de ajuda que recebemos nas últimas horas, é óbvio que elas não resolvem os problemas de fundo, que são os que nos interessam. A ação que Ali Kamel venceu, apenas na primeira instância, nunca foi a questão central, mas sim a incapacidade de enfrentar a ofensiva da direita sem as mais simples ferramentas para fazê-lo.
Como tocar um blog que não aceita patrocínios de governos, empresas públicas ou estatais — uma decisão tomada porque esperamos que GloboVeja, Folha e Estadão nos sigam — e ainda assim tenha capacidade de debater políticas públicas de forma relevante, sem apenas reproduzir opinionismo político? Acreditamos que o Estado deva adotar políticas que incentivem a diversidade e a pluralidade, conforme previsto na Constituição. Que combata a propriedade cruzada. Acreditamos que o Parlamento deve cuidar do Direito de Resposta, uma forma de evitar a judicialização que leva desiguais para se enfrentarem num campo em que prevalece o poder econômico — dos advogados e lobistas.
Isso se agrava pela nossa leitura da conjuntura internacional, que continua muito negativa: depois dos baques de Wall Street e do euro, o neoliberalismo se reorganiza num poderoso tripé: na indústria financeira, que pendurou e continua pendurando a conta nas costas dos direitos sociais, na crescente influência do dinheiro no processo político — basta ver a decisão da Suprema Corte Americana que permite às corporações doarem a campanhas como se fossem ‘indivíduos’, de forma ilimitada — e, acima de tudo, em uma mídia oligopolizada, de discurso quase unificado, que acima de tudo defende seus interesses econômicos associados ao neoliberalismo. Quando foi o último trabalho de fôlego da imprensa paulistana sobre o adensamento da cidade, se saem todos aqueles anúncios da Abyara nas edições de domingo?
Com as grandes corporações de mídia, vivemos uma espécie de Gulag ao contrário: nosso corpo está livre, mas nosso pensamento frequentemente é prisioneiro de uma pauta que não nos interessa e, mais que isso, desconhece o interesse público, precariza as relações de trabalho e concentra ainda mais o capital na mão de poucos.
A contra-ofensiva neoliberal está em andamento, acreditem: pelo urânio do Mali, pelo petróleo da Líbia, pelas reservas do Orinoco na Venezuela, pelo gás boliviano, pelo pré-sal brasileiro. O neo-imperialismo não obedece apenas às regras clássicas, de conquista militar.  Associado a interesses nacionais, ele faz lobby no Congresso, compra bancadas e trabalha silenciosamente nos bastidores. No Brasil, a mídia corporativa, concentrada em níveis inéditos, é uma espécie de aríete, capaz de arrombar a porta e implantar ministros-lobistas num governo do Partido dos Trabalhadores!
Sempre perspicaz, o senador Roberto Requião revelou o que está por trás da “falência” da Petrobras, por exemplo.
Estamos entregues às grandes corporações, que implantam vastas extensões de eucalipto, criam empregos de alta qualidade em seus países de origem, agregam valor à terra e ao sol brasileiros, exportam água embutida em seus produtos e nos deixam com os danos ambientais. Vale o mesmo para o agronegócio.
Estamos entregues em Carajás, com o fenomenal trem que arranca o minério num ritmo que não obedece a prioridades brasileiras, mas às necessidades de lucro da associação entre o grande capital internacional e o trabalho escravo chinês, que produz as bugigangas posteriormente exportadas para os Estados Unidos, via Wal Mart, para entre outros motivos manter baixa a inflação e dar à classe média local a sensação de que ela consome, logo existe!
Como se diz no Amapá, foi o manganês da Serra do Navio que financiou o Plano Marshall!
Estamos entregues na transformação dos rios amazônicos em fontes de energia para as grandes mineradoras; Tucuruí nasceu do interesse do Japão de se livrar de suas indústrias eletrointensivas e poluentes. O Brasil fica com o trabalho sujo, enquanto eles desenvolvem alta tecnologia e os empregos do futuro em solo japonês.
Nada disso é discutido com profundidade em nossa grande mídia.
Nosso único recurso — o daqueles que pretendem discutir questões essenciais ao futuro do Brasil sem o cabresto da mídia — é a solidariedade humana, que foi o que vocês demonstraram com profundidade nas últimas horas. Recentemente, li na revistaEconomist — de todos os lugares! — uma pesquisa sobre a necessidade que as pessoas têm de de sentirem úteis ao mundo, de deixarem sua contribuição, de acreditarem que fazem a diferença. Obviamente o viés da revista servia às grandes empresas, já que as estimulava a incentivar os empregados a se engajarem em ações filantrópicas. O altruísmo de funcionários utilizado para valorizar a marca!
Mas a solidariedade genuína, idealista e altruísta de todos vocês finalmente me convenceu. A mensagem decisiva veio do João Carlos Cassiano Ribeiro, que não conheço pessoalmente, via Facebook. Diz:
Boa noite!!!!
Não sei se o Azenha vai ler isto, mas gostaria que servisse de incentivo.
A um bom tempo me acostumei a ler blogs e abandonar jornais escritos.
Quando aconteceu o primeiro blog que conheci foi o Viomundo, desde então aprendi a conhecer o mundo pelo seu site.
Gosto dos colaboradores e fotos das reportagens históricas feitas pelo jornalista.
Hoje acordei incomodado com o papel que a tv e o CQC exercem na nossa vida. Passei o dia incomodado com o baixo nível intelectual da tv e o comportamento fascista que noto nela.
Até imaginei que se fosse eu no lugar do Genoino ou do Clodovil durante a agressão a que Pânico e CQC os submeteram, acho que não suportaria.
Ser humilhado em frente a tv toda semana, não sei se aguentaria.
Fiquei feliz ao ver seu post sobre seu pai, imaginei que os fascistas passarão mas os bons permanecem sempre. Foi um sopro de alegria na minha tristeza.
Como já havia acontecido em outras oportunidades com o Viomundo, resgatei um pouco da dignidade e do respeito ao ser humano, voltei a acreditar na capacidade criativa e na solidariedade humana.
Respeito sua decisão e compreendo sua necessidade, mas me sinto um pouco órfão com o fim do Viomundo e triste em ver o jornalista abandonando uma das frentes de trabalho por força da opressão.
Choro ao escrever essas palavras pois sei que perdemos um espaço vital para nossa luta. Não sou colaborador e nem costumo interagir com o blog, sou um leitor anônimo e aprendi a observar o seu blog como um filho observa o pai e aprende e se orgulha de estar por perto.
Nossa luta não é partidária ou governamental é pelos mais fracos e pela dignidade humana.
Sempre o terei como amigo sem nem o conhecer, pois me orgulho dos meus amigos e me orgulho muito de você!
Obrigado por ter tido no Viomundo os melhores exemplos de humanidade e um espaço em que sempre me senti à vontade.
Achei muito bacana ver que um trabalho coletivo como o nosso, organizado por poucos mas que afeta muitos, ainda que precário e improvisado, seja capaz de tocar desta forma uma pessoa.
Assim sendo, depois de longas horas de conversa com a Conceição Lemes e o Leandro Guedes, pensamos num jeito de refundar o site (com o nome provisório de, rsrsrs, Democratas).
Uma consulta ao Comitê Central, sempre munidos dos tomos leninistas, nos levou a decidir:
1. Conceição Lemes (conceição lemes@uol.com.br) se torna a editora-chefe do site, encarregada também da relação com nossos 40 mil seguidores no twitter/facebook;
2. Leandro Guedes (leandro@cafeazul.com.br) adotará um mix de todas as sugestões que nos foram feitas por vocês sobre crowdfunding, além de perseguir eventuais patrocinadores que vocês nos sugerirem; o dinheiro arrecadado com o crowdfunding será todo reinvestido no site e não será utilizado para bancar advogados, dos quais já contamos com os competentíssimos Cesar Kloury, Idibal Pivetta, Airton Soares e um importante escritório de Brasília que ofereceu ajuda solidária.
3. Eu me afasto do compromisso diário de passar de 5 a 10 horas diante de um computador aprovando comentários, traduzindo e publicando textos. Torno-me um repórter voluntário e não remunerado, além de escrever os tradicionais comentários sobre mídia e política.
4. Passo a aceitar, sempre que compatível com minha agenda profissional, todos aqueles pedidos de entrevistas de estudantes, palestras em universidades e conferências, se possível associadas a oficinas sobre as redes sociais oferecidas pela Conceição Oliveira(blogmariafro@gmail.com), que entende tudo do ramo.
5. Acima de tudo, passo a me dedicar à área de minha especialidade, que é a produção de vídeos, mini-docs e docs.
Aqui, uma explicação se faz necessária. No modelo acertado com o Leandro Guedes, daCafé Azul, que há meses já vinha estudando o assunto, os leitores poderão tanto indicar as pautas quanto aprovar nossas propostas.
Exemplo: o Gilberto Nascimento quer escrever uma investigação sobre o poder da Opus Dei no Brasil. Calcula o tempo que vai levar e a remuneração adequada, por valores de mercado, à tarefa. Colocamos uma espécie de contador para acompanhar o avanço da meta. As pautas financeiramente aprovadas serão feitas.
Outros exemplos hipotéticos: a Conceição Lemes quer ir a Minas Gerais investigar o choque de gestão dos governos Aécio/Anastasia.
Há mais de um interessado em fazer um mini-doc sobre o impacto da Globo nas eleições de 2006 e 2010.
Serão trabalhos jornalísticos, não de militância, sobre assuntos que a mídia corporativa brasileira simplesmente desconhece, por não se adequarem àquela pauta única a que me referi acima.
Eu, por exemplo, gostaria de investigar pessoalmente o massacre de Felisburgo, na Bahia, até hoje impune.
Lino Bocchini poderia ser convidado para fazer a Coleção Folha: Como Rose Nogueira ‘abandonou’ o emprego durante a ditadura.
A Beatriz Kusnir, se aceitasse, poderia fazer uma versão em vídeo do livro Cães de Guarda, aquele que narra o colaboracionismo da mídia brasileira com a ditadura militar.
O Amaury Ribeiro Jr. poderia ficar encarregado, à lá Andrew Jennings, de perseguir e exigir explicações dos privatas que andam por aí. Nosso Michael Moore.
Minha ênfase nos vídeos se deve ao fato de que, eventualmente, eles vão dominar a internet, à medida em que as conexões se acelerarem.
Finalmente, queremos aproveitar o imenso potencial de jornalistas — e quantos!!! — recentemente demitidos, que deixaram suas empresas com boas histórias para contar e projetos nunca realizados.
Quem sabe vocês nos ajudam a financiar o sonho destes colegas.
Portanto, depois de muito matutar, acreditamos ter chegado a uma proposta que permitirá ao Viomundo não morrer, mas renascer das cinzas.
Aguardem, que as mudanças serão implantadas lentamente, inclusive em todo o visual do site.

Não existe democracia sem respeito aos direitos humanos, sem memória #DesarquivandoBR


http://www.tsavkko.com.br/

Passaram-se mais de 20 anos desde a chama re-democratização do país. No entanto, nunca estivemos mais longe de uma democracia séria e real e de respeito mínimo aos direitos humanos.

Não existe democracia sem respeito aos direitos humanos, sem memória sem respeito às minorias, aos diferentes, aos demais. Democracia não é apenas votar, não é apenas eleger e ser eleito, mas é parte d etodo o processo de convivência dentro de um Estado, dentro de uma cidade, uma região, uma escola, um emprego...

Democracia é o respeito pleno aos direitos, à cultura, à educação, e à saúde e o direito de todos terem voz e decidirem por si mesmos e enquanto grupo/coletivo seu futuro. 

Form mais de 20 anos desde o fim da Ditadura, mas não temos nada disso.

Em grande parte porque não fomos capazes de aprender com a Ditadura, de conhecer a Ditadura e o que ela representou. Não conhecemos seus segredos, não homenageamos nossos mortos, aqueles que tombaram resistindo bravamente, podendo nomear seus algozes, ou melhor, com a sociedade podendo nomear seus algozes e condenar seus algozes.

Tudo é segredo, portas fechadas, arquivos trancados. Mesmo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que com seus poderes limitados e com todas as tentativas governamentais de esvaziá-la, mantém seus segredos, procura afastar o povo de suas sessões que deveriam ser públicas.

O que temem? Sabemos o que temem os militares assassinos e seus comparsas. Sabemos o que temem políticos eleitos cujo passado está ligado á Ditadura. Sabemos o que temem empresários e civis envolvidos com mortes e torturas. Mas o que teme o partido do poder? O que temem estes que se dizem de esquerda mesmo sem sê-lo, que renegam seu passado ou o usam como propaganda para, uma vez no poder, se aliar com seus algozes? E o que temem alguns dos membros da CNV ao querer fechá-la ao público?

Aqueles culpados temem a verdade - sem dúvida não temem a cadeia, pois não será este seu destino, infelizmente - mas o que temem os que deveriam ser inocentes? 

São décadas de decisões secretas, de portas trancadas, mas de masmorras sempre prontas a receber novos combatentes e de militares e civis sempre prontos a quebrar, matar e... lucrar.

E continua.

A sociedade não evoluiu nestes 20 anos. Continuamos matando, torturando e morrendo. A polícia continua a aterrorizar, a perseguir, permanece como um aparelho repressor e assustador dos poderosos que hoje não mais vestem fardas, mas se valem das fardas para manter o controle. Outros se valem do medo, o mesmo medo tão familiar no passado. Medo enquanto mercadoria, vendido junto a toalhinhas ungidas e tijolinhos da prosperidade em templos suntuosos feitos para mesmerizar as massas.

Continuamos com medo, continuamos massacrados, continuamos sem nossos direitos básicos.

Continuamos sem memória. Não aprendemos com o passado, pois não o conhecemos.

Tudo que podemos fazer hoje é gritar, é sair às ruas. Mas saímos pouco. Gritamos muito, é verdade, mas para ouvidos moucos. E até que decidam não mais permitir gritar.

O que faremos então?

Não revisamos nosso passado, não vivemos nosso presente, jamais entenderemos nosso futuro.

Estamos fadados a apenas repetir.

Viomundo não vai fechar


Por Igor Felippe

Há homens que lutam um dia e são bons,
há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida
e estes são imprescindíveis"
Bertold Brecht


Caro amigo Azenha,

Tenho certeza que o blog Viomundo não vai fechar. Porque você e a Conceição Lemes são imprescindíveis.

E aqueles que são imprescindíveis lutam a vida inteira.

O vaticínio é de Bertold Brecht, o dramaturgo alemão comunista que saiu do seu país com a chegada de Hitler ao poder.

A sua vontade individual, Azenha, vale pouco agora. Para o bem e para o mal.

O Viomundo cresceu e se tornou o melhor blog do Brasil.

É o melhor porque informa, agita, educa e chama â reflexão seus leitores, tratando de temas da conjuntura política e de questões profundas da sociedade brasileira.

Com isso, conta com a contribuição de dezenas de pessoas e tem milhares de leitores.

O blog já saiu das suas mãos, Azenha e Conceição.

Vocês são apenas síndicos desse condomínio, formado por aqueles que têm uma visão crítica da realidade, que não se satisfazem com a mediocridade da velha mídia e que querem transformar profundamente este país.

Os sujeitos cumprem um papel importante na história. E você, Azenha, é um desses sujeitos.

A emergência da internet criou um canal de comunicação para além das TVs, rádios e jornais concentrados nas mãos de uma oligarquia intolerante e truculenta.

As contradições criadas no seio da sociedade brasileira com a eleição de um torneiro mecânico aproximaram jornalistas exiladas nos grandes meios de comunicação das organizações políticas progressistas.

Vamos ser diretos: aproximou jornalistas críticos da luta de classes, para usar uma expressão fundamental para compreender a realidade contemporânea.

O Brasil passou pela escravidão e por duas ditaduras, que perseguiram, torturaram e mataram aqueles que defendiam a liberdade e a igualdade.

A burguesia brasileira é intolerante. Não tolera pensamento diferente, não tolera críticas e não tolera traição.

A saída da Globo, as críticas ao jornalismo do grupo e o sucesso do Viomundo representam uma traição para os poderosos.

No Brasil, perfilaram na trincheira da luta pela liberdade e igualdade inúmeros lutadores do povo, como Zumbi, Apolônio de Carvalho, Luís Carlos Prestes, Carlos Marighella, Francisco Julião, João Pedro Teixeira, Helenira Rezende, Florestan Fernandes, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro...

Todos enfrentaram os poderosos. Foram derrotados pela morte. Lutaram até o fim da vida.

Azenha, a condenação imposta por uma Justiça do Rio de Janeiro que se submete às vontades das Organizações Globo é mais um capítulo da luta de classes no Brasil.

É a luta dos detentores do poder contra aqueles que representam obstáculos para o exercício do poder, por se associar às causas do povo brasileiro.

Essa luta é dura, inglória, desgastante e, especialmente, perigosa.

O grande professor Florestan Fernandes escreveu sabiamente que “contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres”.

Não podemos transigir. Cabe a todos nós fazer uma grande campanha para denunciar a perseguição da Globo, arrecadar recursos para pagar a multa e intensificar a luta pela democratização do sistema de comunicação.

Azenha, cabe a você continuar o seu grande trabalho, porque o fechamento do blog representaria uma derrota para todos nós.

Então, vamos coletivamente enfrentar esses desafios, para que juntos possamos impor uma derrota para aqueles que mandam neste país.

Um grande abraço, Igor Felippe