
- The Laws Must Change (7.21)
- Saw Milch Gulch Road (4.39)
- I'm Gonna Fight For You J.B. (5.27)
- So Hard To Share (7.03)
- California (9.30)
- Thoughts About Roxanne (8:20)
- Room To Move (5.01)
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
Quilombo dos Palmares: refúgio da liberdade | | | |
Wilson Aparecido Lopes | |
| |
Ao comemorarmos o “Dia Nacional da Consciência Negra" urge salientar a importância deste salutar momento histórico para todo povo brasileiro: a herança de um povo que mesmo tendo sido feito escravo não aceitou passivamente a “canga” da escravidão sobre seu pescoço. Muito tem a nos ensinar o povo afro-descendente, muito temos o que aprender de Zumbi e muito mais ainda tem a nos revelar o Quilombo dos Palmares.
Resgatar a herança dos afro-descendentes é fazer emergir do profundo de nosso ser o sentimento de revolta, de rebeldia e de indignação. É deixar vir à tona a ira-santa frente a “qualquer injustiça provocada contra qualquer ser humano em qualquer lugar do mundo” (Che Guevara). É afirmar com Zumbi: “Não, não deponho as armas, enquanto houver um afro-descendente cativo, nenhum é livre!”.
Falar de Zumbi é falar dos afro-descendentes, falar dos afro-descendentes é falar de Zumbi, é falar do Quilombo dos Palmares. O grito de liberdade de Zumbi ainda hoje ecoa na humanidade. Foi sua ânsia pela liberdade que não lhe permitiu se render aos privilégios de que gozava sob a tutela do Padre Antonio Mello. Foi o amor pelo seu povo que o levou a não considerar justos os bons tratos destinados a ele somente, enquanto sua gente sofria sob o peso da opressão. Zumbi preferiu fugir dos privilégios a se deixar cooptar por eles. Preferiu a luta à resignação.
Foi a luta pela libertação de todo o seu povo que levou Zumbi a recusar em 1678 a oferta do então governador de Pernambuco, Pedro de Almeida, que propunha anistia e liberdade a todos os nascidos no Quilombo dos Palmares. Enquanto Ganga Zumba, então líder de Palmares, concordava com a trégua, Zumbi se colocava contra, por entender que o acordo favorecia a continuidade do regime de escravidão praticado nos engenhos. Foi este sentimento de “ou liberdade para todos ou a luta” que fez de Zumbi, a partir de então, o novo líder do seu povo.
O Quilombo dos Palmares se tornou então uma autêntica comunidade livre onde se criava gado, se plantava mandioca e cana-de-açúcar. O que sobrava da colheita era trocado com a vizinhança por sal, pólvora e armas de fogo. Garantindo assim a proteção do povo contra as inúmeras investidas dos colonizadores. Em pouco tempo, o Quilombo dos Palmares se transformou num verdadeiro “refúgio da liberdade”, acolhendo escravos fugidos, brancos-pobres e indígenas.
Nem mesmo a maior de todas as investidas desferidas pelo mercenário-bandeirante Domingos Jorge Velho, em 1694, conseguiu exterminar o Quilombo dos Palmares completamente. Muitos outros “Quilombos” surgiram. Pois não se pode destruir a memória e a liberdade de um povo. A prova é que, hoje, mais de duzentos municípios em todo o Brasil celebram a memória de Zumbi e a luta de um povo pela sua libertação, considerando este dia “feriado memorável”.
Zumbi continua a ensinar que só a luta nos faz livres e que nenhum líder deve se deixar corromper e cooptar pelos privilégios oferecidos. E que ninguém deve se considerar livre enquanto houver um só cativo. O Quilombo dos Palmares teima em nos deixar como legado o fato de ter sido um “refúgio de liberdade”. Este legado denuncia os mais diversos lugares que outrora nasceram para refugiar à liberdade, lugares que até ontem serviam de esconderijos para os mais “aguerridos lutadores do povo”, e que hoje se tornaram abrigo de uma “elite de privilegiados”, de “ajoelhados” ante os “neocolonizadores”, com seus bons empregos, fartos banquetes e vinhos finos, suas ricas amizades, mas que viraram as costas para a opressão de seu povo. Os afro-descendentes insistem em fazerem ecoar do seu âmago o grito pela libertação, ensinando-nos que nada, nada é mais importante e precioso na vida de um povo do que a sua liberdade.
Zumbi, Quilombo dos Palmares e os Afro-descendentes não nos deixam esquecer que a luta de hoje não é diferente da luta de ontem. Que a escravidão hoje é global. Que os Domingos Jorge Velho de hoje são a Rede Globo e sua cruzada desmoralizadora contra os remanescentes quilombolas, que os colonizadores ainda são os latifundiários e sua ganância ambiciosa pela grilagem de mais terras, e que os “grilhões” e o “pelourinho” de hoje continuam sendo a discriminação e o racismo. Exemplificam isto as recentes declarações de James Watson, descobridor da estrutura molecular do DNA, ao afirmar que testes de QI demonstraram que os africanos são menos inteligentes que os ocidentais.
Quantos ainda devem morrer na luta pela liberdade? Tantos quantos forem necessários para mostrar que: ou a liberdade ou a morte. Enquanto houver quem ouse escravizar um povo haverá sempre quem não tema derramar seu sangue em defesa de sua libertação. Zumbi preferiu perder a vida, mas não a liberdade. Traído por Antônio Soares, um de seus comandantes, Zumbi foi capturado no dia 20 de novembro de 1695. Morto, teve seu corpo esquartejado e sua cabeça exposta em praça pública na cidade de Olinda, Pernambuco. Quase 100 anos depois, outro “revolucionário” teve o mesmo tratamento dispensado pelos “algozes da colonização”. No dia 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado no Largo da Lampadosa, Rio de Janeiro. Sua casa foi arrasada e seus descendentes declarados infames. Seu corpo foi esquartejado, sua cabeça erguida em um poste em Vila Rica e seus restos mortais distribuídos ao longo do Caminho Novo: Cebolas, Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz, antiga Carijós, lugares onde Tiradentes fizera seus discursos revolucionários. A semelhança da morte tanto de Zumbi como de Tiradentes faz destes lugares os nascedouros dos “novos Quilombos dos Palmares”, dos “novos refúgios de liberdade”.
Zumbi dos Palmares, Tiradentes e tantos outros “revolucionários”, “heróis da liberdade”, demonstram que um povo só é povo sendo livre. Por isso, enquanto os afro-descendentes forem discriminados e tratados indignamente, os brancos-pobres oprimidos pela miséria e massacrados pela injustiça e os indígenas tocados de suas terras e tratados como indigentes, Zumbi vive. E com ele a memória de todos os revolucionários. Enquanto a liberdade não for liberdade para os afro-descendentes, para os pobres e para os indígenas outros “Quilombos dos Palmares” surgirão e neles outros “Zumbis” nascerão.
|
Era setembro de 2001 e fui convocado para tomar posse no cargo de Professor de História da rede pública municipal do Rio de Janeiro. Depois de oito anos de formado, mestrado concluído, doutorado em vias de conclusão e passagens meteóricas pela rede pública do município de Teresópolis – RJ e do Estado do Rio de Janeiro, lá estava eu prestes a me tornar professor de uma escola municipal como aquela em que estudei nas primeiras séries do ensino fundamental. Era a concretização de um sonho de realização profissional. Sonho ou pesadelo?
Algumas semanas em sala de aula naquela escola do subúrbio do Rio me fizeram cogitar seriamente de um pedido de exoneração. Aliás, ainda cogito freqüentemente. Se não o fiz até hoje foi por desejo (de ensinar) e necessidade (de trabalhar para sobreviver). Ao perceber que ali – e em cada uma dessas escolas municipais – está montada uma engrenagem cujo objetivo é produzir o fracasso escolar em larga escala, passei a conviver com essa angústia. Afinal, não somos professores em sala de aula, mas sim operadores (ou técnicos do saber, como diria Sartre) de uma cruel engrenagem que produz analfabetos funcionais em massa. Tudo é feito de modo a incutir nos professores um profundo sentimento de impotência diante desse sistema, cuja última e mais eloqüente inovação foi a aprovação automática.
Ao tomar conhecimento de que a revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita – os Civita, sempre tão preocupados com a educação do nosso país, não é mesmo? – encomendou uma pesquisa ao Ibope sobre como os professores vêem a educação pública no país, sinto-me na obrigação de abordar o assunto.
Não pretendo aqui jogar o bebê e a água do banho fora. A pesquisa traz dados muito interessantes. Por exemplo: apenas 21% dos professores estão satisfeitos com a profissão; mas 63% trabalham no que gostam; 53% têm no amor à profissão sua principal motivação; e 63% relatam viver em nível significativo de estresse. Esses são apenas alguns dados colhidos junto a 500 professores entre 25 e 55 anos de idade entrevistados em todo o país, sendo 50% no sudeste.
Suponho que não se tratam de informações surpreendentes. O que irrita e causa indignação é o discurso recorrente que a grande mídia produz a respeito desse quadro desanimador. Não vejo veículo algum enfrentar o tema sem tergiversar. São capazes de tangenciar o núcleo central do problema, como faz o Globo On-line, ao observar que “professor tem apenas 3 minutos por dia para cada aluno na classe”. A repórter explica que as turmas superlotadas e a dupla (não seria tripla?) jornada de trabalho compõem essa curiosa equação.
Mas já estou cansado de ler nas páginas dos grandes jornais e revistas do país as mesmas tentativas esfarrapadas de explicar e solucionar o problema. Bons exemplos disto são os textos que Antônio Ermírio de Moraes e Gilberto Dimenstein publicam regularmente na edição dominical da Folha de S. Paulo. Sempre acusam o professor e afirmam que aumentar os salários dos docentes não vai resolver nada. Ora, até quando vamos aturar tamanho cinismo?
Dimenstein chegou ao ponto de afirmar, há algumas semanas, que existe uma espécie de indústria da licença médica na rede pública estadual de São Paulo. Será que ele já pôs os pés numa escola dessas? Por acaso conversou com seus professores? Compreende que quem vive submetido a estresse constante costuma ter uma crônica baixa imunidade que é porta de entrada para variadas moléstias?
É evidente que depois de décadas de aviltamento temos já uma boa quantidade de professores mal formados e sem nenhum entusiasmo pela educação, assim como apenas aumentar salário de nada resolve. Mas não há como começar a desmontar essa gigantesca engrenagem que fabrica analfabetos funcionais (que em pesadelos me lembram cenas do filme The Wall) sem alterar as condições de trabalho dos professores.
Não acredito que seja possível reverter o quadro caótico em que se encontra a educação no Brasil enquanto não tivermos o professor remunerado de forma digna e satisfatória, de modo que precise trabalhar em uma só escola. É isso: salário bastante para que se torne possível dedicação exclusiva a um só emprego, uma só escola ou instituição de ensino. Assim seria possível esperar que os professores tivessem tempo não só para estudar e planejar suas aulas, como também para o lazer e a família, ao invés de cumprirem longas jornadas de trabalho que por vezes se iniciam às 7 horas da manhã e terminam às 23 horas.
Com salários suficientes para manter suas famílias e dedicando-se exclusivamente ao ensino em uma só escola, aí sim seria razoável cobrar progressivamente maior qualidade no trabalho desenvolvido em sala de aula. Antes de se criar essas condições mínimas e básicas, não há como esperar mudança expressiva no ensino público no país.
E vale lembrar que o resgate do padrão salarial dos mestres precisa começar pelos que alfabetizam e atuam nas séries iniciais do ensino fundamental. Ali são plantadas as bases para o restante do ensino fundamental, médio e superior. Portanto é prioritário resgatar a dignidade desses profissionais em especial, até porque são justamente os que hoje recebem os piores e mais baixos salários.
Passei vinte anos na expectativa de que no dia em que um partido político de esquerda como foi o PT chegasse ao poder, teríamos pelo menos o início desse processo de valorização e resgate do magistério. Entretanto o que se vê é o governo federal empenhado em medir o tamanho da tragédia – vide o Prova Brasil e similares - que é o ensino no país, permanecendo contudo tão inoperante quanto seus antecessores. Daqui a vinte anos pode ser tarde demais...
(*) Denilson Botelho é historiador, professor e autor de A pátria que quisera ter era um mito.
Por Maurício Campos (*)
As edições de domingo de O Globo, para as quais são reservadas as reportagens supostamente mais "profundas" e cuidadosas, são uma fonte inesgotável para o estudo do mau jornalismo e da manipulação informativa. Isso vale para todas as editorias do jornal, com certeza, mas tenho dedicado especial atenção às reportagens sobre segurança e violência, devido à minha militância mais focada na Rede contra a Violência atualmente.
A edição de ontem (18/11) traz dois ótimos exemplos desse lixo jornalístico, ambos com chamadas de capa. A primeira, com a chamada sensacionalista "Medo ronda os sinais" acima de uma foto com três jovens flanelinhas (dois deles identificados como "ex-traficante" e "fugitivo da prisão"), discorre sobre uma suposta organização criminosa que estaria por trás dessa imensa população desempregada que enche as ruas buscando alguma sobrevivência no minúsculo comércio informal nos sinais das ruas e avenidas da cidade, ou contando com alguma compaixão da classe média motorizada.
É uma história antiga, quase uma lenda urbana aqui no Rio: "Cuidado, por trás da criança que te pede dinheiro ou vende bala, tem um grupo de adultos criminosos e exploradores!". Isso nunca foi comprovado realmente por nenhuma pesquisa com população de rua, e quem quiser ter uma imagem mais real dessas pessoas pode, por exemplo, procurar o pessoal da revista Ocas (www.ocas.org.br), que trabalha especificamente com essa realidade. A própria reportagem de O Globo nada mais faz que descrever a tosca economia de mercado das ruas e sua competição, com certeza muito menos criminosa, brutal e mortífera que a competição entre essas máfias que são as empresas de aviação no Brasil, por exemplo. Difícil imaginar maior caos econômico que o que ronda aeroportos e aviões por aqui, mas o Globo reserva as pesadas palavras "desordem urbana" para os precários trabalhadores do asfalto...
Mas o pior de tudo na reportagem é mesmo o indigno trabalho de X9 (delator) que o jornal obrigou aos jornalistas autores da matéria fazer, e que rendeu a foto dedo-duro da capa. Um texto em destaque dá o local de trabalho (certo cruzamento na Tijuca) e até o nome completo de um dos jovens, que inocentemente revelou ao repórter que já foi traficante (outro revelou - não tão inocentemente, pois não deu o nome - que é foragido da prisão). Ora, estes jovens estão se esforçando para buscar uma alternativa de sobrevivência fora do pequeno crime (que, em minha opinião, nem deveria ser motivo de prisão), mas a sórdida montagem da reportagem vai levar a polícia a querer "mostrar serviço" com sua brutalidade habitual, e não me surpreenderia se daqui a alguns dias lermos, nessas mesmas tristes páginas, que alguns desses meninos foram presos (ou mesmos mortos). Isso ajudará a sociedade em alguma coisa? Claro que não, mas os histéricos leitores de O Globo com certeza terão seu mórbido desejo de vingança satisfeitos.
Jornalistas do sistema Globo, desde o caso Tim Lopes, queixam-se de que são mal vistos e não conseguem fazer matérias em favelas. Mas nunca vi eles reclamarem dos sujos trabalhos de X9 que seus patrões os obrigam a fazer, em matérias deprimentes como a "Feira da Droga" do Tim ou essa última na edição de ontem (18/11). Pois bem, enquanto não se insurgirem contra isso, tenham certeza que ficarão cada vez mais indesejados pela população marginalizada. Além das favelas, as ruas e cruzamentos agora também serão terrenos perigosos para vocês, jornalistas globais.
A outra reportagem sem noção é a que traz o enganoso título "Polícia revê estratégia na guerra do Alemão" (tem uma versão resumida dela no Globo Online, aqui http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/11/17/327208373.asp). Fala da suposta invasão do Morro do Adeus por traficantes do Morro do Alemão, e das conseqüentes "mudanças" na ação da polícia (e da Força Nacional de Segurança) no Complexo devido a isso. Ora, o Complexo do Alemão está cercado por forças policiais há mais de seis meses, que freqüentemente fazem suas incursões mortíferas nas favelas dali (oficialmente, 60 mortos até agora), e isso foi até agora apresentado pelo governo como uma estratégia eficaz para "sufocar o tráfico". O Adeus fica à distância de atravessar uma rua (a Estrada do Itararé, cujos acessos à favela - todos - estão teoricamente sob vigilância constante da FNS) do Alemão, então se houve mesmo a tal invasão (coisa que não consegui confirmar por outras fontes mais confiáveis que a polícia e o Globo), isso não indicaria um tremendo fracasso dessa estratégia de cerco e confronto?
Essa é a pergunta que os jornalistas não fizeram (ou, se fizeram, a editoria não deixou publicar) ao comandante do 16o BPM, mas é óbvio que DEVERIA ser a principal pergunta a ser feita, se estivéssemos falando de um jornalismo decente, é claro. Ao invés disso, o jornal publica como "nova estratégia" a mesma coisa de sempre: confronto, blindado (agora um trator...), mais polícia e mais tiros. Com direito à mensagem troglodita do coronel Marcus Jardim (o mesmo que deu uma miniatura do blindado ao relator da ONU e bradou: Viva o caveirão!): "2007 será um ano marcado por três pês: Pan, PAC e pau".
A reportagem nem de leve toca no fato das declarações policiais não explicarem nada nem indicarem nenhuma "revisão de estratégia" de fato, simplesmente a reproduzem. Não poderia haver demonstração maior do servilismo do Globo ao Estado (e, em especial, ao aparato policial): é um porta-voz deles, mesmo quando o que transmitem é o nada, o coisa nenhuma, o vazio, a inexistência de informação.
O sistema de reeleição presidencial se limitações, que o presidente Hugo Chávez quer fazer aprovar no referendo popular daqui a dez dias, vigora na França desde 4 de outubro de 1958 e foi mantido pelo referendo francês de 24 de junho de 2000. O bloco conservador oposicionista-midiático-bushiano, que clama contra a "ditadura" venezuelana, nunca tratou do caso francês.
Por Bernardo Joffily
O bombardeio do bloco contra a Venezuela bolivariana oculta o conteúdo do que será decidido no referendo de 2 de dezembro. Serão 39 emendas à Constituição, com inovações como a jornada de trabalho de seis horas diárias, ou a criminalização do latifúndio e dos monopólios, visando lançar as bases legais do "socialismo do século 21". Porém o coro antichavista só vê a reeleição. E ao tratar do tema falseiam a realidade.
Lula: "É engraçado"...
Coube ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizer que "podem criticar o Chávez por qualquer outra coisa", mas "por falta de democracia na Venezuela não é". Lula lembrou à mídia a quantidade de eleições naquele país – nove nos últimos nove anos, a contar da primeira eleição de Chávez.
Quando Lula se queixou de que "é engraçado" não criticarem os três mandatos da britânica Margareth Thatcher, ou os 16 anos do governo Helmut Kohl na Alemanha, a imprensa retrucou na hora que são regimes parlamentaristas. Porém Lula citou também o presidente François Mitterrand, da França, que não é parlamentarista. E a mídia não se deu ao trabalho de informar aos brasileiros como é o sistema francês.
A honrosa exceção coube ao jornalista franco-espanhol Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique. Entrevistado pela Folha de S.Paulo, durante recente visita ao Brasil, ele comentou, falando da Venezuela: "Ninguém se escandaliza no mundo porque em 2000 o então presidente [francês Jacques] Chirac fez um referendo para mudar a Constituição e permitir que o presidente da República pudesse ser reeleito indefinidamente, pondo fim à limitação a dois mandatos."
Como é na França
Vejamos como evoluiu e como funciona a reeleição à francesa.
A República francesa de 1848, que criou pela primeira vez o cargo de presidente, estabelecia este tinha um mandato de quatro anos e "só é reelegível após um inervalo de quatro anos". O veto à reeleição provocou, três anos mais tarde, o golpe conhecido como Dezoito Brumário de Luís Bonaparte.
A 3ª República, em 1875, estabelece o mandato de sete anos, por eleição indireta, e o direito de reeleição, sem limites. A 4º República só permite uma reeleição. Mas a 5ª República, fundada por Charles de Gaulle em 1958, estabelece a reeleição semidireta (após 1962, direta) e o presidente reelegível indefinidamente. De Gaulle se elege e reelege por este sistema.
Nos mandatos seguintes (Pompidou, d'Estaing, Mitterrand), o tema é fartamente debatido, no governo e na oposição. Discute-se o mandato de cinco ou sete anos, ou outras durações, sem reeleição, com uma reeleição ou sem limites de reeleição. No entanto, o status quo permanece. Mitterrand preside a França por dois mandatos de sete anos (1881-1995), e depois se retira para morrer de câncer na próstata sete meses mais tarde.
Em 24 de setembro de 2000 o então presidente Jacques Chirac submete ao referendo dos franceses uma nova proposta, vigente até hoje: o mandato é reduzido para cinco anos; a eleição permanece direta e com direito de reeleição sem limitações. A consulta tem a aprovação de 73,2%, mas uma forte abstenção, de 69,8% dos eleitores.
O Grande Satã de plantão
A mídia brasileira cobriu burocraticamente o referendo francês de 2000: falou da troca do "setenato" pelo "cinquenato" mas nem tocou no tema da reeleição sem limites. Esta só passou a ser vista como grave ameaça ditatorial quando foi proposta por Hugo Chávez, hoje promovido a Grande Satã de plantão pelo bloco conservador oposicionista-midiático-bushiano (uma pesquisa no Google News-Brasil, nesta quinta-feira, resultou em 3.396 entradas para "Hugo Chávez", contra 1.679 para "George Bush" e 83 para "Osama Bin Laden").
Há nesta obsessão demonizadora um elemento nativo, além do desejo de fazer aquilo que Washington deseja. O noticiário sobre as regras da presidência venezuelana aparece sempre combinado com a onda em torno do hipotético terceiro mandato de Lula. De nada adianta este reafirmar em todos tons que é contra, não aceita, não admite.
O bloco conservador enxergou neste factóide a saída para seus apuros atuais. Com ele, mata dois coelhos de uma cajadada. Mantém o bombardeio contra o presidente bolivariano, que ousa desafiar o imperialismo, pregar o socialismo, e vencer todas as eleições. E ao mesmo tempo hostiliza Lula, numa situação em que o crescimento econômico brasileiro finalmente acelera e as taxas de aprovação popular do governo se recusam a cair.
¿Porqué no te callas?
Não se imagina um chefe de Estado europeu dirigir-se nesses termos publicamente a um colega europeu quaisquer que fossem as razões do primeiro para reagir às considerações do último. Esta frase é reveladora em diferentes níveis.
Boaventura de Sousa Santos
Esta frase, pronunciada pelo Rei de Espanha dirigindo-se ao Presidente Hugo Chávez durante a XVII Cúpula Iberoamericana realizada no Chile, no dia 10 de Novembro, corre o risco de ficar na história das relações internacionais como um símbolo cruelmente revelador das contas por saldar entre as potências ex-colonizadoras e as suas ex-colônias. De fato, não se imagina um chefe de Estado europeu dirigir-se nesses termos publicamente a um colega europeu quaisquer que fossem as razões do primeiro para reagir às considerações do último. Como qualquer frase que intervém no presente a partir de uma história longa e não resolvida, esta frase é reveladora em diferentes níveis.
Ela revela, em primeiro lugar, a dualidade de critérios na avaliação do que é ou não democrático. Está documentado o envolvimento do primeiro-ministro de Espanha de então, José Maria Aznar, no golpe de Estado que em 2002 tentou depor um presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez. Porque, naquela altura, a Espanha presidia à União Européia, esta última não pode sequer clamar total inocência. Para Chávez, Aznar ao atuar desta forma, comportou-se como um fascista. Pode questionar-se a adequação deste epíteto. Mas haverá tanta razão para defender as credenciais democráticas de Aznar, como fez pateticamente Zapatero, sem sequer denunciar o carácter antidemocrático desta ingerência?
Haveria lugar à mesma veemente defesa se o presidente eleito de um país europeu colaborasse num golpe de Estado para depor outro presidente europeu eleito? Mas a dualidade de critérios tem ainda uma outra vertente: a da avaliação dos fatores externos que interferem no desenvolvimento dos países. Num dos primeiros discursos da Cúpula, Zapatero criticou aqueles que invocam fatores externos para encobrir a sua incapacidade de desenvolver os países. Era uma alusão a Chavez e à sua crítica do imperialismo norte-americano.
Pode criticar-se os excessos de linguagem de Chávez, mas não é possível fazer esta afirmação no Chile sem ter presente que ali, há trinta e quatro anos, um presidente democraticamente eleito, Salvador Allende, foi deposto e assassinado por um golpe de Estado orquestrado pela CIA e por Henry Kissinger. Tão pouco é possível fazê-lo sem ter presente que atualmente a CIA tem em curso as mesmas táticas usando o mesmo tipo de organizações da “sociedade civil” para destabilizar a democracia venezuelana.
Tanto Zapatero como o Rei ficaram particularmente agastados pelas críticas às empresas multinacionais espanholas (busca desenfreada de lucros e interferência na vida política dos países), feitas, em diferentes tons, pelos presidentes da Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Argentina. Ou seja, os presidentes legítimos das ex-colônias foram mandados calar mas, de fato, não se calaram. Esta recusa significa que estamos a entrar num novo período histórico, o período pós-colonial, teorizado, entre outros, por José Marti, Gandhi, Franz Fanon e Amilcar Cabral e cujas primicias políticas se devem a grandes lideres africanos como Kwame Nkrumah. Será um período longo e caracterizar-se-á pela afirmação mais vigorosa na vida internacional dos países que se libertaram do colonialismo europeu, assente na recusa das dominações neocoloniais que persistiram para além do fim do colonialismo.
Isto explica porque é que a frase do Rei de Espanha, destinada a isolar Chávez, foi um tiro que saiu pela culatra. Pela mesma razão se explicam os sucessivos fracassos da União Européia para isolar Roberto Mugabe.
Mas “¿porqué no te callas?” é ainda reveladora em outros níveis. Saliento três. Primeiro, a desorientação da esquerda européia, simbolizada pela indignação oca de Zapatero, incapaz de dar qualquer uso credível à palavra “socialismo” e tentando desacreditar aqueles que o fazem. Pode questionar-se o “socialismo do século XXI” - eu próprio tenho reservas e preocupações em relação a alguns desenvolvimentos recentes na Venezuela - mas a esquerda européia deverá ter a humildade para reaprender, com a ajuda das esquerdas latinoamericanas, a pensar em futuros pós-capitalistas.
Segundo, a frase espontânea do Rei de Espanha, seguida do ato insolente de abandonar a sala, mostrou que a monarquia espanhola pertence mais ao passado da Espanha que ao seu futuro. Se, como escreveu o editorialista de El País, o Rei desempenhou o seu papel, é precisamente este papel que mais e mais espanhóis põem em causa, ao advogarem o fim da monarquia, afinal uma herança imposta pelo franquismo. Terceiro, onde estiveram Portugal e o Brasil nesta Cúpula? Ao mandar calar Chávez, o Rei falou em família. O Brasil e Portugal são parte dela?
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
A espiral do jornalismo mazombo
Arnaldo Jabor lamentou: "Pena que não haja um rei português para dar um esculacho na malandragem de Brasília". Ao mandar Chávez se calar, o rei da Espanha fez ressurgir, no Brasil, uma perversão colonialista recalcada. A análise é de Gilson Caroni Filho.
Gilson Caroni Filho - CartaMaior
Alemanha e França passam por grandes movimentos grevistas no setor ferroviário. Além das reivindicações específicas dos trabalhadores, o momento indica um acúmulo de insatisfação social, política e econômica. Mas os governos conservadores, sobretudo o de Sarkozy, na França, decidiram enfrentar a maré, porque sabem o que está em jogo.
BERLIM - Há algo nos trilhos além dos trens de carreira, se me permitem parodiar o Barão de Itararé. Os momentos eleitorais vão confirmando o assente conservador pela Europa afora. Primeiro foram a Polônia e a Suíça, aquela afastando um governo de extrema-direita em favor de um de centro-direita, esta reelegendo um governo de direita com laivos de xenofobia. Depois, mais recentemente, a Dinamarca confirmou seu governo conservador.
Ao mesmo tempo, no espectro à esquerda e nos movimentos de trabalhadores as tintas vão se carregando de tons mais rubros do que o comum nas últimas décadas.
Na Alemanha os ferroviários vêm há mais de um mês fazendo paralisações com datas definidas, elevando a intensidade e a duração das mesmas. Na semana passada os trens de carga e de passageiros, mais os trens que se poderiam chamar de “suburbanos” em muitas cidades, inclusive em Berlim, pararam totalmente. E o movimento continua, agora com ameaças de uma greve por tempo indeterminado.
A malha ferroviária da Alemanha é importantíssima não só para o país como para a Europa inteira. Sem os trens alemães as indústrias belgas e holandesas, além de outras, param completamente. Na Alemanha uma greve prolongada no sistema pode provocar problemas de desabastecimento de tudo, e agora em pleno fim de outono e começo de inverno.
Ao contrário do que se pensa no Brasil, o transporte ferroviário na Europa e, em particular, na Alemanha é muito caro, e, se é extenso e intenso, tem uma certa aura de ineficiência. Os metrôs urbanos e suburbanos não: são caros para o turista, menos caros para o usuário cotidiano (um passe mensal para o metrô de Berlim, urbano e suburbano, custa 70 euros, mais ou menos 170 reais), mas são eficientes.
Esta greve na Alemanha tem motivações salariais imediatas. Dados de pesquisa mostram que, embora longe do que se vê no Brasil, a concentração de renda na Alemanha está aumentando, e trava-se uma batalha infindável em torno do sistema de seguridade social, com os conservadores empilhando propostas de restringi-los passo a passo. Na linha de frente da greve estão os maquinistas e seu sindicato. Mas outras categorias de trabalhadores ferroviários ameaçam também entrar em greve se as eventuais vantagens obtidas pelos maquinistas não lhes forem estendidas.
Na mais recente escaramuça da batalha houve um cisma no governo de coalizão entre democrata-cristãos (conservadores) e social-democratas (menos conservadores), que pode ter conseqüências maiores na organização política do país e da Europa. O vice-primeiro-ministro e ministro do Trabalho, Franz Müntefering, do Partido Social-Democrata (SPD), renunciou a seus cargos há cerca de dez dias. Müntefering pertence a uma geração de políticos da social-democracia que, liderados por Gehrard Schröder, se aproximaram do pensamento conservador da União Democrata-Cristã (CDU), da primeira-ministra Angela Merkel. Introduziram reformas de caráter liberal no corpo da seguridade social e da administração pública alemã.
Respeitado e tido como político sóbrio, Müntefering era o fiel da balança, pelo lado social-democrata, da coalizão que governa a Alemanha desde a vitória apertada do partido de Merkel. Em público, explicou que sua saída se devia a razões pessoais, pois sua esposa está em fase delicada de doença incurável. Entretanto, o cenário político apertou-se consideravelmente para ele, o que pode ter determinado a decisão.
No plano imediato Müntefering viu-se numa posição difícil porque o governo de Merkel decidiu majoritariamente não atender a uma das proposições de seus aliados do SPD, qual seja, a de estabelecer um salário mínimo para os trabalhadores dos Correios, outro setor vital da economia alemã. Isso acabou de puxar o tapete sob os pés do ex-ministro do Trabalho, já que seu partido, o SPD, semanas atrás deu uma leve guinada para a esquerda, sob a liderança de Kurt Beck, de quem se diz que pretende disputar as futuras eleições contra Merkel.
Mas deve-se levar em conta também que a greve no setor ferroviário vem mostrando que o chão descortinado pelo SPD para se aproximar da direita conservadora terminou. Pressionado pela esquerda devido à criação do novo partido Die Linke (A Esquerda) e pela direita pela política até agora bem sucedida de Merkel de substituir direitos sociais mais amplos por projetos assistenciais dirigidos (a minorias, mulheres, por exemplo), o SPD de Müntefering está sob a ameaça de, se não de extinção, pelo menos de anorexia. A bola está nos pés de Beck e desta possível guinada um pouco mais à esquerda do SPD, que satisfez a maioria da ampla base sindical, intelectual e outras do partido, e que pode reorientar o cenário político da nação mais rica da Europa.
Na França, onde também se realiza uma greve no setor ferroviário, a situação é mais dramática e mais complexa. A greve seguiu o modelo do “tempo indeterminado”, e tem por motivo central a reforma pretendida pelo governo de Nicolas Sarkozy no setor previdenciário, eliminado as aposentadorias especiais do setor. Sarkozy parece decidido a ser o equivalente ao que foi Margareth Tatcher na Grã-Bretanha, ao final do século passado. Em episódio hoje reconhecido como lapidar, a greve dos mineiros de carvão, a conhecida “dama de ferro” dobrou o sindicalismo inglês numa batalha histórica, da qual aquele até hoje não se recuperou. No Brasil o modelo foi seguido pelo primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso na conhecida greve dos petroleiros logo no albor de seu primeiro mandato.
Sarkozy, que diz não querer recuar de seus projetos de reformas fortemente liberais numa França de cerrada legislação de seguridade social, parece estar determinado a levar o sindicalismo francês a uma espécie de Waterloo (o exemplo vem a calhar), para aplainar seu caminho em direção a uma projetada França “modernizada”. Apesar disso, seu primeiro ministro, François Fillon, fez um chamado à negociação, aceito pelos sindicatos do setor ferroviário. A partir de quarta-feira governo e sindicalistas, mais direções das ferrovias estarão reunidos para negociar.
Ocorre que a greve nas ferrovias – que atinge a França inteira – é apenas a ponta, ainda que gigantesca, do enorme iceberg à frente do governo conservador. Na terça-feira passada trabalhadores de vários setores públicos e outros fizera uma paralisação de solidariedade aos ferroviários, mas também levantando suas causas próprias, que colidem frontalmente com as pretendidas reformas de Sarkozy. Isto se dá num momento em que estudantes do ensino superior ocupam faculdades e universidades pela França inteira, também se opondo ao que consideram como um projeto de privatização do setor pelo governo ainda novo, mas já com determinações de estilo politicamente agressivo.
Para Sarkozy, essa batalha pode ser também seu próprio campo de Waterloo, pois sua popularidade está em baixa, e seu projeto político exige a manutenção de um perfil extremamente pró-ativo e agressivo de política, ainda que ele tenha tentado refinar seu discurso nos últimos momentos. Embora o sistema francês seja parlamentar, o presidente (ao contrário, por exemplo, da Alemanha) tem um papel importante na política cotidiana.
Ninguém fala no governo “do primeiro ministro Fillon”: não, trata-se do “governo de Sarkozy”. Uma derrota para os grevistas, ou mesmo um mero “empate técnico”, em que o governo recue alguns centímetros nas suas proposições, poderiam abrir uma cratera no chão do estilo de ação deste político que quer demonstrar ser um atleta carregado de “fitness” para cumprir o papel de novo corifeu do novo “liberal way of life” que os conservadores pretendem seja a sua “road to happiness”.
Na Alemanha e na França, pois, jogam-se os dados neste momento de um novo desenho da política na Europa Ocidental. Não haverá mudanças dramáticas, é verdade, mas poderão ocorrer inflexões significativas que levem a elas mais tarde, com reflexos decisivos para a América Latina, que detém hoje conspicuamente os governos mais à esquerda em escala mundial.