Governo da Alemanha dividido sobre apoio ao Brasil
Desejo de Lula de investir em Angra 3 e retomar programa nuclear desagrada a boa parte do governo Merkel. Às vésperas de visitar o Brasil para discutir biocombustíveis, líder do PV alemão diz que país parece querer 'voltar ao passado'
Maurício Thuswohl
RIO DE JANEIRO – O desejo do governo Lula de investir na energia nuclear e retomar a construção da usina atômica de Angra 3 está causando rebuliço político na Alemanha, país que desde 1975 é parceiro do Brasil num programa nuclear que até hoje pouco saiu do papel. O atual governo alemão, fruto de uma ampla coalizão onde coexistem partidos de direita, centro e esquerda, mantém até agora uma posição dúbia sobre o assunto.
Legendas como o Partido Verde (PV) e o Partido Social-Democrata (SPD, que comanda o Ministério do Meio Ambiente) são contra a construção da usina e preferem que a Alemanha ajude o Brasil a investir em fontes de energia renováveis. Por sua vez, o Ministério da Economia, comandado pelo UDC da chanceler Angela Merkel, já manifestou sua simpatia pela retomada do acordo “nos mesmos moldes” de três décadas atrás.
Foi em 2000, durante o governo da coalizão “Verde-Vermelho” liderada por Gerhard Schroeder (SPD), que a Alemanha decidiu não mais construir usinas atômicas, além de fechar as existentes em seu território. A decisão atendeu a uma bandeira histórica do PV, segundo partido mais importante na sustentação do então premier. As 17 usinas que ainda restam em solo alemão serão fechadas até 2021, num cronograma que vem sendo obedecido à risca, mesmo com a mudança de governo.
Manter o perigo atômico longe da Alemanha parece consenso no governo Merkel. O mesmo, no entanto, não se pode dizer quando o assunto é exportar a tecnologia “acumulada” que o país tem no setor. Essa postura dúbia tem merecido críticas de algumas das mais importantes figuras da política alemã, como o comunista Oskar Lafontaine, presidente do partido A Esquerda: “Seria um anacronismo inaceitável para o povo alemão se o governo fechasse suas usinas em casa e quisesse continuar vendendo a tecnologia nuclear para os países em desenvolvimento”, disse.
O próprio ministro do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, já manifestou claramente sua opinião: “Queremos acordos com o Brasil, sim, mas eles são na área das energias renováveis e da competência energética”, disse. As posições contrárias à retomada do acordo nuclear com o Brasil no seio do governo alemão são tantas que impediram a realização do grupo de trabalho bilateral sobre o tema que estava prevista para junho em Berlim. Nova reunião ainda não tem data marcada para acontecer.
Às vésperas de embarcar para o Brasil, onde tomará parte numa delegação do PV alemão que vem discutir os biocombustíveis com políticos, empresários e ativistas sociais, o deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente Jürgen Trittin afirma que o governo de seu país dificilmente se definirá pelo apoio à proposta do governo brasileiro: “Parto do princípio que uma proposta dessas não terá apoio na Alemanha. Há algumas semanas, debatemos no Congresso um acordo verde, e ficou claro que o governo está completamente rachado quanto ao prolongamento do acordo nuclear com o Brasil. Não acredito que haverá algum auxílio estatal para a construção de Angra 3”, diz.
Trittin afirma que “ao invés de voltar sua política energética para o futuro, o Brasil parece querer voltar ao passado”. O deputado critica o acordo nuclear Brasil-Alemanha de 1975 e lamenta que o governo Schoroeder não tenha conseguido substituí-lo, como desejou: “Este acordo deveria ter sido substituído por um acordo energético bilateral em 2004, no qual deveriam ser prioridades as energias renováveis, o melhoramento da eficiencia energética, a redução do consumo e a redução das emissões de poluentes”, diz.
O dirigente do PV enumera os motivos que levaram a Alemanha a descartar a opção nuclear: “Energia atômica é prejudicial ao clima, extremamente antieconômica e dependente de incentivos, além de apresentar grande risco. Da fusão nuclear até a questão insolúvel do lixo atômico, passando pela reprodução de material para fabricação de armamento atômico, a lista de riscos à segurança é enorme’, diz.
O Brasil, garante Trittin, está indo na contramão do mundo: “Internacionalmente, a energia atômica está retrocedendo. Nos EUA, desde os anos 1970 não foi construída nenhuma nova usina. Na União Européia, apenas na Finlândia. A Europa produz hoje muito menos energia atômica do que há 10 anos. A energia atômica não tem como atender à demanda mundial de energia, sem falar que não é possivel usá-la na calefação, no carro ou nos aviões”.
O caminho, sugere o alemão, é outro: “No atendimento à demanda primária mundial de energia em 2003, a energia atômica foi responsável somente por 6,5%, com tendência de queda. As energias renováveis são responsáveis pelo dobro, 13,3%, e têm grandes chances de crescimento no mercado internacional. Com sua insistência na cooperação atômica, o Brasil perde a oportunidade de construir uma estratégia moderna de parceria energética no campo não atômico, no espírito da defesa climática e de uma política energética sustentável”, lamenta.
* Colaborou Verena Glass
Fonte:AgenciaCartaMaior