Desde então, concorrentes como Escala, Europa, Globo, Símbolo e Três tentam encontrar uma alternativa para a entrega de suas publicações que não as deixe dependente concentração do segmento nas mãos da Abril. Entre as soluções estudadas está uma possível parceria com as empresas que prestam serviços de logística para os jornais.
O grupo também analisa o possível interesse de companhias estrangeiras em aportar no mercado nacional. Além disso, não está descartado o estímulo à criação de uma nova distribuidora independente para atender as editoras insatisfeitas.
Caso o negócio seja aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a intenção do Grupo Abril é consolidar as operações da Dinap e da Fernando Chinaglia na Treelog S.A. Logística e Distribuição. Mas o grupo deve manter administração e operações comerciais distintas
Hoje, a Dinap é responsável por cerca de 70% do mercado — e os outros 30% cabem à Chinaglia. A fusão foi anunciada em 11 de outubro, pela revista Imprensa. No mesmo dia, o Grupo Abril, acionista majoritário da Dinap, emitiu um comunicado confirmando a operação.
Tão logo foi anunciada publicamente, a compra da Chinaglia pela Dinap despertou preocupação naqueles que trabalham no mercado editorial. "Essa compra vai matar uma série de editoras que concorrem com a Abril em algum nível — vai eliminar do mercado as pequenas editoras", avalia Renato Rovai, publisher da revista Fórum.
"Não acreditamos que o negócio foi feito para prejudicar alguém. Mesmo assim, a concentração de distribuição em um único grupo é preocupante, pois os outros editores acabam por se tornar reféns e não há pluralidade", afirma Hercílio de Lourenzi, presidente da Editora Escala, que edita cerca de 150 publicações por mês, distribuídas atualmente pela Fernando Chinaglia.
Hoje, as principais revistas semanais – como a Época e a CartaCapital, que disputam mercado com a Veja, da Abril – são distribuídas pela Chinaglia. Com o monopólio da mais poderosa editora de revistas do país no setor de distribuição, o que acontecerá com elas?
Ditadura das bancas
A situação, que tende a piorar, já não é um mar de rosas. Pequenas revistas e jornais – em especial os considerados "de esquerda" – caminham há anos na corda bamba. Para que a Fernando Chinaglia aceitasse distribuir o jornal Brasil de Fato, por exemplo, foram necessárias "articulações políticas" junto ao dono da empresa, lembra o editor do jornal, Nilton Viana. À época, o Brasil de Fato acabara de rescindir o contrato com a São Paulo Distribuição e Logística, distribuidora dos grupos Estado e Folha e que atende alguns poucos clientes.
"Na primeira semana de publicação, o jornal havia esgotado em cidades como Santos e Campinas. Na semana seguinte, a São Paulo Distribuição não mandou o jornal para essas cidades, argumentando que estavam com problemas na região. Aos poucos, percebemos que era um boicote: isso ocorria sistematicamente em todas regiões onde a venda do jornal era boa", diz Viana.
Para Rovai, da Fórum, a justificativa das empresas para não distribuir uma revista "nunca foi política ou editorial: vem travestida de argumentos técnicos". Quando da criação da Fórum, ele procurou a Dinap, que exigiu um reparte mínimo para venda em banca. "A tiragem mínima exigida por eles é proibitiva para revistas que não são de caráter comercial. Eles criam uma linha de corte para quem eles não consideram conveniente distribuir, por motivos comerciais ou político-editoriais".
Ainda segundo o publisher, "a distribuição é uma parte estratégica do negócio, e não há qualquer fiscalização. A Abril vai estabelecer uma ditadura das bancas. Está mais que na hora de o governo estimular a criação de alternativas de mercado".
De acordo com Viana, os primeiros efeitos da fusão entre Dinap e Chinaglia, ainda que difusos, já são perceptíveis. "Por ‘coincidência’, há um mês a Chinaglia começou a colocar uma série de exigências que não existiam antes e que fariam parte da nova gestão, como o cumprimento de metas de vendas, que tendem a inviabilizar o nosso jornal", disse.
Insatisfeitas com a monopolização do mercado de distribuição, as pequenas editoras se organizam para intervir no processo. "Nós vamos nos somar a outras entidades e publicações independentes para discutir formas de garantir que essas publicações consigam disputar espaço nas bancas", afirma Viana.
Lei antitruste
De acordo com a legislação brasileira, fusões que resultem no domínio de 20% ou mais do mercado ou que envolvam empresa cujo faturamento bruto tenha sido equivalente ou superior a 400 milhões de reais no ano anterior devem ser autorizadas pelo Ministério da Justiça.
O Brasil é um dos raros países que adotam o modelo de notificação posterior, ou seja, as empresas têm um prazo de até 15 dias úteis após a formalização do ato de concentração para notificar o órgão antitruste, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O Cade foi notificado no último dia 5 sobre a aquisição da Fernando Chinaglia pela Dinap.
A ocorrência de infrações à ordem econômica será avaliada, no Cade, por um colegiado. Não há prazo-limite para a conclusão do processo – a análise de fusões desse porte chega a se prolongar por até dois anos. Nesse meio tempo, a não ser que seja apresentada uma medida cautelar, as empresas podem concluir a operação.
Se uma medida cautelar for aceita pelo Cade, as empresas devem retornar à situação anterior à fusão. É comum, porém, que em casos de grande visibilidade o colegiado proponha um acordo às empresas, autorizando temporariamente a fusão, com apenas algumas restrições. Mesmo após uma decisão negativa do Cade, as partes podem entrar com uma ação no Judiciário.
Advogados consultados pela reportagem caracterizam a Lei 8.884/94 (que discorre sobre concentrações) como liberal. Na prática, dizem, a lei tende a aprovar fusões que resultam em monopólios, pois ao mesmo tempo que prevê que "dominar mercado relevante de bens ou serviços" constitui infração à ordem econômica, por outro lado admite a concentração se esta atender requisitos como "aumentar a produtividade" ou "melhorar a qualidade de bens ou serviços".
Ação entre amigos
Já que o Cade não conhece em detalhes todos os mercados sobre os quais deve deliberar, costuma ouvir entidades que opinam, durante o processo, sobre o impacto que a fusão terá no mercado.
No caso das distribuidoras, a Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) deve ter um peso significativo. A entidade, que ainda não se manifestou publicamente sobre a fusão, é presidida por um funcionário do Grupo Abril – a única empresa associada a manter três entre os oito membros do conselho consultivo, formado por ex-presidentes.
O Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo dificilmente assumirá uma postura crítica diante da operação. "O sindicato mantém uma ligação forte com o Grupo Abril", afirma o proprietário de uma banca na capital paulista que não quis se identificar.
De todo modo, o Grupo Abril está bem assessorado: seu advogado no caso já foi conselheiro do Cade. Procuradas pela reportagem, Dinap/Grupo Abril e Fernando Chinaglia não quiseram se pronunciar a respeito.
Créditos:Vermelho