Aos vinte anos ninguém se sente integralmente feliz. A plenitude de sua juventude é ofuscada pela ilusão de que os dias do futuro serão mais iluminados, e repletos de conquistas e de sucesso. Na juventude temos todos os sonhos do mundo. E todos estão projetados para os dias do porvir. Só quando chegam os cansaços da velhice, percebemos que só fomos felizes quando estivemos presentes naquilo que vivíamos, sentindo o sabor e a verdade de cada instante, sem nada lamentar ou desejar. Só então, ao acordar do pesadelo de só viver na irrealidade dos sonhos, nos damos conta de que aos vinte anos éramos felizes e não sabíamos.
Ao estendermos a mão para ligar a luz do entendimento, toda escuridão da ignorância se apaga. Então nos damos conta de que nossa ansiedade nos fez viver sempre no futuro, nunca no presente, em que a vida acontece. Desejar, projetar, vivendo em permanente insatisfação e expectativa, passou a ser o vício mortal de quem só vive no passado ou no futuro – jamais no Agora, o único tempo em que a vida pode ser vivida. O medo não seria o pão de pânico de cada dia, se o homem confiasse no homem “como um menino confia em outro menino”. Ou se não fosse nosso hábito insano e trágico de tomar as pessoas de assalto, com nossos desejos bárbaros de posse e de conquista. Poderíamos viver em profunda simplicidade, se não fossemos movidos por tantos desejos vazios, em um querer insaciável de pobres personas de espírito amputado.
“Onde você vai/com tanta pressa/com tanto medo/ com tanto ódio”. Assim diz a letra de uma canção popular, que tem como a doença da pressa, que a tantas trombadas e descaminhos nos leva. Sim, não há como negar: a doença da pressa nos envelhece porque nos amarra ao tempo ilusório da ansiedade inútil. Melhor então é cantar o fulgor do Agora, “enquanto os pássaros cantam, lá fora”. Henry David Thoreau nos deu, com o clássico Walden, lições de como se pode ser feliz, vivendo em profunda simplicidade.
E isto não implica em fazer cursos ou viagens dispendiosas, pois que consiste apenas em renunciar a tudo o que não é essencial à nossa existência. Estranhamente, quem receita para si a paz e a leveza dos simples, passa a viver em abundância – nada lhe falta, uma vez que pode prescindir de trivialidade e superfluidades que só nos entulham de coisas e objetos de que não precisamos; ao pensar que não poderíamos passar sem eles, apenas fomos iludidos por nossos desejos vazios. E assim passamos a viver em silencioso desespero, como os que empenham todas as suas energias em ganhar mais e mais dinheiro, para ter de gastá-lo depois com os profissionais de saúde.
Viver em simplicidade não significa viver em pobreza. A simplicidade é requintada e poderosa, uma vez que as pessoas que adotam este estilo de vida não vivem para a aprovação do olhar dos outros. Fazem o que gostam, e como gostam, sem cultivar falsas necessidades. No mundo inteiro vê-se pessoas deixando no caminho o saco de tijolos do sofrimento inútil, dentro do qual um dos itens que mais pesa é o da doença da pressa. Pressa em chegar primeiro em uma corrida em que o prêmio é a neurose, que antecede as doenças e a morte.
Brasigóis Felício, É goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.