O livro dos mortos e desaparecidos | | | |
Frei Betto | |
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A obra resulta de cuidadoso trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, presidida pelo advogado Marco Antonio Rodrigues Barbosa. Editada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência da República, nesta gestão do ministro Paulo Vannuchi, é, com certeza, o mais importante documento histórico sobre os anos de chumbo, desde a publicação de “Brasil, Nunca Mais”, assinado por dom Paulo Evaristo Arns, hoje cardeal emérito de São Paulo, e o reverendo Jaime Wright. O que faz a diferença é que “Direito à Memória e à Verdade” é um documento oficial do governo e, portanto, sinaliza importante passo no reconhecimento do arbítrio prevalecente no regime militar e na abertura dos arquivos daquele período. Quis a sorte, resultante das oscilações conjunturais de nossa política, que o processo que culmina na publicação do livro tenha sido iniciado, em 1995, por Nelson Jobim, então ministro da Justiça do governo FHC. Hoje, Jobim é ministro da Defesa, autoridade máxima, à exceção do presidente da República, sobre as Forças Armadas que insistem em não abrir seus arquivos sobre a repressão. Há que sublinhar o mérito do governo FHC, bem como do ex-ministro José Gregori, ao reconhecer a responsabilidade do governo brasileiro frente à questão dos mortos e desaparecidos, bem como o empenho na indenização às vítimas e suas famílias. Nenhuma vítima da ditadura, por questão de bom senso humanitário, encara esta iniciativa do governo Lula pela ótica da vingança. Não se trata de vingança, e sim de justiça. Aprendi no cárcere que o ódio destrói primeiro quem odeia e não quem é odiado. A nação, entretanto, tem o direito de resgatar a sua memória e corrigir aberrações jurídicas como a “anistia recíproca” do governo Figueiredo. Inútil querer impedir que as famílias pranteiem seus mortos e clamem por seus entes queridos desaparecidos. E, a exemplo do Chile e da Argentina, o princípio elementar do Direito exige que crimes, sobretudo aqueles cometidos em nome do Estado, sejam investigados e seus responsáveis punidos, para que a impunidade não prevaleça sobre a lei nem se perpetue como tributo histórico. A memória brasileira tem sofrido tentativas de “apagão” quando os conjurados mineiros são qualificados de inconfidentes (que significa aqueles que não merecem confiança ou não são capazes de guardar confidências, leia-se dedos-duros) e em episódios históricos como a Guerra do Paraguai, o massacre de Canudos e tantas outras rebeliões que semearam a nossa independência e forjaram a nossa identidade. Não se pode admitir agora que um período trágico de nossa história como foi a ditadura militar fique relegado ao olvido com seus documentos tão desaparecidos quanto muitas de suas vítimas. É meritório que o governo Lula tenha revogado o caráter de “sigilo eterno” de documentos oficiais, conforme havia sido determinado pelo governo FHC, ao estabelecer prazo de trinta anos, prorrogáveis por mais 30, para que a sociedade tenha acesso a eles. Espera-se que também esse longo período venha a ser revogado, para que interpretações falseadas e/ou equivocadas de nossa história não adquiram nos livros didáticos e na opinião pública status de verdade. “Direito à Memória e à Verdade” soma-se ao crescente esforço de trazer à luz a realidade dos anos de chumbo. Aplausos para o cinema nacional que exibe nas telas o caráter deletério do regime militar em produções recentes: “Zuzu Angel”, “Hércules 51”, “Quando nossos pais saíram de férias”, “ Batismo de Sangue”, “Ato de Fé”, “Conspiração do Silêncio – Araguaia”, “Serra do Caparaó”, “Quase Dois Irmãos”, “Barra 68”, “Cabra-Cega” etc. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos - cujo empenho no combate à exploração sexual de crianças e na defesa dos direitos de indocumentados e portadores de deficiência física mereceria amplo espaço na publicidade oficial - ostenta agora o mérito de fazer jus à memória nacional. Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.
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