O etanol e a invasão estrangeira
Altamiro Borges*
A revista empresarial Exame, no seu anuário do agronegócio publicado neste
mês, confirma: o capital estrangeiro está invadindo as terras brasileiras. O
etanol é o motivo desta gula. Apresentado como fonte alternativa de energia,
num mundo em que o combustível fóssil, o petróleo, dá sinais de fadiga e
agrava perigosamente o aquecimento global, este derivado do álcool é a nova
coqueluche das multinacionais e dos especuladores. Já o Brasil, por suas
enormes vantagens comparativas – abundância e qualidade das terras, preço
relativamente baixo das propriedades, mão-de-obra barata e capacidade
tecnológica – surge como uma “janela de oportunidades”, para citar um termo
da moda, para os saqueadores capitalistas.
“Num ritmo febril, têm sido anunciadas quase a cada semana novas parcerias,
operações de compra e organização de fundos de investimento destinados a
colocar dinheiro na produção de álcool no país. De acordo com a consultoria
Datagro, os estrangeiros investiram 2,2 bilhões de dólares no setor desde
2000”, festeja a revista. “Da lista das dez maiores empresas do setor no
Brasil, quatro já possuem participação de capital estrangeiro: Cosan,
Bonfim, LDC Bioenergia e Guarani. Uma quinta companhia, a Santa Elisa, fez
recentemente parceria com a americana Global Foods para constituir a
Companhia Nacional de Açúcar e Álcool, cujo plano é investir R$ 2 bilhões na
construção de quatro usinas em Goiás e Minas Gerais.”
Ainda segundo a revista empresarial, “é fácil entender o motivo de tanto
interesse de grupos estrangeiros. Maior produtor mundial de cana-de-açúcar,
o Brasil disputa a liderança do mercado de etanol com os EUA, que faz álcool
combustível do milho. A meta dos americanos, reafirmada pelo presidente
George W. Bush durante recente visita ao Brasil, é reduzir o consumo de
combustíveis fósseis em 20% até 2017. Isso significa que, nos próximos dez
anos, somente nos Estados Unidos a demanda por etanol pode atingir 132
bilhões de litros por ano. É mais de três vezes a atual produção mundial de
etanol”.
Da produção mundial de 40 bilhões de litros, o Brasil é responsável por uma
fatia de cerca de 16 bilhões, mas tem reais possibilidades de aumentar a sua
participação. O país é de longe o fabricante mais eficiente, com um custo de
produção de US$ 0,22 por litro de etanol, diante de 0,30 dos EUA e de 0,53
da União Européia. Além disso, comemora a revista, “tem área suficiente para
multiplicar as plantações e atender ao esperado aumento da demanda. Segundo
a Datagro, a quantidade de cana moída no país deverá aumentar de 473 milhões
de toneladas na próxima safra para 700 milhões em 2014. Isso vai exigir
investimentos em 114 novas usinas – hoje o Brasil tem 357 unidades em
operação e outras 43 em construção”.
Como um típico folheto publicitário, a revista da Editora Abril enaltece os
especuladores que descobriram este filão. “O melhor exemplo é o
megainvestidor húngaro George Soros, dono de uma fortuna estimada em US$ 8,5
bilhões. Ele se tornou um dos sócios da Adecoagro, que comprou a Usina Monte
Alegre, em Minas Gerais, e está construindo uma nova usina em Mato Grosso do
Sul. Outro investidor que decidiu apostar no etanol brasileiro é o
bilionário indiano Vinod Khosla, um capitalista de risco que fez fortuna nos
EUA com suas tacadas certeiras [inclusive bancando o Google]. Khosla é sócio
da Brazil Renewable Energy Company (Brenco), empresa lançada em março por
Henri Phillipe Reichstul, ex-presidente da Petrobras”. Outro sócio da Brenco
é o australiano James Wolfensohon, ex-presidente do Banco Mundial.
Os especuladores, num mundo dominado pela ditadura do capital financeiro,
são os maiores interessados nesta nova fonte de riqueza – e até se
travestem, na maior caradura, de ecologistas. Entre os fundos de
investimentos que já abocanharam terras brasileiras, a Exame cita a
estadunidense Kidd&Company, que detém o controle da usina Coopernavi e
participa da empresa Infinity Bio-Energy em conjunto com a corretora Merrill
Lynch. A Infinity já é dona de quatro usinas no país e, no ano passado,
arrecadou US$ 300 milhões nos mercados financeiros exclusivamente para
investir no setor sucroalcooleiro nacional. “Não foi difícil convencer os
estrangeiros a investir no etanol do Brasil, pois eles já tinham a percepção
das vantagens comparativas do país”, explica Sérgio Thompson Flores,
principal executivo da Infinity.
Já a poderosa Cargill, com faturamento R$ 10,9 bilhões no país e forte
domínio no setor dos transgênicos, adquiriu em junho passado o controle
acionário da Cevasa, no interior paulista. Outro gigante da área, a Bunge,
tentou abocanhar a Usina Vale do Rosário, a terceira maior produtora de
açúcar e álcool do país – mas as negociações empacaram. Já o grupo Pacific
Ethanol, que tem como sócio o bilionário Bill Gates, dono da Microsoft,
contratou a consultoria KPMG para coordenar sua expansão no Brasil. “Há sete
anos, eu tinha um único cliente em operações de fusões e aquisições
interessado no etanol brasileiro. Hoje, 80% de minha carteira é formada por
interessados nesse setor”, revela André Castelo Branco, sócio da KPMG.
Mas não são apenas as multinacionais estadunidenses que estão de olho nas
terras brasileiras. Há também fortes corporações européias e japonesas.
Ainda segundo a revista Exame, um “investidor de risco”, nome fantasia dado
aos especuladores, é o grupo francês Louis Dreyfus, que já controla as
usinas Luciânia, em Minas Gerais, e Cresciumal e São Carlos, no interior
paulista, e que comprou, em fevereiro último, quatro usinas do grupo
pernambucano Tavares de Melo. Já o grupo Tereos, também de origem francesa,
tem 6,3% de participação na Cosan, 47,5% da Franco Brasileira de Açúcar e
100% da Açúcar Guarani.
O anuário do agronegócio da revista Exame só corrobora outras informações
que têm pipocado na mídia. A mesma publicação já havia antecipado em abril
passado “a nova onda de investidores estrangeiros em terras brasileiras”.
Dava conta que o fazendeiro australiano Robert Newel tinha investido US$ 4,5
milhões na compra de 11.350 hectares no município de Rosário, no oeste da
Bahia, e que o multibilionário fundo de pensão da Califórnia (EUA), o
Calpers, era dono de 23 mil hectares de terras nos estados do Paraná e de
Santa Catarina. “Além do aceso à terra e mão-de-obra muito mais baratas,
venho do continente mais seco do mundo e posso dizer que Rosário é um
verdadeiro paraíso para a agricultura”, explicou Newel.
Segundo o artigo, esta seria a segunda onda de investimentos externos no
campo brasileiro. “No primeiro movimento, ocorrido no início desta década,
alguns fazendeiros, sobretudo norte-americanos, começaram a investir no
país, atraídos pelo baixo custo da mão-de-obra e das propriedades. Um
hectare de terra nos EUA chega a custar mais do que o triplo. O novo fluxo
de capital estrangeiro alimenta-se de fenômenos mais recentes [como a
produção de combustíveis renováveis]. Além das vantagens naturais como o
clima e abundância de água, o Brasil dispõe hoje da maior área para
incrementar a produção no campo. Estima-se que existam cerca de 90 milhões
de hectares ainda inexplorados e prontos para a atividade agrícola.”
A tendência é que a gula dos investidores estrangeiros aumente muito mais. A
advogada Isabel Franco, do escritório Demarest&Almeida, que presta
assessoria aos ricaços, garante: “É dinheiro grosso chegando por ai”.
Anderson Galvão, da consultoria Céleres, concorda: “Eles estão muito
interessados e dinheiro é o que não falta”. Sua empresa foi contratada por
quatro fundos estrangeiros que já dispõem de cerca de US$ 400 milhões para a
aquisição de fazendas no Brasil. Toda esta euforia decorre da “exuberância
irracional” do sistema capitalista. Enquanto o planeta padece na miséria, os
rentistas já investiram nos primeiros cinco meses do ano 2,18 trilhões de
dólares (4,25 trilhões de reais) em fusões e aquisições de empresas no
mundo.
A produção de etanol no Brasil se torna um negócio altamente lucrativo para
estes capitais especulativos, inclusive para os predatórios fundos private
equity, especializados na compra de propriedades. O boom é tão violento que
já existem sites na Internet fazendo propaganda do agronegócio no país. Eles
oferecem pacotes de viagens para os interessados em visitar fazendas no
país. O endereço de um desses serviços, o da consultoria AgBrazil, contém na
primeira página a mensagem: “Welcome to a world of opportunities” (bem-vindo
a um mundo de oportunidades). Segundo Plilip Warnken, dono da AgBrazil,
sediada em Columbia, no Missouri (EUA), “as oportunidades do agronegócio
brasileiro superam a imaginação”.
Reportagem do jornal O Globo, do início de junho, revela que o etanol
“entrou na agenda de negócios dos ricos e famosos”. Figurões do esporte, do
mercado financeiro e até ex-membros do governo já entraram em campo. Entre
outros, ela cita dois ex-presidentes do Banco Central na gestão de FHC,
Gustavo Franco e Armínio Fraga, e dois ex-ministros do governo Lula, Luis
Fernando Furlan e Roberto Rodrigues. Logo que deixou o Ministério da
Agricultura, Rodrigues se uniu a Jeb Bush, irmão do presidente dos EUA, ao
presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Alberto Moreno, e ao
ex-primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, para montar uma
consultoria com o objetivo de divulgar o etanol pelo mundo.
A reportagem também dá destaque ao ex-presidente da Petrobras, Henri
Phillipe Reichstul, líder de um megafundo de investimentos que teria US$ 2
bilhões destinados ao etanol. Outra figura de peso é o todo-poderoso da
Ambev, Jorge Paulo Lemann, segundo homem mais rico do Brasil. Ainda circulam
rumores de que Naji Nahas – símbolo da especulação nacional – estuda
projetos nesta área. “Este é o mercado do futuro”, afirma o presidente da
Ethanol Trading, Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-executivo da
Câmara de Comércio Exterior (Camex) no governo FHC. O lucro fácil também já
atraiu o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, que comprou
recentemente cem mil hectares da terra no Pará.
Desde a criminosa onda de privatizações do governo FHC, o país não assistia
a um volume tão grande de investimentos estrangeiros diretos. Somente nos
três primeiros meses de 2007, o Banco Central registrou o ingresso de US$
6,5 bilhões – aumento de 66% em relação ao mesmo período do ano passado. O
maior responsável por este aumento recorde foi o etanol. A gula por terras
nativas é tanta que já se observa uma violenta alta dos preços no campo. “Na
corrida para não ficar de fora desse mercado, quem quiser adquirir uma usina
brasileira deve se dispor a pagar, hoje, mais que o dobro do valor médio
registrado em 2005. Mesmo com a disparada dos valores, não faltam
interessados em abrir o cofre”, aconselha a Exame.
Reportagem do jornal O Globo do início de junho atesta que “o crescimento
dos projetos envolvendo o plantio de cana-de-açúcar e a produção do etanol
fez explodirem os preços das terras no país”. Em abril passado, o valor do
hectare atingiu o seu pico histórico. Na Zona da Mata de Alagoas, o preço
subiu 84%; em Araraquara, interior paulista, o hectare se valorizou em 70% e
a cana já está ocupando o espaço antes reservado aos grãos e às pastagens.
“Há dois anos atrás, só se falava em soja. Agora, a vedete é o etanol. Esta
inflação está estritamente ligada ao etanol”, confirma a engenheira agrônoma
Jacqueline Dettman. A cana já ocupa 3,4 milhões de hectares em São Paulo, o
equivalente a 52% do plantio do produto no país.
Na sua obsessão pelo crescimento, o governo Lula parece não medir as
conseqüências da célere invasão estrangeira. Há várias linhas de crédito,
inclusive do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
para bancar as poderosas multinacionais e os barões do agronegócio nativos.
Segundo o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), presidente da Subcomissão de
Política Agrícola da Câmara, há estudos para repassar verbas do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), criado para subsidiar o seguro-desemprego e
outros programas sociais, para refinanciar as dívidas dos produtores rurais
– calculadas em R$ 4 bilhões. O objetivo seria exatamente o de alavancar a
construção de usinas e a produção do etanol.
Há certo consenso de que a produção de biocombustíveis é uma necessidade
imperiosa na atualidade. Diante dos sinais de fadiga do petróleo e dos
efeitos destrutivos deste combustível fóssil, até as entidades
ambientalistas menos ortodoxas concordam que é urgente investir em fontes
alternativas de energia. Por outro lado, o Brasil, por suas inúmeras
vantagens comparativas, surge com todas as condições de explorar de maneira
sustentável esta nova matriz energética. Mas as possibilidades do etanol não
devem embriagar os setores mais críticos da sociedade. Há muitos riscos
neste campo. A atual febre do etanol indica que ou o Brasil adota mecanismos
para proteger a sua economia ou o processo de desnacionalização,
concentração de terras e precarização do trabalho será inevitável!
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da
revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: Originalidade e
ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).
mês, confirma: o capital estrangeiro está invadindo as terras brasileiras. O
etanol é o motivo desta gula. Apresentado como fonte alternativa de energia,
num mundo em que o combustível fóssil, o petróleo, dá sinais de fadiga e
agrava perigosamente o aquecimento global, este derivado do álcool é a nova
coqueluche das multinacionais e dos especuladores. Já o Brasil, por suas
enormes vantagens comparativas – abundância e qualidade das terras, preço
relativamente baixo das propriedades, mão-de-obra barata e capacidade
tecnológica – surge como uma “janela de oportunidades”, para citar um termo
da moda, para os saqueadores capitalistas.
“Num ritmo febril, têm sido anunciadas quase a cada semana novas parcerias,
operações de compra e organização de fundos de investimento destinados a
colocar dinheiro na produção de álcool no país. De acordo com a consultoria
Datagro, os estrangeiros investiram 2,2 bilhões de dólares no setor desde
2000”, festeja a revista. “Da lista das dez maiores empresas do setor no
Brasil, quatro já possuem participação de capital estrangeiro: Cosan,
Bonfim, LDC Bioenergia e Guarani. Uma quinta companhia, a Santa Elisa, fez
recentemente parceria com a americana Global Foods para constituir a
Companhia Nacional de Açúcar e Álcool, cujo plano é investir R$ 2 bilhões na
construção de quatro usinas em Goiás e Minas Gerais.”
“LÍDER DO MERCADO MUNDIAL”
Ainda segundo a revista empresarial, “é fácil entender o motivo de tanto
interesse de grupos estrangeiros. Maior produtor mundial de cana-de-açúcar,
o Brasil disputa a liderança do mercado de etanol com os EUA, que faz álcool
combustível do milho. A meta dos americanos, reafirmada pelo presidente
George W. Bush durante recente visita ao Brasil, é reduzir o consumo de
combustíveis fósseis em 20% até 2017. Isso significa que, nos próximos dez
anos, somente nos Estados Unidos a demanda por etanol pode atingir 132
bilhões de litros por ano. É mais de três vezes a atual produção mundial de
etanol”.
Da produção mundial de 40 bilhões de litros, o Brasil é responsável por uma
fatia de cerca de 16 bilhões, mas tem reais possibilidades de aumentar a sua
participação. O país é de longe o fabricante mais eficiente, com um custo de
produção de US$ 0,22 por litro de etanol, diante de 0,30 dos EUA e de 0,53
da União Européia. Além disso, comemora a revista, “tem área suficiente para
multiplicar as plantações e atender ao esperado aumento da demanda. Segundo
a Datagro, a quantidade de cana moída no país deverá aumentar de 473 milhões
de toneladas na próxima safra para 700 milhões em 2014. Isso vai exigir
investimentos em 114 novas usinas – hoje o Brasil tem 357 unidades em
operação e outras 43 em construção”.
A GULA DOS ESPECULADORES
Como um típico folheto publicitário, a revista da Editora Abril enaltece os
especuladores que descobriram este filão. “O melhor exemplo é o
megainvestidor húngaro George Soros, dono de uma fortuna estimada em US$ 8,5
bilhões. Ele se tornou um dos sócios da Adecoagro, que comprou a Usina Monte
Alegre, em Minas Gerais, e está construindo uma nova usina em Mato Grosso do
Sul. Outro investidor que decidiu apostar no etanol brasileiro é o
bilionário indiano Vinod Khosla, um capitalista de risco que fez fortuna nos
EUA com suas tacadas certeiras [inclusive bancando o Google]. Khosla é sócio
da Brazil Renewable Energy Company (Brenco), empresa lançada em março por
Henri Phillipe Reichstul, ex-presidente da Petrobras”. Outro sócio da Brenco
é o australiano James Wolfensohon, ex-presidente do Banco Mundial.
Os especuladores, num mundo dominado pela ditadura do capital financeiro,
são os maiores interessados nesta nova fonte de riqueza – e até se
travestem, na maior caradura, de ecologistas. Entre os fundos de
investimentos que já abocanharam terras brasileiras, a Exame cita a
estadunidense Kidd&Company, que detém o controle da usina Coopernavi e
participa da empresa Infinity Bio-Energy em conjunto com a corretora Merrill
Lynch. A Infinity já é dona de quatro usinas no país e, no ano passado,
arrecadou US$ 300 milhões nos mercados financeiros exclusivamente para
investir no setor sucroalcooleiro nacional. “Não foi difícil convencer os
estrangeiros a investir no etanol do Brasil, pois eles já tinham a percepção
das vantagens comparativas do país”, explica Sérgio Thompson Flores,
principal executivo da Infinity.
SOROS, GATES E OUTROS “ECOLOGISTAS”
Já a poderosa Cargill, com faturamento R$ 10,9 bilhões no país e forte
domínio no setor dos transgênicos, adquiriu em junho passado o controle
acionário da Cevasa, no interior paulista. Outro gigante da área, a Bunge,
tentou abocanhar a Usina Vale do Rosário, a terceira maior produtora de
açúcar e álcool do país – mas as negociações empacaram. Já o grupo Pacific
Ethanol, que tem como sócio o bilionário Bill Gates, dono da Microsoft,
contratou a consultoria KPMG para coordenar sua expansão no Brasil. “Há sete
anos, eu tinha um único cliente em operações de fusões e aquisições
interessado no etanol brasileiro. Hoje, 80% de minha carteira é formada por
interessados nesse setor”, revela André Castelo Branco, sócio da KPMG.
Mas não são apenas as multinacionais estadunidenses que estão de olho nas
terras brasileiras. Há também fortes corporações européias e japonesas.
Ainda segundo a revista Exame, um “investidor de risco”, nome fantasia dado
aos especuladores, é o grupo francês Louis Dreyfus, que já controla as
usinas Luciânia, em Minas Gerais, e Cresciumal e São Carlos, no interior
paulista, e que comprou, em fevereiro último, quatro usinas do grupo
pernambucano Tavares de Melo. Já o grupo Tereos, também de origem francesa,
tem 6,3% de participação na Cosan, 47,5% da Franco Brasileira de Açúcar e
100% da Açúcar Guarani.
“TERRAS E MÃO-DE-OBRA BARATAS”
O anuário do agronegócio da revista Exame só corrobora outras informações
que têm pipocado na mídia. A mesma publicação já havia antecipado em abril
passado “a nova onda de investidores estrangeiros em terras brasileiras”.
Dava conta que o fazendeiro australiano Robert Newel tinha investido US$ 4,5
milhões na compra de 11.350 hectares no município de Rosário, no oeste da
Bahia, e que o multibilionário fundo de pensão da Califórnia (EUA), o
Calpers, era dono de 23 mil hectares de terras nos estados do Paraná e de
Santa Catarina. “Além do aceso à terra e mão-de-obra muito mais baratas,
venho do continente mais seco do mundo e posso dizer que Rosário é um
verdadeiro paraíso para a agricultura”, explicou Newel.
Segundo o artigo, esta seria a segunda onda de investimentos externos no
campo brasileiro. “No primeiro movimento, ocorrido no início desta década,
alguns fazendeiros, sobretudo norte-americanos, começaram a investir no
país, atraídos pelo baixo custo da mão-de-obra e das propriedades. Um
hectare de terra nos EUA chega a custar mais do que o triplo. O novo fluxo
de capital estrangeiro alimenta-se de fenômenos mais recentes [como a
produção de combustíveis renováveis]. Além das vantagens naturais como o
clima e abundância de água, o Brasil dispõe hoje da maior área para
incrementar a produção no campo. Estima-se que existam cerca de 90 milhões
de hectares ainda inexplorados e prontos para a atividade agrícola.”
PROPAGANDA NA INTERNET
A tendência é que a gula dos investidores estrangeiros aumente muito mais. A
advogada Isabel Franco, do escritório Demarest&Almeida, que presta
assessoria aos ricaços, garante: “É dinheiro grosso chegando por ai”.
Anderson Galvão, da consultoria Céleres, concorda: “Eles estão muito
interessados e dinheiro é o que não falta”. Sua empresa foi contratada por
quatro fundos estrangeiros que já dispõem de cerca de US$ 400 milhões para a
aquisição de fazendas no Brasil. Toda esta euforia decorre da “exuberância
irracional” do sistema capitalista. Enquanto o planeta padece na miséria, os
rentistas já investiram nos primeiros cinco meses do ano 2,18 trilhões de
dólares (4,25 trilhões de reais) em fusões e aquisições de empresas no
mundo.
A produção de etanol no Brasil se torna um negócio altamente lucrativo para
estes capitais especulativos, inclusive para os predatórios fundos private
equity, especializados na compra de propriedades. O boom é tão violento que
já existem sites na Internet fazendo propaganda do agronegócio no país. Eles
oferecem pacotes de viagens para os interessados em visitar fazendas no
país. O endereço de um desses serviços, o da consultoria AgBrazil, contém na
primeira página a mensagem: “Welcome to a world of opportunities” (bem-vindo
a um mundo de oportunidades). Segundo Plilip Warnken, dono da AgBrazil,
sediada em Columbia, no Missouri (EUA), “as oportunidades do agronegócio
brasileiro superam a imaginação”.
NEGÓCIOS DOS RICOS E FAMOSOS
Reportagem do jornal O Globo, do início de junho, revela que o etanol
“entrou na agenda de negócios dos ricos e famosos”. Figurões do esporte, do
mercado financeiro e até ex-membros do governo já entraram em campo. Entre
outros, ela cita dois ex-presidentes do Banco Central na gestão de FHC,
Gustavo Franco e Armínio Fraga, e dois ex-ministros do governo Lula, Luis
Fernando Furlan e Roberto Rodrigues. Logo que deixou o Ministério da
Agricultura, Rodrigues se uniu a Jeb Bush, irmão do presidente dos EUA, ao
presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Alberto Moreno, e ao
ex-primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, para montar uma
consultoria com o objetivo de divulgar o etanol pelo mundo.
A reportagem também dá destaque ao ex-presidente da Petrobras, Henri
Phillipe Reichstul, líder de um megafundo de investimentos que teria US$ 2
bilhões destinados ao etanol. Outra figura de peso é o todo-poderoso da
Ambev, Jorge Paulo Lemann, segundo homem mais rico do Brasil. Ainda circulam
rumores de que Naji Nahas – símbolo da especulação nacional – estuda
projetos nesta área. “Este é o mercado do futuro”, afirma o presidente da
Ethanol Trading, Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-executivo da
Câmara de Comércio Exterior (Camex) no governo FHC. O lucro fácil também já
atraiu o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, que comprou
recentemente cem mil hectares da terra no Pará.
EXPLOSÃO DO PREÇO DO HECTARE
Desde a criminosa onda de privatizações do governo FHC, o país não assistia
a um volume tão grande de investimentos estrangeiros diretos. Somente nos
três primeiros meses de 2007, o Banco Central registrou o ingresso de US$
6,5 bilhões – aumento de 66% em relação ao mesmo período do ano passado. O
maior responsável por este aumento recorde foi o etanol. A gula por terras
nativas é tanta que já se observa uma violenta alta dos preços no campo. “Na
corrida para não ficar de fora desse mercado, quem quiser adquirir uma usina
brasileira deve se dispor a pagar, hoje, mais que o dobro do valor médio
registrado em 2005. Mesmo com a disparada dos valores, não faltam
interessados em abrir o cofre”, aconselha a Exame.
Reportagem do jornal O Globo do início de junho atesta que “o crescimento
dos projetos envolvendo o plantio de cana-de-açúcar e a produção do etanol
fez explodirem os preços das terras no país”. Em abril passado, o valor do
hectare atingiu o seu pico histórico. Na Zona da Mata de Alagoas, o preço
subiu 84%; em Araraquara, interior paulista, o hectare se valorizou em 70% e
a cana já está ocupando o espaço antes reservado aos grãos e às pastagens.
“Há dois anos atrás, só se falava em soja. Agora, a vedete é o etanol. Esta
inflação está estritamente ligada ao etanol”, confirma a engenheira agrônoma
Jacqueline Dettman. A cana já ocupa 3,4 milhões de hectares em São Paulo, o
equivalente a 52% do plantio do produto no país.
O REAL PERIGO DA DESNACIONALIZAÇÃO
Na sua obsessão pelo crescimento, o governo Lula parece não medir as
conseqüências da célere invasão estrangeira. Há várias linhas de crédito,
inclusive do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
para bancar as poderosas multinacionais e os barões do agronegócio nativos.
Segundo o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), presidente da Subcomissão de
Política Agrícola da Câmara, há estudos para repassar verbas do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), criado para subsidiar o seguro-desemprego e
outros programas sociais, para refinanciar as dívidas dos produtores rurais
– calculadas em R$ 4 bilhões. O objetivo seria exatamente o de alavancar a
construção de usinas e a produção do etanol.
Há certo consenso de que a produção de biocombustíveis é uma necessidade
imperiosa na atualidade. Diante dos sinais de fadiga do petróleo e dos
efeitos destrutivos deste combustível fóssil, até as entidades
ambientalistas menos ortodoxas concordam que é urgente investir em fontes
alternativas de energia. Por outro lado, o Brasil, por suas inúmeras
vantagens comparativas, surge com todas as condições de explorar de maneira
sustentável esta nova matriz energética. Mas as possibilidades do etanol não
devem embriagar os setores mais críticos da sociedade. Há muitos riscos
neste campo. A atual febre do etanol indica que ou o Brasil adota mecanismos
para proteger a sua economia ou o processo de desnacionalização,
concentração de terras e precarização do trabalho será inevitável!
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da
revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: Originalidade e
ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).