sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Midiatrix Revelations

A CIA e seu rastro de sangue na América Latina





Waldir Rampinelli - Prof. no Dpto.História UFSC/ Pesquisador no IELA

Os documentos que tornam público as atuações da Agência Central de Inteligência (CIA) na América Latina se limitam a tratar de alguns casos pontuais, quando na realidade o trabalho desta instituição abrangeu estratégias terroristas muito mais amplas contra povos, governos, nações e Estados.

Criada no início da Guerra Fria para espionar e abortar as ações soviéticas, assim como controlar e reverter os governos nacional-populistas do Terceiro Mundo, a CIA completa sessenta anos de existência com uma folha de serviços prestados que incluem chantagens emocionais, seqüestros, torturas, assassinatos, intervenções militares e golpes de Estado.

Na América Latina, o primeiro grande êxito da CIA foi a derrubada do governo reformista de Jacobo Arbenz Guzmán na Guatemala, em 1954. O então presidente Arbenz, empenhado em desenvolver um capitalismo autônomo e independente para “tirar seu povo de um atraso secular”, sofreu todo tipo de pressão dos Estados Unidos. A CIA comandou abertamente a invasão armada a este país centro-americano, utilizando territórios de países vizinhos e aviões estadunidenses para espalhar o terror na população guatemalteca. Uma vez derrotada esta experiência democrática, Washington instalou uma série de ditadores militares no poder, que de 1954 a 1985 utilizaram praticamente todos os métodos fascistas, para dizimar as populações indígenas que exigiam a volta ao regime democrático. Cerca de 70 a 80 mil pessoas foram assassinadas neste período, cometendo-se um verdadeiro genocídio. Apenas entre 1966 e 1981 realizaram-se 30 mil atos de seqüestro, torturas e assassinatos, segundo a Anistia Internacional (Veja-se o livro dos estadunidenses Stephen Schlesinger e Stephen Kinzer, Fruta Amarga – A CIA na Guatemala, Editora Século XXI, México, 1982).

Contra Cuba, a CIA planejou, treinou e dirigiu a invasão de Praia Girón, em abril de 1961. Ao sofrer ali sua primeira grande derrota, ela foi totalmente reestruturada por John Kennedy para torná-la mais eficiente, desagradando a muitos de seus dirigentes. Daí sua participação no próprio assassinato do presidente estadunidense. A partir de Johnson, passando por todos os demais mandatários da Casa Branca, a CIA vem lançando mão de todas as estratégias para liquidar a Revolução Cubana, como as incontáveis tentativas de assassinato de seus líderes; a explosão de aviões e navios; o incêndio dos canaviais, bem como o desenvolvimento de bactérias para inviabilizar esta cultura; o metralhamento de cidades com o objetivo de gerar pânico; o apoio à entrada clandestina de contra-revolucionários na ilha e a tentativa fracassada de criar uma guerrilha pró-imperialista nas montanhas cubanas do Escambray; o incitamento à rebelião por meio de ondas de rádio e televisão; o estímulo à fuga em massa para tentar desmoralizar o regime socialista; e a cooptação da altos funcionários do Estado cubano para desacreditar os avanços da Revolução. Obviamente que todas estas operações têm um preço muito alto: a perda de vidas humanas.

Preocupado com o mau exemplo dado por Cuba, Kennedy criou a Aliança para o Progresso, que além dos programas de ação cívico-militar, buscava neutralizar as causas econômicas e sociais que originavam as revoluções no subcontinente. Para isso seria necessário por fim a algumas ditaduras personalistas, que além de se opor à melhorias econômicas de suas populações, criavam condições objetivas de revoltas populares. Como Rafael Trujillo detestava qualquer tipo de democracia formal, e o exemplo cubano poderia chegar à República Dominicana, a CIA participou de seu assassinato, em maio de 1961, prevalecendo a tese de que, após tantos serviços prestados a Washington, “os Estados Unidos - dizia Kissenger - não têm amigos, mas tão-somente interesses”.

Em 1964, a CIA envolveu-se ativamente no golpe de Estado contra João Goulart, no Brasil. O embaixador estadunidense Lincoln Gordon e o adido militar Vernon Walters, utilizando-se de alguns governadores, de empresários, da Igreja Católica, da imprensa e dos partidos reacionários determinaram aos militares a tarefa da tomada do poder. Uma vez dado o golpe, a Casa Branca exigiu do governo Castelo Branco o pagamento dos trabalhos prestados pela CIA, ao quais consistiam em uma abertura total da economia aos interesses dos Estados Unidos (como o fim da Lei de Remessas de Lucros), um alinhamento político ao Departamento de Estado (como o apoio político e militar à invasão da República Dominicana em 1965) e uma estratégia intervencionista do Brasil nos países latino-americanos para reverter os governos nacionalistas (como a “Operação Trinta Horas” destinada a invadir o Uruguai caso o governo daquele país não derrotasse os grupos de esquerda que faziam balançar o governo de Pacheco Areco). Daí a criação da Operação Condor para destruir e aniquilar qualquer foco de oposição que impedisse o processo de acumulação das empresas estadunidenses no cone sul; o golpe de Estado contra o presidente Torres na Bolívia, em 1971; e a ajuda da diplomacia militar paralela na queda de Allende no Chile, em 1973.

Neste último caso, a CIA tentou impedir que Allende ganhasse as eleições; logo após procurou inviabilizar sua ratificação pelo Congresso; e, finalmente, depois de fracassar em ambos os planos, lançou mão dos preparativos do mecanismo do golpe de Estado. Uma vez morto Allende, a CIA exigiu dos militares chilenos o extermínio de muitos de seus opositores numa verdadeira operação limpeza. O informe sobre o Chile, apresentado pelo Comitê Seleto de Inteligência do Senado dos Estados Unidos, em 1975, revelou todas as artimanhas e falcatruas da CIA naquele país. Inclusive o dinheiro aplicado na queda de Allende: 8 milhões de dólares.

Em 1981, morreram em um acidente aéreo dois presidentes latino-americanos: Jaime Roldós, do Equador e Omar Torrijos, do Panamá. O primeiro defendia uma política de direitos humanos e de liberdades fundamentais como “uma obrigação internacional à qual estão sujeitos os Estados”, ao passo que o segundo arrancou dos Estados Unidos a assinatura dos tratados canaleiros, dizendo que não queria “entrar para a história e sim na Zona do Canal”. Todas as evidências mostram que a CIA se encarregou de eliminar a ambos.

Na Nicarágua sandinista, a CIA desempenhou um papel importante, quer na organização e treinamento do exército dos “contras” que operava desde a vizinha Honduras, que nas minas colocadas no porto Sandino, quer nas explosões de tanques petrolíferos no porto de Corinto. Em janeiro de 1984, ela chegou a minar todos os portos nicaragüenses do Pacífico e do Atlântico. Deste modo, o governo nicaragüense foi obrigado a gastar 50% de seu orçamento na defesa do país, sendo que em 1985 chegou a 65%. Além do mais, o tão comentado Manual de Guerra Psicológica da CIA recomendava explicitamente os assassinatos de funcionários sandinistas.

A CIA, portanto, tem uma história marcada pelo uso do terrorismo de Estado na América Latina. Além dos países citados, ela atuou nos demais acarretando sempre as mesmas conseqüências: a morte, a destruição e a submissão de suas economias aos interesses de Washington. “O matrimônio do comunismo com o nacionalismo na América Latina”, afirma o Documento de Santa Fé II, “representa já o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos”. Por isso, a CIA combateu a ambos.

A Guerra Fria acabou. No entanto a CIA continuou sua trajetória de intervenções, agora centrada nos países do Terceiro Mundo. Além dos serviços de inteligência, sua função é a de manter, por parte dos Estados Unidos, a expropriação do plus produto dos países da América Latina. O ano de 2007 é, portanto, o sexagenário das bodas de sangue da Agência Central de Inteligência. A história da CIA é uma história de morte, de terror e de apropriação do excedente econômico dos países da América Latina.

Estresse



O termo estresse denota o estado gerado pela percepção de estímulos que provocam excitação emocional e, ao perturbarem a homeostasia, disparam um processo de adaptação caracterizado, entre outras alterações, pelo aumento de secreção de adrenalina produzindo diversas manifestações sistêmicas, com distúrbios fisiológico e psicológico. O termo estressor por sua vez define o evento ou estímulo que provoca ou conduz ao estresse.

Em 1936 o fisiologista canadense Hans Selye introduziu o termo "stress" no campo da saúde para designar a resposta geral e inespecífica do organismo a um estressor ou a uma situação estressante. Posteriormente, o termo passou a ser utilizado tanto para designar esta resposta do organismo como a situação que desencadeia os efeitos desta.

A resposta ao estresse é resultado da interação entre as características da pessoa e as demandas do meio, ou seja, as discrepâncias entre o meio externo e interno e a percepção do indivíduo quanto a sua capacidade de resposta. Esta resposta ao estressor compreende aspectos cognitivos, comportamentais e fisiológicos, visando a propiciar uma melhor percepção da situação e de suas demandas, assim como um processamento mais rápido da informação disponível, possibilitando uma busca de soluções, selecionando condutas adequadas e preparando o organismo para agir de maneira rápida e vigorosa.

A sobreposição destes três níveis (fisiológico, cognitivo e comportamental) é eficaz até certo limite, o qual uma vez ultrapassado, poderá desencadear um efeito desorganizador.
Assim, diferentes situações estressoras ocorrem ao longo dos anos, e as respostas a elas variam entre os indivíduos na sua forma de apresentação, podendo ocorrer manifestações psicopatológicas diversas como sintomas inespecíficos de depressão ou ansiedade, ou transtornos psiquiátricos definidos, como por exemplo o Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Regina Margis

Burlando Megaupload e Megaerotic,

Tutorial de como burlar o Megaupload

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Jan Akkerman and Paco de Lucia

john mclaughlin paco de lucia larry coryell

Paco De Lucia, John Mclaughlin y Al Di Meola - Mediterranean

Janis Joplin - Summertime (Live Gröna Lund 1969)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Nazismo: a conexão norte-americana

Como se deu a intensa colaboração intelectual entre o nazismo e cientistas e personalidades dos EUA, nos anos 1920 e 30. Por que Hitler encantou-se com Henry Ford. Omitidos pela história oficial, fatos sugerem repensar as relações entre modernidade, homogenização e totalitarismo

Michael Löwy e Eleni Varikas

Certos autores, como Daniel Goldhagen, tentam explicar o nazismo como uma perversidade anti-semita exclusivamente alemã. Outros, como Ernst Nolte, com um espírito visivelmente apologético, falam de comportamento "asiático" ou de imitação dos bolcheviques. E, se o racismo e o anti-semitismo nazistas tinham origens ocidentais [1] e, até mesmo, filiações norte-americanas? Entre as leituras favoritas dos fundadores do Terceiro Reich encontra-se o livro de um personagem norte-americano bastante representativo: Henry Ford. Aliás, as doutrinas científicas e as práticas racistas políticas e jurídicas dos Estados Unidos tiveram um impacto não negligenciável sobre as correntes equivalentes na Alemanha.

Essa conexão norte-americana remonta, antes de tudo, à longa tradição da fabricação jurídica da raça — uma tradição que exerce grande fascínio sobre o movimente nazista desde suas origens. Realmente, por razões históricas ligadas, entre outras, à prática ininterrupta, durante séculos, da escravatura dos negros, os Estados Unidos representem, talvez, o único caso de uma metrópole que exerceu tão cedo, e no seu próprio território, uma classificação racista oficial como fundamento da cidadania. Isso se dá por meio das definições da "brancura" e da "negritude" que, apesar de sua instabilidade, perduram há três séculos e meio como categorias jurídicas, e também por políticas de imigração admiradas por Adolf Hitler desde os anos 1920. Ou ainda, por práticas de esterilização forçada praticadas em determinados Estados, várias décadas antes da ascensão do nazismo na Alemanha. A conexão norte-americana, embora não seja a única, oferece um terreno privilegiado para repensar as origens propriamente modernas do nazismo, e suas continuações inconfessas com determinadas práticas políticas das sociedades ocidentais (inclusive democráticas).

Denunciar o anti-semitismo e o genocídio judeu é, hoje, um dos importantes componentes da cultura política dominante nos Estados Unidos. Tanto melhor. Impera, em contrapartida, um silêncio incômodo sobre alianças, afinidades e conexões entre personagens importantes da elite econômica e científica dos Estados Unidos com a Alemanha nazista. Foi somente ao longo dos últimos anos que surgiram livros que abordam diretamente essas questões embaraçosas. Duas dessas obras merecem uma atenção particular: The Nazi Connection. Eugenics, American Racism and German National Socialism [2], de Stefan Kühl, e The American Axis. Henry Ford, Charles Lindbergh and the Rise of the Third Reich [3], de Max Wallace. Stefan Kühl é um universitário alemão que fez pesquisas nos Estados Unidos e Max Wallace, um jornalista norte-americano estabelecido há muito tempo no Canadá.

Políticas de migração racistas e esterilização forçada nos EUA seduziram nazistas

"Atualmente, existe um país no qual podemos ver os primórdios de uma melhor concepção da cidadania", escreveu Hitler em 1924. Ele se referia ao esforço dos Estados Unidos para manterem a "preponderância da raça nórdica" por meio de sua política relativa à imigração e à naturalização. O projeto de "higiene racial" desenvolvido em Mein Kampf tomava como modelo o Immigration Restriction Act (1924), que proibia a entrada nos Estados Unidos dos indivíduos portadores de doenças hereditárias, como também de migrantes provenientes da Europa do Sul e do Leste. Quando, em 1933, os nazistas instauraram seu programa para a "melhoria" da população, por meio da esterilização forçada e da regulamentação dos casamentos, eles se inspiraram abertamente nos Estados Unidos, onde vários Estados já aplicavam há décadas a esterilização dos "defeituosos", uma prática sancionada pela Suprema Corte em 1927.

O estudo notável de Stefan Kühl rastreia essa sinistra filiação, pesquisando os estreitos laços que se tecem entre os eugenistas norte-americanos e os alemães, no período entre as duas guerras; as trocas de idéias científicas e de práticas jurídicas e médicas. Bem documentada e defendida com rigor, a tese principal do autor é: o apoio contínuo e sistemático dos eugenistas norte-americanos aos seus colegas alemães, até a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, e sua adesão à maioria das medidas da política racial nazista constituíram uma fonte importante de legitimação científica do Estado racista de Hitler.

Contrariamente a uma parte considerável da historiografia dominante, Kühl mostra que os eugenistas norte-americanos que se deixaram seduzir pela retórica nazista da limpeza racial não eram um punhado de extremistas ou de marginais, mas um grupo considerável de cientistas cujo entusiasmo não se atenuou quando a retórica nazista tornou-se realidade. O estudo das transformações dessas relações entre as duas comunidades científicas permite ao sociólogo e historiador alemão evidenciar a múltipla influência que os "progresssos" da eugenia norte-americana (notadamente a eficácia de uma política de imigração que "combinava a seleção étnica e eugenista") exerceram sobre os adeptos da limpeza racial. Kühl também aponta o sucesso que obteve o movimento eugenista dos EUA ao conseguir que fossem adotadas as leis a favor da esterilização forçada.

Enquanto, na República de Weimar, os trabalhadores sociais e os responsáveis pela saúde pública preocupavam-se em reduzir os gastos com a proteção social, os especialistas em higiene racial estavam com os olhos voltados para as medidas de esterilização forçada, praticadas em diversos Estados da América do Norte para reduzir o custo com os "deficientes". A referência aos Estados Unidos, primeiro país a institucionalizar a esterilização forçada, abunda em todas as teses médicas da época. Uma das explicações comumente utilizadas para interpretar esse status de vanguarda do qual gozava a eugenia norte-americana era a presença dos negros, que teria "obrigado, muito cedo, a população branca a recorrer a um programa sistemático de melhoria da raça". Essa mesma explicação será apresentada mais tarde pelos apologetas norte-americanos do regime nazista, como o geneticista T. U. H. Ellinger, que comparava a perseguição dos judeus ao tratamento brutal dos negros nos Estados Unidos.

Até a II Guerra, eugenistas norte-americanos aplaudem e colaboram com Hitler

Com a ascensão do nazismo, os eugenistas norte-americanos, a exemplo de Joseph De Jarnette, membro do movimento de esterilização de Virgínia, descobrem, surpresos e fascinados, que "os alemães nos superam no nosso próprio jogo". O que não impede — ao menos até os Estados Unidos entrarem na guerra (dezembro de 1941) — o apoio ativo às políticas racistas dos nazistas, como também o silêncio da grande maioria dos eugenistas diante da perseguição dos judeus, ciganos e negros.

Na verdade, a comunidade eugenista não foi homogênea, como demonstram as acusações virulentas de cientistas como Herman Muller e Walter Landauer; as do geneticista progressista L.C. Dunn e do célebre antropólogo Franz Boas. Mas, contrariamente aos dois últimos, que eram críticos da eugenia, Muller e Landauer faziam uma crítica científica do nazismo. Ao mesmo tempo em que negavam a hierarquia das raças, reconheciam a necessidade de aperfeiçoar a espécie humana por meio da reprodução de indivíduos "capazes" e da proibição da reprodução dos indivíduos "inferiores".

O Capítulo 6 do livro de Kühl, (Ciência e racismo: A influência de diferentes conceitos de raça sobre as atitudes em relação às políticas racistas nazistas) apresenta um desmentido à tese canônica, segundo a qual as tendências "pseudocientíficas" da eugenia norte-americana — responsáveis pela lei racista de 1924 sobre a imigração — teriam dado lugar, a partir dos anos 1930, a uma eugenia progressista, mais "científica", totalmente dissociada da higiene racial.

A complexa tipologia que o autor constrói demonstra que as diferenciações no seio do movimento eugenista norte-americano nada têm a ver com seu futuro mais "científico". Ele sublinha que a luta no interior da comunidade científica internacional a respeito da política racial nazista era, antes de tudo, uma luta entre posições científicas divergentes, relativas ao aperfeiçoamento da raça e aos meios científicos, econômicos e políticos de consegui-lo.

Por isso, o autor propõe duas noções que considera necessárias para a compreensão do fenômeno estudado — "racismo étnico" e "racismo genético". O primeiro foi condenado abertamente pelo tribunal de Nuremberg. Já o segundo foi mais difícil. A maioria dos higienistas raciais não foi julgada pela esterilização forçada de 400 mil pessoas. E pesquisas recentes mostraram que uma parte da acusação tentou apresentar os massacres em massa e as experiências nos campos de concentração como práticas separadas da "eugenia autêntica".

Henry Ford: bem mais que um retrato na parede do Fuhrer

Em 1939, T. U. H. Ellinger escreveu, no Journal of Heredity, que a perseguição aos judeus não era uma perseguição religiosa, mas "um projeto de criação em grande escala, visando eliminar da nação os caracteres hereditários da raça semítica". E acrescentava: "Mas quando se trata de saber como o processo de criação pode ser realizado com maior eficácia, uma vez que os políticos julgaram-no de utilidade econômica, a ciência pode ajudar até os nazistas". Alguns anos mais tarde, Karl Brandt, médico responsável pelo programa de eliminação das pessoas deficientes físicas, declarava perante os seus juízes que esse programa tinha sido baseado em experiências norte-americanas, algumas das quais datavam de 1907. Ele citava, para sua defesa, Alexis Carel, que foi nome de um centro de estudos francês até há pouco tempo atrás [4].

A obra de Max Wallace analisa as relações com o nazismo de dois ícones norte-americanos do século 20: o construtor automobilístico Henry Ford e o aviador Charles Lindbergh. Esse, consagrado herói da aviação depois de ter atravessado pela primeira vez o Atlântico (1927), desempenha um significativo papel político, nos anos 1930, como norte-americano simpatizante do Terceiro Reich e, a partir de 1939, como um dos organizadores (juntamente com Ford) da campanha contra Roosevelt, acusado de desejar intervir na Europa contra as potências do Eixo.

Menos conhecido, o caso de Ford é mais importante. Como demonstra muito bem Max Wallace — é um dos pontos fortes do seu livro — a obra The International Jew (O judeu internacional), de Ford, inspirado pelo mais brutal anti-semitismo, teve um impacto considerável na Alemanha. Traduzida a partir de 1921 para o alemão, ela foi uma das principais fontes do anti-semitismo nacional-socialista e das idéias de Adolf Hitler. Em dezembro de 1922, um jornalista do New York Times, em visita à Alemanha, contou que "a parede situada atrás da mesa de Hitler, no seu escritório particular, é decorada com um grande quadro representando Henry Ford". Na ante-sala, uma mesa estava coberta por exemplares de Der Internationale Jude. Um outro artigo do mesmo jornal norte-americano publicou, em fevereiro de 1923, as declarações de Erhard Auer, vice-presidente da Dieta bávara, acusando Ford de financiar Hitler, por ser favorável ao seu programa que previa "o extermínio dos judeus na Alemanha".

Wallace observa que tal artigo é uma das primeiras referências conhecidas aos projetos exterminadores do dirigente nazista. Em 8 de março de 1923, em uma entrevista para o Chicago Tribune, Hitler declarou: "Nós consideramos Heinrich Ford como o líder do movimento fascistifascisti bávaros" [5]. Em Mein Kampf, publicado dois anos mais tarde, o autor presta homenagem a Ford, o único indivíduo que resiste aos judeus na América (mas sua dívida para com o industrial é bem maior). As idéias do International Jew estão onipresentes no livro, e certas passagens são extraídas quase que literalmente — em particular no que se refere ao papel dos conspiradores judeus nas revoluções ocorridas na Alemanha e na Rússia. crescente na América. Admiramos, particularmente, sua política anti-judia, que é a mesma da plataforma dos

Um livro que influenciou alguns dos maiores dirigentes nazistas

Alguns anos mais tarde, em 1933, já tendo o partido nazista assumido o poder, Edmund Heine, gerente da filial alemã da Ford, escreveu ao secretário do industrial norte-americano, Ernest Liebold, para contar-lhe que The International Jew era utilizado pelo novo governo para educar a nação alemã na compreensão da Questão Judaica [6]. Ao reunir essa documentação, Max Wallace estabeleceu, de forma incontestável, que o empresário automobilístico dos EUA fazia parte das mais significativas fontes do anti-semitismo do nacional-socialista.

Como lembra Max Wallace, Hitler concedeu a Henry Ford, em 1938, a Grande Cruz da Ordem Suprema da Águia Alemã — uma distinção criada em 1937 para homenagear as altas personalidades estrangeiras — por intermédio do cônsul alemão nos Estados Unidos. Anteriormente, a medalha, uma cruz de Malta cercada de suásticas, havia sido concedida a Benito Mussolini.

Entretanto, Wallace não explica por que, considerando a abundância de trabalhos anti-semitas europeus, particularmente alemães, o autor de Mein Kampf era fascinado pela obra estadunidense. Por que ele decorou seu escritório com o retrato de Henry Ford, ao invés de decorá-lo com o de Paul Lagarde, Moeller van der Bruck e muitos outros ilustres ideólogos anti-semitas alemães? Além do prestígio associado ao nome do industrial, parece que três razões podem explicar esse interesse pelo The International Jew: a modernidade do argumento, seu vocabulário "biológico", "médico" e "higienista"; seu caráter de síntese sistemática, articulando, em um discurso grandioso, coerente e global, o conjunto das diatribes anti-semitas do pós-I Guerra; e sua perspectiva internacional planetária, mundial.

Wallace mostra, baseado em documentos, que Hitler não foi o único dos dirigentes nazistas a sofrer a influência do livro editado em Dearborn. Baldur von Schirach, líder da Hitlerjugend [7] e, mais tarde, gauleiter [8] de Viena, declarou, durante o processo de Nuremberg, em 1946: "O livro anti-semita decisivo que li naquela época, e o livro que influenciou meus colegas foi o de Henry Ford, O Judeu Internacional. Eu o li e me tornei anti-semita". Joseph Goebbels e Alfred Rosenberg figuram, igualmente, entre os dirigentes que mencionaram tal obra entre as referências importantes da ideologia do Partido Nacional-socialista Alemão (NSDAP) [9].

Indagações incômodas sobra a relação entre Ocidente, Modernizade e Terceiro Reich

Em julho de 1927, ameaçado de um processo de difamação e preocupado com a queda das vendas dos seus automóveis, Ford retratou-se devidamente. Em um comunicado da imprensa, afirmou, sem corar, que "não tinha sido informado" sobre o conteúdo dos artigos anti-semitas publicados no Dearborn Independent, e pedia aos judeus "perdão pelo mal involuntariamente causado" pelo panfleto The International Jew [10]. Considerado pouco sincera por uma boa parte da imprensa norte-americana, a declaração, entretanto, permitiu a Ford eximir-se da responsabilidade penal. Ela não o impediu de continuar a apoiar, clandestinamente, uma série de atividades e de publicações de caráter anti-semita [11].

"Henry Ford, precursor do nazismo" foi amplamente ocultado nos Estados Unidos, em benefício do grande industrial, criador do automóvel fabricado em série e vendido a preços baixos. Era esse homem que o escritor inglês Aldous Huxley apresentava ironicamente, em sua distopia Admirável Mundo Novo (1932), como uma divindade moderna, com a oração dirigida ao "Our Ford" substituindo a antiga, dirigida ao "Our Lord" ("Nosso Senhor").

O longo silêncio é compreensível. O "caso" Henry Ford levanta questões delicadas sobre o lugar do racismo na cultura norte-americana e sobre as relações entre nossa "civilização ocidental" e o Terceiro Reich, entre a modernidade e o mais delirante anti-semitismo, entre o progresso econômico e a regressão humana. Aliás, o termo "regressão" não é pertinente: um livro como The International Jew não poderia ter sido escrito anteriormente ao século 20, e o anti-semitismo nazista também é um fenômeno radicalmente novo. O dossiê Ford lança uma luz crua sobre as antinomias daquilo que Norbert Elias chamava de "o processo civilizatório".

Tradução: Maria Alice Farah
alicefarah@uol.com.br



[1] Conforme a demonstração feita por Hannah Arendt, no que diz respeito ao colonialismo, imperialismo e anti-semitismo europeus, no primeiro e no segundo volume do livro As Origens do Totalitarismo. Para uma atualização e enriquecimento desta tese, cf. Enzo Traverso, La violence nazie, Paris, La Fabrique, 2002.

[2] Stefan Kühl, The Nazi Connection. Eugenics, American Racism and German National Socialism, Oxford University Press, Nova Iorque, 1994.

[3] Max Wallace, The American Axis. Henry Ford, Charles Lindbergh and the Rise of the Third Reich, St. Martin’s Press, Nova Iorque, 2004.

[4] A faculdade de medicina Lyon-I, até 1996

[5] Max Wallace, The American Axis, pp.45-46.

[6] Max Wallace, The American Axis, p. 130.

[7] Juventude Hitlerista (Nota da Tradutora).

[8] Chefe de um gau (distrito) da Alemanha nacional-socialista (Nota da Tradutora).

[9] Max Wallace,‭ ‬The American Axis,‭ ‬p.42,‭ ‬57

[10] Max Wallace,‭ ‬The American Axis, ‬pp.‭ ‬31-33.

[11] A respeito das conexões filonazistas de Ford nos anos 1930, e sobre sua aliança com Lindbergh, cf. Max Wallace,The American Axis, Ch. 5, "Hate by proxy"., pp. 124-145 et Ch. 9, "America First", pp. 239-266.

Michael Brecker & Pat Metheny, in "Every day I thank you, Tv Special.