sexta-feira, 20 de julho de 2007

E a imprensa arremeteu

O que estava em causa na cobertura da mídia após o acidente da TAM era a construção da "crônica da tragédia anunciada". Ao incluir as vítimas fatais no seu cálculo político, mais uma vez a mídia folhetinizou um drama real, banalizando a vida.

A fumaça ainda escapava dos escombros do prédio onde funcionava o terminal de cargas da TAM. Os bombeiros tentavam conter as chamas e ainda não haviam conseguido chegar ao avião. Era impossível determinar o número de pessoas mortas. Ainda assim, sem qualquer possibilidade de precisar os fatos, o jornal da família Marinho, com edição fechada poucas horas depois da tragédia, chegava quarta-feira (18) às bancas com as causas do desastre elucidadas.

"Dez meses depois do que tinha sido o maior acidente da aviação brasileira, um Airbus A-320 da TAM, com 176 pessoas a bordo-170 passageiros e seis tripulantes-, explodiu por volta das 18h50m de ontem, após derrapar na pista principal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, tentar arremeter, atravessar a movimentada Avenida Washington Luís e se chocar, do outro lado da pista, contra um prédio onde há um prédio de combustível da própria TAM". O texto não deixava qualquer margem para dúvidas.

Sem dispor de qualquer informação confiável, a matéria intitulada “Tragédia anunciada" é uma demonstração cabal de como se faz jornalismo quando a pauta sobredetermina a apuração e a edição. Mesmo não dispondo das imagens da torre de controle e de dados retirados da caixa-preta devidamente periciados, a imprensa não hesitou em inserir o acidente numa suposta crise gerencial do setor aéreo. Tratava-se de encontrar a ranhura que atingisse o governo.

O que estava em causa era a construção da "crônica da tragédia anunciada". Ao incluir as vítimas fatais no seu cálculo político, mais uma vez a mídia folhetinizou um drama real, banalizando a vida. O desrespeito aos mortos e a falta de solidariedade às família estiveram presentes em quase tudo que se leu, falou ou ouviu na imprensa nativa, horas depois do acidente.

O bordão “quase 350 mortes em dez meses", repetido à exaustão por quase todos os veículos, busca dar por comprovada uma grave crise na aviação comercial brasileira sem, no entanto, estabelecer os nexos causais que o demonstrem. Se em 2006 a direita golpista e sua mídia não consumaram a tentativa de golpe institucional, as tentativas não cessarão na guerra declarada no segundo mandato.

Passados três dias, as imagens mostraram que o Airbus da TAM pousou no ponto ideal, porém, em vez de perder velocidade, acelerou de tal forma que atravessou em três segundos determinado trecho da pista. Onde está a derrapagem do parágrafo transcrito acima?

É bem verdade que a Globo deu a informação sobre a falha no reverso da turbina direita do avião. Cumprindo a liturgia do Jornal Nacional, programa de maior intensidade dramatúrgica da emissora, William Bonner anunciou, na edição de quinta-feira (19), com a habitual locução dramática:

"O avião da TAM que se chocou contra o prédio da empresa, em Congonhas, tinha um defeito no reversor da turbina direita desde o dia 13, sexta-feira passada. O problema tinha sido detectado pelo sistema eletrônico de checagem do próprio avião, mas o avião da TAM continuou a voar, nos dias seguintes, com o reversor direito desligado" (...) "a confirmação de que o avião prefixo MBK, destruído na tragédia de terça-feira, foi o mesmo que quase se acidentou na véspera, reforça a hipótese de que o acidente tenha sido conseqüência de falha mecânica".

Respondendo ao repórter César Tralli sobre a contribuição da pista molhada para o acidente, o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe da comissão que investiga o acidente, afirmou tratar-se de “chuva leve, que daria uma camada de 0,6 mm na pista. Então a probabilidade de que água na pista tenha influenciado nesse acidente é pouco provável, mas ainda assim é uma hipótese a ser considerada”.

O que temos então? A primeira notícia do Globo, dada como fato irrefutável, é uma hipótese pouco provável. Como explicar a grave derrapagem da imprensa brasileira? Falta de grooving na apuração e edição? Desligamento do transponder ético? Ou problema no reverso da turbina que instrumentaliza politicamente a dor de mais de 200 famílias que choram seus mortos?

Qual será o foco agora? O gesto feito por Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais e, rapidamente, interpretado como sendo de comemoração? Com seu campo de ação no episódio ficando menor que a pista de Congonhas, para onde nossa imprensa vai arremeter.Qual o próximo choque com a verdade?

O momento pede consternação e não gestos rápidos. A manchete de ontem do Globo foi emblemática: "Infraero, Anac, Decea, Cindacta, FAB... e não se sabe o que houve”. Como não se sabe? Os editoriais estão carregados de certezas.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil, Observatório da Imprensa e La Insignia.

Paquistão: a mesquita ensangüentada

Não tem ocorrido no Paquistão uma mobilização de massas para apoiar nem os juízes pró-independência dos poderes, nem os jihadistas pró-lei islâmica. Passivas, as multidões não sentem como seus os interesses em jogo.

Outra erupção de crise no Paquistão. A primeira protagonizada pela sociedade civil, com advogados e juízes que pediam uma separação de poderes e um sistema jurídico independente. Simultaneamente, um grupo de pregadores de uma mesquita de Islamabad tomou o partido da ação violenta direta, reivindicando a realização plena da "sharia" (as leis religiosas para promover o aumento do controle social das mulheres) e a instituição de um corpo especial de polícia religiosa para vigiar sua aplicação. Uma mesquita sob controle extremista no coração de Islamabad tem sido a ponta de lança das reivindicações. Está situada não muito longe dos prédios governamentais.

Como, sem apoio governamental em um ou outro momento, teriam conseguido dispor de um terreno tão valioso e construir nele os dois blocos da mesquita e as "madrassahs " das proximidades? Impossível. O pai dos dois pregadores que dirigiram a operação trabalhava para os serviços de inteligência militar muito antes de que Musharraf aparecesse em cena. Antes ajudados e financiados pelo Estado, foram, depois, declarados ilegais: estão, portanto, escassos de verbas. Ainda no ano passado poderiam ter sido subornados, mas não houve boas ofertas. Agora é tarde demais.

"Jihadistas " armados começaram a atirar contra a polícia e os soldados. Musharraf enviou seu "negociador" favorito para estudar um trato, mas nenhuma das duas partes podia aceitar as exigências da outra. Os militantes desafiaram o regime, e o regime devolveu o golpe em 9 de julho no primeiro horário da manhã [tomando de assalto a mesquita, com considerável número de mortos - Nota da Redação, CM].

Vale a pena observar que não tem ocorrido mobilização de massas para apoiar nem os juízes, nem os "jihadistas". As multidões permanecem em silenciosa passividade: não sentem como seus os interesses em jogo. A aliança de partidos religiosos, forte nas províncias da fronteira noroeste, não defendeu o grupo que transformou a mesquita e as "madrassahs" próximas em um acampamento armado, limitando-se a pedir que as vidas de mulheres e crianças inocentes fossem respeitadas.

Tudo isso traz à tona uma velha questão: até onde vai a penetração islamista entre os militares? A extraordinária prudência mostrada pelo regime alguns meses atrás, quando era evidente que os "Jihadistas" estavam tramando a conspiração, só pode ser resultado do medo de aprofundar as divisões nas forças armadas. Os mais cínicos se perguntam: de quem foi a brilhante idéia de organizar o seqüestro "Jihadista" de cidadãos chineses, que tornou impossível para o regime continuar pospondo o problema? Desde o exato momento em que os interesses nacionais do país entraram em jogo, uma ação decidida era inadiável.

Musharraf chegou ao poder em 1999 com a promessa de um conjunto de reformas capazes de transformar o país. Fracassou em todas, fez conchavos com corruptas quadrilhas de políticos desacreditados, e acabou de se debilitar quando aceitou transformar-se no homem forte dos EUA na região. O grosso do país continuou apodrecendo e isso abriu um vazio que os "Jihadistas" se apressaram a preencher.

Enquanto todas essas coisas aconteciam no interior, os 36 partidos políticos da oposição, grandes e pequenos, reuniram-se em Londres com a finalidade de planejar uma estratégia comum para restaurar o governo civil. O conclave acabou sem acordos, símbolo da sua impotência política.

Chegaram notícias de um novo atentado contra a vida do general Musharraf. Sobreviveu.

Seu regime também está a salvo, de momento. O Paquistão, ai!, continua imerso na confusão total.

Somente a erupção de um movimento de massas desde baixo poderia alterar esse panorama, mas o povo está em guerra. Vezes demais tem sido traído pelo general e pelos políticos. Por que sacrificar vidas em vão?


* Artigo publicado originalmente em 15/07/07 na página da revista espanhola Sinpermiso nº 2 www.sinpermiso.info


Tariq Ali, escritor, é membro do Conselho Editorial da revista espanhola Sinpermiso.

Com ACM, morre o coronelismo?

Com a morte de Antonio Carlos Magalhães, que já foi chamado de tudo, de Toninho Malvadeza a Condestável da Nova República, desaparece um dos mais expressivos herdeiros do estilo coronelista de exercer o poder.

SÃO PAULO - Antonio Carlos Magalhães não era um coronel tradicional. Seu poder não vinha, originalmente, da posse da terra. Era ligado a impérios da comunicação e aos centros urbanos. Mas tinha o estilo dos velhos coronéis, talvez mais do que ninguém. Sua morte, aos 79 anos, é mais um sinal dos tempos, de que pelo menos na política institucional este estilo vem definhando, substituído por outros tipos de conluio e dominação.

O coronelismo possuía duas características fundamentais: o mandonismo (que podia ou não se aliar ao carisma) pessoal e a agregação tribal. Antonio Carlos Magalhães praticava as duas, e tinha carisma pessoal na Bahia, sem dúvida. Foi partícipe de uma tragédia política e familiar: a morte do filho Luís Eduardo Magalhães, na casa dos quarenta, que era para ser o grande sucessor "moderno" do patriarca. O deputado federal ACM Neto e o filho do velho senador, que o substituirá na tribuna, ainda não estão à altura de serem considerados de fato "sucessores" de ACM, embora sejam seus herdeiros políticos mais próximos.

O poder dos coronéis, que começou a medrar no Brasil graças à herança colonial e à formação da Guarda Nacional no Império, afirmou-se por completo com a Proclamação da República. Foi estilo político dominante até 1930, quando Vargas, centralizador em todos os seus estilos de governo, tanto o autoritário quanto o popular, fez seu alcance e poder declinar graças à ampliação (antes do Estado Novo) do poder de voto das massas urbanas (inclusive as mulheres) e sua política de industrialização.

Por isso nunca foi perdoado pelos velhos coronéis, nem por seus herdeiros "modernos", os oligarcas da imprensa brasileira, onde se reproduzia o estilo coronel de viver em política: mandonismo, tribalismo, reconhecimento de sua própria casta como a única preparada para exercer (ou poder falar para e do) poder.

O golpe de 1964 criou uma esdrúxula mas compreensível aliança política que fez remanescer, transformado, o estilo coronel de fazer política. Os golpistas, tanto os militares quanto os modernos empresários e tecnocratas dos centros urbanos do país, aliaram-se aos remanescentes do coronelismo nordestino. E num primeiro momento foram unanimemente apoiados pela imprensa de espírito oligarca. Assim, se a classe dos velhos coronéis já era quase parte da história pregressa, seu estilo sobreviveu nos centros urbanos que impulsionaram a modernização conservadora e excludente inclusive do próprio setor rural, durante o regime de 64 e a Nova República posterior.

Isso ajuda a entender a extensão do poder do senador agora falecido, que chegou a criar o "carlismo", a palavra e o agrupamento (tribo) hegemônicos na Bahia até as eleições recentes para prefeito e governador. A eleição surpreendente de Jaques Wagner, do PT baiano, ainda no primeiro turno, para o governo estadual, consolidou a impressão de que o carlismo encontrara seu Waterloo.

Entretanto, ainda está pra se ver se de fato o coronelismo está morrendo no Brasil, ou está se transformando num novo estilo tribal, desenvolvendo aquilo que os especialistas vêem como uma forma limite do coronelismo, que era o "colegiado". Hoje a política conservadora (mas também 'a esquerda, com freqüência) se faz em torno de colegiados que se agregam em torno de uma grife eleitoral. Por sua vez, a mídia oligárquica se organiza em torno de colegiados de grifes jornalísticas que desatam em quase uníssono campanhas antiesquerda e antipovo na política. Como quase tudo no Brasil, o coronelismo não morre, mas se transforma.

Fanatismo - gravado por Fagner



Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !
Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida !
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim !
E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus : Princípio e Fim ! ..."


Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa no Alentejo, Portugal. Era filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo, que morreu com apenas 36 anos. Registada como filha de pai incógnito, foi educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca. Estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento com Alberto Moutinho concluiu, em 1917, o Curso dos Liceus.

Em 1919, quando frequentava o terceiro ano de Direito, publicou a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas. Em 1921, divorciou-se de Alberto Moutinho, de quem vivia separada havia alguns anos, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. Nesse ano também o seu pai se divorciou, para casar, no ano seguinte, com Henriqueta Almeida. Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade. Em 1925, Florbela casou-se, pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos. Os vários casamentos, assim como as desilusões amorosas, em geral, e a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afetivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra. Em Dezembro de 1930, agravados os problemas de saúde, sobretudo de ordem psicológica, Florbela morreu vitimada por edema pulmonar.

A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza. Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina.
Copiado de :AmigosDoFreud