Por Flavia Alli
Especial para Caros Amigos
Osmarino
Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasileia (Acre), esteve
presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e
enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população
acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos
embates na Floresta Amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à
destruição da região pelas madeireiras desde a década de 1970. Cercado
por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência,
organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o
capitalismo.
Osmarino viajou pelo Brasil nesse semestre em um circuito de debates e
palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas
passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos
povos indígenas e nativos. Denunciou a compra
de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde
de Marina Silva, e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo
Código Florestal. No movimento sindical, reafirma a importância da
organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e o
fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na
luta de classes.
Na entrevista abaixo, Osmarino Amâncio fala da luta na defesa da
floresta e suas dificuldades, de agronegócio como política de estado e
do trabalho junto aos seringueiros.
Em relação à organização dos
trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas,
no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques
que ele vem apresentando junto à burguesia?
Osmarino Rodrigues - Primeiro
são as instancias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o
sindicato, uma cooperativa dos extrativistas depende de caminhar muito
para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e
informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio
que eles tem é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente
só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a
parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é mesmo a
falta de educação, pois é um local precário, em que a educação é muito
fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série
do ensino primário. Isso tudo não tem impedido da classe trabalhadora
resistir contra aqueles grandes megaprojetos de madeireiras, de
mineradoras, de barragens, de hidrelétricas. É um processo
que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária
adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, que nós não
reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de
propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o
Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela
Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem
criminalizado as lideranças dos seringueiros, -os quais antes podiam
colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado
para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode
mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles estão
criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da
reserva, andando armado. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as
barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para
facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das
ONGS. E, veio a serviço do grande capital, com essa ideia da nova
política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios
naturais. Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos
trabalhadores. E a alternativa que eles estão dando para a gente é uma
“bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de
farinha e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão
proibindo de fazer ramais para escoação do produto dentro da reserva; e
ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito
acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se
você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se
você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como
concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer
plano de manejo, pois este exige uma assistência técnica, um trabalho
especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das
madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma
política do estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio
Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto.
Tem-se um grande investimento do BNDES e do Banco Interamericano do
Desenvolvimento (BID) para as barragens na Amazônia, para o programa de
manejo madeireiro e à política do mercado de carbono. Na nossa região
tem mais de 20 megaprojetos que vai (sic) detonar com aquele bioma! Se
não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das
multinacionais, a destruição será total. O cerrado, por exemplo, está
sendo implementado naquela região para a monocultura da soja, cana para o
etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também
atendem a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico que
corta a região meio a meio para escoação dos produtos de exportação.
Então, são investimentos para a “integração” da América do Sul, e que
precisa ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de
fora da Amazônia para que possamos fazer um grande empate (e não é um
empate contra os fazendeiros e madeireiras) contra o estado, contra a
legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de
Manejo Florestal (selo FSC). Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a
pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa
a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política
“auto-sustentável” que, ao conseguir a certificação, é liberado para
você fazer qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco
genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela
região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo!
O governo e as empresas têm muito
dinheiro para injetar em organizações para combater os trabalhadores na
Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervido
na realidade e a resposta dos trabalhadores frente a esta situação?
Osmarino - Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Mas,
eles tinham uma vontade de defender a vida. Então, quando se tem
vontade de viver, você cria as condições, o “anticorpo” como chamamos na
floresta. Na Amazônia, para você viver, você tem que se adaptar e criar
anticorpos. Pois, você não vai enfrentar somente o estado, só a UDR, só
as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar, também, a cobra, a
febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro
consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas, o
seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal que
consegue sobreviver com a dor, por conta da vontade de viver! Não tem um
dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por
tucandeira, cobra, marimbondo, topada, sofre um corte... Mas, ele
convive diariamente com dor. Então, ele está adaptado a estas questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade,
estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade
que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos
sindicatos, das oposições sindicais, estamos, também, na discussão de
desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o
governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma
central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da
classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, e
enfrentar o grande capital contra a depredação dos meios naturais.
Essas são algumas das entidades. Outro movimento é em direção às
universidades, fazendo um desfio à juventude, ao setor acadêmico e
intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas nossas ideias e
documentos, denunciando o governo, inclusive as ONGs, como USAID, WWF,
Greenpeace - todas as entidades que defendem o desenvolvimento
sustentável para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível
evitar isso colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à
política do mercado de carbono, por exemplo, que libera para o Norte e
os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) continuarem poluindo no resto
do mundo, e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes
plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e
dizendo “Nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na
Amazônia”. E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa
região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de
subsistência. Esse povo está se tornando para os governantes o principal
empecilho para implementar os megaprojetos. Estão sendo criminalizados
por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região
“fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar
“fogo zero” quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa
do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida e queimar o
seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos.
Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos
igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa
sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através
do plano de manejo. Quando o governo o implementa, ele está incentivando
essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil
ficam sem floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é
muito difícil devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos
trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação,
um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão
sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar
um salário para algumas lideranças para fazerem propaganda dos programas
governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento naquela
região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada;
e estamos organizando a oposição sindical em Brasileia. Será um
processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a
gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos
expulsos e eles farão toda a destruição na Amazônia.
Como é feita a cooptação dos
trabalhadores para que se retirem dos movimentos e eleições sindicais e
qual a interferência na luta de classes?
Osmarino - Essa “compra” das
pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia,
para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no
governo. O último investimento foi 500 mil reais, na compra de tratores,
dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores
para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje
estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam
vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a
pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa
estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão
assinando, a qual dura apenas por dois anos – e não sabem que qualquer
“deslize” que ele tiver será expulso da reserva. A criminalização é
tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento. Levou os
parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos
comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo
madeireiro, ficar contra o movimento e defender o governo. Nós estamos
resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT
teríamos um alívio. Mas, essas entidades se voltaram contra nós, contra
os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT
obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência,
disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram
demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um
golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou
a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 mi de hectares de
floresta para fazer a biopirataria. O próprio estado cria, aparelha,
atrela o movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.
A aprovação do Novo Código Florestal
vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica,
ou apenas é para legitimar burocraticamente uma prática e uma política
existente no país há décadas?
Osmarino - O Novo Código
Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas
multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do
desmatamento que foi feito e consolidado a proposta da economia verde,
facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais
do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem tem condição
financeira, vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor
o estrago que fizeram. Essa política vem para oficializar as práticas
do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o
etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” se tem uma lei que
garante, sem critério algum, a implementação dessa política, na
Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou
de ser consumada. O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais
etc extraídos pelas empresas e pelo latifúndio.
Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o
poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia.
Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a
Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembleia dos
seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem decide é o conselho
deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de
Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para
desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos e ao fim deste prazo,
após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30
anos. Então, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai
destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a
população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior
ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a terra!
A Belo Monte, por exemplo, tem 500 quilômetros quadrados que serão
inundados. A Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão
ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o
problema da educação; da saúde; implementar bancos de hemoplasma;
investir em pesquisa; e evitar os desastres ecológicos, consequências do
desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código
Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do
hidronegócio.
Nesse cenário, de que modo tem se dado a
repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada
massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?
Osmarino - Primeiro, eles tentam
usar essas populações que tem dificuldade de entender o que está por
trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação” para convencer
os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É
a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios, e
mandar eles para o céu. Então, todos lá estão virando evangélicos,
obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada e
sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que
eles têm usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens
quando completam 16 anos casam-se. Então, eles acusam de estupro esses
jovens ou até mesmo as lideranças para exterminar esse povo e também
impedir que se reproduzam. Os índios estão casando e ficando escondidos,
pois não podem mais se relacionar por serem acusados de estupradores. A
justificativa é que tem uma lei no Brasil que diz que ter relações
sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta
é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade. Eles confundem a
população e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros
também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais
(Bolsa Verde, Plano de Manejo, etc.) que eles criminalizam. Outras leis,
como a questão da prostituição infantil têm sido usadas para este fim.
Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o
governo não tem fiscalizado. O exemplo disso é Belo Monte. Altamira tem
100 mil pessoas. Mas, está chegando 120 mil para trabalhar, é um caos
social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai
se aproveitar da juventude e como o estado vai evitar o estupro e a
barbárie? Não vai evitar! O estado cria mecanismos, a gente vê como
exemplo as obras da Copa do Mundo, em que estão expulsando as populações
dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos
centros urbanos, e indenizando com migalhas. As obras da Copa
institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que
não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde,
transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e que
nós estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um
despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas,
para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade
capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos
que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, que
colocaram o nome de “remoção”. O estado tem utilizado de vários nomes
para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de
riqueza na mão de poucas pessoas.
Como o capitalismo Verde de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?
Osmarino - Virou uma doença! As
pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada
na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é
diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações
futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a
fonte de renda, pois, por exemplo, a Belo Monte não é sustentável – tem
gerado energia para um grupo de empresas para continuar depredando a
natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da
floresta, que vai acabar com várias espécies, culturas - e tampouco a
energia da usina vai servir para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta
para o manejo - sendo que ela é fonte de renda da população local -, é
ela que evita, também, o aquecimento global, desequilibra ambiental e
socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta
como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e
muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional
daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão
com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o
Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi
a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas
Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de
exportação pode destruir o que é ilegal, que por conta do selo vira
“legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos
proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito
milhões de hectares de floresta – que é mais da metade do estado. A
MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no
governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o
agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no
Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do meio ambiente.
Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial
natural. As barragens são feitas sem se quer discussão em audiência
pública. É uma vergonha! Os projetos vem todos prontos para serem
implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o
exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da
floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E a Rio+20 nesse cenário?
Osmarino - A Rio+20 será para
selar como um todo entre sociedade e governo um proposta de “economia
sustentável”. Esta proposta é uma ideia do modelo capitalista que temos,
que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro,
sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A
Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de
ONGs e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é
uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da
natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é
direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje
uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e
privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa
proposta que será selada na Rio+20. Essa é uma discussão que vem desde a
década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia
contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O
agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a
soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda
de açudagem em complemento às barragens, tudo pensando na exportação dos
meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência,
da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso,
mas eles vivem há centenas de anos na floresta e nunca destruíram. No
entanto, é ignorado que o grande capital faz, e é criminalizado o
seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na
região.
Qual projeto que você acredita que
falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos
populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos?
Osmarino - O que todo mundo tem
que ter consciência é que esse projeto que está colocado não se deve
aderir, pois ele é do sistema capitalista. Ele tem que ser descartado!
Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe
trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa
sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária.
Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das
populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de
banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca
precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo
indígena é uma nação... índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente
precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema
capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das
universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma
sociedade libertária. E vai se respeitando cada categoria, que
implemente a sua arte, a sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na
elaboração do que vai ser investido nela. Tem que ter transparência do
calendário aos currículos formulados. A comunidade tem que participar
deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada
realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos
aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável - um
projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais,
pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos que ter consciência disso. Temos
que fazer um desafio à juventude, que em sua maioria, está “viajando” na
internet, e acredita que vai fazer uma mudança por ela; ou então
passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. E vai ser
preciso três planetas para suportar essa demanda. Se não tivermos
cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a
depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A
indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula
tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no
entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra
da concentração da mão de poucas pessoas. Esse projeto não presta, temos
que construir um novo. E, este novo projeto, todos sabem qual é:
discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e
da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se
rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos
que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da
educação, da saúde. Temos que ir nos apropriando de acordo com a
capacidade de mobilização que precisamos.