artigo de Paulo Gustavo Guedes Fontes | |
"A laicidade é exigida sempre do Estado, nunca do cidadão, do particular, para o qual vale a liberdade de professar qualquer crença ou religião" Paulo Gustavo Guedes Fontes é mestre em direito público pela Universidade de Toulouse (França) e procurador da República em Sergipe. Artigo publicado na "Folha de SP":
Depois de provocar muita polêmica em 2004, quando seu uso foi proibido nas escolas públicas francesas, o véu islâmico voltou a agitar a política da França e da Europa neste ano. No último dia 22 de junho, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, manifestou aos deputados e senadores da França o seu repúdio ao uso da burca e do chador e seu apoio a eventual ato legislativo que pretenda proibi-los no território francês. (A burca e o chador nada mais são do que a versão mais fechada do véu islâmico.)
Sarkozy afirmou, na ocasião, que a questão não teria caráter religioso, mas diria respeito à igualdade entre homens e mulheres. Para o presidente francês, a burca é um signo de submissão das mulheres.
Nessa mesma linha, em 4 de dezembro de 2008, a Corte Europeia dos Direitos Humanos, sediada em Estrasburgo, considerou justificada a expulsão de duas alunas muçulmanas de uma escola pública francesa por terem se recusado a retirar o véu nas aulas de educação física. Aquela corte entendeu que não houve desrespeito à liberdade religiosa.
Contudo, tais medidas podem, sim, ferir gravemente a liberdade de crença e de religião. É compreensível que se proíba o uso de signos religiosos pelos representantes do Estado, como juízes, policiais ou mesmo professores de escolas públicas. Mas que tal proibição atinja o próprio cidadão na sua vida privada, isso constitui uma deturpação do princípio da laicidade.
Não se pode entender a laicidade do Estado sem referência à liberdade religiosa. É a outra face da moeda. Por que razão o Estado deve ser laico? Porque, representando todos os cidadãos, não poderia abraçar uma opção religiosa sem alienar dessa representação os cidadãos de outra crença ou mesmo os que não professem religião alguma. Assim, a liberdade de religião, aliada a uma nova concepção do Estado e da igualdade, está na origem da laicidade.
De qualquer forma, é aos agentes e funcionários do Estado que o princípio da laicidade se dirige, vedando que expressem, no exercício da função pública, suas preferências religiosas. Os edifícios públicos, da mesma maneira, deveriam manifestar essa neutralidade diante da religião.
A laicidade é exigida sempre do Estado, nunca do cidadão, do particular, para o qual vale a liberdade de professar qualquer crença ou religião. A menina que vai à escola francesa não representa o Estado. É para que os cidadãos possam usar crucifixos, véus ou quaisquer signos religiosos que o Estado se laicizou, que se tornou neutro diante da opção religiosa.
Vedar à jovem o uso do véu islâmico, mesmo na escola pública, é violentar sua liberdade religiosa, mormente pela importância que essa questão tem para as mulheres muçulmanas. Vedar o seu uso no território de um país é medida que remete às guerras de religião.
O que tem sido professado na França é uma deturpação da laicidade, o laicismo, versão militante daquela. Ele perde de vista a liberdade religiosa e quer impor à população uma forma de secularização.
Norberto Bobbio estabelece essa distinção. Para ele, a laicidade, ou o espírito laico, não é em si uma nova cultura, mas uma condição de convivência de todas as possíveis culturas. Por outro lado, assevera que o laicismo que "necessite armar-se e organizar-se corre o risco de converter-se numa igreja em oposição às demais".
Por fim, parece igualmente autoritário o argumento de Sarkozy de que a proibição visaria à igualdade entre homens e mulheres. Ainda que se considere o véu islâmico incompatível, mormente na forma da burca, com a visão que temos da mulher no Ocidente, ele é certamente um signo religioso.
Se uma mulher oculta seu rosto e cabelos - ou o corpo inteiro - por respeito à religião ou se o faz por medo do marido ou do militante islâmico do bairro, só ela pode saber.
Na dúvida, para não ferir algo tão íntimo e inviolável quanto a liberdade de crença e de religião e para não retrocedermos alguns séculos, é melhor deixar que ela retire o seu véu espontaneamente, convencida que venha a ser disso pela cultura ocidental da igualdade, da liberdade e da fraternidade - que costumavam ser a divisa dos franceses. (Folha de SP, 15/9 |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Véu islâmico, laicidade e liberdade religiosa,
Educação Pública brasileira na berlinda
Escrito por Eunice Couto*
No Rio Grande do Sul, há muito se luta contra a desvalorização do ensino público. Com maior vigor, o debate entrou nos lares da classe média gaúcha, a partir de 2007, com a falta de professores, enturmação, redução de recursos, ameaças aos direitos dos educadores, os quais fazem parte do “novo jeito de governar”, implantado por esses pagos com o (des)governo do PSDB.
É de conhecimento geral que o tal “déficit zero” existe apenas nos serviços públicos mais necessários: saúde, educação e segurança – totalmente deficitários em condições de trabalho e atendimento à população que paga seus altos impostos, sem receber os serviços a que tem direito e zero em investimentos. Para 2010, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias já aprovada, haverá redução de verbas na ordem de R$1,2 bilhão para a Educação e R$ 800 milhões para a Saúde. Em contrapartida, gastará, ainda em 2009, R$ 93 milhões em publicidade.
Até aqui, falava-se no problema apenas do RS. Agora as manchetes também trazem à tona queixas semelhantes noutros estados, o que significa que a lógica neoliberal implanta-se por todo o país, com aval do governo federal. São salários defasados e congelados há vários anos, ausência de concursos públicos e aumento na contratação de servidores emergenciais, retirada de direitos dos trabalhadores, redução de verbas, criação de meritocracia, avaliação externa, terceirização e privatização, além da ameaça de demissão, entre outras invenções que objetivam o desmonte do serviço público, ou seja, a inserção do estado mínimo.
A vizinha Santa Catarina enfrenta a falta de concursos públicos e aumento de carga horária, através da alteração da grade curricular, possibilitando o tal cabide de empregos para apadrinhados políticos que pouco se importam com a qualidade dos serviços prestados, além dos salários e recursos congelados há vários anos (governo PMDB/PSDB). No Rio de Janeiro (governo PMDB), os profissionais da educação estão em greve desde o dia 08 último. Os educadores já sofreram a repressão policial (gás lacrimogêneo, balas de borracha e armas de fogo), com o intuito de impedir o protesto por melhores condições de trabalho – e consequentes resultados mais positivos –, além da defesa dos direitos dos trabalhadores – plano de carreira. Somente para mencionar os estados mais populosos e próximos, lembre-se ainda que em São Paulo e Minas Gerais (governados pelo PSDB) não é novidade a constante mobilização de professores e estudantes reivindicando seus direitos.
Enfim, percebe-se que o descaso é tamanho que o movimento estudantil volta a se erguer, a exemplo das décadas de 60 e 90. A juventude mobiliza-se, exigindo respeito por seus direitos, juntamente com os sindicatos e movimentos sociais. Nos desfiles comemorativos ao 7 de Setembro, inúmeras apresentações levaram às ruas os protestos pelo fim da corrupção, seja no governo Yeda/Feijó (RS), seja pelo “Fora Sarney” e o senado federal. Nesta quarta-feira, dia 16, em Porto Alegre, os jovens irão às ruas novamente, engrossando o pedido de impeachment de Yeda Crusius.
São essas ações que corroboram para a necessidade de respeito à educação em todo o país e bom número de jovens brasileiros já entendeu que somente o povo na rua, cobrando dos governantes seus direitos, poderá fazer com que o Brasil deixe de ser o país do “vale-tudo” ou do “jeitinho”. Afinal é a educação de qualidade que forma cidadãos críticos, convictos e éticos. E estes conceitos são, sim, ensinados na escola pública, gratuita e de qualidade.
*Eunice Souza Couto – professora estadual, representante do 17º núcleo/CPERS Sindicato, militante da corrente sindical Democracia e Luta
Crise econômica e submissão a cartéis da UE deterioram as condições de vida na Hungria
A Hungria, que já foi um país razoavelmente próspero, não conhecia o desemprego quando era socialista. Hoje, imersa na crise econômica e submissa aos ditames da ‘Comunidade Européia’, vê sua população empobrecer, suas empresas fecharem e as condições de vida da maioria da população se deteriorarem a cada dia.
Com uma população de 10 milhões de habitantes e cerca de 10% dela composta pela etnia romani, também conhecida como ciganos, a Hungria passou a ter maiores dificuldades para integrar esse contingente desde a volta do capitalismo em 1989.
“Trata-se de um processo dos últimos 20 anos. Os governos de transição ao capitalismo não foram capazes de abordar o problema com a profundidade necessária”, disse Anikó Bérnat, socióloga do Instituto Tarki. “O desemprego e a miséria em que vive a maioria da população cigana da Hungria é tal, que agora cresce uma segunda geração de romani que não viu seus pais trabalharem”, afirmou.
A miséria e as dificuldades, a descoesão do tecido social provocada pela irresponsabilidade de governos descomprometidos com o desenvolvimento do país, fez crescer o racismo e os conflitos étnicos. O governo ao desamparar a população, deixou campo aberto para a proliferação de ideologias de direita radical pró-fascistas como o Partido Jobbik, um grupelho pequeno mas barulhento que tem conseguido, no grito, intimidar o governo da Hungria. A ponto de conseguir manter, mesmo ilegalmente, a existência de suas próprias patrulhas paramilitares, a “guarda húngara”, as quais têm como principal objetivo a agressão à parcela mais discriminada da população húngara, a etnia romani, a mais importante minoria étnica do país, que habita a região há 500 anos.
Reportagens publicadas pela revista HGV mostram que o partido Jobbik, de orientação pró-nazista, já mobiliza setores da população com seu discurso de ódio aos romani. A ‘guarda húngara’, formação policial inspirada nos movimentos fascistas mantidas há mais de 10 anos pelo Partido Jobbik, serve para legitimar o ódio inter-étnico e a discriminação aos romanis por ela sempre atacados.
Diante desse quadro o governo da Hungria tomou a lamentável medida de, para contrarrestar a situação visando as próximas disputas eleitorais, criar as suas próprias patrulhas de paramilitares, a ‘Guarda de Vila’.
O Primeiro Ministro, Gordon Bajnai, nomeado pelos socialistas e por eles considerado um ‘independente’, diz com todas as letras que “as guardas de vila são parecidas em tudo com a ‘guarda húngara’ de direita” e que “a ordem deve regenerar a Hungria. As guardas de vila são determinantes para a evolução e a gestão da crise”, declarou Bajnai ao jornal Pester Lloyd em Miskolc, cidade no nordeste da Hungria, onde falava para uma platéia de agentes de segurança e aspirantes de auxiliares de polícia e policiais.
Coincidentemente, ou nem tanto, essa cidade tem entre seus habitantes um grande contingente da etnia romani em sua maioria desempregados, vivendo em extrema pobreza. O índice de criminalidade em Miskolc é dos mais altos da Hungria e da Europa.
Para compor a ‘guarda de vila’ os auxiliares de polícia são recrutados entre os jovens sem escola, sem trabalho e sem perspectivas. Eles estão sendo formados para serem os ‘guardiães da ordem’, mas na verdade continuarão sem perspectivas e sem futuro na medida em que não são chamados a contribuírem para o futuro do país, pois de nada vale essa ‘guarda de vila’, expressão de retrocesso, reacionarismo divisão e ódio que ela estimula. Caso emblemático aconteceu em fevereiro na aldeia de Tatarszentgyörgy, o assassinato de um cigano e de seu filho de apenas cinco anos, cuja notícia correu mundo.
Os romanis foram vítimas da perseguição nazista durante a II Guerra Mundial, quando a Hungria foi invadida e ocupada pela Alemanha Hitlerista. Foi a parcela da população que mais sofreu com a volta do capitalismo, sua expectativa de vida é 10 anos menos que a média do conjunto da população húngara. Apenas um terço das crianças romani frequentam a escola.
Com o agravamento da crise gerada pelos monopólios, a União Européia impôs a redução dos gastos do Estado, em particular dos salários dos trabalhadores públicos. As despesas orçamentárias comunais e federal e o sistema de transporte público terão redução da ordem de 100 bilhões de florins ou o equivalente a 370 milhões de euros, enquanto os preços dos alimentos e da energia não param de subir.
Os bancos alemães e austríacos, principais instituições financeiras da Hungria, também pressionam pelas medidas de contenção dos investimentos públicos.
Depois das privatizações da década de 1990, austríacos e alemães se impuseram como os principais investidores no mercado húngaro, sugaram tudo que tinha sido construído durante o período socialista e agora, com a crise, recuaram e passaram a fechar as empresas e demitir trabalhadores.
A Agência de Promoção do Comércio e do Investimento, ligada ao governo, informou que em 2008 houve um investimento de 900 milhões de euros feito pelos austríacos, e que isso representou ¼ dos investimentos diretos que o país recebeu, mas que isso não se repetiu em 2009 e atualmente não existe absolutamente nenhum investimento austríaco na Hungria.
Esses investimentos diretos não geraram nem um pontinho de crescimento ao país, pois muito mais do que foi investido foi retirado e reenviado para as matrizes, como é da natureza e característica desse tipo de operação realizada pelos monopólios.
Não satisfeita com a sangria imposta pelos “Investidores Diretos”, a Câmara de Comércio Americana na Hungria também pressiona o governo húngaro a tomar medidas neoliberais: “para reforçar a competitividade do país são necessárias medidas mais profundas do que as que já foram tomadas até aqui”.
Enquanto isso, prossegue a tragédia húngara. O partido Jobbik e a ‘guarda húngara’ matam os ciganos cada vez mais frequentemente. Só em março foram 7 num só dia, afirmou Balázs Dénes diretor de uma ONG de defesa dos direitos humanos.Mas – seria cômico se não fosse cínico - o Conselho da Europa e sua Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância criticou a Hungria pelo aumento do racismo.
Créditos: Blog do VelhoComunista
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Texto original em Hora do Povo
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Projeto de ‘Desenvolvimento Sustentável’ é incapaz de ancorar esquerda consistente
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Escrito por Rui Polly no Correio da Cidadania | |
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As informações, veiculadas pela mídia, sobre um eventual apoio do PSOL à candidatura de Marina Silva em 2010 não foram, até o momento, objeto de qualquer declaração oficial do partido. Mas a possibilidade de ocorrer tal aliança já vem suscitando um debate entre os militantes. É provável que muitos militantes vejam com simpatia essa hipótese, até mesmo em função de declarações de Heloisa Helena que está cada vez mais propensa a disputar o senado por Alagoas, em vez da presidência da República.
Há, além disso, a força da imagem de Marina Silva e sua biografia política que a projetou nacional e internacionalmente como ícone da causa ambiental. Não é por acaso que sua candidatura tem causado forte impacto no cenário político nacional, atraindo apoios importantes de ambientalistas, intelectuais, além de petistas desconfortáveis com a candidatura Dilma. Alavancada pela mídia, ela tem aparecido como o fato ‘novo’ na política nacional.
Mas a biografia política da senadora e ex-ministra do Meio Ambiente não são suficientes para que sua candidatura possa ser considerada uma alternativa política a ser apoiada pelo PSOL. Queremos apresentar a nossa visão de que uma eventual decisão de apoiá-la em 2010 poderá significar a descaracterização da nossa identidade política e ideológica. Basicamente são dois os argumentos que nos levam a essa conclusão. Primeiro, consideramos que a filiação da senadora ao PV é, por si só, um impedimento a uma aliança política. Segundo, a política da senadora é inconsistente, contraditória e limitada, não oferece uma resposta às demandas imediatas e tampouco proporciona uma alternativa estratégica global.
PV: a improvável "refundação"
"O PV hoje tem alianças que o levam a apoiar governos de tendências diversas e até conflitantes, além de abrigar parlamentares processados por grilagem de terras. Analistas consideram que, mais do que utopia, Marina vai encontrar no PV demasiado pragmatismo" (Valor Econômico, 18/8/2009).
A citação demonstra que mesmo os analistas burgueses são céticos quanto à "refundação" do partido, anunciada pela senadora e pela direção do PV. As mudanças supostamente abarcariam desde uma "revisão programática", passando por mudanças na estrutura do partido, até uma "depuração" nos seus quadros partidários. Sem queremos ser céticos, não é possível acreditar que tais promessas possam ser cumpridas.
A principal característica do PV é o seu fisiologismo, profundamente arraigado na sua prática política e sua estrutura partidária. Desde seu surgimento, o partido fez alianças com praticamente todos os partidos existentes no país. Fez parte do governo FHC, ocupando a pasta do MMA. No governo Lula, ocupa desde o início o Ministério da Cultura. Chegou a apoiar Blairo Maggi, maior plantador de soja do país e inimigo mortal do meio ambiente. Ocupa hoje cargos nos governos de Gilberto Kassab (DEM-SP) e José Serra (PSDB-SP). Governa a prefeitura de Natal, conquistada em aliança com o DEM.
Mesmo na política ambiental encontramos no partido, ao lado dos ambientalistas chamados "históricos", deputados que defendem a energia nuclear como Ciro Pedrosa e Fábio Ramalho (PV-MG), além do deputado Lindomar Garçon (PV-RO), que apoiou a construção do Complexo Hidrelétrico do Madeira. Exemplos não faltam.
Uma "refundação" exigiria que o PV rompesse suas alianças com a direita e abandonasse cargos ocupados em governos de direita, como os de Serra e Kassab. Mas não há qualquer sinal de que haja, de fato, uma mudança de rumo. Ao contrário, são fortes os sinais de que o partido continuará com a mesma linha, ainda que atenuada. Na mesma semana em que o PV anunciou a solenidade de filiação de Marina Silva, dirigentes do partido de Minas Gerais declaravam a intenção de apoiar Aécio Neves, enquanto em São Paulo o PV revelava ter feito convite ao ultra-conservador Gabriel Chalita para disputar uma vaga no senado pela sigla verde. Chalita, hoje vereador pelo PSDB, foi secretário do governo Alckmin.
Também é difícil dar crédito a discursos sobre "depuração" e "ética na política" vindos de alguém como Fernando Gabeira, candidato à prefeitura do Rio de Janeiro em 2008, com o apoio do PSDB, DEM e da Rede Globo.
A própria Marina Silva, na entrevista coletiva após a sua filiação, tratou de minimizar a heterogeneidade das alianças do partido, afirmando que "alianças heterogêneas existem em todos os partidos e isso não é privilégio do PV". José Luiz Penna, presidente do partido, foi mais claro ainda ao declarar que a aliança preferencial é com as "sociais democracias e o país tem uns cinco partidos assim". Certamente, entre esses cinco está o Partido da Social Democracia Brasileira...
Finalmente, qualquer "refundação" que signifique uma mudança radical nas propostas e na prática exige o reconhecimento e a autocrítica em relação aos erros cometidos no passado. Tampouco somos otimistas quanto a isso. Uma análise e uma projeção realista nos dirão que possivelmente haverá mudanças, mas provavelmente serão superficiais e, mesmo assim, mais formais do que reais. Não se muda em poucos meses um partido com uma cultura política fisiológica que se formou e se consolidou no decorrer de duas décadas.
Pode haver a tentação de subestimar ou minimizar os problemas do partido em função das características e virtudes da candidata Marina Silva. Mas a sua filiação ao PV se deu após um período de reflexões e discussões. Não dá para imaginar que para tomar a sua decisão não tenha levado em conta os prós e contras do PV. E se decidiu se filiar ao partido é porque chegou à conclusão de que as convergências políticas e outros aspectos positivos sobrepujam os aspectos negativos. Já não é possível dissociar Marina Silva do PV. Ela tornou-se a sua principal figura pública, e nessa condição também terá que arcar com o ônus dos erros e equívocos do partido.
Não imaginamos qualquer argumento que possa justificar uma aliança com o PV, ou possa sugerir um apoio a Marina Silva, desconsiderando o papel e as características do partido. A não ser que se pense em termos puramente eleitorais. Mas isso seria adotar a mesma lógica que tem caracterizado a prática fisiológica e oportunista do PV.
Limites do ‘desenvolvimento sustentável’
Ao se filiar ao PV, Marina Silva anunciou a sua intenção de apresentar em 2010 um projeto de "desenvolvimento sustentável" para o Brasil. A definição mais conhecida de "desenvolvimento sustentável" é a de um desenvolvimento capaz de prover "as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futuras gerações", segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983. Os pressupostos básicos dessa visão são o reconhecimento da finitude dos recursos naturais e a necessidade de harmonizar crescimento econômico e sustentabilidade ambiental.
Apesar de sua aparente coerência, essa definição é falha, vaga e abstrata. Não define o que se entende por "necessidades" e "desenvolvimento". Constata o risco de esgotamento dos recursos naturais, mas sem detectar os processos e mecanismos que provocaram tal situação. E a idéia de harmonizar desenvolvimento e sustentabilidade é muito mais uma formulação (vaga) de uma meta necessária, mas sem apresentar qualquer proposta ou modelo que a viabilizem. Na melhor hipótese, leva a políticas de mitigação de impactos e de conservação/preservação da natureza.
Uma conseqüência imediata dessa perspectiva é entender a crise ambiental e as necessárias políticas para combatê-la como algo que se situa acima das classes sociais e para além de divisões ideológicas. Um olhar minimamente atento constataria que a situação-limite a que o planeta chegou é o corolário de uma devastação brutal da natureza ocorrida nos últimos cinco séculos. Esse período corresponde, não por coincidência, à vigência do modo de produção capitalista, desde a sua gênese aos dias de hoje. A escala e a velocidade vertiginosa dessa apropriação predatória dos recursos naturais só se explicam pelas características específicas do capitalismo, cuja razão de ser é a expansão permanente de capital, a ampliação incessante de mercados, a produção contínua e crescente de mercadorias. Em outras palavras, um sistema que exerce uma pressão permanente e crescente sobre os bens naturais para viabilizar a produção de mercadorias.
A proposta do "desenvolvimento sustentável" mostra-se irrealizável e utópica, na medida em que supõe ser possível harmonizar ‘desenvolvimento’ e ‘sustentabilidade’ nos marcos do modo de produção capitalista. E por ignorar esse fator "capitalismo", o conceito das "necessidades" a serem supridas agora e no futuro, bem como as críticas ao "modelo de consumo", permanecem nos marcos das generalidades abstratas. Isso explica a tendência a uma sobrevalorização de "valores éticos", mudanças de hábitos de consumo, a formação de uma "consciência ambiental" etc. Não que não tenham importância, mas por si só não podem garantir o objetivo de uma sociedade sustentável.
Mais do que nunca é preciso ir à raiz das questões, ser radical. Vivemos em um mundo onde, de um lado, bilhões não têm acesso ao mínimo necessário para sobreviver, enquanto, de outro lado, temos o reino "maravilhoso" do consumo de mercadorias que costumam ser caracterizadas como "objetos de desejo". A ampliação de mercados não se dá apenas pela expansão geográfica do comércio ou pela geração de novos bolsões de consumidores como a chamada "nova classe C", mas também pela criação do que Marcuse chamou de "falsas necessidades" e por uma produção de mercadorias fadadas a se tornarem obsoletas em um curto prazo de tempo, a exemplo dos computadores e outros eletroeletrônicos, o que corresponde ao que Meszaros chamou de ‘taxa de utilização decrescente dos valores de uso’. E esse desperdício, característica intrínseca ao capitalismo, acentuou-se ainda mais desde a consolidação da hegemonia neoliberal nos anos 90. Nada indica que tais características desapareçam sob o capitalismo. Continuarão existindo, com "selo verde" e declarações de amor à natureza.
Podemos entender que a comissão da ONU não tivesse reconhecido explicitamente no capitalismo a causa da devastação ambiental planetária. Mas não hoje em dia, quando há uma abundante produção teórica e científica de cientistas, intelectuais e militantes ecossocialistas ou mesmo "socioambientalistas", que apontam claramente esse fato. Não se trata, repetimos, de mera ideologia. As conseqüências dessa discussão são políticas e práticas concretas.
O "desenvolvimento sustentável" de Marina Silva
Em todos esses anos de governo Lula, Marina Silva mostrou os limites e as contradições da sua concepção de "desenvolvimento sustentável" que norteou suas posições e políticas adotadas durante a sua gestão no MMA.
Em algumas ocasiões, estivemos ao seu lado, como na luta contra a liberação dos transgênicos, na luta contra a importação de pneus e, mais recentemente, no combate à MP da grilagem. Além disso, seu papel na COP8 foi outro momento em que desempenhou um papel importante.
Mas em outros momentos, prevaleceu o conflito de posições. Enquanto nos solidarizávamos com D. Luiz Cappio, durante sua greve de fome contra as obras de transposição do rio S. Francisco, Marina Silva apoiou a transposição. E aos movimentos contrários à obra, afirmou que "nossa decisão não é a favor do governo ou dos movimentos. É uma decisão absolutamente técnica sobre um processo de licenciamento transcorrido com absoluta isenção e independência".
Quando eclodiu a greve contra a divisão do Ibama pelo MMA, nós estivemos do lado dos trabalhadores, enquanto a ministra Marina Silva mostrou-se irredutível, enfrentando mais de 6 mil trabalhadores e trabalhadoras de todo o país que denunciavam o desmonte do órgão pelo governo Lula e o MMA. João Paulo Ribeiro Capobianco, então secretário-executivo do Ministério afirmou: "É uma greve política: contra a decisão do presidente Lula e não tem base legal para ser mantida".
No caso do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, inicialmente chegou a entrar em choque com um presidente Lula irritado pela morosidade no processo de licenciamento ambiental. Mas também acabou cedendo após algumas modificações no projeto:
"No início da discussão nós tínhamos um empreendimento que tinha a previsão de um lago oito vezes maior, três empreendimentos e feitura das eclusas para dar perenidade ao rio no processo de navegação", afirmou a então ministra do Meio Ambiente. É importante lembrar que até hoje os movimentos sociais lutam para impedir as obras.
Há uma idéia equivocada de que a concessão acelerada de licenças ambientais começou com o "carimbador maluco" Carlos Minc. O documento "Orientações estratégicas do MMA" para o Plano Plurianual 2008-2011, cuja versão final data de 17 de julho de 2007, quando Marina Silva ainda era ministra, é bastante elucidativo. A quem puder baixar o documento disponível no site do MMA, sugerimos a leitura do objetivo setorial 2, que tem como nome "Aprimorar o licenciamento ambiental e desenvolver instrumentos de planejamento e gestão ambiental em apoio ao desenvolvimento sustentável". Ali, podemos ler que "o Sistema de Licenciamento precisa atingir um novo patamar adequado para o atendimento às necessidades dos setores de infra-estrutura da política de governo. Para tanto é necessário que se realizem aperfeiçoamentos para uma melhor sistematização de critérios e procedimentos operacionais e administrativos do licenciamento ambiental". Engana-se quem pensar que o documento aponta para a necessidade de transparência, maior participação social ou critérios de avaliação mais adequados. Após vários parágrafos de considerações e de propostas, o documento apresenta os seguintes "Indicadores de Desempenho":
"Tempo de análise para manifestação sobre os pedidos de licença ambiental:
٭ Tempo de análise para manifestação final sobre a viabilidade ambiental de empreendimentos/atividades menor ou igual a 1 ano, após a entrega do estudo ambiental pelo empreendedor;
٭ Tempo de análise para manifestação final, visando autorizar a implantação do empreendimento/atividade, menor ou igual a 6 meses, contado a partir da data do pedido da licença de instalação;
٭ Tempo de análise para manifestação final, visando o início da operação do empreendimento/atividade, menor ou igual a 4 meses, contado a partir da data do pedido de licença de operação.
- Implantação de 2 novos instrumentos de gestão ou de planejamento ambiental, de suporte ao licenciamento ambiental, em 4 anos".
Como se vê, a preocupação real é a redução do tempo para a concessão de licenças ambientais. E não por acaso, as metas apontadas nos "Indicadores de desempenho" são semelhantes às sugeridas pelo Banco Mundial em seu relatório "Licenciamento de Usinas Hidroelétricas no Brasil", encomendado à instituição pelo Ministério de Minas e Energia (disponível no site do Banco Mundial).
Há ainda casos paradigmáticos como a concessão de Licença Prévia (LP) à UHE de Tijuco Alto. Durante 20 anos os movimentos sociais do Vale do Ribeira conseguiram impedir a concessão da LP. Antonio Ermírio de Moraes obteve finalmente a LP, durante a gestão Marina Silva... Uma curiosidade: o presidente do Ibama era Basileu Margarido, que se filiou ao PV no mesmo dia que a senadora.
Como um último exemplo citaremos a Lei de Concessão de Florestas Públicas para exploração comercial sustentável. Um nome pomposo que poderia ser traduzido em aluguel de florestas públicas para a exploração insustentável com selo verde. O projeto original havia sido encaminhado ao Congresso Nacional no período final do governo FHC. Foi retirado de pauta logo após a eleição de Lula em 2002, não para ser engavetado definitivamente, mas para ser reciclado pela equipe do MMA sob o comando de Capobianco, também filiado ao PV. A idéia de que a melhor forma de preservar as florestas é entregando-as para exploração comercial "sustentável" talvez seja a que melhor sintetiza a essência do "desenvolvimento sustentável".
Aliás, uma das características já apontadas é a visão de que as questões ambientais se sobrepõem a interesses de classes. Isso se materializa na concepção de que os empresários são também "parceiros" na "gestão ambiental compartilhada". A mesma lógica, presente nas políticas do governo em outras áreas, foi aplicada e reproduzida por Marina Silva. Não por acaso, no decorrer dos sete anos de governo Lula, encontramos com freqüência logotipos de empresas como o Banco Mundial, BID, BNDES, Bradesco, Vale, Petrobras, Gerdau, Natura, entre tantas outras empresas, nos mais variados eventos, desde eventos oficiais, encontros e seminários da "sociedade civil" a eventos como o II Encontro dos Povos da Floresta.
Uma candidatura para enfrentar a "crise civilizatória" do capital
Se há um ponto importante de convergência com a senadora é a caracterização de que estamos diante de uma "crise civilizatória" que exige um novo "paradigma civilizatório". Nada atesta com mais clareza esse fato do que a atual crise global que expõe, em seu caráter estrutural e multidimensional, as profundas contradições e disfunções sistêmicas do capitalismo. Este é o contexto em que ocorrerão as eleições de 2010. O debate sobre qualquer tema estará marcado por essa crise que, por suas características, obriga a todos apresentarem suas propostas de saída.
E aqui queremos ressaltar que o projeto de "desenvolvimento sustentável" é incapaz de apresentar uma proposta consistente, porque se situa nos marcos do capitalismo. Não rompe com o paradigma atual, mas busca apenas modificá-lo a partir da "transversalidade ambiental". Essa concepção limitada também se revela na abordagem da crise. Segundo Marina Silva existem hoje duas crises, uma econômica e outra ambiental. Afirma que a solução para ambas é integrada, mas "a crise econômica não se resolverá sem que se solucione a crise ambiental".
A crise atual não é uma simples crise de uma política econômica, que possa ser resolvida com uma gestão racional e sustentável da economia ou uma política econômica de inclusão social que leve em conta a "transversalidade" ambiental. Como afirmamos, esta crise do capital é estrutural, e a crise ambiental planetária é produto da lógica predatória e destrutiva desse mesmo sistema em crise. Nesse sentido, a senadora inverte as coisas. Na realidade, o correto é afirmar que não há solução para a crise ambiental sem uma solução efetiva da crise capitalista. E esta solução só é possível com a substituição do capitalismo por uma sociedade de transição socialista na qual a dimensão ambiental não deverá ser uma simples "transversalidade", mas, ao lado da luta contra a exploração de classe e todas as formas de opressão, um dos valores e eixos políticos fundamentais que alicerçarão uma sociedade de justiça social e sustentabilidade ambiental.
Não se trata de jogar a solução de todos os problemas para o futuro. Mas de apontar e debater a nossa proposta de um novo paradigma civilizatório socialista, para que as lutas e propostas imediatas não se esgotem em si mesmas, mas sejam uma ponte para o futuro.
O PSOL tem um papel fundamental a cumprir em 2010, e este não poderá se limitar a apresentar propostas realizáveis nos marcos do capitalismo. Será um momento ímpar para que possa apresentar, ao lado de propostas imediatas voltadas para a classe trabalhadora e os pobres da cidade e do campo, a sua visão da crise e a necessidade de superação desta ordem, contrapondo-se às falsas soluções que apostam no fortalecimento do Estado para "defender" economias nacionais diante da crise.
Sabemos que existe uma forte pressão para evitar uma votação pífia que inviabilize a eleição de deputados do PSOL. É uma preocupação justa e um problema real a ser enfrentado. Mas só poderemos enfrentar esse desafio mantendo a nossa identidade socialista, evitando políticas de alianças que nos coloquem a reboque de propostas alheias aos interesses da classe trabalhadora. Que para isso sirvam as duras lições dos reveses sofridos nas eleições de 2008.
A nossa participação no processo eleitoral tem que se voltar para uma ampla disputa pela hegemonia, articulando propostas concretas voltadas para a classe trabalhadora e todos os setores explorados e oprimidos a um projeto estratégico anticapitalista, internacionalista e a partir de baixo.
O PSOL, Marina Silva e os movimentos socioambientais
Duas questões merecem ser respondidas ainda que brevemente. Primeiro, não haveria convergências táticas que pudessem justificar uma aliança eleitoral com a candidatura Marina Silva? Segundo, uma aliança com Marina Silva não nos permitiria uma aproximação com militantes e ativistas de ONGs e movimentos que se caracterizam como ‘socioambientais’?
Sobre a primeira questão, é evidente que há convergências em torno de bandeiras e propostas. É possível e necessário construirmos a unidade de ação em torno delas. Como afirmamos antes, em muitas ocasiões a senadora assumiu posições que convergiram com as posições dos movimentos sociais e dos socialistas. Mas não estamos discutindo aqui ações imediatas e lutas cotidianas. Estamos falando de uma eleição presidencial, quando se coloca uma disputa de projetos políticos globais. Não se trata, repetimos, de adotar uma postura propagandística, e tampouco de negar questões imediatas e pontuais. Também concordamos que uma plataforma de governo não é e não pode ser a mesma coisa que o programa estratégico, devendo estar mediada pelas questões e tarefas imediatas. Entretanto, da mesma maneira não pode ser apenas um conjunto de medidas necessárias realizáveis. Deve expressar uma ponte entre as tarefas imediatas e mediatas, entre a tática e a estratégia, articulando a defesa de medidas imediatas e de cunho limitado com a defesa da ruptura com a ordem do capital como horizonte de superação radical dos problemas que atingem a classe trabalhadora, a população pobre e todos os setores explorados e oprimidos da sociedade.
A segunda questão é importante, pois Marina Silva já afirmou que pretende fazer alianças com movimentos sociais e ambientalistas. Certamente muitos ambientalistas e ativistas sociais serão atraídos para a sua campanha. Durante a campanha eleitoral a nossa relação com esses setores será, evidentemente, de disputa, mas ao mesmo tempo de debate franco e fraterno, o que significa adotar uma postura aberta e não sectária. Ademais, vale frisar que, mesmo se uma aliança fosse feita, isso não garantiria nada. Ainda seria necessário estabelecer um debate em que nossos argumentos seriam expostos claramente e sem tergiversações.
O fundamental é que a campanha do PSOL deverá enfatizar os grandes desafios e problemas relacionados à sustentabilidade ambiental, apresentando um programa que contenha propostas concretas e, ao mesmo tempo, aponte para o horizonte do ecossocialismo. É a construção desse programa que deve ser a prioridade neste momento, envolvendo o conjunto da militância.
Conclusão
Pensamos que qualquer discussão sobre uma eventual aliança com Marina Silva deve levar em conta todos esses aspectos. Mas não temos dúvida alguma de que a sua candidatura está distante da política do partido, das necessidades da população trabalhadora e da luta em defesa do meio ambiente. Apoiá-la não nos trará qualquer ganho. Pelo contrário, significará um retrocesso imenso com seqüelas que poderão colocar em risco o próprio projeto do PSOL.
Diante das tarefas que se colocam diante de nós, não temos dúvida de que a política correta é o resgate da proposta da "Frente de Esquerda" com o PSTU e o PCB. Lembremos que foi com essa frente que Heloisa Helena obteve quase 7% dos votos em 2006, quando as condições objetivas e subjetivas eram bem mais desfavoráveis.
Mas é fundamental garantir um debate sério para a elaboração de um programa radical e amplo ao mesmo tempo. A discussão em torno do nome deve ter como premissas a capacidade de representar esse projeto político e de dialogar com amplos setores da sociedade. No PSOL, temos inúmeras pessoas representativas e aptas para realizá-la. Temos, por exemplo, um socialista e um lutador histórico como Plínio de Arruda Sampaio.
Rui Polly é ambientalista e membro do Diretório Estadual de São Paulo do PSOL.
Contato: ruipolly@hotmail.com |
Análise de Petras sobre a América Latina....
A América Latina e o fim do liberalismo social por James Petras A actual recessão mundial e a potencial recuperação de alguns países revela todas as fraquezas das tradicionais doutrinas das vantagens comparativas, o "mercado de exportação", o livre comércio. Em nenhum outro lugar isto é mais evidente do que na experiência recente da América Latina.
Em resumo: a actual crise mundial revela as limitações e insustentabilidade das políticas e regimes sociais-liberais. No reconhecimento das vulnerabilidades e da volatilidade jaz o fundamento para uma transformação estrutural completa com base em mudanças na posse da terra, nos padrões comerciais e na propriedade de indústrias estratégicas. A crise actual desacreditou tanto as receitas neoliberais como sociais-liberais e abre a porta para um novo pensamento que liga despesas sociais com propriedade social. 09/Setembro/2009 1. O relatório completo pode ser encontrado em Latin America and the Caribbean in the World Economy 2008-2009 (Santiago do Chile, Agosto 2009) Novo livro de James Petras: Global Depression and Regional Wars: The United States, Latin America and the Middle East The CRG grants permission to cross-post original Global Research articles on community internet sites as long as the text & title are not modified. The source and the author's copyright must be displayed. For publication of Global Research articles in print or other forms including commercial internet sites, contact: crgeditor@yahoo.com © Copyright James Petras, Global Research, 2009 O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=15127 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Misérias e glórias do xadrez
Misérias e glórias do xadrez
Esta parte do artigo analisa matches e esquivas do predecessor de Garry Kasparov na primeira demonstração da convivência entre “ser um ás no xadrez e um cretino em outros campos da vida”: o campeão mundial Alexander Alekhine
CARLOS LOPES
Algum sujeito de espírito, parece que Miguel de Unamuno, disse que “o xadrez é um excelente exercício para melhorar a capacidade de jogar xadrez”. Nada pode ser acrescentado a esse raciocínio, exceto que também é válido para o salto com vara ou para a porrinha. A diferença é, apenas, a de que ninguém jamais pretendeu que as pessoas ficassem – ou fossem - mais inteligentes por saltar com vara ou apostar uns cobres nos palitinhos. Já o xadrez...
Nascido numa família muito rica, filho de um latifundiário czarista e da herdeira de um império industrial, Alekhine saiu da Rússia em 1921. Já era, então, famoso como jogador. Apesar de um incidente na Ucrânia, em que foi preso como espião contra-revolucionário (era a época da guerra civil), as autoridades soviéticas o liberaram para disputar o campeonato de Moscou (janeiro de 1920) e a Olimpíada de Xadrez de Todas as Rússias (outubro do mesmo ano) - que seria considerada como o I Campeonato da URSS, quando esta foi organizada, em 1922. Ele venceu os dois torneios. Porém, mais do que a oportunidade de jogar xadrez, os soviéticos ofereceram-lhe emprego como tradutor na Internacional Comunista e o nomearam secretário do Departamento de Educação Comunista.
No entanto, logo em seguida, ele preferiu juntar-se àquela malta de foragidos russos que se reunia em Paris. Naturalizou-se francês e até freqüentou a Sorbonne, supostamente para formar-se em Direito com uma tese sobre o sistema penitenciário chinês - as atuais instâncias de pós-graduação ainda não existiam, mas a embromação acadêmica já tinha, há muito, feito a sua estréia. A tese não foi aprovada, até porque ele jamais chegou a elaborá-la - o que não o impediu de intitular-se “Dr. Alekhine” para o resto da vida.
Mas, foi antes de sair da Rússia que ele começou a série de casamentos com senhoras algo alucinadas, em geral tão decrépitas quanto endinheiradas, a que se refere Hans Kmoch em “Grandes Mestres Que Eu Conheci”.
Amigo de Alekhine por longos anos, seu “segundo” (analista para partidas adiadas) durante o match de 1934 pelo campeonato mundial, e árbitro do match seguinte, Kmoch rompeu com o então campeão mundial durante a II Guerra, quando vivia com a esposa na Holanda invadida pelos nazistas. Foi então que um jornal alemão editado no país ocupado publicou um artigo de Alekhine intitulado “Xadrez ariano e xadrez judaico”. Referindo-se à sua derrota no match de 1935, dizia: “O árbitro Kmoch é casado com uma judia, logo qualquer um pode imaginar como ele era objetivo”.
Com efeito, a esposa de Kmoch, Trudy, era judia – e não é preciso dizer muito mais: “Sob o olho vigilante da Gestapo, tais declarações podiam significar a morte (....). Minha mulher e eu já estávamos em constante medo de que ela pudesse ser deportada. A acusação de Alekhine foi aterrorizante”, escreveu, depois, Kmoch. Acrescente-se que este último, austríaco, era “cidadão do Reich”, ou seja, após a anexação da Áustria, estava sujeito às leis raciais da Alemanha, em que o casamento com uma judia era crime punível, inclusive, com a morte.
A necessidade de relembrar o rol de canalhices perpetradas por Alekhine durante a guerra – em que também ele era oficialmente cidadão de um país ocupado, a França – reside em que hoje apareceram vários apologistas a relevar essa conduta indecente. A última versão é a de que “não foi provado” que Alekhine escreveu os artigos que apareceram com a sua assinatura nos jornais nazistas. Isso é exatamente o que não precisa de prova. Se ele apenas os assinou, pior. E, se esses artigos não existissem, sobrariam os seus alegres retratos em torneios nazistas, no momento em que uma série de grandes jogadores recusavam-se a participar dessas promoções nos países ocupados e, sobretudo, sua longa estadia como hóspede do “governador-geral” da Polônia, SS-Obergrup-penführer (general das SS) Hans Frank, executado em Nuremberg por crimes contra a Humanidade.
Porém, sobre os apologistas de Alekhine, bastam alguns trechos do relato de Kmoch - escrito pouco antes de sua morte, em 1973 - que reproduzimos aqui porque “Grandes Mestres Que Eu Conheci” não foi publicado em livro (há uma tradução em inglês, “Grandmasters I Have Known”, nos arquivos da revista eletrônica “ChessCafe.com”):
“Algum tempo atrás, escrevi um artigo sobre Alekhine. Já que ele era um contemporâneo meu que eu havia conhecido bem por muitos anos, senti que poderia evitar a costumeira apresentação dele como um grande gênio do xadrez e modelo de virtude. Ao invés disso, escrevi sobre sua personalidade e sobre minhas próprias experiências com ele, o que significava mostrá-lo, entre outras coisas, como um alcoólatra, um oportunista político e um anti-semita no estilo nazista.
“Quando meu artigo apareceu na Deutsche Schachzei-tung, uma revista sobre xadrez de Berlim, enfrentei considerável menosprezo por parte de alguns ardorosos arianos. Um professor alemão insistiu que nunca tinha visto Alekhine bêbado e que, portanto, Alekhine não podia ter sido um alcoólatra. Outro professor alemão explicou tudo apontando a minha própria inferioridade. Um homem que em Viena costumava pertencer somente a clubes arianos de xadrez, condenou meu artigo como irreconciliável com o fato de que eu uma vez fora segundo de Alekhine.
“Muito mais tarde, alguns nobres especialistas em cobrir de cal a realidade, gente da mesma categoria dos professores alemães acima mencionados, explicaram que Alekhine foi forçado a escrever aqueles infames artigos. Mas isso é simplesmente uma variante da história do bêbado que borrou as calças e depois queria saber quem era o culpado”.
Porém, em 1927, quando se tornou campeão, a consciência geral ainda era a de que os nazistas não passavam de alguns palhaços. Somente quando lhe pareceu que os nazistas iriam ganhar a guerra, é que Alekhine começou publicamente a bajulá-los. Antes, tomou bastante cuidado, inclusive para que os soviéticos não o vissem como um inimigo, apesar de sua condição de emigrado da Rússia.
A explicação é que nenhum outro país contava com tanta simpatia nos meios enxadrísticos quanto a URSS. Esta, aliás, havia sido governada por um enxadrista, Lenin, e era agora dirigida por outro, Stalin, ambos conhecidos como fortes jogadores. Quando o grande Lasker foi obrigado, após a tomada do poder por Hitler, a sair da Alemanha, preferiu Moscou como local de moradia, em vez de Londres, onde havia, a princípio, se asilado. Posteriormente, foi encontrar-se com seu amigo Albert Einstein, nos EUA.
O primeiro problema de Alekhine, depois de ganhar o título mundial, foi o mesmo de antes: José Raul Capablanca. Por acordo mútuo, havia sido acertado que haveria um match-revanche. Alekhine rompeu o compromisso - e é impressionante a energia que investiu para fugir a um novo confronto.
Não era apenas uma fuga do match-revanche. Alekhine fugiu de qualquer enfrentamento, mesmo em torneios, com Capablanca. Numa atitude que só seria vista muitas décadas depois, exigiu, em certas ocasiões, que a inscrição de Capablanca não fosse aceita, como condição para sua participação em torneios - tal como Kasparov faria com o GM Valery Salov, é verdade que, nesse último caso, por razões políticas, e de forma mais covarde, pois Salov não era Capablanca, e, em meio à queda da URSS, tinha a mídia contra ele.
O outro método de Alekhine, ao saber que Capablanca seria um dos participantes de um torneio em que já estava inscrito, era, na última hora, fazer exigências financeiras extorsivas, a serem cumpridas em prazo exíguo (v. p. ex., sua carta de 19/05/1932 a um dos organizadores do Torneio de Pasadena, Califórnia).
Quando do falecimento de Capablanca, em 1942, Alekhine diria que “morreu o maior jogador de todos os tempos, um gênio como nunca se verá novamente”. Próximo da própria morte solitária em Portugal, deixou escapar: “Não entendo, nem agora depois de tantos anos, como consegui ganhar de Capablanca no match de 1927”.
Em suma, Alekhine queria manter o título contra alguém que tinha certeza de que era melhor do que ele. Há quem não concorde com esta avaliação sobre Capablanca. Mas esta era a avaliação de Alekhine. Conta Reuben Fine que, no início dos anos 30, Capablanca mostrou a ele a montanha de correspondência mantida com Alekhine e/ou seus representantes, com o objetivo de realizar um novo match. Tudo perfeitamente inútil. Alekhine estava fugindo de jogar uma simples partida, quanto mais um match.
No entanto, em 1936, Alekhine não conseguiu evitar o confronto com Capablanca. Era um dos torneios mais importantes do mundo, o de Nottingham, Inglaterra, e Alekhine estava com o prestígio abalado, por sua derrota contra Euwe no ano anterior – somente no ano seguinte ele recuperaria o título mundial, precisamente, num match-revanche. Assim, aceitou participar de Nottingham, mesmo sabendo que Capablanca estaria lá.
A partida foi especialmente tensa. Os jogadores evitaram sentar-se um em frente ao outro – faziam sua jogada e depois iam andar pelo salão, esperando a resposta do oponente. Alekhine ficou em posição superior. E foi então que o talento estratégico de Capablanca se impôs sobre o jogo eminentemente tático de Alekhine. Entre os que analisaram a partida, somente o velho Lasker – aos 68 anos – percebeu a sutileza. Eis o relato de Capablanca:
“Durante o transcurso da partida, meu contrário adquiriu uma magnífica posição, e, em um determinado momento, viu que mediante uma pequena manobra podia ganhar a qualidade [“ganhar a qualidade” = trocar um bispo ou cavalo, peças menores, por uma torre, peça maior]. Atirou-se e ganhou a qualidade, mas depois perdeu a partida. Muitos dos mestres mais fortes ali presentes puseram-se a estudá-la. Todos partiam do momento em que começava a manobra para ganhar a qualidade. Todos afirmavam que a manobra era correta, e buscavam o erro em algo posterior. Assim estiveram por muito tempo, e nisso chegou Lasker. Colocaram-no a par do resultado e lhe mostraram a posição; mas logo que começaram a demonstrar-lhe a manobra para ganhar a qualidade, ele interrompeu e disse: ‘Não, isso nunca’. O velho mestre havia percebido o que os outros não haviam visto: que ganhar a qualidade era um erro, e que meu contrário não somente perdia a vantagem que lhe dava sua magnífica posição, mas que, com qualidade e tudo, tinha uma posição perdida. Havia percebido que a combinação não havia sido feita pelo meu contrário, mas por mim, ao permitir-lhe ganhar a qualidade. Assim, disse: ‘Você, sem dúvida, respirou aliviado quando viu que seu adversário mordeu o anzol’. (....) A verdade é que Lasker foi o único alí presente que se deu conta do verdadeiro valor daquela posição, assim como das possibilidades que ela continha” (transcrito de “Ultimas Lecciones”, pela revista Ajedrez en Cuba, Vol. II-16, nº 26, set./1998).
Há algo inteiramente fora do comum neste texto: Capablanca, que sempre se mostrou amistoso com os oponentes, inclusive nas análises dos jogos que ganhou deles, nesse caso não cita o seu nome. Nem mesmo o chama de “oponente”, em geral o termo que os enxadristas preferem para designar seus adversários. Até mesmo esta última palavra é usada, no texto, somente por Lasker. Capablanca prefere chamá-lo de “meu contrário”. O que Alekhine, sob vários aspectos, e essencialmente, era.
Para ler os demais artigos de Carlos Lopes sobre xadrez e politica, visite o sitio do jornal HoraDoPovo
CPI da corrupção no RS divulga audio das escutas telefonicas de (des)governo YRC...
As gravações, segundo a Polícia Federal (PF), mostram as negociações para a divisão dos recursos obtidos através de fraude em exames de motorista operados pelo Detran (Departamento de Trânsito) do Rio Grande do Sul.
O FBI apresenta os três aúdios mostrados na matéria do Uol.
Parece que as Organizações Serra já largaram a Yeda Crusius (foto) e Pedro Simon à própria sorte...
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