Impasse entre ricos e pobres ameaça conferência de Bali
Países emergentes, o Brasil entre eles, não aceitam assumir metas obrigatórias de redução das emissões de gases provocadores do aquecimento global. Proposta brasileira de incentivo ao desmatamento evitado gera polêmica. EUA ficam isolados no papel de vilão ambiental.
Maurício Thuswohl - Carta Maior
RIO DE JANEIRO – Ao fim da primeira semana de discussões da 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-13), que reúne representantes de 190 países e se realiza na belíssima ilha de Bali (Indonésia), ainda não é possível fazer previsões sobre o sucesso do encontro de cúpula, que pretende lançar as bases de uma agenda de combate ao aquecimento global a ser adotada a partir de 2012, após o término da vigência do Protocolo de Quioto em seus termos atuais.
O principal nó das negociações multilaterais continua sendo a recusa dos países ditos emergentes _ China, Brasil e Índia à frente _ em assumir metas obrigatórias de redução para suas emissões de gases provocadores do aquecimento da atmosfera. Os ministros e chefes de Estado começam a chegar à Bali na segunda-feira (10) para a segunda e decisiva semana de negociações, e a preocupação geral é evitar um fracasso que impeça a adoção de uma proposta acabada de agenda global já em 2009, como deseja a ONU.
Os países emergentes baseiam sua posição no princípio das “obrigações comuns, porém diferenciadas”, estabelecido no Protocolo de Quioto, que reconhece o maior grau de responsabilidade dos países industrializados pelo aquecimento global e imputa somente a estes a obrigação de assumir metas compulsórias de redução das emissões. Afirmações como “os países ricos emitem gases desde o século XIX e agora não podem exigir que outros países freiem seu desenvolvimento” são comuns nas falas dos diplomatas chineses, indianos e brasileiros, entre outros, presentes à COP-13.
Os países mais industrializados, por sua vez, insistem na tese de que o desmatamento das florestas é um dos principais causadores do aquecimento global na atualidade (responde por 20% das emissões globais, segundo estudos) e exigem que os emergentes também assumam metas concretas e obrigatórias para reduzir suas emissões. Além do desmatamento, os governantes dos países ricos apontam o modelo de desenvolvimento “sujo” (baseado na queima do carvão e do petróleo) que é levado a cabo na China e na Índia e o crescente volume de emissões desses dois países como outro fator que contribui decisivamente para o aquecimento da atmosfera.
Em que pese o impasse diplomático, o secretário-executivo da COP-13, Yvo de Boer, aposta na inclusão do desmatamento florestal como um dos pontos que farão parte do acordo pós-Quioto: “Se não chegarmos a um consenso aqui em Bali, poderemos não conseguir estabelecer uma agenda global em 2008 e, desta forma, comprometer a seqüência do Protocolo de Quioto em 2012”, ameaça. A maneira como a questão do desmatamento vai entrar no novo acordo, no entanto, ainda é fruto de importantes divergências nas rodas de negociação.
Em meio à polêmica, uma proposta apresentada pelo Brasil no ano passado e reafirmada agora ganha destaque na COP-13, apesar de não ter angariado apoios significativos. Embalado pelos três anos consecutivos de redução no desmatamento da Amazônia, o governo brasileiro quer que o desmatamento evitado pelos países que ainda possuem grandes florestas passe a ser levado em conta nos cálculos das metas de combate ao aquecimento global.
Brasil apresenta proposta
O desmatamento evitado, de acordo com a proposta apresentada pelo Brasil, seria remunerado pelos países ricos, que criariam para isso uma espécie de fundo de doações voluntárias a ser gerido pela ONU. No ponto que provocou o maior repúdio entre europeus e norte-americanos, a proposta brasileira estabelece ainda que a redução conseguida pelos países em desenvolvimento não implique em diminuição das metas estabelecidas para os países industrializados.
Além de não contar com a simpatia da União Européia (com a exceção da Alemanha), do Japão, do Canadá e dos Estados Unidos, a proposta do Brasil acabou isolada também por outros países possuidores de extensas florestas, como Filipinas, Gana e a anfitriã Indonésia. Estes governos já manifestaram sua preferência por um modelo de incentivo ao desmatamento evitado, defendido pela maioria dos países ricos, que seja mais ligado ao mercado e transforme a floresta preservada em créditos a serem comprados pelos países poluidores.
A posição do Brasil sobre essa discussão não poderia ser mais clara: “Os países ricos não apóiam nossa proposta porque querem um mecanismo de compensação de suas emissões. Querem créditos porque sabem que não vão conseguir reduzir as emissões. O que estamos vendo aqui é um bando de países tentando colocar a questão florestal na frente da questão da queima de combustíveis fósseis, que é o grande problema do planeta. Eu não posso transformar a mata em crédito e deixar os ricos continuarem queimando combustível. Isso é loucura”, disse a secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Thelma Krug, segundo o jornal O Globo.
Bush vilão, Ruud herói
Outra característica marcante da primeira semana de discussões da COP-13 foi a consolidação do governo de George W. Bush em seu papel de vilão ambiental. Responsável, segundo estimativas feitas pela ONU, por 27% das emissões globais de gases provocadores do efeito estufa, os Estados Unidos se recusam a assumir metas obrigatórias de redução e retiraram sua assinatura do Protocolo de Quioto, mas não deixam de marcar presença nas discussões multilaterais sobre as mudanças climáticas.
A estratégia do governo dos EUA de esvaziar o processo de discussão para a fase pós-Quioto parece não ter acabado. Chefe da delegação do país na COP-13, Harlan Watson anunciou na quinta-feira (6) que o presidente Bush está convidando os chefes de Estado dos 17 países maiores emissores para uma rodada de discussões sobre mudanças climáticas prevista para janeiro do ano que vem em Honolulu, no Havaí. Uma reunião semelhante aconteceu em Washington, em setembro, sem qualquer resultado concreto: “Nossa idéia é acelerar o processo de combate ao aquecimento global e facilitar o compromisso dos países com a redução das emissões”, disse Watson, sem entrar em maiores detalhes.
O papel de vilão do governo Bush está sendo ainda mais realçado em Bali pela mudança radical de postura de um aliado histórico dos EUA nas discussões ambientais multilaterais: a Austrália. Eleito primeiro-ministro australiano em novembro, o trabalhista Kevin Ruud anunciou no primeiro dia da COP-13 que seu país “vai ratificar o Protocolo de Quioto o mais breve possível”. Após o anúncio, Ruud foi aplaudido de pé pelo plenário, tornando-se até agora a principal estrela do evento. Com a adesão da Austrália, os Estados Unidos passam a ser o único país industrializado a continuar de costas para a luta global contra as mudanças climáticas provocadas pelo homem.