quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Eu vos convoco

Chegamos a um momento crucial. Se não dermos passos, se não tomarmos decisões, nossa mobilização irá para o espaço. Propostas, é claro, não faltam. Todas são bem-intencionadas, muitas oportunas, muitas inteligentes, algumas fora de hora, mas quase todas elas têm, em comum, a ansiedade. É compreensível. Quanto tempo faz que esses cidadãos esperam ser convocados a tomar uma atitude?
É preciso entender, porém, que este Movimento não tem recursos, não tem estrutura, não tem planejamento. Nasceu de um repente de um joão-ninguém (eu) que, por conta da indignação de parte da sociedade com o tipo de mídia que infesta o país, teve que fazer aquele repente tomar corpo no tranco.
Neste momento, recebo mensagens do país inteiro. É gente de São Paulo, do Rio, de Minas Gerais, de Goiás, do Ceará, da Bahia, de Alagoas, do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Espírito Santo, enfim, do país inteiro e até do exterior. Todos querem organizar o Movimento em seus Estados. Mas como sair de zero para cem por cento em duas semanas e meia?
A quase totalidade de nós é composta por cidadãos comuns, desvinculados de partidos, que trabalham, que têm suas vidas para tocar e não têm tempo para se dedicar a fundo a uma idéia que apenas começa a tomar corpo.
Eu também não tinha tempo, mas vou ter. O fato é que, como já vazou para alguns sites na internet, fui questionado pela empresa em que trabalho quanto a meu engajamento na administração deste blog e dos assuntos que ele tem tratado. Expliquei que se trata de um assunto particular e que não via que relação poderia ter com a empresa, apesar de eu usar parte do tempo em que permaneço lá dentro, quando não estou viajando, para me dedicar ao que tenho me dedicado. Afinal, quem viaja a trabalho por quinze dias todos os meses, pegando vôos de noite, de madrugada, passando fins de semana enfurnado em hotéis a milhares de quilômetros de casa, em países que não o seu, não pode ser cobrado quanto ao uso de seu tempo. Ou, ao menos, não deveria...
Hoje (terça-feira), depois dos últimos acontecimentos, recebi proposta da diretoria de me desligar da empresa formalmente para "ter tempo" de me dedicar ao que chamaram de "hobby", mas eu continuaria prestando serviços à empresa como autônomo. Receberia minha indenização e, dali em diante, seria remunerado de acordo com a produção de desenvolvimento de negócios no exterior - como vocês sabem, dedico-me a viajar pela América Latina desenvolvendo negócios para essa empresa.
Proposta, ultimato, chamem do que quiser. O fato é que, na vida de todos nós, chega um momento em que temos que tomar decisões sérias que podem acarretar dissabores e problemas, por um lado, ou inconformismo e perda de amor-próprio, por outro.
Até o ano passado, fazia dezessete anos que eu não trabalhava para ninguém. Eu tinha um pequeno negócio, mas por conta de vicissitudes comerciais esse negócio afundou e tive que, depois de tanto tempo, buscar um emprego, pois trabalhar por conta própria já se havia tornado insuficiente para pagar as contas. E foi bom tomar essa decisão. Nos últimos catorze meses, fiz contatos por toda América Latina. Amealhei um patrimônio comercial intangível, porém vasto, pois é constituído pela amizade e pela confiança de meus clientes no exterior.
Nunca fui homem de ter medo de dar passos. Se fosse assim, eu ainda estaria carregando caixas como auxiliar de almoxarifado, profissão que abracei há 25 anos, quando me casei, e que me permitiu vir a ter meu próprio negócio dez anos depois.
Comecei bem, bem lá de baixo, apesar de ser oriundo da classe média alta, de ter estudado nas melhores escolas de São Paulo, tais como Dante Aligheri, São Bento e São Luis, pois me casei sem emprego, sem profissão e sem me formar. Eu era um garoto, mas já precisava sustentar a família recém-constituída, pois minha mulher havia engravidado e decidimos assumir-lhe a gravidez e uma vida em comum.
Foi a decisão mais acertada da minha vida. Tenho uma família maravilhosa. Os que compareceram à Manifestação conheceram minha primogênita, Carla. Um presente do Céu, bem como são meus outros filhos - Gabriela, André e Victoria - e minha neta, Letícia Maria.
Surgiu uma chance de voltar a ser dono do meu nariz. A empresa me prometeu continuar bancando minhas viagens e me dar uma ajuda de custo durante algum tempo. No entanto, minha família, sobretudo minha mulher, teme o futuro e desaprova minhas atividades "políticas", que não são políticas coisa nenhuma, pois não sou - e, friso, jamais serei - candidato a nada, a não ser a dono de minha consciência e senhor de meus ideais.
Conservo, ainda, o escritório em que tinha minha pequena empresa antes de ela parar suas atividades. É uma sala de três por quatro metros na zona Sul de São Paulo. A sala fica numa casa em que amigos, ainda de meu tempo de solteiro, têm um escritório de contabilidade. Quando fui trabalhar na empresa em que trabalho, eles disseram que quando eu precisasse da sala ela estaria lá me esperando. E a empresa em que trabalho vai instalar telefone, computador, fax, enfim, uma estrutura mínima. Daí por diante, será por minha conta, mas claro que com as promessas que recebi de financiamento de viagens e ajuda de custo inicial.
Assim sendo, quando voltar de viagem, em duas semanas, terei como organizar meu tempo da forma que bem entender. E parte desse tempo será usado em prol do Movimento dos Sem-Mídia.
O MSM é uma idéia que se entranhou em minha alma. É um ideal que acalento há anos. Hoje, durante uma longa entrevista que dei por telefone a um jornalista do portal Terra, expliquei que minhas propostas para a mídia não se resumem a questões políticas. Há questões ideológicas e culturais, por exemplo. A mídia, neste país, em minha opinião é responsável por grande parte de seus males. A programação televisiva ao rés do chão - "O povo quer lixo? É lixo que daremos ao povo" -, a pregação midiática de um modelo econômico exaurido, injusto, predatório, nefasto à maioria pobre e miserável dos brasileiros...
Diante desses novos fatos, apresento-lhes minha convocação para o próximo passo do MSM. Quero propor um encontro dos militantes de São Paulo e do Rio de Janeiro em São Paulo num auditório, para que sejam discutidas todas as questões inerentes ao processo de materialização - inclusive jurídica - do Movimento.
Proponho votarmos uma proposta de estatuto que debateremos aqui nas próximas duas semanas e que será apresentada para votação. Proponho elegermos uma diretoria e a constituição dos diretórios do Rio e de São Paulo. Não será, claro, evidentemente, uma proposta de criação de partido político - jamais! Quero constituir uma organização juridicamente legalizada que pautará suas ações pelo estrito respeito à lei. E sua forma de atuação será discutida de forma a tornar-se a mais ampla possível.
O Movimento dos Sem-Mídia, proponho que, paulatinamente, comece a discutir a qualidade de tudo o que a mídia veicula. Os meios de comunicação podem fazer zilhões de vezes mais pelo país do que fazem. Imaginem se, em lugar de lixos televisivos como o programa do Faustão ou do Gugu Liberato, tivéssemos uma programação educadora e envolvente aos domingos. Imaginem meios de comunicação que promovessem amplos debates político-ideológicos que contemplassem todas as visões sem exponenciar algumas e oprimir outras. Imaginem uma mídia responsável.
Já tenho nomes e telefones de mais de cem pessoas, mas ainda falta muita gente. Vários dos que compareceram à Manifestação ainda não se manifestaram. E cada um desses e dos que nos apóiam e não puderam comparecer à Manifestação, podem se juntar à Assembléia que proponho para o dia 13 de outubro (sábado) num auditório na capital paulista. Convocando o evento com antecedência tão grande, estou certo de que os que não vieram à Manifestação de sábado passado, certamente virão. Minhas filhas Carla e Gabriela irão me ajudar nos preparativos durante minha viagem.
Se todos nos juntarmos num local adequado, com microfones, cadastrando todos os militantes, votando um estatuto, elegendo uma diretoria, nosso Movimento será irreversível. Agora é com vocês. Se me concederem uma vez mais vossa confiança e apoio, garanto que envidarei todos os esforços para que nossos ideais se espalhem, aí sim, para todo o Brasil.

*

Carta publicada hoje (quarta-feira) no Painel do Leitor da Folha de São Paulo:

Manifestação
"Como leitor da Folha, soube que, no sábado passado, houve uma manifestação em frente ao prédio da Folha, manifestação esta que tinha por finalidade cobrar ética e imparcialidade dos meios de comunicação -o que, na minha opinião, deixou de existir faz tempo.

Soube também que os manifestantes entregaram um manifesto à recepção do jornal, mas, quando li a reportagem, não estava claro qual o conteúdo do manifesto -nem havia detalhes sobre a manifestação e seus participantes.
A Redação do jornal não acha que a sociedade tem interesse em saber do que se trata? A Folha, ao ocultar certas informações, não acha que pode estar dando razão a esse movimento?"
EDINALDO GONÇALVES (São Paulo, SP)

*

Creio que deixei dúbio um ponto: o MSM será constituído em todo o Brasil e, desde pronto, os militantes de outros Estados que têm mantido contato conosco já integram o movimento. No caso do Rio, apesar de a Assembléia constitutiva vir a ocorrer em São Paulo, que é onde o Movimento tomou corpo e realizou seu primeiro Ato, será constituído da mesma forma que aqui, até porque a Manifestação mais importante ocorrerá na capital carioca, diante da Globo.

REDUÇÃO DA POBREZA

FHC não combinou com os russos

Quando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulga que mais de 14 milhões de brasileiros deixaram a pobreza para trás,nos últimos quatro anos, no primeiro mandato de Lula, o desconcerto nas hostes conservadoras é flagrante. Previsões de FHC, feitas em 2004, reatualizam famosa frase de Garrincha. A análise é de Gilson Caroni Filho.

Há três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso prefaciava o livro “Reformas no Brasil: Balanço e agenda", coordenado pelos economistas Fábio Giambiagi e José Guilherme Reis. Em seu texto, FHC tratava de dois temas caros ao debate econômico: a escassez de recursos para os programas sociais e a falta de crescimento, com o conseqüente aumento do desemprego.

Com a ironia habitual, que tanto encanta editores e o senso comum da classe média, também chamado pela mídia de "opinião pública", o presidente alfinetava o governo Lula: “o que parece que os governos não podem fazer hoje é o que mais desejam e mais prometem: maiores taxas de crescimento e mais emprego. Este é o calvário dos governantes dos países em desenvolvimento, quando encontram pela frente crises financeiras e seus países estão integrando-se ao mundo globalizado".

Estávamos em 2004. Fazia sucesso nos salões de uma certa esquerda, e seu conhecido repertório arrivista, afirmar que o núcleo duro do PT manteve o método de governabilidade incorporando o receituário neoliberal do tucanato. Era comum ouvir que o petismo havia trocando um projeto de país por outro de poder, inviabilizando qualquer alteração na dinâmica institucional. Do realismo político ao pragmatismo fisiológico a distância parecia menor do que imaginavam seus mentores. Deleitavam-se colunistas, cientistas políticos (notórios por suas avaliações de encomenda) e editores de economia. O fracasso econômico do governo Lula parecia favas contadas. O retorno da direita era uma questão de tempo.

Para efeitos de relevância explanatória, ficava combinado assim: no rastro dos juros paloccianos, o campo democrático-popular deu um cavalo-de-pau na sua própria história. Na oposição, o PT foi o maior projeto de transformação política do país. No governo, combinou superávit primário e déficit democrático. E isso teria decretado seu fim. Só esqueceram da famosa pergunta de Garrincha, quando o técnico expunha sua estratégia infalível para o jogo da seleção brasileira contra a Rússia, na Copa do Mundo de 1958: “vocês já combinaram com os russos?". No nosso caso, algum direitista deveria ter perguntado: “já combinaram com a história?"

Como destacou Wanderley Guilherme dos Santos, em entrevista a Paulo Henrique Amorim dois aspectos levam a imprensa e seus sócios conservadores ao desespero: “O primeiro é o fato de o governo Lula ser uma experiência inédita no Brasil. É realmente um governo cuja composição de classe, cuja composição social é diferente de todos os governos até agora. Isso não foi, e dificilmente, será bem digerido. Agora, em acréscimo a isso é que, ao contrário do que se teria esperado, ou gostariam que acontecesse, este é um governo que, até agora, tem se mantido fiel à sua orientação original, independentemente das discussões internas do grupo do PT. A verdade é que as políticas públicas tem prioridades óbvias, que são as classes subalternas. Isso é algo que irrita e, conseqüentemente, faz com que aumente a disposição da imprensa para acentuar tudo aquilo que venha a dificultar e comprometer o desempenho do governo."

Quando a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulga que mais de 14 milhões de brasileiros deixaram a pobreza para trás,nos últimos quatro anos, no primeiro mandato de Lula, o desconcerto nas hostes conservadoras é flagrante. Com investimentos pesados em programas sociais, aumento do salário mínimo e estímulos à poupança interna, a redução da miséria bateu recordes no ano passado:15% dos pobres superaram a linha da pobreza. Um verdadeiro acinte aos rezam o credo do monetarismo neoliberal.

Não bastasse isso, o Instituto de Pesquisa Econômica aplicada(IPEA) elevou a expectativa de crescimento do PIB deste ano para 4,5%. À oposição parece nada restar que não seja a sabotagem econômica, ameaçando não prorrogar instrumentos indispensáveis à gestão fiscal.

Segundo Fábio Giambiagi, o mesmo economista do IPEA que teve seu livro prefaciado por FHC, constata-se um dinamismo na economia no que se refere aos indicadores de consumo e investimento. Talvez seja a hora de o “príncipe" voltar a pedir que esqueçam o que ele escreveu. Para tanto, conta com uma imprensa sempre disposta a tirar de foco a agenda positiva do governo. Jamais deixá-la chegar à primeira página. Quem sabe uma nova representação contra Renan Calheiros não ajude? É hora de conversar com os russos.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.
Pobre Pizza! Pobre Assassina!



Florence Carboni

Também nas línguas há injustiça. As palavras são como os seres humanos: nem todas têm os mesmos direitos e deveres. Algumas morrem e são esquecidas; outras sobrevivem, por séculos, na sua sonoridade e significado, intactas ou no corpo de outras palavras. Ao lado dos vocábulos conhecidos e usados apenas pelos membros de uma família, há os que, com algumas variações fonéticas e gráficas, pertencem a quase toda a humanidade, como os italianismos espresso, pizza, spaghetti, allegro, mafia.

Parece até que as línguas e suas palavras possuem vida autônoma quanto aos falantes. Alguns seres humanos temem até mesmo usar certos termos, pois ao pronunciá-los poderiam materializar a realidade que nomeiam – é o caso de demônio, morte, câncer. Muitos vocábulos têm um forte poder performativo: em determinadas situações, dizer é fazer. Assim funcionam a injúria, o agradecimento, as palavras de amor.

São os seres humanos que criam as palavras. Ao interagir entre eles e com a natureza, na sua compreensão do mundo social e natural, nas suas criações estéticas, inventam palavras novas e reutilizam as existentes, mudando ou não seus aspectos fônicos e significados. A sorte de certas palavras depende de como os setores sociais que as forjaram intervêm nas dinâmicas sociais, produtivas e ideológicas.

Palavras ricas e pobres

No Brasil, palavras usadas pelas comunidades nativas se corromperam na língua dos colonizadores: de habitação coletiva, a maloca se transformou em barraca ou bordel; a china, mulher indígena, adquiriu o sentido de "mulher fácil", "meretriz". Ao se alterar o sentido das palavras, ultrajam-se os grupos sociais que as plasmaram nas suas práticas quotidianas, a partir de suas visões de mundo.

A evolução das línguas implica a transformação espontânea e, portanto, involuntária do léxico, no aspecto fônico e no sentido, a ponto de parecer não haver mais rastro da palavra original. Não raro, o motor da transformação léxico-semântica é a vontade de grupos sociais de dominar e manipular outros.

Há palavras que, ao se internacionalizarem e circularem em todas as bocas, ampliam tanto o seu quadro de referência que pouco têm a ver com a realidade que as produziu. Não raro, são nomes de produtos que, vendidos mundialmente, constituem fonte segura de lucros. Do mundo da moda ao das artes, dos alimentos às armas, desde o nascimento do protocapitalismo, um número crescente de bens circula em nível planetário com suas respectivas denominações – café, violino, baioneta, risoto etc.

No mondo dos alimentos, os referentes das palavras se conservam melhor quando se trata de bens de setores sociais com meios para “protegê-los”. Ninguém pode vender um vinho qualquer e chamá-lo Champagne ou Barolo. Ou comercializar um Camembert ou um Parmigiano sem que as denominações se refiram a queijos produzidos em zonas geográficas específicas, com métodos particulares e rígido controle de qualidade. O mesmo não acontece com alimentos nascidos para esfomear as camadas populares e que, sucessos históricos, com os fluxos migratórios, espalham e se tornam famosos no mundo.

Pão, azeite, queijo, tomate e cultura

A palavra pizza é um bom exemplo desse fenômeno, já que tem como referente uma experiência histórica e práticas culturais muito precisas. Segundo os especialistas, a cadeia sonora pizza poderia derivar do latim pinsa, do verbo pinsere – "achatar", "aplainar", do turco ou do árabe pita, que significa pão aplainado, ou também do germânico bizzo, "pedaço". É certo que tem a ver com o termo picea, já usado em Nápoles no ano 1000.

Para alguns, é no ano 1000, para outros, em 1600, que esse produto nasceu, em Nápoles, quando bolachas de pão temperadas eram vendidas por ambulantes. As palavras pizza e picea referiam-se sempre a um prato pobre e simples, preparado com ingredientes baratos: a farinha, o sal, a banha e, a seguir, o azeite de oliva, as ervas aromáticas, o queijo e, mais tarde, o tomate.

A seguir, a palavra adquiriu dimensão universal, devido à dispersão de milhões de italianos no mundo e às suas características de comida relativamente fácil de preparar, nutritiva e gostosa. Apesar das inevitáveis transformações que sofreu, sua difusão permitiu que se propagasse também um modo de ser e de fazer próprio das camadas populares urbanizadas das costas da Campânia, ainda ligadas aos produtos da agricultura, do pastoreio e da pesca. Comer uma pizza era e é também viver uma cultura.

A sociedade mercantil apropriou-se da prestigiosa palavra para fabricar e vender em escala industrial, em fast foods e pizzarias, objeto que, ao abandonar os processos e os ingredientes tradicionais, para produzir lucro fácil, não constitui mais o mesmo produto. Pode apenas abusivamente ser denominado de pizza.

A multiplicação das pizzas

Em cidade do norte do Rio Grande, segui o conselho de duas colegas lingüistas e me aventurei em pizzaria inaugurada havia semanas, ao estilo rodízio, usado por churrascarias que oferecem variados tipos de carnes. O aspecto acolhedor e o pequeno grupo de pessoas que, com uma senha à mão, aguardava uma mesa, era augúrio favorável. Não desanimei sequer com o plástico do copo de cachaça – a excelente aguardente brasileira –, com a qual os clientes aliviavam a espera.

Apenas me sentei, um garçom assaltou-me com uma pizza com corações de galinha. Gosto de corações de galinha, no churrasco. Mas na pizza, não dá! Resolvi esperar a próxima rodada: pizza com strogonoff e batata palha, seguida por pizzas ao milho, ervilhas, brócolis e catupiry, à portuguesa, à mexicana etc. Minhas esperanças renasceram com o anúncio de uma conhecida: pizza “ao peperoni”. Não havia, porém, pimentões na pizza. O nome se devia à presença de salame picante, pois, segundo o garçom, paperoni seria "picante", em italiano!

Após tantos outros sabores, servidos em ritmo acelerado, em intervalos de minutos, que apenas experimentei, pedi timidamente uma margherita. Sem delongas, chegou ao meu prato uma fatia dessa pizza histórica, que procurei saborear com cuidado: senti sobretudo a massa, com gosto de pão de forma, da qual não emergia o sabor do tomate e da mussarela. Do manjericão, nem notícias! Mas juraram que os ingredientes estavam presentes! Tentei então uma simples pizza marinara, no Brasil chamada de “alho e óleo”, que não consegui comer. Cortado aos pedações, o alho estava cru!

Ao final, um pouco por desespero, um pouco enquanto amante da pizza e da cozinha em geral, mas sobretudo porque não consigo resistir à tentação, abandonei-me às pizzas doces: aos morangos, chocolates, doces de leite, sorvetes... nenhuma me desagradou. Aliás, gostei de todas. Mas não eram pizzas! Algumas até eram preparadas com um disco de pão de ló!!!

A fábrica das pizzas

Nessa aventura gastronômica, impressionou-me também a visita à cozinha e a rápida conversa com a montadora chefe, isto é, a coordenadora do trabalho em série de guarnição das bases de massa pré-cozida. Não se tratava de cozinha, mas de pequena fábrica, que desenfornava por noite centenas desses produtos homogeneizados na sua aparente variedade. Instalações há anos luzes do banco de mármore onde, nas boas pizzarias do mundo e do Brasil, pedaços de massa descansada e fermentada são estendidos, à mão, rolo ou máquina; os discos são cobertos com poucos ingredientes frescos e selecionados e as pizzas são cozidas em fornos à lenha, em alta temperatura, sob os olhos e o nariz do cliente, que pode pré-saborear suas cores e cheiros.

O atual processo de mercantilização abandona a simplicidade e o refinamento do produto artesanal, em favor de mercadoria produzida incessantemente, abusivamente chamada de pizza. E nos rodízios, através da angustiante apresentação ininterrupta de discos de pão com coberturas diversas, consumidos por consumir, engolidos por engolir, tenta-se suprir a falta dos ingredientes e processos tradicionais. O azeite de oliva extravirgem, a mussarela fresca de qualidade, os tomates pelados pouco ácidos, os temperos específicos. A massa deixada descansar longamente para que fique mais leve e digestiva. O cozimento rápido em forno a lenha sob as ordens do pizzaiolo, gestor de todos os momentos do rico concerto.

Muitas vezes nocivos à saúde, esses procedimentos característicos do império do lucro destroem o prazer estético e gastronômico permitido pela produção e consumo da cozinha bem preparada, além de subtrair ao comensal a possibilidade de se aproximar da experiência histórico-cultural na qual os pratos criaram-se. No presente caso, trata-se de rasteira falta de respeito aos pizzaioli que, do Seiscentos aos nossos dias, inventam e aperfeiçoam esse prato popular, garantindo com o trabalho abnegado e anônimo ao vocábulo a fama que merece em escala planetária.

Copiado de:CorreioDaCidadania

Florence Carboni, italiana, é professora no Instituto de Letras da UFRGS. E-mail: fcarboni@via-rs.net

Nessun Dorma



Maria Clara Lucchetti Bingemer

Algo morreu na vida política nacional e nas aspirações éticas do povo brasileiro. E como luto rima com silêncio, não falarei da absolvição do senador alagoano Renan Calheiros. Prefiro escrever sobre Pavarotti. E tampouco ninguém dorme. E que ninguém durma em nenhum quarto frio como o da princesa Turandot, que ele imortalizou com sua voz abençoada. Ninguém dorme velando e espiando as estrelas, sentindo profundamente a ausência do tenor cujo canto – fazendo mais que jus a seu qualificativo de belo, bel canto – calou-se.

A humanidade está mais pobre sem o canto de Pavarotti rompendo todos os silêncios e enchendo ouvidos e corações. O vozeirão que habitava o corpulento tenor foi silenciado pela morte, última inimiga a ser vencida e que o venceu. Já não fará companhia a José Carreras e Plácido Domingo nas Termas de Caracala o fenomenal tenor italiano, que o mundo inteiro conheceu e amou. Já não interpretará os apaixonados personagens de Rodolfo da Boemia, de Armando da Traviata ou do príncipe Calfà de Turandot.

Pavarotti popularizou a ópera, colocando-a ao alcance do grande público, e expropriou-a do exílio em que meia dúzia de eruditos a mantinha confinada. Forma maior da arte, unindo todas as expressões artísticas – o canto, a dança, o teatro –, a ópera chegou às camadas médias da população mundial trazida solicitamente pela mão e a voz do tenor que hoje choramos. Pavarotti é responsável não apenas pelo gênio com que foi dotado pelo Criador, mas por ter colocado esse dom a serviço da humanidade.

Dotado de excepcional voz e de imponente figura, rosto mediterrâneo emoldurado por soberba barba escura e sorriso cativante, foi o tenor capaz de cantar desde o clássico às variedades, passando pelo canto napolitano. Pavarotti não hesitou, desprezando a fúria dos críticos, em formar duetos com parceiros tão improváveis como Sting, Joe Cocker ou Mariah Carey para defender causas humanitárias e catalisar apoio para vítimas de tragédias ao redor do mundo.

No acertado dizer de Bono Vox, da banda U2, um de seus parceiros, Pavarotti não apenas cantava ópera. Era uma ópera ele mesmo. Grande vulcão, que soltava fogo pela garganta e boca, mas ao mesmo tempo derramava amor pela vida em toda a sua complexidade, soube penetrar ouvidos e corações, fazendo sonhar, desejar, viver, amar.

Por isso, que ninguém durma, obedecendo à ordem da princesa Turandot, que se desespera de desejo de ver revelado o mistério do nome de seu amado. Que ninguém durma nesta noite dos tempos em que o mistério do mundo e o segredo do amor não podem mais ser belamente decifrados e degustados pelos agudos e graves de Luciano Pavarotti.

Que ninguém durma e todos vigiem para que a arte de Pavarotti continue viva. Que ninguém durma e a noite passe, as estrelas mergulhem em inevitável crepúsculo, dando lugar aos tímidos ensaios da aurora que começam a iluminar pálidos contornos das formas primordiais. Que ninguém durma porque há que tomar a tocha que Pavarotti deixou pousada no chão e continuar o vôo em busca da arte e da beleza que não morrem e tornam a vida digna de ser vivida.

Que ninguém durma! O genial tenor que, segundo o Papa Bento XVI em telegrama de condolências à família, “honrou o dom divino da música”, agora canta sem ser interrompido ou jamais silenciado. Aquele que o agraciou com a chama do gênio é, para ele, a aurora da vitória sem crepúsculo. O mistério que o príncipe Calfà, apaixonado pela princesa Turandot, tinha lacrado dentro de si, agora se desvenda plenamente perante os olhos ressuscitados de seu imortal intérprete. O brado do final da ária Nessun Dorma, por ele magistralmente interpretada, tornou-se eterno presente: Vinceró! Vencerei!

Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007


Pink Floyd c barret 1970 (RARIDADE)




Para não esquecer da DITADURA MILITAR...


Os corpos de Lamarca (acima) e barreto, exibidos p ela ditadura
1971 - Dia do Lamarca
Após dias de caçada humana no sertão baiano, a repressão encurrala e executa a sangue-frio em Ipupiara o capitão-guerrilheiro Carlos Lamarca. Abatido na mesma ocasião José Campos Barreto, também militante do MR-8.
Eleições na Guatemala são marco histórico para povo Maia



Mateus Alves

Pesquisas de opinião já indicavam que Rigoberta Menchú, fundadora do movimento indígena Winaq e concorrente pela coalizão Encontro por Guatemala (EG), teria um número de votos pouco expressivos na eleição ocorrida no dia 09 de setembro na Guatemala. Seu desempenho modesto nas urnas, com um total de 3,03% dos votos, pouco exprime a importância real de sua participação no processo eleitoral como um marco no avanço da democracia no país centro-americano.

Premiada com o Nobel da Paz em 1992 devido a sua luta pelos direitos humanos e indígenas durante a guerra civil que durou 35 anos, sendo findada apenas em 1996 e deixando um saldo de mortos de mais de 200 mil, Menchú representou nas urnas a faceta esquecida da sociedade guatemalteca: a população maia, que totaliza 40% dos habitantes do país.

Historicamente, a política da Guatemala sempre foi controlada por grupos criollos (euro-descendentes), os mesmos responsáveis pela marginalização dos maias desde os tempos da conquista da América Central pelos espanhóis.

Após a guerra civil, a aparente calmaria pouco agregou a uma efetivação da democracia no país; segundo Menchú, a Guatemala de hoje ainda é "machista, racista e excludente".

Prova disto é a violência registrada no período pré-eleitoral na Guatemala, quando 50 pessoas - entre candidatos e militantes - foram assassinados devido a desavenças políticas. Trata-se de um saldo elevado, mas típico do engatinhamento da democracia na América Latina, onde a força bruta ainda tenta se sobrepor às liberdades políticas.

Não seria exagero classificar a candidatura de Rigoberta Menchú, simbólica tanto por sua ligação com o povo indígena como pelo fato de ser a única mulher entre os concorrentes ao posto presidencial, de heróica. Além de sofrer com a truculência de seus concorrentes - em especial nas regiões interioranas da Guatemala -, seus recursos foram escassos, sendo praticamente auto-financiada. No entanto, transformou-se em um divisor de águas na história política do país, e Menchú deve ganhar força nos próximos anos e se apresentar como uma das principais concorrentes no pleito de 2012.

Com propostas, mas sem projetos

A ida às urnas na Guatemala, cuja população ainda tentava normalizar suas vidas após a recente passagem do furacão Félix, teve como principal debate a violência e a pobreza no país. O escrutínio acabou por determinar a realização de um segundo turno de votações, a ser realizado no dia 04 de novembro e que será disputado pelos candidatos Otto Pérez Molina, do Partido Patriota (PP), e Alvaro Colom, da Unidade Nacional da Esperança (UNE).

Molina, ex-militar, representará a direita guatemalteca no segundo turno. Os 28,37% dos votos válidos que obteve nas urnas através de promessas de controlar a violência no país centro-americano por meio do fortalecimento das forças de segurança do país e pela promessa de trazer de volta o debate sobre a pena de morte foram, principalmente, oriundos da população urbana do país, tradicionalmente mais conservadora.

Já Alvaro Colom, que obteve 23,97% do total dos votos, promete uma reforma nas forças de seguranças e no Judiciário guatemalteco, considerado por ele ineficiente. Seu partido, a UNE, tem como característica a implementação de políticas e ideais de centro-esquerda e a busca do estabelecimento de um Estado de bem-estar social, seguindo a lógica de partidos filiados à Internacional Socialista.

Os eleitores de Colom, principalmente aqueles de classe baixa, são os que mais se preocupam com a miséria na Guatemala, país onde 51% da população vive abaixo da linha pobreza - dados extra-oficiais, inclusive, elevam esses números a 80%.

Apesar de promessas que tocam os problemas fundamentais da Guatemala, os cidadãos do país percebem nos candidatos que chegaram ao segundo turno uma certa falta de projetos adequados para conseguir erradicar a pobreza e a violência.

Segundo Gustavo Estrada, artista plástico e morador da Cidade da Guatemala, "os candidatos parecem viver em um conto de fadas". Para ele, ninguém tem idéia de como combater os problemas sociais do país e suas propostas servem apenas como maneira de angariar mais votos entre a população.

As campanhas de ambos os candidatos que estão no segundo turno excederam o teto de US$ 6 milhões de gastos impostos pelo Tribunal Supremo Eleitoral da Guatemala e foram alvos de denúncias de corrupção e desvio de verbas. Colom, de centro-esquerda, já esteve envolvido em polêmicas desde as eleições anteriores, quando foi acusado de receber dinheiro de campanha ilegalmente.

Para o futuro

Embora ambos os candidatos não correspondam plenamente aos anseios da população pobre e indígena da Guatemala, o resultado das eleições traz um novo ânimo para as classes historicamente exploradas e esquecidas.

A derrota de Menchú é pouco relevante frente ao fato histórico de esta estar concorrendo ao posto maior da nação centro-americana, provando que indígenas não apenas estão lutando por seus direitos de eleger como também o direito de liderar.

Buscando dar continuidade à busca pela democracia no país, o Winaq, movimento criado por Rigoberta Menchú, já anuncia a intenção de se transformar em um partido político e disputar as eleições de 2012 com força ampliada.

"Queremos que a população indígena aumente sua participação na vida política guatemalteca", disse à imprensa Otilia Lux, candidata a um posto legislativo nas eleições e membro do Winaq. Será um novo avanço histórico para o país, que lentamente busca se recuperar das turbulências pós-guerra civil que ainda se mostram presentes no cotidiano de sua sociedade.

Copiado de:CorreioDaCidadania

Apimente seu relacionamento


Preocupações ligadas ao sexo não rodeiam somente a cabeça da ala masculina que passou da meia idade. Depois dos 50, é mais comum surgirem problemas que afetam a qualidade das relações sexuais nas mulheres, também. Eles, eventualmente, enfrentam a disfunção erétil. Já elas, passam pelas transformações hormonais típicas do fim da fertilidade e podem acabar vítimas até mesmo da falta de desejo.
"A diminuição da libido pode ser causada por um conjunto de fatores", afirma a ginecologista da Unifesp, Carolina Carvalho. Na menopausa especificamente, ocorre uma queda gradual nos níveis de testosterona - hormônio responsável pelo desejo sexual. Outro hormônio em baixa nesse período é o estrogênio - responsável pela lubrificação natural da vagina. Sua diminuição faz com que o órgão genital feminino fique ressecado, podendo ocasionar dores durante o ato sexual.
Aliados a essas causas, encontram-se os transtornos psicológicos, muito comuns nessa fase de mudanças físicas e sociais. "Ao perder o poder de reprodução, a mulher tem a sensação de envelhecimento e pode sofrer com a baixa auto-estima", explica a ginecologista da Unifesp.
Muito antes da menopausa Os fatores psicológicos, porém, independem das transformações hormonais da menopausa. Ou seja, uma moça de 20 anos passando por problemas emocionais pode apresentar falta de libido. Opinião compartilhada pela orientadora sexual e autora do livro O lado obscuro e tentador do sexo, Patrícia Espírito Santo. "A esposa sente prazer com o toque do marido porque gosta dele. Há uma série de sentimentos envolvidos que tornam o sexo especial. Se a relação está desgastada, por exemplo, é óbvio que o desejo diminui."
Carolina ainda cita outras causas que podem levar à falta de desejo sexual: "alguns anticoncepcionais a base de hormônios inibem a produção de testosterona no ovário, levando à diminuição da libido em algumas mulheres". Estes casos são comuns em mulheres que usam os hormônios orais há mais de um ano. Mas não há uma regra, exatamente. "Assim como existem mulheres que não sofrem com a falta de desejo sexual durante a menopausa, há mulheres que não sofrem com os efeitos colaterais das pílulas anticoncepcionais", ressalta.
Durante o período de amamentação, a mulher também pode notar certa falta de interesse pelo sexo. Isso porque a prolactina (hormônio responsável pela produção de leite) inibe a atuação da testosterona. A ginecologista explica que é uma espécie de mensagem que o cérebro envia à mamãe recente. Para não ter uma gravidez seguida da outra, o organismo feminino se defende com a falta de desejo sexual.
Antes de resolver o problema, a questão é obter um diagnóstico preciso do que está acontecendo, a partir de exames que verificam as taxas hormonais e de conversas do especialista com a paciente, a fim de desvendar eventuais transtornos psicológicos. Em alguns casos, o tratamento deve ser multidisciplinar, com dosagens de hormônios e acompanhamento terapêutico.
Mas algumas dicas simples podem apimentar o relacionamento. "Comprar uma lingerie nova, se preparar para o sexo imaginando como será a noite, sair para comer fora ou preparar um jantar com muito romantismo são ótimas opções para fugir da rotina e retomar o desejo", aconselha Carolina. Já a orientadora sexual Patrícia lembra que, antes de sentir prazer, a mulher precisa se auto-conhecer e aprender a conversar com o companheiro. "As mulheres ainda têm problemas com a masturbação, mas é um dos principais meios para conhecer a si mesma e saber onde sente prazer", conclui.

A imortalidade da alma


"Conhece-te a ti mesmo e serás imortal"
Alguns séculos antes de Cristo, vivia em Atenas, o grande filósofo Sócrates. A sua filosofia não era uma teoria especulativa, mas a própria vida que ele vivia. Aos setenta e tantos anos foi condenado à morte, embora inocente. Enquanto aguardava no cárcere o dia da execução, seus amigos e discípulos moviam céus e terra para o preservar da morte. O filósofo, porém não moveu um dedo para esse fim; com perfeita tranqüilidade e paz de espírito aguardou o dia em que ia beber o veneno mortífero.
Na véspera da execução, conseguiram seus amigos subornar o carcereiro (desde daquela época já existia essa prática...), que abriu a porta da prisão.
Críton, o mais ardente dos discípulos de Sócrates, entrou na cadeia e disse ao mestre:
- Foge depressa, Sócrates!
- Fugir, por que? - perguntou o preso.
- Ora, não sabes que amanhã te vão matar?
- Matar-me? A mim? Ninguém me pode matar!
- Sim, amanhã terás de beber a taça de cicuta mortal - insistiu Críton.
- Vamos, mestre, foge depressa para escapares à morte!
- Meu caro amigo Críton - respondeu o condenado - que mau filósofo és tu! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim ...
Depois puxando com os dedos a pele da mão, Sócrates perguntou:
- Críton, achas que isto aqui é Sócrates?
E, batendo com o punho no osso do crânio, acrescentou:
- Achas que isto aqui é Sócrates? ... Pois é isto que eles vão matar, este invólucro material; mas não a mim.
"Eu sou a minha alma. Ninguém pode matar Sócrates! "...
E ficou sentado na cadeia aberta, enquanto Críton se retirava, chorando, sem compreender o que ele considerava teimosia ou estranho idealismo do mestre.
No dia seguinte, quando o sentenciado já bebera o veneno mortal e seu corpo ia perdendo aos poucos a sensibilidade, Críton perguntou-lhe, entre soluços:
- Sócrates, onde queres que te enterremos?
Ao que o filósofo, semiconsciente, murmurou:
- Já te disse, amigo, ninguém pode enterrar Sócrates ... Quanto a esse invólucro, enterrai-o onde quiserdes. Não sou eu... Eu sou a minha alma...
E assim expirou esse homem, que tinha descoberto o segredo da Felicidade, que nem a morte lhe pôde roubar.
"Conhecia-se a si mesmo, o seu verdadeiro Eu divino. Eterno imortal..."
Assim somos todos nós seres Imortais, pois somos Alma, Luz, Divinos, Eternos...
Nós só morremos, quando somos simplesmente esquecidos...

Uberto Rhodes
Copiado de:AmigosDoFreud

domingo, 16 de setembro de 2007

O maior roubo do mundo



Mário Maestri


Em 6 de maio de 1997, a batida seca do martelo concluía um dos maiores roubos do século 20. Extremamente rentável, com patrimônio na época de mais de cem bilhões de dólares, a Companhia Vale do Rio Doce era vendida por pouco mais de R$ 3 bilhões, o equivalente ao atual lucro trienal da empresa. Boa parte dos recursos para o assalto foi fornecida pelo BNDES, ou seja, pelo próprio Estado! Apenas em 2006, a Companhia Vale do Rio Doce teve um lucro de doze bilhões de dólares.


Em começos do século 20, capitais mundiais se interessaram pelas riquíssimas reservas minerais brasileiras, que permaneceram inexploradas devido aos enormes investimentos que a extração, transporte, beneficiamento, exportação dos produtos exigiam. Em 1942, durante a II Guerra, o presidente Getúlio Vargas fundou a Companhia Vale do Rio Doce, como desdobramento da criação, no ano anterior, da Companhia Siderúrgica Nacional.


A construção de Companhia Siderúrgica Nacional, a fundação da Vale do Rio Doce, a nacionalização das reservas minerais objetivavam apoiar o processo de industrialização, por capitais privados nacionais, sobretudo do Centro-Sul, voltada ao abastecimento do mercado interno. Com fortes investimentos públicos e o avanço da industrialização, antes mesmo da reorientação geral da produção nacional para o exterior, quando da Ditadura Militar, a Vale do Rio Doce tornou-se a maior empresa no setor da América Latina e a segunda do mundo.


Quando da privatização, já pertenciam ao passado as dificultadas que haviam impedido a apropriação mundial dos minérios brasileiros. A Vale do Rio Doce possuía enormes centros extrativistas através do país, mais de nove mil quilômetros de ferrovias, dez terminais portuários, subsidiárias em outras regiões do planeta, mercados consolidados através de todo o mundo. Os enormes investimentos públicos haviam criado negócio milionário que irrigava regiamente os cofres nacionais.


A vitória da contra-revolução neoliberal nos anos 1980-90 determinou derrota histórica, ainda não superada, do mundo do trabalho. Sob o aplauso da grande mídia e a participação ou o silêncio cúmplice de políticos, intelectuais, formadores de opinião, etc., empreenderam-se através do mundo a destruição de conquistas sociais históricas e o abocanhamento dos bens públicos pelo grande capital privado.


Não foi um azar da sorte que, no Brasil, o saque neoliberal tenha sido orquestrado por Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário de seus colegas criadores da “Teoria da Dependência”, o sociólogo paulista propunha, já nos anos 1970, a felicidade do Brasil através de sua submissão ao capital mundial. Ao contrário do que dizem por aí, o homem fez tim-tim por tim-tim o que sempre escreveu!


De 1º a 9 de setembro deste ano, realizou-se, através do país, plebiscito promovido por organizações sociais e políticas populares, sobre a necessidade da anulação da venda fajuta da Companhia Vale do Rio Doce e restabelecimento da sua propriedade pública. O plebiscito consulta também a população sobre a anulação da “reforma da Previdência”; a interrupção do pagamento da “Dívida Externa e Interna”; o fim do aumento das tarifas públicas, por concessionárias privadas de serviços públicos, etc.


Foi quase total o silêncio da grande imprensa sobre o plebiscito popular. O PT apoiou a iniciativa apenas na ponta do seu bico comprido, não mexendo um dedinho sequer para a maior massificação da iniciativa, que assusta muita gente, além dos controladores da Vale do Rio Doce. A pequena multidão que votou no plebiscito registra mal-estar crescente entra a população nacional. São cidadãos e cidadãs comuns que, após viverem duas décadas sob os resultados amargos das políticas privatistas, gritam sem medo por “mais público, menos privado”, para que esse país conheça condições mais humanas de existência.


* Mário Maestri, 59, historiador, é professor da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net