sábado, 26 de abril de 2008





SAMUEL TITAN JR.


Antes que seja tarde, isto é, antes que vire o ano e uma nova onda de efémerides venha nos forçar a uma nova onda de aplausos, vale a pena reparar num aniversário que foi passando sem maiores comentários. No mínimo, uma grosseria, pois estamos falando dos cem anos de cinco senhoritas sem igual: as Demoiselles d’Avignon que Pablo Picasso terminou de pintar no ateliê do Bateau Lavoir, em Paris, no verão de 1907.

Não é um quadro qualquer, como sabe qualquer manual de história da arte ou guia de viagem a Nova York, onde as moças fixaram domicílio desde 1937. As Demoiselles são uma das obras centrais da pintura moderna e, na verdade, de todo a aventura modernista nas artes. Mas tratar a tela feito (mais) um monumento maciço não ajuda a entender por quê.
Primeiro, porque as Demoiselles são, como dizia o historiador Giulio Carlo Argan, “a primeira ação de ruptura” tanto na carreira de Picasso como “na história da arte moderna”. Mas também porque nem sempre gozaram da fama de agora: se a composição do quadro foi marcada por idas e vindas, a primeira recepção crítica não teve nada de efusiva. Voltar à história do quadro pode ajudar a entendê-lo, até porque sua força visual tem muito a ver com a muita história que ele traz entranhada em si.

Picasso passou o verão de 1906 com Fernande Olivier no lugarejo espanhol de Gósol, um período fertilíssimo em que levou adiante seu interesse pelas artes primitivas (ibérica, africana e oceânica), desenhou uma série de retratos de um ancião local, Josep Fontdevila, misto de camponês e contrabandista, fez estudos de teoria das proporções humanas e realizou uma série em torno a Fernande – bustos e nus dos quais deriva uma tela que contém a semente temática das Demoiselles.

É o Harém, hoje no Museu de Arte de Cleveland: num recinto em tons de ocre e rosa, uma poderosa figura masculina reclina-se contra a parede, segurando um porrón (uma frasco de vinho de formas fálicas) e contemplando um grupo de quatro mulheres que se despem e se oferecem a seu olhar. O gênero “cena de bordel” não tinha nada de novo, e o Harém não é exatamente uma grande obra; mas a tela dá início, nesse âmbito temático, a um diálogo intenso com outros pintores, que chegará ao ápice no ano seguinte: sem falar dos traços difusos dos temas mundanos e tons cromáticos de Toulouse-Lautrec, não há como deixar de notar ecos bem nítidos do Banho turco (1862), a fantasia orientalista de Ingres que Picasso vira no Salão de Outono de 1905, e da recente Alegria de Viver (1905-1906) de Matisse, tela com que Picasso logo travará um verdadeiro duelo.

Em meados de agosto, Picasso e Fernande voltaram a Paris, fugindo da febre tifóide que irrompera em Gósol. O primeiro fruto parisiense dos esboços feitos no lugarejos é a reelaboração do Retrato de Gertrude Stein (Metropolitan Museum, Nova York), que o pintor iniciara no inverno anterior: o busto da escritora (e colecionadora) norte-americana ganha traços maciços e recurvos; o rosto, sobretudo, afasta-se do registro mimético para ganhar contornos de máscara, à maneira das estátuas ibéricas de Osuna e Cerro de los Santos. O mesmo vale para os Dois Nus (MoMA. Nova York), da mesma época, em que Picasso parece reler as Cinco Banhistas (Kunstmuseum, Basiléia) e A Tentação de Santo Antônio (Coleção Bührle, Zurique) de Cézanne; desta última, sobretudo, Picasso toma um motivo: a figura da esquerda que entreabre uma cortina rumo a um cômodo que não se chega a ver.

Pouco depois, os dois veios se reúnem. O esforço de “simplificação”, de “primitivação” da linguagem plástica, que ganha corpo com o contato com as artes da África Negra e do Pacífico Sul das coleções do Museu do Homem (muito embora, mais tarde, tentasse empurrar essa data para o fim do ano seguinte), associa-se ao tema do bordel numa série de esboços que Picasso começa no inverno de 1906-1907 e que o levarão às Demoiselles d’Avignon.

A primeira versão mais coerente, em grafite e pastel – Estudante de Medicina, Marinheiro e Cinco Nus em um Bordel (Kunstmuseum, Basiléia) –, é uma composição horizontal e panorâmica: um grupo de cinco mulheres nuas ao redor de um marinheiro sentado a uma mesa e segurando o quase proverbial porrón de vinho, mais um estudante que abre uma cortina e entra pela esquerda.

Muitos elementos do quadro final já estão aí: as cinco prostitutas, a cortina que se abre, o vaso de flores em primeiro plano, a figura quase atlética mais ao fundo, a mulher de cócoras bem à frente. Mas esta é apenas uma parada provisória em meio a um verdadeiro surto gráfico, que na contagem final tomará dezesseis cadernos de desenho (“Je suis le CAHIER”, escreveu Picasso na capa de um deles).

Há muito de convencional e, portanto, de seguro nessa primeira versão narrativa e alegorizante, que logo sugere um contexto explicativo ao espectador. As cinco mulheres olham para a esquerda, para o estudante que presumivelmente as surpreendeu em meio à lide; este, por sua vez, parece estacar diante da visão que se abre para ele; e o contraste entre as duas figuras masculinas e seus atributos opostos (porrón e livro) logo se deixa ler como cifra alegórica (aliás, sabemos pelos cadernos que o estudante carrega ora um livro, ora um crânio, sugerindo o tema do memento mori).

Picasso trabalha e retrabalha cada uma das figuras no estilo “ibérico” desenvolvido no ano anterior. Faz o mesmo com o conjunto da cena, procurando um efeito de maior unidade compositiva. Nesse processo, por exemplo, as cortinas de fundo vão ganhando relevo e feição cônica, tornando a cena mais fechada e mesmo opressiva – na contramão da Alegria de Viver de Matisse, mas no mesmo rumo da Visão Apocalíptica de El Greco (Metropolitan Museum, Nova York), que Picasso vira pouco antes. Mas o resultado mais notável desse trabalho de compactação é, com certeza, o sumiço progressivo dos dois homens: primeiro, o estudante, substituído pela prostituta da esquerda, que avança para o proscênio e se encarrega de abrir a cortina; depois, o marinheiro. Restam as cinco mulheres – como eram cinco as banhistas de Cézanne.

Não se trata aqui de mera subtração. Excluídas as duas figuras masculinas, as prostitutas já não têm a obrigação narrativa de se dispor ao redor de um e de olhar para o outro. À maneira de um retrato de grupo holandês, como percebeu Leo Steinberg, mas também à moda da fotografia etnográfica, como rematou Carlo Ginzburg, elas agora se dispõem quase em fileira, mostrando-se, exibindo-se frontalmente – e para o espectador.

Em junho de 1907, Picasso toma mais uma decisão crucial ao abandonar a disposição horizontal dos estudos e finalmente começar a pintar sobre uma tela grande, verticalizada e quase quadrada. E é sobre a tela, sem muitas antecipações nos desenhos preparatórios, que vai se produzir a mais espantosa das metamorfoses. Se as figuras da esquerda e do centro mantêm as feições ibéricas que tinham nos cadernos, as duas prostitutas da esquerda ganham traços afro-oceânicos, mais “primitivos”, em ângulos fortes que parecem menos pintados que talhados em madeira – veja-se o fantástico seio quadrangular da demoiselle em pé, à direita, ou a torção violenta de sua companheira acocorada à direita.

Não são rostos, são máscaras. E máscaras de horror, que contrastam violentamente com os traços afinal graciosos das cariátides ibéricas à esquerda. Algo do memento mori da primeira versão permanece nesse contraste ou, melhor, nessa fusão de apelo erótico e ameaça teratológica. Mas isso não se dá mais numa narrativa alegórica a ser decifrada por um espectador douto. Como disse Leo Steinberg, é como se a cena inicial tivesse sofrido uma rotação de 90 graus: agora somos nós, e não o estudante, que deparamos a cena infernal no interior do bordel.

Picasso anula a distância, a mediação entre o espectador e a cena. Um dos responsáveis é certamente o tratamento do espaço, que deixa de ser, como bem notou Argan, um elemento passivo e infinito que harmoniza as figuras: “o fundo se aproxima, engasta-se à força entre as figuras, divide-se em inúmeros planos duros e agudos”. Esse espaço volumétrico projeta as figuras para fora do quadro. E, de modo complementar, um detalhe vem confirmar essa impressão: a mesa redonda dos esboços torna-se uma cunha triangular que penetra, visual e metaforicamente, no espaço das Demoiselles e nos arrasta para seu interior.

*

Foi esse o quadro que os visitantes puderam ver no Bateau Lavoir no verão de 1907. O embaraço foi geral. O grupo mais próximo a Picasso – Max Jacob, Guillaume Apollinaire, André Salmon –, que acompanhara a gênese do quadro e o batizara, para uso próprio, de O Bordel Filosófico (provavelmente vinculando a narrativa alegórica à obra do Marquês de Sade, que Apollinaire andava redescobrindo), não sabe o que dizer. Braque e Matisse, em visitas ao ateliê, ficam consternados diante da violência da tela. Mas cabe ao marchand Daniel-Henry Kahnweiler a sentença que selará a fortuna imediata da obra: o quadro é inacabado, a tela ficou a meio-caminho de uma transição estilística que não chegou a se consumar. Ou que ainda não se consumou: anos mais tarde, num livro influente sobre o cubismo, Kahnweiler dirá que o quadro é um prenúncio da abstração cubista que está por eclodir, mas que já se manifesta nas figuras da direita e, mais que tudo, na fruteira central do quadro de 1907.

O fato é que as Demoiselles praticamente somem pelos trinta anos seguintes. Em 1910, o jornalista norte-americano reproduz o quadro em seu artigo “The Wild Men of Paris” para a revista Architectural Record; longos quinze anos depois, André Breton faz o mesmo na revista La Révolution surréaliste, de circulação mais que restrita. Pior, o quadro foi exposto uma única vez, num salão de quinze dias que Salmon organizou em julho de 1916. O mesmo Salmon batizou-as então como Les Demoiselles d’Avignon, título de que Picasso jamais gostou e cujo sentido permanece equívoco: referência à rua de Barcelona em que Picasso comprava materiais de pintura, na versão mais pudica; menção a um bordel localizado ora na mesma rua, ora na cidade francesa de Avignon, na versão mais apimentada; ou lembrança de uma piada de ateliê que identificava as prostitutas às mulheres do grupo de amigos e as punha sob a tutela imaginária da avó de Max Jacob, que era de Avignon.

A partir de 1921, Breton faz campanha para tirar as moças do estúdio de Picasso, afinal convencendo o colecionador Jacques Doucet a adquirir as Demoiselles. Integrada à coleção em 1924, a tela só pode ser vista com hora marcada. Uma tentativa de doá-la ao Louvre não chega a bom termo; finalmente, em 1937, o quadro é comprado pela Galeria Seligmann, que em seguida o doa ao Museu de Arte Moderna de Nova York.

Só então, aos trinta anos de idade, tem início a celebridade mundial das Demoiselles, celebradas por Alfred Barr Jr., diretor do MoMA, como primeira grande pintura da arte contemporânea. Mas, vale notar, o elogio de Barr se faz nos mesmos termos de Kahnweiler. O quadro, ainda visto como incompleto, vale como arauto da modernidade e da abstração, especialmente em seus veios cubista e nègre, e nessa condição será estampado em inúmeros catálogos e monografias.

Por três décadas, essa será a visão canônica do quadro, desafiada apenas, se esse é o termo, por uma tela de 1948, Três Mulheres, em que De Kooning revisita a tela de Picasso fora do registro da abstração. Mas o golpe mais decisivo contra a interpretação de Kahnweiler e Barr só virá em 1972, por obra de um longo ensaio, “O Bordel Filosófico”, em que Leo Steinberg cumpriu magistralmente a árdua tarefa de mostrar, primeiro, que a pintura não era inacabada e, segundo, que de todo modo não era possível lê-la apenas na chave da abstração.

O ensaio de Steinberg abriu um novo estágio de compreensão das Demoiselles. Sob sua influência, organizou-se em 1988 uma grande exposição no Museu Picasso de Paris, toda ela dedicada ao quadro e à sua gênese. O catálogo ultrapassava as 700 páginas. Exibiram-se as centenas de desenhos e versões preparatórias, bem como as obras de outros artistas com que a tela dialoga, de El Greco a Matisse, do Déjeuner sur l’herbe de Manet às máscaras africanas do Museu do Homem.

*

O ensaio de Steinberg – base de muito do que o leitor acaba de percorrer – mostrou conclusivamente que a tal “incoerência estilística” da composição era um efeito desejado e visado por Picasso nas semanas decisivas de trabalho sobre a própria tela, no verão de 1907. Mas a análise da composição não se esgotava em si mesma, mas servia ainda a uma reinterpretação, agora psicanalítica, das Demoiselles.

Longe de ser apenas um prelúdio à aventura cubista e abstracionista, o quadro de Picasso servia-se desse vocabulário incipiente para quase literalmente descortinar uma vista assombrosa da psique humana e, em especial, da natureza ambígua da vida sexual, a igual distância de Eros e Tânatos. A ambigüidade das senhoritas, femininas e masculinas, graciosas e monstruosas, forçava o espectador a uma visão frontal e nua desse “horror primordial”. A cena clássica de bordel cede lugar a uma imagem letal, que teria suas raízes biográficas no horror de Picasso à doença venérea que o assombrava por então – pelo menos se dermos fé à imaginação de Steinberg.

A solução psicanalítica fez fortuna desde então – com destaque para um artigo influente de 1988, em que o crítico francês Yves-Alain Bois, à luz da exposição de Paris, reformulou a hipótese biográfica de Steinberg em termos mais ousados e universais: as Demoiselles seriam o retorno (visual) do reprimido, na forma de cabeças de Medusa que encenariam a noção freudiana de “terror à castração”, arrancando o espectador de sua posição de segurança óptica e erótica.

Estamos nesse pé instável e interessante, no limiar de mais cem anos para decifrar, se for possível, o segredo das Demoiselles. Se for possível e se for o caso, pois há algo de ligeiramente frustrante no empenho de dar um nome cabal, de interpretar taxativamente o sentido do quadro – passando sempre, vale notar, por certa preponderância que se concede ao elemento monstruoso das senhoritas à direita em prejuízo da graça quase helênica das outras à esquerda. Talvez fosse o caso de dar um passo aquém ou além da interpretação psicanalítica, para recobrar o que Steinberg e Bois nos ajudaram a ver: que, mais do que incorrer em contradições, o quadro as encena e faz delas seu meio de se afirmar como imagem poderosa.

Ou, melhor dizendo, imagem dialética, síntese compositiva de contrários que não se anulam nunca: o “ibérico” e o “africano”, para começar, mas também a figuração e a abstração, primitivismo e cubismo, graça e horror, clássico e moderno. Uma tensão que marca o diálogo (e dialética supõe diálogo) de Picasso com a tradição pictorial, feita de admiração e agressão, citação e paródia; que determina sua recusa a se deixar inserir num tempo, numa escola ou num movimento; e que força seus espectadores a um diálogo também infinito com a obra-prima de 1907. Razão a mais para que vejamos as Demoiselles como anjos ou esfinges tutelares da pintura do século XX. Como disse Michel Leiris, grande amigo de Picasso e autor de A idade viril (1939), a prostituição é “parente próxima da profecia”.


"O budismo tibetano, uma filosofia? Essa é para rir!

por Elisabeth Martens
entrevistada por Benito Perez


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Bióloga de formação, Elisabeth Martens apaixonou-se pela China depois de uma estadia de três anos destinada a aprimorar os seus conhecimentos de medicina tradicional. A aventura conduziu-a de seguida até às "regiões habitadas por tibetanos", onde aprendeu a conhecer uma cultura tão diferente daquela dos Han (a etnia maioritária na China), e, no entanto, ligada ao mosaico chinês (ler abaixo). Das suas investigações sobre o Tecto do Mundo nasceu uma original História do Budismo tibetano publicada o ano passado nas edições L'Harmattan.

Como é que começou por se interessar pelo Tibete?

Elisabeth Martens: Logo na minha primeira estadia em 1990, fiquei surpreendida com as diferenças profundas entre o budismo chinês e o tibetano. Lembro-me que fiquei particularmente admirada com a quantidade fenomenal de representações de deuses e de monstros ferozes, assustadores e guerreiros dentro dos templos. De certa forma, isso assemelha-se aos ícones nas nossas igrejas: homens trespassados, crucificados, cozidos dentro de caldeirões, etc. Não há nada de semelhante no pensamento chinês, e por conseguinte nas artes. O sofrimento e o meio para uma pessoa se livrar dele não está no centro das preocupações porque ele é considerado um oposto complementar ao bem-estar. Essa diferença e outras fizeram-me reflectir: como é que um país gigantesco como a China consegue conciliar cinquenta e cinco nacionalidades que falam cada uma a sua própria língua, sobretudo com a desproporção de Han que compõem 90% da população?

A violência dessas representações, tal como a dos motins das últimas semanas, não se enquadra na imagem pacífica que se tem do budismo tibetano.

Dalai Lama e os outros membros do governo vestem as cores do pacifismo e estão encarregues de manter a imagem de tolerância e de compaixão que convêm ao budismo tibetano, com o intuito de seduzir o Ocidente. Por ocasião dos motins recentes (ler na página 9), quando os actos de violência atingiram um nível de barbárie sem nome, ele distanciou-se. No seio da comunidade tibetana no exílio existe uma cisão: de um lado, os moderados, entre eles Dalai Lama, que não pedem a independência mas uma "autonomia forte". Do outro lado, os radicais, fracção crescente no seio do governo no exílio, que exigem a independência e que estão preparados para pegar em armas se for necessário. Na verdade, essa dualidade é muito útil ao seu padrinho comum, os Estados Unidos: Dalai Lama e os seus seguidores (europeus, sobretudo) servem para reunir os intelectuais ocidentais em torno de temas sobre "democracia", "direitos do homem", enquanto a fracção mais "dura" reúne cada vez mais membros graças a um discurso musculado. Aparentemente, foram estes últimos que lançaram achas à fogueira. Ao provocarem motins de carácter racista, eles obrigaram o governo chinês a responder agressivamente.

Qual é a natureza do budismo tibetano e quais as suas funções social e política?

Com essa, está a pedir-me que reescreva o meu livro! Em resumo, o budismo tibetano surgiu a partir do tantrismo, uma das três grandes escolas ou "veículos" do budismo e, segundo os especialistas em budismo, aquela que mais se afastou do darma (ensinamento original de Buda). Em primeiro lugar, porque se trata da mais recente, em segundo lugar, porque o budismo tibetano tem a particularidade de exercer em simultâneo um poder espiritual e um poder temporal. De facto, o tantrismo desenvolveu-se no Tibete nos séculos X e XI quando comunidades do norte da Índia aí se vieram refugiar, fugindo das investidas muçulmanas. Nessa época, o Tibete estava totalmente desorganizado ao nível político e social. Os refugiados apoderaram-se da região de modo "espontâneo". O tantrismo transformou-se no budismo tibetano a partir do momento em que se adaptou aos costumes e à religião autóctones (o Bön). Pode-se dizer que na época isso foi benéfico, conduzindo o Tibete a um feudalismo organizado. O problema é que esse feudalismo se reforçou durante um milénio junto de um poder religioso extremamente repressivo e conservador. Os mosteiros possuíam mais de 70% das terras, o resto pertencia às famílias nobres. Jamais existiu um poder teocrático tão poderoso e tão rico. Não se compara com o que se passava entre nós na Idade Média, em que os mosteiros só existiam na sombra dos castelos fortificados.

Com o advento da República Popular da China em 1949, foi difícil para o alto clero tibetano renunciar ao poder. Evidentemente, esta antiga elite no exílio não tem a intenção de voltar ao antigo sistema. Ela preconiza um modelo de "mercado livre", com a re-instauração da propriedade privada das terras.

Será o pacifismo suficiente para explicar a existência de um sentimento tão pró Tibete no Ocidente?

O budismo tibetano enfeitou-se com os seus mais belos ornamentos para seduzir um Ocidente "vazio de valores espirituais". Envolvido na onda do "retorno às origens" dos anos de 1970, não foi difícil fazer-se passar pelo darma, apresentado como um "ateísmo espiritual", uma filosofia de vida, uma maneira de ser, uma terapia interior, etc., tudo menos uma religião. Ora, se olharmos um pouco mais de perto, o budismo de Buda já é uma religião no sentido em que propõe uma transcendência, algo para além dos nossos sofrimentos resultantes dos nossos limites físicos e temporais. O budismo tibetano é ainda mais uma religião, uma vez que reintroduziu dogmas, nomeadamente o da reincarnação, contra o qual se insurgiu, aliás, Buda em pessoa. Reposta a sua honra no século XVI, ela permitiu a oficialização da sucessão da herança espiritual, temporal e, sobretudo, material de um Rinpoche (responsável por um mosteiro) para o seguinte. E consequentemente as terras e os bens sobre as terras, incluindo os servos. Isso explica, por exemplo, por que é que houve tantos assassinatos entre os membros do alto clero e tantas guerras entre escolas… o budismo, graças ao seu carácter plástico, sempre se adaptou bem aos ambientes que elegeu para domicílio, no Tibete e actualmente entre nós. É sinal de boa saúde. O que não é nada são é o facto de um Dalai Lama fazer passar o budismo tibetano por uma não religião – uma filosofia – de tolerância e de compaixão destituída de implicações políticas. Isso é mesmo para rir!

O original encontra-se em http://www.lecourrier.ch/index.php?name=NewsPaper&file=article&sid=439090

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Marin Zapata e a Venezuela hoje....

Entrevista com o ex-sacerdote da Universidade de Santa Rosa(Venezuela), Martin Zapata
que fala sobre "a falta de disciplina e constância podem acabar afastando o processo revolucionário". Vídeo com versão em espanhol, feito por APORREA


parte 1



parte 2



parte 3

Como a Arte Fez o Mundo

Embarque numa excitante jornada do tempo por cinco continentes até o coração da criatividade. Mesclando história social, política, ciência, natureza, arqueologia e religião, esta série de reconhecimento internacional desvenda um mistério universal: porque o mundo ao nosso redor parace do jeito que é. Os mistérios do mundo atual são respondidos voltando-se no tempo até o início da civilização através das mais impressionantes criações humanas do mundo.

Uma linha narrativa poderosa nos leva a cada capítulo com interessantes demonstrações científicas, revelando como nossas mentes e as dos nossos antigos ancestrais se relacionam com a arte. Belo, surpreendente, cativante e, acima de tudo, pertinente, com uma ambição visual que o assunto merece, esta aventura inspiradora atrairá não apenas os amantes da arte, mas a todos que já se perguntaram sobre o lugar da humanidade neste mundo.


Programa Um - Mais Humano do que o Humano...
Uma imagem domina nosso mundo contemporâneo acima de todas: o corpo humano. Como A Arte Fez o Mundo viaja do mundo atual da propaganda até os templos da Grécia clássica e às tumbas do Egito antigo para resolver o mistério do porque os humanos se cercam com imagens do corpo que são tão irreais.

Programa Dois - O Dia em que as Imagens Nasceram
A descoberta de pinturas préhistóricas em cavernas no último século levou à chocante constatação de que os humanos têm criado arte nos últimos 30.000 anos. O episódio 2 revela como as primeiras figuras do mundo foram criadas e como as imagens talvez tenham desencadeado as grandes mudanças na história humana.

Programa Três - A Arte da Persuasão
Os artifícios visuais usados por Tony Blair e George Bush para se elegerem e manterem o poder não são criações do mundo moderno, mas de um mundo há milhares de anos atrás. Como a Arte Fez o Mundo volta no tempo até a criação de Stonehenge e ao reino de Alexandre O Grande para revelar como o imaginário se tornou uma arma indispensável no arsenal de todo líder político.

Programa Quatro - Era uma vez....
A cada ano mais de 7 bilhões de pessoas em todo o mundo são atraídas para assistir o último mega sucesso do cinema. Esse episódio revela como os mais poderosos meios narrativos que já foram criados exploram as técnicas inventadas por artistas do mundo antigo.

Programa Cinco - Morrer e Voltar
Hoje no século 21 as pessoas vêem muito menos cadáveres do que em qualquer outra época da história. Entretanto, no mundo moderno parecemos quase obcecados com as imagens da morte. Numa investigação envolvendo a antiga Jericó, os Astecas na América e a clássica Itália, o programa descobre o que é que compele os seres humanos a se cercarem com imagens da morte há milhares de anos.

Gênero: Documentário
Diretor: Robin Dashwood/Mark Hedgecoe/Outros
Duração: 50 minutos
Ano de Lançamento: 2005
País de Origem: EUA/Inglaterra
Idioma do Áudio: Inglês
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: DivX
Vídeo Bitrate: ~800 Kbps
Áudio Codec: mp3
Áudio Bitrate: 128 Kbps
Resolução: 704 x 384
Formato de Tela: Widescreen (16x9)
Frame Rate: 25 FPS
Tamanho: 350 Mb cada parte
Legendas: No torrent
Créditos:Makingoff - xara

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John Coltrane and Milt Jackson - Bags and Trane (1959)

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1. Stairway to the Stars (3:58 )
2. The Late Late Blues (9:35)
3. Bags & Trane (7:23)
4. Three Little Words (7:27)
5. The Night We Called It a Day (4:19)
6. Bebop Gillespie (7:57)
7. Blues Legacy (9:00)
8. Centerpiece (7:05)

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A doença do glúten


Drauzio Varella

Há pessoas que fazem via-sacra pelos consultórios sem que os médicos atinem com o mal que as aflige. Refiro-me às portadoras de doenças mais raras, causadoras de sintomas comuns a muitas patologias, caso típico da doença celíaca, que acomete cerca de 1% das crianças e adultos.

As manifestações variam de acordo com a faixa etária. Nas crianças pequenas: diarréia, distensão abdominal e problemas de desenvolvimento. Vômitos, irritabilidade, falta de apetite e mesmo prisão de ventre podem fazer parte do quadro. Na puberdade e adolescência: anemia, baixa estatura e sintomas neurológicos. Nos adultos, a apresentação clássica é de crises de diarréia, acompanhadas de dor e desconforto abdominal. A diarréia, no entanto, não é o sintoma dominante na metade dos casos. Ao lado dessas manifestações, outras mais silenciosas: anemia por deficiência de ferro, osteoporose, emagrecimento, dermatites, redução dos níveis de cálcio, alterações hepáticas, sintomas neurológicos e prisão de ventre. Para cada caso em homens, existem dois ou três em mulheres.

É uma das poucas doenças auto-imunes em que o agente precipitante é conhecido: o glúten. Glúten é uma proteína existente no trigo, centeio e cevada, digerida com dificuldade na parte alta do trato gastrointestinal. Um de seus componentes, a gliadina, contém a maior parte dos componentes nocivos.

Em pessoas predispostas, moléculas não digeridas de gliadina, em contato com as camadas mais internas da mucosa intestinal, disparam uma reação imunológica no intestino delgado, causadora do processo inflamatório crônico responsável pelos sintomas.

A doença não se desenvolve em quem não seja portador do gene HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, condição necessária, mas não suficiente, para a sua instalação.

A amamentação protege a criança predisposta. A introdução de alimentos ricos em glúten antes dos 4 meses de idade aumenta o risco. Por romper a integridade da mucosa, a ocorrência de infecções intestinais, como aquelas causadas pelos rotavírus, também aumenta o risco na infância.

É óbvio que o primeiro passo para chegar ao diagnóstico é o médico lembrar que a doença existe.

O diagnóstico requer dois procedimentos: a realização de endoscopia, com biópsia do duodeno para identificar a presença do infiltrado inflamatório característico, e a adoção de uma dieta livre de glúten para verificar se há melhora da sintomatologia. Nos casos em que o resultado da biópsia é duvidoso, exames de sangue para detectar anticorpos antigliadina e os alelos HLA-DQ2 e HLA-DQ8 podem ser úteis.

Em parte significativa dos pacientes, a enfermidade é descoberta por acaso, através da realização de endoscopia por suspeita de úlcera duodenal ou refluxo gastroesofágico. Em outros, durante a investigação de deficiências de vitamina B12, ácido fólico, ferro, cálcio e de quadros de anemia e de osteoporose, condições freqüentes na doença celíaca. O tratamento consiste na eliminação definitiva de alimentos que contenham glúten (trigo, cevada e centeio). Essa medida provoca melhora clínica em dias ou semanas, mas as alterações visíveis nas biópsias de delgado podem persistir meses ou anos. É muito importante corrigir as deficiências de vitaminas e sais minerais e avaliar a densidade dos ossos, a presença de anemia e de déficits de crescimento.

A aderência disciplinada a dietas com restrição de glúten não é tarefa simples, porque ele está presente na maioria dos alimentos industrializados. Os que não o contêm são mais caros e difíceis de achar. Países como Holanda, Itália, Inglaterra, Suécia e Finlândia subsidiam sua produção.

Há anos, as associações defensoras dos direitos dos portadores de doença celíaca cobram das autoridades rigor no cumprimento da lei que obriga os fabricantes a estampar no rótulo dos alimentos a presença de glúten. Essa medida, ridiculamente simples, evitaria o sofrimento de milhares de pessoas.

O BRASIL DO SÉCULO 21 E O CAPITALISMO DE EXTORSÃO

Luiz Carlos Azenha

WASHINGTON - Entendo muito pouco de política. Não tenho fontes no Planalto, nem na planície. Não tenho delegados federais de bolso, nem me penduro no skype com parlamentares. Será que existe algum deputado ou senador que saiba o que é o skype? Confesso que não sei exatamente o que move o governo Lula, além de uma política de transferência de renda que está ajudando a enriquecer todos aqueles que o desprezam como um "acidente de percurso" pós-FHC e pré-Serra. Sem transferência de renda não teria havido mercado interno e sem mercado interno estaríamos todos suando frio com a retração dos importadores de matéria prima brasileira.

Acho, por puro achismo, que um governo é um ente vivo, que se debate em contradições internas e se refaz de acordo com a conjuntura, as alianças políticas, os interesses mais mesquinhos de seus integrantes e também os mais nobres. Vai ver que foi por pura coincidência, mas lidei com os seguintes assuntos relativos a Brasília nos últimos dias:

-- o ministro Fernando Haddad foi homenageado na Bahia em um fórum promovido por João Doria Junior, o dândi do Cansei, um encontro para discutir Educação abarrotado de empresários mas, significativamente, short de educadores;

-- o senador Tião Vianna foi o atravessador escolhido para assinar o projeto que acomodou a rotina de centenas de milhares de brasileiros às necessidades das emissoras de TV, num episódio que merecia um Dias Gomes mas passou batido, já que apenas enfatizou o desprezo do Sul Maravilha pelo Norte;

-- o Brasil enfrentou no gogó uma onda de críticas internacionais aos biocombustíveis, sem qualquer tentativa séria de demonstrar que pode produzir alimentos e álcool de cana sem devastar o cerrado, poluir ainda mais os rios e acelerar a destruição da Amazônia. Tudo isso está acontecendo enquanto você lê, mas faz de conta que não acontece, já que não aparece no Jornal Nacional, a não ser quando a Globo precisa extrair mais algum favor governamental, além de controlar o Ministério das Comunicações;

-- o governo federal entregou o monopólio da banda larga às empresas de telefonia e deixou um setor essencial da infra-estrutura do século 21 nas mãos de empresas que, com razão, colocarão seus interesses acima dos da comunidade, já que os representantes eleitos pela comunidade simplesmente abdicaram, ou quase, do dever de representá-la;

-- o governo federal promoveu uma fusão obscura no setor da telefonia, com dinheiro público, à revelia do Congresso e do contribuinte, com o objetivo aparente de promover uma conta de chegada entre interesses diversos e sob a capa da defesa de interesses nacionais.

É óbvio que muitas outras coisas se passaram no Brasil nas últimas semanas, além da morte da Isabella e do sumiço do padre. Fomos devidamente distraídos de outras questões essenciais, como a expansão do deserto verde, dos congestionamentos em São Paulo e da dengue no Rio de Janeiro. Tudo isso sob o olhar complacente, quando não cúmplice, tanto de governos quanto da mídia que se diz guardiã do interesse público e nacional - enquanto busca oportunidades de negócio nas esferas municipal, estadual, federal, continental e universal.

Isso aí no Brasil está com cara de republicanos versus democratas, que discutem o pastor de Barack Obama, a lobista amiga de John McCain e o lapso de memória de Hillary Clinton, enquanto o Tesouro transfere a renda nacional para financiar três guerras - uma em nome de Wall Street e duas outras, menos importantes, no Iraque e no Afeganistão.

Eles aqui estão na fase do capitalismo de estado, enquanto nós ainda não saímos do capitalismo de extorsão.

Pode se esgoelar à vontade nos comentários. Eles vão continuar enriquecendo. Com o seu dinheiro.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Jimi Hendrix

Link: Zicofields
Postagem: Johnny F
Olá Johnny, ripei uma raridade de um LP e transformei em mp3.

Detalhe, a gravação ótima, sem chiados, etc.

Este disco sómente foi gravado em LP, e só lançado no Brasil no ano de 1977- trata-se de uma compilação feita pela EMI de musicas ao vivo em versões que nunca sairam em disco antes.

Desconheço se foi lançado em CD. Nunca vi ou ouvi notícia sobre.

[Coisa rara]

O álbum é HENDRIX-LIVE IN CONCERT.


Culau toma chopp com Lair. Delegado diz
que lobista deu R$ 400 mil para casa de Yeda

Por Marco Aurélio Weissheimer - RS Urgente

A madrugada desta sexta-feira foi marcada por dois acontecimentos explosivos envolvendo as investigações sobre a ação de uma quadrilha no Detran gaúcho. O delegado de polícia Luiz Fernando Tubino afirmou, na CPI do Detran, que tem informações da Operação Rodin dando conta que o lobista tucano Lair Ferst (um dos principais acusados de pertencer à quadrilha) pagou R$ 400 mil da casa comprada pela governadora Yeda Crusius (PSDB) no final de 2006, logo após o segundo turno da campanha eleitoral. Segundo Tubino, a casa foi comprada do consultor Eduardo Laranja, dono da Self Engenharia, empresa que seria uma das maiores devedoras do Banrisul.

Ainda conforme Tubino, a casa em estilo inglês de aproximadamente 700 metros quadrados e com quatro pisos chegou a ser anunciada para venda em jornais por R$ 1,5 milhão. Garantindo ter informações relativas às investigações da Operação Rodin, os R$ 400 mil seriam sobras da campanha eleitoral de Yeda, em 2006. O delegado fez uma série de outras denúncias que, segundo ele, já foram encaminhadas ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público Especial do Tribunal de Contas.

Segundo ele, há duas torres gêmeas que precisam ser derrubadas na política gaúcha. “O Banrisul e o Detran são duas torres que precisam ser investigadas e derrubadas. Isso vai mudar para melhor a vida política do Rio Grande do Sul”, garantiu. Tubino disse que o Ministério Público já tem informações importantes relacionadas às denúncias feitas pelo vice-governador Paulo Feijó (DEM) sobre irregularidades no Banrisul.

O segundo acontecimento foi o encontro inusitado do secretário de Planejamento do governo Yeda, Ariosto Culau, com Lair Ferst, ontem à noite, no Shopping Total. Os dois foram flagrados por repórteres do jornal Zero Hora ”tomando um chopp e comendo um peixe”, como disse Culau. “É um momento difícil. Lair, quero dizer que sou teu amigo e isso significa que quero te apoiar pessoalmente neste momento pessoalmente”, disse o secretário a Lair, segundo relato da jornalista Marciele Brum.

Algumas horas antes, Culau havia participado de uma coletiva com a governadora Yeda Crusius para anunciar as decisões da “força-tarefa” que ele coordenou para “estudar melhorias na gestão do Detran”. “O governo está adotando todas as medidas para garantir a continuidades dos serviços”, declarou o secretário que, horas depois, iria beber um choppinho com um dos acusados de chefiar a quadrilha que atuava no órgão.

Mantida por aparelhos


Luiz Gonzaga Belluzzo

Ao longo do tumultuado período encravado entre a Primeira Guerra Mundial e a vitória dos Aliados em 1945, a fúria e a desordem dos mercados haviam colocado em risco a ordem social e econômica. Esse intervalo histórico foi marcado por instabilidades monetárias e cambiais devastadoras transmitidas por circuitos financeiros internacionais.

As disputas comerciais e as desvalorizações competitivas promoveram a contração do comércio internacional e os países envolvidos tratavam de despejar o desemprego no território do vizinho. Tudo isso em meio à intensificação dos conflitos sociais. A luta política, cada vez mais radicalizada entre a extrema-esquerda e a ultradireita, foi coroada com os espinhos da experiência nazi-fascista. Neste clima cresceu o convencimento de que o capitalismo, entregue à sua própria lógica, era uma ameaça à vida civilizada.

No pós-guerra, para evitar a repetição do desastre era necessário, antes de tudo, constituir uma ordem econômica internacional capaz de alentar o desenvolvimento. Em primeiro lugar, remover os obstáculos à expansão do comércio entre as nações e conceber regras monetárias aptas a garantir a confiança na moeda-reserva e, ao mesmo tempo, impedir o ajustamento deflacionário do balanço de pagamentos. Tratava-se, portanto, de erigir um ambiente econômico internacional destinado a propiciar um amplo raio de manobra para as políticas nacionais de desenvolvimento, industrialização e progresso social.

As novas instituições e as políticas econômicas do Estado Social estavam comprometidas com a manutenção do pleno emprego, com a atenuação, em nome da igualdade, dos danos causados ao indivíduo pela operação sem peias do “mecanismo econômico”. Eric Alliez escreveu que, durante mais de duas décadas, realizou-se a criação de um mundo fundado sobre o direito ao trabalho, que tinha como objetivo o pleno emprego, o crescimento dos salários reais.

Já nos anos 50, tempo de esplendor e glória do ideário keynesiano, o libertarianismo de Friedrich Hayek e, mais tarde, o monetarismo de Milton Friedman desataram a ofensiva contrária “aos inimigos da liberdade econômica”. Não eram ouvidos nem cheirados.

Os libertários saíram da tumba, ressuscitados pelos miasmas da “estagflação” do fim dos anos 60 e início dos 70. A partir de perspectivas teóricas distintas, os espectros do mercadismo passaram a rondar o chamado “consenso keynesiano”.

Para eles, as proezas da “era dourada” revelaram-se um doloroso engano. Engano que fez prosperar o famigerado populismo econômico, uma forma perversa de politização à outrance da economia. Parafraseando Eric Hobsbawm, a recomendação dos conservadores era dar “adeus a tudo aquilo” e, com urgência, empreender as reformas necessárias para restabelecer o funcionamento dos verdadeiros mecanismos econômicos, os únicos aptos a garantir a liberdade do indivíduo e promover a estabilidade e o crescimento a longo prazo.

Na visão liberal-conservadora, os propósitos de proteger o cidadão contra os azares e as incertezas do mercado terminariam por suscitar efeitos contrários aos pretendidos. A despeito das diferenças analíticas e de método, Hayek e Friedman sustentavam que os “anos gloriosos” estavam fadados inexoravelmente ao fracasso em sua insana tentativa de interferir nos movimentos “naturais” dos mercados. As políticas monetárias acomodatícias, combinadas com pactos “corporativistas” entre as classes sociais e grupos de interesses, levariam inevitavelmente ao baixo dinamismo e à inflação crônica e elevada.

Logo depois, os novo-clássicos, escorados na hipótese das expectativas racionais, reforçaram as tropas do reformismo liberal. Expediram uma sentença condenatória ainda mais dura contra a intervenção do Estado, ao proclamar a ineficácia das políticas fiscal e monetária em sua vã pretensão, assim diziam, de limitar a instabilidade cíclica e promover o crescimento da economia.

Os governos logo haveriam de aprender: os agentes racionais que povoam os mercados sabem exatamente qual é a estrutura da economia e, usando a informação disponível, são capazes de antecipar sua evolução provável. Não se deixam enganar, nem por um momento, pelo velho truque de estimular a atividade econômica com os anabolizantes nominais da política monetária leniente. Caso insistam nessa prática, políticos e burocratas voluntaristas, em vez de mais empregos, conseguirão apenas mais inflação, salvo na hipótese improvável de que possam surpreender e tapear permanentemente os sagazes agentes privados, implacavelmente racionais.

No início dos anos 80, a turma da economia da oferta dizia ainda mais: a sobrecarga de impostos sufocava os mais ricos e desestimulava a poupança, o que comprometia o investimento e, portanto, reduzia a oferta de empregos e a renda dos mais pobres.

As práticas neocorporativistas, diziam eles, criavam sérias deformações “microeconômicas” ao promover, deliberadamente, intervenções no sistema de preços, nas taxas de câmbio, nos juros e nas tarifas. Com o objetivo de induzir a expansão de setores escolhidos ou de proteger segmentos empresariais ameaçados pela concorrência, os governos distorciam o sistema de preços e, assim, bloqueavam os mercados em sua nobre e insubstituível função de produzir informações para os agentes econômicos.

Tais violações das regras de ouro dos mercados competitivos culminavam na disseminação da ineficiência e na multiplicação dos grupos “predadores de renda”, que se encastelavam nos espaços criados pela prodigalidade financeira do Estado.

Para acrescentar ofensa à injúria, os mercados de trabalho, castigados pela rigidez nominal dos salários e por regras políticas hostis ao seu bom funcionamento – como a do salário mínimo –, não podem mais exprimir o preço de equilíbrio desse fator de produção, por meio da interação desembaraçada das forças da oferta e da demanda.

Em matéria financeira, a teoria dos “mercados eficientes” pretendia ensinar que todas as informações relevantes sobre os “fundamentais” da economia estão disponíveis em cada momento para todos os participantes dos mercados que avaliam os títulos de dívida e os direitos de propriedade.

A ação racional dos agentes, diante das informações existentes, seria capaz de orientar a melhor distribuição possível dos recursos entre os diferentes ativos. Essa teoria procurava afirmar que, em condições competitivas, não podem existir estratégias “ganhadoras” capazes de propiciar resultados acima da média.

Na última semana, em meio a mais uma hemoptise dos mercados infectados, o consultor Rod Arnott arengava para uma platéia de 200 acadêmicos, gente da área financeira. Perguntou aos ouvintes se acreditavam na Hipótese dos Mercados Eficientes. Ninguém levantou o braço. Em seguida, indagou qual deles utilizava a desditosa hipótese em seus artigos, assumindo que ela seja verdadeira. Quase todos levantaram as mãos.

Nos idos de 1994, Matt Ridley, conhecido zoólogo e economista diletante, autor de vários ensaios científicos, proclamou, em uma de suas inúmeras catilinárias contra o Estado: “A pouco conhecida Nona Lei da Termodinâmica ensina que quanto mais um grupo se apropria do dinheiro do contribuinte, mais ele demanda e mais ele reclama”. Bravo!

Sucessor do pai como presidente do Northern Rock, Ridley foi dispensado da função em outubro de 2007, quando o banco declarou-se insolvente, afogado em empréstimos podres. O governo inglês injetou 16 bilhões de libras nos cofres do Northern e, logo depois, viu-se obrigado a estatizar o falecido.

A revista The Economist rezou o epitáfio do ex-banqueiro Ridley: “Ele seguiu um modelo agressivo de negócios, cruzou os dedos e apostou que a liquidez estaria sempre ali”.

Quando o negócio foi à garra, seu colega de estudos na universidade, o celebrado George Monbiot, não deixou barato: “O libertário foi obrigado a recorrer ao abominável Estado”. Fontes bem informadas atestam que Ridley passou a concentrar suas energias no estudo de animais mais previsíveis do que os enigmáticos mercados superalavancados das “securities” e dos derivativos.

Tal como a Hipótese dos Mercados Eficientes, a ideologia neoliberal estrebucha, alvejada por sua própria fuzilaria. Os tiros ricocheteiam na realidade da finança desregulada. Conservadores e progressistas clamam pela imposição de regras para conter os desvarios dos mercados. As crises financeiras multiplicam-se desde os anos 80. Se a freqüência dos episódios compromete o prestígio dos curandeiros dos mercados desimpedidos, ainda não abalroou o poder dos patrões da finança e de seus aliados nos bancos centrais. É cedo para programar as exéquias do neoliberalismo.

original em: CartaCapital