Todos vivemos sob a ameaça constante de nossa própria aniquilação. Parece que buscamos a morte e a destruição tanto como a vida e a felicidade. Estamos como impulsionados a assassinar e a ser assassinados, igual que a viver e deixar viver. Só mediante a mais ultrajante violação de nós mesmos, conseguimos aperfeiçoar nossa capacidade de vida, adaptados a uma civilização dirigida para a sua própria destruição.
Por isso temos tanto medo de viver e de amar como de morrer.
Povos cuja cultura foi alterada para a domesticação e o conformismo por décadas de ocupação, carecem de clareza e consciência de objetivos prioritários, que r lhes permite ver as próprias polaridades, paradoxos não resolvidos e assim, desconfiaremos uns dos outros, sentiremos que nos querem fazer dano e tentaremos fazê-lo.
Enquanto se invistam milhões em congressos e aparelhagem de paz, ou bobagens destrutivas, enquanto não nos valorizarmos, enquanto não apreciarmos o desenvolvimento intelectual, educativo, social para a transformação individual primeiro, coletiva depois e, conseguir tornar-nos pessoas livres seguiremos como estamos cheios de conflitos.
Todas as escolas, universidades devem se comprometer em resgatar o homem marginal, que tanto abunda em suas salas de aula em qualidade de alunos e professores, para levar essa transformação para o mesmo povo.
O homem de hoje, o capitalista de ontem, neoliberal específico como resultado do costumbrismo explorador, com avanços modernos que a ciência descobre segue sendo um marginal. Temos construído os últimos gritos de conforto e comodidade, ficamos à margem, fora sem nos levarmos em conta, assim a existência não tem sentido ao perder a consciência, o contato com nós mesmos.
O fenômeno se manifesta de maneira mais profunda nas grandes cidades, cópias das grandes urbes dos países desenvolvidos. Conglomerados de prédios, escritórios, centros comerciais, avenidas, autopistas, tudo em função da comodidade, rapidez e efetividade procurando o comprador compulsivo para o desperdício e, o homem cada vez mais só, adoecendo, se suicidando, em conflito consigo mesmo, acompanhado das pílulas e a televisão, sempre se guardando, receando a sua permanente falta de fé no ser humano, fundamentalmente em si próprio.
O pobre homem vive em locais luxuosos, com veículos de luxo, muitos com motoristas e empregados tratados com discriminação, roupa importada com nomes alheios, indo a festas com outros pobres homens, onde se anula, se elogia, se critica a vida de todos, sem mais entretenimento que uma viagem de drogas ou álcool, uma sedução furtiva designada no geral à decepção, confirmando mais uma vez sua pouca fé na humanidade. Quando não se sabe viver no presente, o futuro resulta ser sempre uma ameaça trágica. Assim foi no passado, assim poderá ser no futuro.
Dividir para vencer é o slogan imperial em ação desde faz um século ou mais para povos colonizados.
Se você confia lhe traem; se fala, lhe mal interpretam. Você sempre brigará por seus direitos, viver com medo e apreensão será uma constante. A violência, o sadismo, a vingança são parte permanente da vida dessas grandes cidades capitalistas, depósito de todas essas ingratidões e inconsciências que são parte da natureza humana em grandes proporções.
Se você decide deixar de ser marginal, se encontrará com as mais variadas desculpas para impedir-lhe as saídas. As travas da capitalização, por ser pobre, mal vestido, por ser veado, por ter cometido erros, por ser mulher, por estar grávidas, por ser de tal ou qualquer religião, por ser negro, por ser de tal partido, por ser mãe solteira, por ter sido guerrilheiro. É tanta a criatividade demonstrada pelos marginais para impedir que escapassem de tua ignorância mental e desestima. Impedir-lhe o crescimento e desenvolvimento é a estratégia, é quase inútil falar constantemente de paz, amor, prazer; você encontrará a negação do ser. São pequenos os grupos que procuram alternativas, poucos os que forcejam para sair desses novos campos de concentração férteis de mentiras e enganos.
No nosso assim chamado terceiro mundo, de grotesco modelo cultural, imperial, nos impõe que seres entediados existencialmente presos em ser peões carentes de sentido planificam, educam, orientam, fazem leis e se atrevem a corrigir as condutas de outros. Um marginal escravo mental planifica uma cidade sem árvores, uma comunidade sem espaço para correr e desfrutar, não atende as necessidades de outros porque desconhecem as suas próprias. Pendurando nas paredes dos escritórios, diplomas sem vida, com muitos programas ou modelos de exploração para os povos, e muito poucas mudanças para os outros.
No entardecer estes marginais especialistas voltam para suas casas, fecharão a cortina do autêntico, então voltarão a falar mal, esquivos, rancorosos, tomarão suas doses diárias de calmantes, brigarão com a família para lhes lembrar quem manda, levantarão cansados e entrarão sérios no escritório fazendo muito para que nada aconteça.
Este é o programa imposto de inconsciência para o terceiro mundo, onde os organismos de independência lhe dizem o que fazer, como fazê-lo e quando. Os títeres governantes de turno, os partidos políticos, os organismos públicos são ineficazes, porque sua militância, suas bases não são efetivas. As famílias não são efetivas porque seus pais e filhos o são. O sistema é medíocre porque seus componentes são marginais e, assim todos os povos aprendem a não serem efetivos, marginais de seus líderes e dirigências.
Nações, Estados, sociedades marginadas econômica, educativa, cultural, social, ecologicamente excluídas dos valores dos próprios costumes, povos que estão nos próprios países que não estão dentro deles, presos em duas culturas sem pertencer a nenhuma delas.
Escrevo em um sentido geral que direta ou indiretamente abrangem todas as formas possíveis de marginalidade. Ficamos ali no etimológico, estamos à margem e assim permanecemos. Marginalidade que não é necessariamente pobreza ainda que em nosso o seja, historicamente faz dela uma constante forma de vida como posição existencial, multidimensional. É um status de pobreza mental, de negação da própria experiência sul-americana, não consciência, não contato com as necessidades e objetivos nacionais e pessoais.
Versão em português: Tali Feld Gleiser de América Latina Palavra Viva.