Os estragos causados pelo derrame deplásticos tornaram o consumidor um colaboradorde um desastre ambiental de grandes proporções.
André Trigueiro
Os supermercados, farmácias e boa parte do comércio varejista embalamem saquinhos tudo o que passa pela caixa registradora. Não importa o tamanho do produto que se tenha à mão, aguarde a sua vez porque ele será embalado num saquinho plástico. O pior é que isso já foiincorporado na nossa rotina como algo normal,como se o destino de cada produto comprado fosse mesmo um saco plástico.
Outro dia fui comprar lâminas de barbear numa farmácia e me deparei com uma situação curiosa: a caixinha com as lâminas cabiaperfeitamente na minha pochete. Meu plano era levar para casa desta forma prática. Mas num gesto automático, a funcionária registrou a compra e enfiou rapidamente a mísera caixinhanum saco onde caberiam seguramente outras vinte. Pelas razões que explicarei abaixo,recusei gentilmente a embalagem.
Os estragos causados pelo derrame indiscriminado de plásticos na natureza tornaram oconsumidor um colaborador passivo de um desastreambiental de grandes proporções. Feitosde resinas sintéticas originadas do petróleo,esses sacos não são biodegradáveis e levamséculos para se decompor na natureza.
Usando a linguagem dos cientistas, esses saquinhos são feitos de cadeias moleculares inquebráveis, e é impossível definir com precisãoquanto tempo levam para desaparecerno meio natural. No caso das sacolas de supermercado,a matéria-prima é o plástico filme,produzido a partir de uma resina chamadapolietileno de baixa densidade (PEBD).
No Brasil são produzidas 210 mil toneladas anuais de plástico filme, 9,7% de todo o lixo do país. Abandonados em vazadouros, impedem a passagem da água, retardando a decomposição dos materiais biodegradáveis, e dificultam a compactação dos detritos. Quando seguem pelos rios e chegam ao mar provocam a morte de inúmeros peixes e tartarugas,que os confundem com algas.
Essa realidade que tanto preocupa os ambientalistas no Brasil, já justificou mudanças importantes na legislação - e na cultura - de vários países europeus. Na Alemanha, por exemplo, a plasticomania deu lugar à sacolamania (cada um levando sua própria sacola). Quem não anda com sua sacola a tiracolo para levar as compras é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso de sacos plásticos nos supermercados(o equivalente a R$ 0,60 cada).
Na Europa, a guerra contra os sacos plásticos ganhou força em 1991, quando foi aprovadauma lei que obriga os produtores e distribuidoresde embalagens a aceitar de volta e a reciclarseus produtos após o uso. E o que fizeram osempresários? Repassaram imediatamente oscustos para o consumidor. Além de antiecológico,ficou bem mais caro usar sacos plásticos naAlemanha. Na Irlanda, desde 1997 paga-se umimposto de nove centavos de libra irlandesa porcada saco plástico. A criação da taxa fez multiplicaro número de irlandeses indo às comprascom suas próprias sacolas.
Em toda a Grã-Bretanha, a rede de supermercados CO-OP lançou uma campanha original e ecológica: todas as lojas terão seus produtos embalados em sacos plásticos 100% biodegradáveis. Até dezembro deste ano, pelomenos 2/3 de todos os saquinhos usados narede serão feitos de um material que, segundotestes em laboratório, se decompõe 18 mesesdepois de descartado. Com um detalhe interessante:se por acaso não houver contato coma água, o "plástico degradável" se dissolve assimmesmo, porque serve de alimento paramicroorganismos encontrados na natureza.
Não há desculpas para não estarmos igualmente preocupados com a multiplicação indiscriminada de sacos plásticos. O Brasil tem uma das legislações ambientais mais avançadas do planeta(como em tudo, pouco usada e respeitada),mas ainda não acordou para o problema dodescarte de embalagens em geral, e dos sacosplásticos em particular.
A única iniciativa de regulamentar o que acontece de forma aleatória e caótica foi rechaçadapelo Congresso na legislatura passada.O então deputado Emerson Kapaz foi orelator da comissão criada para elaborar a"Política Nacional de Resíduos Sólidos". Entreoutros objetivos, o projeto apresentavapropostas para a destinação inteligente dosresíduos, a redução do volume de lixo no país,e definia regras para que produtores e comerciantesassumissem responsabilidades emrelação aos resíduos que descartam na natureza,assumindo o ônus pela coleta e processamentodesses resíduos.
O projeto não chegou a ser votado. Mais uma omissão dos nossos parlamentares que não pode ser atribuída ao mero esquecimento: há um lobby poderoso no Congresso para esvaziar propostas que atingem setores da indústria e do comércio. É preciso declarar guerra contra a plasticomania e se rebelar contra a ausência de legislação específica para a gestão dos resíduos sólidos. É necessário pressionar os congressistas para que votem esta matéria. Enviar e-mails aos deputados é uma forma de ajudar.
André Trigueiro é jornalista e pós-graduado em meio ambiente.