sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Charlie Parker - Bird's Best Bop on Verve (1995)


1. Passport
2. Bloomdido
3. Leap Frog
4. Relaxing With Lee
5. Au Private
6. She Rote
7. K. C. Blues
8. Star Eyes
9. Blues For Alice
10. Swedish Schnapps
11. The Song Is You
12. Laird Baird
13. Kim
14. Chi Chi
15. Now's The Time
16. Confirmation

Entre a classe não




Waldemar Rossi

Segundo reportagem do Diário de São Paulo de 19/08 (pág. B5), na tarde do sábado (dia 16) foi realizada uma plenária de trabalhadores da Volks do ABC (na sede do Sindicato dos Metalúrgicos) a fim de debater a questão das negociações sobre o valor da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) da empresa. Entretanto, segundo a reportagem, houve a proposta de se aceitar o retorno do "banco de horas" – proposta que já tinha sido rejeitada em assembléia do conjunto dos trabalhadores da empresa.

Diante desse fato, que seria um desrespeito à soberania da referida assembléia, dois operários protestaram. Um deles é membro da Comissão de Fábrica, Ailton Ramos, e oposicionista à direção sindical. O outro é o funcionário Fábio Loredo. O protesto teria dado origem a uma discussão que culminou com a agressão, por membros da Comissão de Fábrica, aos seus dois companheiros de trabalho e de lutas. Os agredidos, feridos, foram submetidos a exames de copo delito e um B.O. foi registrado na Delegacia de Polícias.

"Ailton contou que foi derrubado por outros sindicalistas quando os membros da situação foram questionados sobre a proposta de retorno do banco de horas. ‘Não aceitamos isso porque a prorrogação dessa medida foi rejeitada em assembléia no fim de junho. Agora o sindicato quer recuperá-la para tentar negociar a PLR’".

Enquanto Fábio declarou: "Veio um dirigente e me agrediu. Depois chegaram outras pessoas e passaram a me bater na confusão generalizada".

Alguns aspectos importantes a serem refletidos por todos os trabalhadores brasileiros:

1 – Têm, uma comissão de fábrica e a direção sindical, o direito de desrespeitar uma decisão de assembléia, uma vez que todos os estatutos sindicais garantem que as decisões majoritariamente decididas pelos presentes são soberanas?

2 – É possível se admitir que seja negado a um trabalhador o direito constitucional de livre expressão e da divergência, direito esse garantido a todos os cidadãos em exercício de sua cidadania?

3 – Para se "conquistarem" mais alguns reais no sistema do PLR, é justo que se abra mão do direito de receber corretamente pelas horas trabalhadas, conquistado ao longo de muitos anos de lutas de toda a classe operária?

4 – Esse processo de abrir mão de uma conquista histórica, em troca de algum dinheiro temporário, não tem favorecido estrategicamente as empresas em prejuízo dos trabalhadores? Não foi isso o que aconteceu, por exemplo, com a aceitação da redução do quadro de funcionários da própria Volks, em troca de "estabilidade" dos demais por 2 anos, depois até por tempo menor, e assim progressivamente?

5 - Num sindicalismo democrático, opositores podem ser tratados como inimigos, sujeitos a covardes agressões, para fazer imperar a vontade de uma direção sindical ou mesmo a da Comissão de Fábrica, ainda mais em detrimento de decisões coletivas e soberanas?

Creio que respostas positivas a estas questões devem agradar muitíssimo às empresas, porque atende aos seus objetivos de fazer aumentar o grau da exploração dos seus funcionários e de gerar a divisão entre eles, enquanto vai enfraquecendo o conjunto da classe trabalhadora.

Lamentável tal fato entre trabalhadores de uma empresa que na década de 80 fizeram parte da liderança das lutas operárias no Brasil. Repetiram-se ali deploráveis fatos de agressão de trabalhadores a trabalhadores, como já tinha acontecido em São José dos Campos e em outras partes do país. Tais fatos devem merecer o mais veemente repúdio por parte de todos os movimentos sociais que, por sinal, vêm sendo criminalizados pelos governos de vários estados brasileiros, com anuência do governo federal, pois quem cala consente.

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.



quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O jornalismo medieval de "Veja"


por Conceição Oliveira, no História em Projetos

Esta semana Veja reedita a cruzada iniciada por Kamel em setembro de 2007 contra os autores de livros didáticos de História. Desta vez, a revista símbolo dos neocons tupiniquins inclui em seus processos inquisitoriais travestidos de reportagens os professores de História e Geografia concluindo que são todos uns 'incompetentes', passadistas ultrapassados e maus-caráteres por 'incutir ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos'.

Não há nada de novo na matéria de Veja que Kamel já não tenha feito e seus asseclas dado continuidade em matérias publicadas na Época, Estadão, Folha e afins em 2007.

Na reedição de Veja estão presentes as mesmas estratégias que buscam validar o antiesquerdismo doentio de seus editores neocons travestidas de 'verdades científicas'; 'jornalismo de isenção' e outras inverdades que a grande mídia neoconservadora deseja incutir na mente dos leitores.

Pergunto-me como os professores Romano, Villa e Schwartzman ainda se prestam a falar para Veja. Não está suficientemente claro para esses intelectuais que esta revista símbolo do anti-jornalismo buscará encaixar as opiniões acadêmicas (sempre retirando-as de seus contextos) para legitimar a caçada de Veja contra tudo o que se opõe ao seu projeto 'arremedo de liberalismo'?

Dentre tantas bobagens, repletas de juízos de valor, tão ideologizadas quanto a crítica que Veja pretende fazer a seus opositores, destaco um trecho no qual a revista acusa os professores brasileiros de idolatrarem figuras que, segundo ela, não trouxeram nenhuma contribuição significativa ao país e/ou humanidade:

"Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado."

Como levar a sério uma revista que tem a pretensão de qualificar pejorativamente de 'arcano' um dos pensadores mais significativos do século XX , cujas contribuições para a filosofia da educação são reconhecidas entre seus pares no mundo todo?

Como levar a sério um periódico que obriga seus leitores a escolherem (sob pena de serem taxados de ultrapassados e equivocados) entre um educador e um físico teórico e que, excetuando o que a revista denomina de 'civilização ocidental', não reconhece humanidade no resto do planeta?

Como levar a sério uma revista que sequer se dá ao trabalho de conhecer a vasta produção de Paulo Freire e a reduz a 'um método de doutrinação esquerdista'?

Freire afirma que a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, é feita de dois momentos distintos: o primeiro, 'em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação'. E o pensador complementava que em qualquer um destes momentos, fosse nos trabalhos educativos como parte do processo de organização dos oprimidos ou na educação sistemática como projeto político educacional de uma sociedade revolucionária, 'será sempre a ação profunda, através da qual se enfrentará, culturalmente, a cultura da dominação". (FREIRE, 1968: 44)

Não podemos afirmar que uma revista tão desinformada e capaz de subverter tanto os fatos e valores é um representante genuíno da 'cultura de dominação' da qual falava Freire e diante da qual os educadores comprometidos com a transformação da realidade opressora deveriam se opor. Veja não pode ser associada à cultura de espécie alguma, nem mesmo à dominante, pois o que esta revista produz é lixo cultural.

Veja sequer tem um pensador conservador à altura capaz de debater com um pensamento de esquerda do naipe da produção de Paulo Freire. Esse arremedo de revista nem é original em suas acusações a Freire: repete as mesmas falas dos ditadores e censores do período militar dirigidas ao educador libertário, reproduz a mesma ladainha preconceituosa contra a pedagogia freiriana que recentemente alguns procuradores ultraconservadores do MP-gaúcho que desejavam criminalizar o MST produziram. Veja só se dá ao trabalho de papagaiar tudo que existe de mais retrógrado no país, incluindo aí o jornalismo kameliano.

Não há debate no mundo de Veja, não há conflitos de interesses e projetos políticos que se opõem. Em Veja existe o dicotômico e tedioso mundo do 'bem contra o mal', do 'liberalismo estereotipado versus o esquerdismo estereotipado', do Brasil 'ame ou deixe-o', dos 'cristãos versus os infiéis'. O mundo de Veja é um binômio irreal, sem graça e sem importância no qual somos obrigados a escolher entre a filosofia da educação de Paulo Freire e teoria da relatividade de Albert Einstein. Não podemos buscar conhecer as diferentes contribuições destes dois importantes homens do século XX.

Talvez seja por isso que ao comemorar 40 anos, Pedagogia do Oprimido segue viva e original estimulando historiadores e educadores a refletirem sobre as contribuições e os limites da extensa e rica produção freiriana e Veja (que também faz quarenta anos) no máximo servirá aos historiadores interessados em pesquisar a capacidade de degradação de um veículo de comunicação: ao longo de quatro décadas quais diferenças existem entre a época áurea sob direção de Mino Carta e a era dos bobos da corte feito os Reinaldos e Mainardis, arremedos mal feitos dos neocons? Quem tiver paciência que faça a análise.

O que é patente aos leitores críticos que Paulo Freire ajudou a formar é que na atualidade Veja não faz jornalismo, ela arroga a si o direito de julgar produções, personalidades, projetos, políticas públicas e insiste em nos enfiar goela abaixo a sua visão pobre e restrita e deturpada do mundo.

Veja, tal qual os velhos senhores feudais encastelados que dominavam o governo, o poder de legislar e o poder de Justiça em suas possessões, sequer chegou ao século XIX onde ela julga estarem estagnados os professores que critica. A revista parou na Idade das Trevas seja qual for esse tempo-espaço (façam suas escolhas, qualquer um serve, desde que tenha sido uma era de truculência, intolerância e sectarismo bem ao estilo Veja - inquisição moderna, o terror, a ditadura, o fascismo, o nazismo, o macarthismo ou a era Bush de Guantânamo e Abugrai).

O que Veja ainda não descobriu é que os professores, proprietários de escolas e pais cada dia mais sabem distinguir o jornalismo medieval do estilo Veja do bom jornalismo produzido por profissionais menos subservientes e ignorantes. Veja precisa entender que quarenta anos de Pedagogia do Oprimido fizeram diferença positiva em nosso país, que grande parte da população pouco a pouco briga por sua cidadania, pelo direito de pensar, opinar, refletir e se recusa a permanecer na Idade das Trevas sob a batuta do tribunal arrogante de Veja. Pais e professores cada vez mais abrem mão, de bom grado, do jornalismo medieval produzido por Veja.

créditos: www.viomundo.com.br

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Do Período Especial à ascensão de Raul

Surpreendentes na aparência, as mudanças políticas vividas por Cuba são desdobramentos da virada aberta nos anos 1990, quando se reverteu a postura de alinhamento à União Soviética. Mas não levarão a um processo de “abertura” como imaginado em Washington

Stephen Wilkinson

Raul Castro assumiu o poder em Cuba numa época propícia. Economicamente, o país acabara de emergir do “período especial” [1]. E, internacionalmente, o governo de George W. Bush dava mostras de que seu mandato chegava ao fim, com os partidários do embargo à ilha já bastante inferiorizados. Havia um enorme espaço para manobras e mudanças.

Uma das primeiras medidas do novo presidente foi uma ampla consulta à população: milhares de encontros aconteceram por todo o país [2] e um intenso debate sobre os problemas nacionais tomou conta da sociedade.

Desde então, os ministérios e as empresas vêm tendo maior autonomia e há mais abertura para a crítica direta na imprensa sobre as falhas do sistema. Não resta dúvida de que Raul prefere delegar a controlar ele mesmo, estilo muito diferente do de seu irmão. Com base nos resultados da consulta nacional, ele introduziu uma série de reformas econômicas, incluindo a eliminação de restrições na aquisição de aparelhos eletrônicos, como computadores e celulares. Além disso, quem vive em conjuntos habitacionais do Estado terá a possibilidade de comprar seus imóveis. E o acesso aos hotéis de luxo, antes reservados aos turistas estrangeiros, foi liberado para todos os cidadãos. Raúl anunciou também que o 6º Congresso do Partido Comunista – o primeiro em 12 anos – será realizado no final de 2009 para delinear o futuro econômico e político do país. Fala-se até mesmo da revogação da exigência de autorização para viagens ao exterior.

Sem dúvida, a chave dessas mudanças passa pelo novo comitê executivo do Bureau Político do PC, composto pelo vice-presidente José Ramón Machado Ventura e pelos vice-presidentes do Conselho de Estado, Juan Almeida Bosque, Abelardo Colomé Ibarra, Carlos Lage Dávila, Esteban lazo Hernández e Julio Casas Regueiro, além de Raúl Castro. Juntos, os membros desse grupo carregam todo o peso e experiência da Revolução Cubana em um corpo único, capaz de conduzir o futuro do Partido Comunista, das organizações de massa e do governo. Essa instância surgiu para substituir o comitê provisório, fundado em 31 de julho de 2006, quando Fidel entregou o poder a Raul, e marca a transferência final de autoridade na ilha.

O governo planeja desmanchar 104 fazendas estatais que dão prejuízo. Pela primeira vez em décadas, os cubanos podem comprar suprimentos diretamente dos produtores locais

O Bureau Político aumentou ainda mais a descentralização e criou sete comissões parlamentares permanentes subordinadas a ele. Elas compreendem assuntos como ideologia e cultura, economia, alimentos e agricultura, substituição de importados e aumento das exportações, educação, ciência e esportes, saúde e relações internacionais. As decisões permanecem baseadas no consenso, com o presidente arbitrando no caso de significativo desacordo. No conjunto, essas medidas indicam que os líderes cubanos começam a preparar o Partido Comunista para a eventual transição de poder a uma geração mais jovem.

Correndo paralelamente às reformas na estrutura do governo, há um programa de amplo espectro para revitalizar o setor agrícola. O controle agropecuário do país está passando das mãos de funcionários no ministério da Agricultura para mais de 150 delegações locais. A ação é parte do programa multifacetado para impulsionar a produção de alimentos e baixar os custos da importação: em 2007, Cuba gastou uS$ 1,7 bilhão com a compra de gêneros alimentícios, um montante absurdo. O governo também planeja desmanchar 104 fazendas estatais que dão prejuízo e embargar as demais em operação. Camponeses têm relatado que as decisões, do uso da terra à alocação de recursos, estão se deslocando para a esfera local. Tanto que, pela primeira vez em décadas, armazéns estão sendo abertos para que os cubanos comprem suprimentos diretamente dos produtores locais.

Está claro que tem havido uma resistência estóica a fim de preservar tudo o que é considerado ganho da revolução. O envolvimento radical com o Estado ficou evidente em amplos setores da classe trabalhadora e o governo tem se esforçado para engajar e incorporar a população, especialmente os jovens. Seu apoio durante a transição de poder constituiu o principal fator na sobrevivência do processo revolucionário até agora.

Ao mesmo tempo, é evidente que a revolução está entrando em um estágio novo e sem precedentes. Por exemplo, a filha de Raul Castro, Mariela, lidera uma campanha de modificação da lei para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo e possibilitar que transexuais façam operações de mudança de sexo custeadas pelo Estado. Suas propostas resultam, sem dúvida, de alterações que vêm ocorrendo desde o Período Especial, principalmente em relação aos papéis sociais: no caso das mulheres, por exemplo, as responsabilidades cada vez maiores, conseqüência das mudanças econômicas, também lhes propiciaram mais direitos dentro da sociedade. Em anos recentes, muitas cubanas optaram por exercer esse poder na pista de dança, ao som do lânguido e sensual reggaeton. Paralelamente a esse estilo, que enfatiza a dança e o corpo feminino sem qualquer preocupação com o conteúdo das letras, o hip hop se desenvolveu como um movimento socialmente consciente e influenciado pelos efeitos da conversão de Cuba em uma “economia mista”.

A admissão do uso do dólar alimentou o mercado paralelo e criou uma “dupla moralidade”: nem o mais ardoroso socialista podia recusar-se a ingressar no setor informal, para conseguir chegar ao fim do mês com alguma renda

Mas o Período Especial não moldou apenas a cultura: permitiu também mudanças em áreas cruciais com as quais o governo de Raul Castro se depara agora. A primeira delas foi a legalização do uso do dólar. Ao consentir que os cubanos possuíssem dólares e mantivessem contas bancárias nessa moeda, o governo tornou possível às famílias no exterior remeterem dinheiro para ajudar seus parentes. Junto com a expansão do turismo, a dolarização permitiu que os turistas gastassem em moeda forte, enquanto os cubanos usavam o peso no dia-a-dia. A taxa permaneceu firme, em torno de 1 para 25 ao longo da maior parte do período. É esse diferencial que alimentou o mercado paralelo e criou uma “dupla moralidade”: não era possível, nem para o mais ardoroso socialista, deixar de ingressar no setor informal de um jeito ou de outro, para conseguir chegar ao fim do mês com alguma renda. Em 2006, o dólar foi retirado de circulação e substituído por um peso conversível, gesto que contou com a acolhida popular: além de significar a rejeição do “dinheiro inimigo”, impunha um imposto extra sobre ele, a fim de encorajar a introdução de outras moedas na economia. Em seu primeiro discurso como presidente de fato, em 24 de fevereiro de 2008, Raul Castro aludiu à moeda dupla em circulação dando a entender que algo seria feito para unificá-las.

A lei de investimentos estrangeiros é outra medida do Período Especial que está sendo revista. Introduzida em 1993, ela permitiu o investimento estrangeiro direto em todos os setores da economia cubana, exceto na defesa, saúde e educação. Em poucos anos, mais de 400 joint ventures haviam sido formadas em áreas como extração e refino de níquel, turismo e produção de tabaco e rum, principalmente com empresas canadenses e da Europa ocidental. O número de joint ventures declinou após 2000, quando o governo começou a restringi-las às grandes corporações estrangeiras, mas desde a chegada de Raul Castro à presidência parece haver sinais de que ocorrerá um novo relaxamento e que serão oferecidas mais oportunidades para o capital vindo de fora.

Este é um dos indícios de que a economia cubana está experimentando um amadurecimento inédito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Afinal, o lado negativo do relacionamento com a União Soviética e o Comecon (Conselho para Assistência Econômica Mútua) era o modo como a ilha havia trocado uma forma de dependência, a dos Estados Unidos, por outra, sem diversificar suficientemente seus mercados e sua indústria. Apenas a partir do Período Especial esse estado de coisas começou a ser alterado.

As estatísticas mostram claramente como essa transformação ocorreu e como a economia resgatou sua capacidade de lucrar com as exportações, ao mesmo tempo que o açúcar perdeu terreno. O crescimento se acelerou notadamente a partir de 2004 por intermédio do aumento de ganhos originários de “outros serviços”, que representam, principalmente, acordos de troca de capital humano (professores, médicos etc.), o mais importante deles com a Venezuela de Hugo Chávez. Vale observar também como a exportação de medicamentos tornou-se uma fonte de rendimentos modesta, mas crescente, de 2000 em diante. Sobre o aumento da produção de petróleo, que constitui significativa contribuição para o PIB, é importante mencionar que Cuba reequipou suas instalações de geração de energia para funcionar com óleo diesel produzido internamente e se tornou auto-suficiente em eletricidade.

Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela e a introdução de uma nova ajuda chinesa, em 2003, ficou evidente que a economia cubana está se saindo melhor do que muitos esperavam

Já a política exterior é, e sempre foi, uma preocupação central para o governo revolucionário, principalmente devido à proximidade da ilha com os Estados Unidos e a animosidade mostrada pelo poderoso vizinho desde o início. Após a Crise dos Mísseis, em outubro de 1962, a ilha passou a gozar de uma relação favorável sem precedentes com a antiga União Soviética (URSS), que de muito bom grado subsidiou pesadamente a aliada caribenha, situada bem debaixo do nariz do inimigo na Guerra Fria. Nesse contexto, os Estados Unidos justificaram sua política de embargo baseados no fato de haver um representante do regime soviético perto de sua fronteira, o que seria uma ameaça a sua segurança.

Porém, apesar do delínio e queda da URSS, o Congresso norte-americano continou aprovando, ao longo da década de 1990, leis que potencializaram as restrições econômicas. A Emenda Mack, e outubro de 1990, proibiu “todo comércio com Cuba por parte de companhias subsidiárias dos Estados Unidos fora dos Estados Unidos”. Antes da aprovação dessa lei, 70% dos negócios entre Cuba e empresas subsidiárias dos Estados unidos eram direcionados a alimentos e medicamentos. A Lei Torricelli, de outubro de 1992, além de reforçar a anterior, acrescentou o veto a viagens de norte-americanos para a ilha e ao fornecimento de assistência financeira para familiares. Também impediu que barcos que tivessem atracado em Cuba visitassem, por seis meses, portos norte-americanos. Contudo, essa legislação permitiu a grupos privados fornecer ajuda humanitária novamente, na forma de alimento e remédios. Em março de 1996 surgiu a Lei Helms-Burton, que impôs penalidades às empresas estrangeiras que realizassem negócios com Cuba e permitiu aos cidadãos dos Estados Unidos processar investidores internacionais que utilizassem de alguma forma propriedades de norte-americanos tomadas pelo governo cubano.

Em vez de provocar uma mudança nos rumos políticos da ilha, todas essas leis radicalizaram ainda mais, contra os EUA, as políticas cubanas. Tanto que, desde que assumiu o poder, Raul Castro tem reiterado que Cuba não vai negociar com os norte-americanos, a menos que o governo vizinho aceite firmar os diálogos sem quaisquer precondições e respeitando a soberania de cada nação.

Cuba tem continuamente convidado países estrangeiros a estabelecer vínculos comerciais e investirem na ilha. Ao mesmo tempo, o governo revolucionário não retrocedeu em nenhum de seus programas de ajuda médica e outros projetos. Assim, os observadores que prevêem uma mudança na relação entre Cuba e Estados Unidos estão de olho antes nas eleições americanas do que nas transformações experimentadas pela ilha.

Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela e a introdução de uma nova ajuda chinesa, a partir de 2003, ficou evidente que a economia cubana está se saindo melhor do que muitos esperavam. Por isso, a convicção de que a política de embargo é um fracasso vem ganhando terreno, nos Estados Unidos . Além do mais, essa estratégia está permeada de contradições, sendo a mais óbvia de todas a exceção à venda de alimentos. Desde 2001, quando uma emenda que permitiiu às companhias americanas vender produtos alimentícios foi aceita por George W. Bush, Cuba tornou-se o nono cliente das exportações dos Estados Unidos para o setor.

Nos EUA, candidatos democratas de origem cubana estão concorrendo contra a velha guarda direitista republicana. Não seria exagero esperar que da próxima eleição saia alguma solução para o impasse do embargo a Cuba

Outra contradição evidente diz respeito à migração. A partir de um acordo de 1995, os Estados Unidos vêm acolhendo 20 mil imigrantes legais por ano, possibilitando que os insatisfeitos e potenciais integrantes de um movimento de oposição dentro da ilha invariavelmente partam e fixem residência em solo norte-americano. Esse fator, mais do que qualquer outro, explica a fraqueza dos oposicionistas à família Castro. A política norte-americana torna-se um tiro pela culatra, já que não fomenta o descontentamento nem ajuda na criação de um movimento contrário ao regime. A oposição que resta por lá permanece reduzida e é facilmente isolada pelo governo cubano. Além do mais, esses novos imigrantes, que hoje moram em Miami estão se registrando para poder votar e devem pressionar os candidatos por mudanças nas regras. Afinal eles têm interesse direto em enviar dinheiro para seus parentes e gostariam de visitá-los sempre que possível.

Na percepção dos imigrantes mais antigos, que lideram o lobby de direita anticastrista, isso constitui um trunfo para o odiado regime fundado por Fidel. Foram eles que, em 2004, conseguiram fazer com que o governo Bush restringisse as remessas de dinheiro e as visitas familiares. Isso provocou uma cisão na comunidade cubano-americana, que ganhou representação pela primeira vez na campanha eleitoral da Flórida. Se vencer as eleições, Barack Obama já prometeu acabar com essas proibições e admitiu conversar com Raul Castro sem precondições. No plano doméstico, candidatos democratas cubano-americanos com credibilidade estão concorrendo contra a velha guarda direitista republicana. Não seria nenhum exagero esperar que da próxima eleição norte-americana saia alguma solução para o impasse do embargo a Cuba, independentemente dos rumos que a ilha tome. Sem dúvida, o processo de reformas conduzido sob a batuta de Raul Castro deve apresentar conseqüências mais a longo prazo que aquelas do Período Especial. Ao mesmo tempo, novos desafios se apresentam — em particular, a crise mundial ecológica e de alimentos, que requer toda atenção do governo.

O que precisa ser percebido, contudo, é que as políticas adotadas objetivam assegurar a continuidade do processo revolucionário que começou em 1959. Sem dúvida, elas terão um impacto na opinião pública norte-americana, num ano eleitoral. Mas não farão Cuba adotar um “processo de democratização”, como imaginou Washington. Enquanto Fidel Castro viver e seu irmão permancer no poder, isso nunca acontecerá..



[1] O termo “Período especial em período de Paz” deriva da expressão “Período especial em tempo de Guerra”, nome dado ao plano de sobrevivência preparado por Cuba durante a Guerra Fria, para o caso de estourar um conflito entre a União Soviética e os Estados Unidos. Em um cenário desses, o país possivelmente estaria sob bloqueio completo, de modo que foi criada uma tática de contingência para assegurar uma resposta coordenada à escassez de alimentos e combustíveis. A guerra não veio, mas quando o bloco soviético entrou em colapso, em 1991, Cuba ficou sem seu principal parceiro comercial e protetor econômico. Na prática, era uma situação muito similar àquela que os cubanos haviam vislumbrado, mas em tempo de paz

[2] Isso ocorreu de modo semelhante ao que foi feito no início do Período Especial, quando houve uma série sem precedentes de consultas à população. Os assim chamados “parlamentos de trabalhadores” foram instituídos por todo o país para discutir os problemas e sugerir soluções. A eles seguiu-se, em 1991, um Congresso do Partido Comunista, em que decisões-chaves foram tomadas para delinear a estratégia do governo ao longo da década seguinte. Pela primeira vez, permitiu-se que pessoas de diferentes convicções religiosas figurassem abertamente nos quadros do partido. Logo depois, o sistema eleitoral foi reformado para permitir que a Assembléia Nacional fosse eleita por sufrágio direto. Essas medidas proporcionaram aos cubanos uma sensação de maior envolvimento

A crise da esquerda e o governo Lula





Paulo Passarinho


Após a queda do muro de Berlim – que já havia sido precedida por uma forte inflexão à direita dos partidos social-democratas europeus -, boa parte da esquerda mundial passou a observar com muita atenção, e esperança, a trajetória e a ação política do Partido dos Trabalhadores e de seus aliados de esquerda aqui no Brasil, que é um país marcado por gritantes desigualdades sociais, fortemente pressionado por interesses do capital internacional, mas que, desde 1989, experimentava a polarização de uma frente de esquerda que se afirmava como alternativa real de poder.

Essa frente de esquerda foi também um instrumento importante de resistência à ofensiva neoliberal, que nos anos 90 empreendeu em nosso país o programa de mudanças ditado pelos interesses das grandes corporações financeiras transnacionais.

A realização dos primeiros Fóruns Sociais Mundiais, em Porto Alegre, reforçou ainda mais essa sensibilidade e crença da esquerda internacional. Contudo, a história que se deu a partir de 2002, ainda na campanha eleitoral que acabou por levar Lula à presidência da República, coroou o próprio ajuste do PT e de seus aliados à nova ordem. A história é por demais conhecida, embora haja graves divergências sobre o significado do que de fato ocorreu.

Para os que apóiam Lula, a busca de governabilidade, em meio à crise que se esboçou no ano eleitoral, justificou as posições assumidas pelo novo governo. Para os mais críticos, o novo PT foi apenas a conseqüência de uma metamorfose que se iniciara há alguns anos. Hoje, as evidências sobre a natureza da mudança ideológica e programática dessa frente – agora, acima de tudo, lulista – são gritantes. E tristes.

A principal liderança do PT depois do próprio Lula, José Dirceu – apresentado por muitos, no primeiro mandato do atual presidente, como o representante de um "pólo de esquerda" –, depois de afastado do governo, cassado e processado pelo Supremo Tribunal Federal, em denúncia apresentada pelo Procurador Geral da República, circula pelo Brasil e pelo mundo afora como lobista de interesses de grandes empresas nacionais e internacionais.

A recente reunião da OMC, em Genebra, expôs de forma cristalina a subordinação do governo aos interesses do agronegócio, comprometendo até mesmo a imagem que procurava ser cultivada de uma política externa independente e progressista. Como se isso pudesse ser possível, em meio às opções de uma política econômica – elogiadíssima por Lula – inteiramente controlada por um Banco Central sob o comando direto de executivos indicados por bancos internacionais.

O significado dessa verdadeira tragédia ainda não foi bem assimilado pelos diversos setores da esquerda que insistem em manter o seu apoio a Lula e seus partidos satélites. Sempre encontram as mais diferentes explicações e justificativas para as condutas do governo, mesmo quando ensaiam críticas.

Na falta de argumentos frente às evidências das opções preferenciais de Lula, optam sempre pela lembrança de que a volta dos tucanos poderia ser muito pior. Manifestam, até mesmo, muitas dúvidas sobre o que poderia ter sido feito de forma diferente. Expressam, dessa maneira, uma espécie de regressão intelectual ou abalo cognitivo. Podem alegar também a surrada razão ditada pela "atual correlação de forças".

No tocante à correlação de forças, a vitória eleitoral de Lula em 2002, em meio a sucessivas derrotas da direita e de seus candidatos liberais em todos os países da América Latina, com as exceções da Colômbia, do Peru e do México, deveria ser levada em conta. Bem como o próprio quadro internacional de expansão do comércio global e liquidez financeira que permitia (ao menos até meados do ano passado) uma razoável margem de manobra para mudanças importantes, conforme nos mostrou a vizinha Argentina.

É lógico que a coerência com um programa verdadeiro de mudanças implicaria enfrentamentos importantes com interesses estabelecidos.

Mas não seria esse o papel de uma esquerda, por mais cautelosa e prudente? O fato é que questões programáticas elementares, para o início de um processo de transformações estruturais em prol do mundo do trabalho, foram abandonadas, esquecidas ou mesmo renegadas. Pior: são as questões do mundo do capital que balizam o que passou a ser "o possível".

Mudanças substantivas na política macroeconômica; reforma tributária verdadeira; universalização, com qualidade, dos serviços públicos; fortalecimento da previdência social pública, como fator de seguridade social e de fortalecimento de mecanismos de poupança financeira estatal, sob controle social; reforma agrária para valer, e como suporte para a afirmação e prevalência de um modelo agrícola baseado na agricultura familiar, com estruturas de produção comunitárias e absorção de modernas tecnologias; além de mudanças no padrão dos meios de comunicação de massa, subordinados ao regime de concessões públicas, particularmente os canais de televisão aberta. Seriam exemplos de iniciativas programáticas, essenciais para colocar o país em uma rota de reformas, em prol do povo e do mundo do trabalho.

Mas tudo indica que a outrora esquerda se perdeu. Setores da vanguarda de movimentos importantes, como os dos bancários ou dos petroleiros, parecem muito mais interessados nos negócios dos seus fundos de pensão.

A acelerada financeirização econômica, em combinação com a aguda fragilização de mecanismos de seguridade e de solidariedade social, como é o caso das instituições de garantia de direitos sociais e igualdade de oportunidades, jogaram setores do movimento dos trabalhadores em um defensivismo que aponta para a atomização de suas bandeiras de luta e a perda da solidariedade de classe com os demais setores do mundo do trabalho.

A crise que vivemos, enquanto esquerda brasileira, em meio a um continente em mudanças, não é decorrente, portanto, de uma abstrata carência de projetos alternativos. Ela é fruto da posição política desses setores, que faziam parte da esquerda e que se perderam por completo em meio à mercantilização avassaladora que contamina a sociedade brasileira, sob a hegemonia dos valores e dos projetos das forças neoliberais.

Somente a reconstrução de um novo bloco de forças, não contaminado pela ideologia dominante, poderá criar as condições para a retomada das bandeiras da mudança e da esperança.

Paulo Passarinho é economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

As três crises

Cada vez mais intensos, os solavancos das finanças mundiais podem provocar crise sistêmica, e depressão semelhante à de 1929. A esta derrocada estão entrelaçadas a escassez de alimentos e da alta dos combustíveis. Vivemos as conseqüências de 25 anos de neoliberalismo. Mas quando diremos basta?

Ignacio Ramonet

Nunca havia acontecido antes. Pela primeira vez na história da economia moderna, três crises de grande amplitude – financeira, energética e alimentar – estão em conjunção, confluindo e combinando-se. Cada uma delas interage sobre as demais, agravando, de modo exponencial, a deterioração da economia real.

Por mais que as autoridades se esforcem em minimizar a gravidade do momento, o certo é que nos encontramos diante de um sismo econômico de magnitude inédita, cujos efeitos sociais, que mal começaram a se fazer sentir, explodirão nos próximos meses com toda a brutalidade. A numerologia não é uma ciência exata e o pior não costuma ser previsto, mas 2009 pode muito bem se parecer com o nefasto ano de 1929...

Como temíamos, a crise financeira continua aprofundando-se. Aos descalabros de prestigiosos bancos norte-americanos, como o Bear Stearns, o Merrill lynch e o gigante Citigroup, somou-se o recente desastre do lehman Brothers, quarto maior banco de negócios, que anunciou, em 9 de junho, um prejuízo trimestral de 2,8 bilhões de dólares. Como foi a primeira perda desde o lançamento de suas ações na Bolsa, em 1994, o resultado teve efeito de um terremoto financeiro, nos já violentamente traumatizados EUA.

A cada dia difundem-se notícias sobre novas quebras. Até agora, as entidades mais afetadas admitem prejuízos de quase 330 bilhões de dólares, e o Fundo Monetário Internacional estima que, para escapar da catástrofe, o sistema necessitará de cerca de 950 bilhões de dólares (o equivalente à metade do PIB do Brasil).

A crise começou nos Estados unidos, em agosto de 2007, com a desconfiança nas hipotecas de má qualidade (subprime) e propagou-se por todo o mundo. Sua capacidade de se transformar e se espraiar por meio da contaminação de complexos mecanismos financeiros faz com que se assemelhe a uma epidemia fulminante, impossível de controlar. As instituições bancárias já não emprestam dinheiro entre si. Todas desconfiam da saúde financeira de suas rivais.

Ao fugir dos mercados de ações e imóveis, os especuladores fazem apostas gigantescas em contratos para entrega futura de petróleo e alimentos. É a financeirização generalizada da produção capitalista

Apesar das injeções maciças de liquidez efetuadas pelos grandes bancos centrais, nunca se vira uma seca tão severa de dinheiro nos mercados. E agora o maior temor de alguns é uma crise sistêmica — ou seja, que o conjunto do sistema econômico mundial entre em colapso.

Da esfera financeira, o problema passou para o conjunto da atividade econômica. De um momento para outro, as economias dos países desenvolvidos sofreram um desaquecimento. A Europa encontra-se em franca desaceleração e os Estados Unidos estão à beira da recessão.

O setor imobiliário é onde melhor aparece a dureza desse ajuste. Durante o primeiro trimestre de 2008, o número de vendas de moradias na Espanha caiu 29%! Cerca de dois milhões de apartamentos e casas estão sem compradores. O preço das propriedades continua a desmoronar. O aumento dos juros hipotecários e os temores de uma recessão lançaram o setor numa espiral infernal, com ferozes efeitos em todas as frentes da imensa indústria da construção. Todas as empresas desses setores estão agora no olho do furacão. E assistem, impotentes, à destruição de dezenas de milhares de empregos.

Da crise financeira passamos à crise social. E políticas autoritárias voltaram a surgir. O Parlamento Europeu aprovou, em 18 de junho passado, a infame “diretiva retorno” [1]. Imediatamente, as autoridades espanholas declararam sua disposição em favorecer a saída da Espanha de um milhão de trabalhadores estrangeiros...

Em meio a essa situação de espanto, ocorre o terceiro choque do petróleo, com o preço do barril em torno de US$ 140. Um aumento irracional (há dez anos o barril custava menos de US$ 10) devido não apenas a uma demanda despropositada mas, especialmente, à ação de muitos especuladores, que apostam no aumento contínuo de um combustível em vias de extinção. Retirando-se da bolha imobiliária, que desinfla, os investidores alocam somas colossais em contratos para entrega futura de petróleo, o que pode levar o preço do barril a algo em torno de US$ 200. Ou seja: está ocorrendo uma “financeirizacão” do petróleo, com conseqüências como formidáveis aumentos de preços da gasolina, em muitos países, e a ira de pescadores, caminhoneiros, agricultores, taxistas e todos os profissionais mais afetados. Em muitos casos, eles exigem de seus governos ajudas, subsídios ou reduções dos impostos, com grandes manifestações e enfrentamentos.

Como se todo esse contexto não fosse bastante sombrio, a crise alimentar agravou-se repentinamente e chega para nos lembrar que o espectro da fome continua ameaçando quase um bilhão de pessoas. Em cerca de 40 países, a carência de alimentos provocou levantes e revoltas populares. A reunião de cúpula da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), foi incapaz, em 5 de junho, em Roma, de chegar a um consenso para retomar a produção de alimentos no mundo. Aqui também os especuladores, fugindo do desastre financeiro, têm parte de responsabilidade — porque apostam num preço elevado das futuras colheitas. Até mesmo a agricultura está se “financeirizando”.

Este é o saldo deplorável de 25 anos de neoliberalismo: três veneosas crises entrelaçadas. Já está na hora de os cidadãos gritarem: “Basta!”.



[1] "Europa se blinda ante los inmigrantes”, Sami Naïr, El País, Madri, 18 de junho de 2008.

Governos de LHS e Yeda Crusius: “Piso dos Professores é um Exagero”



Por Douglas Maçaneiro.

O Governo de SC, assim como o do RS, alega que o novo PISO Salarial Nacional do Magistério Público (Professores da Rede Pública Estadual e Municipal) “é muito alto”. O valor aprovado em julho, no valor de R$ 950,00, que deve ser implementado gradualmente até 2010, ainda não é um salário de respeito em se levando em conta os anos de congelamento e perdas de direitos laborais. Mas, se depender dos secretários do PSDB do RS e de SC, integrantes do CONSED (Conselho de Sec. De Estado e da Educação), este piso “é um exagero” e deverá ser derrubado no Supremo.

O salário base no Estado de SC, por exemplo, é de apenas R$ 509 – o quarto pior valor hora/aula do país, enquanto que a situação dos professores do Rio Grande do Sul é ainda pior. Além de perceberem um salário base menor que o mínimo, a Governadora Yeda Crucius, do PSDB/RS, que acaba de reajustar seu próprio salário em mais de 143% (por cento), entrou com uma Ação de Inconstitucionalidade alegando ser o Piso Salarial dos professores “um exagero” e pugnou pela autonomia dos Estados para estabelecer tabela de pagamentos de seus servidores.

Situação semelhante ocorre em Santa Catarina, onde o Governo LHS (PMDB/PSDB/DEM), esperneou e já articula planos para frustrar a aplicação da Lei Federal com mais ações judiciais, contra o Piso Nacional, intensificando os ataques contra o plano de carreira e a seguridade social dos Trabalhadores em Educação, como vem fazendo desde o início de sua magistratura. Se tiverem que aplicar o novo piso, certamente, o magistério não mais contará com o já diluído plano de carreira, um dos raros direitos que restaram ao magistério depois da privatização do fundo previdenciário em Junho/ 2008 (IPREV). Será, pelo visto, mais uma longa jornada para conseguir aplicar a nova Lei, e ainda, de forma que seja equiparada ao plano de carreira.

Os dois Estados possuem elevadíssimo crescimento econômico em comparação com a média nacional, ostentando posição entre os seis maiores em produção de riquezas, no país. Porém, ao contrário do que se poderia imaginar, o desempenho em relação ao PIB, não se reverte em melhorias da qualidade da educação pública, e continua entre as últimas posições. A ordem dos secretários de educação desses governos para as classes populares é mesmo o de formar mão de obra barata - nada além de corpos úteis e omissos!

O Piso de R$ 950,00, sancionado para os professores, já não é "aquela coisa", em se tratando dos anos de congelamento salarial, destruição progressiva do plano de carreira e "golpes do baú da previdência” (este último, iniciado pelo Governo Federal), anos de gastos com atendimentos médicos e remédios para tratar doenças adquiridas em ambientes de trabalho e os anos de gastos com formação, pesquisa e atualização. Mas, os secretários de Educação de alguns governos, reunidos no CONSED, acham que R$ 950,00 é muito para um professor ganhar. E os R$ 12.000,00, é pouco para um(a) governador(a)?

Estima-se que a nova Lei acarretaria um acréscimo de R$ 40 mi, a serem aplicados a mais na Educação catarinense, bem menos do que é gasto em publicidade enganosa do Governo catarinense (LHS a Um Voto da Cassação. Gazeta de Joinville. Disponível em: http://www.gazetadejoinville.com.br/geral_179-17.htm. Último acesso em 06.08.2008). E bem menos do que já foi desviado dos cofres públicos, durante a gestão de Yeda Crucius, no RS.

Como se vê, no Sul do país, o remédio para a Educação é a Eutanásia!

*Professor de História e bacharel em Direito.

The Anthology - 2008

The Anthology - 2008
Parte1 -..- Parte2
Parte3 -..- Parte4




Disco 1
1. Hymn of the Seventh Galaxy (Corea) – 3:31
2. After the Cosmic Rain (Clarke) – 8:25
3. Captain Señor Mouse (Corea) – 9:01
4. Theme to the Mothership (Corea) – 8:49
5. Space Circus, Pts. 1 & 2 (Corea) – 5:42
6. The Game Maker (Corea) – 6:46
7. Vulcan Worlds (Clarke) – 7:51
8. The Shadow of Lo (White) – 7:32
9. Beyond the Seventh Galaxy (Corea) – 3:13
10. Song to the Pharaoh Kings (Corea) – 14:21

Track 1 - 6: from Hymn of the Seventh Galaxy (1973, complete)
Track 7 - 10: from Where Have I Known You Before (1974)

Disco 2
1. Dayride (Clarke) – 3:25
2. Sofistifunk (White) – 3:51
3. No Mystery (Corea) – 6:10
4. Celebration Suite Part I & II (Corea) – 14:01
5. Medieval Overture (Corea) – 5:14
6. Sorceress (White) – 7:34
7. The Romantic Warrior (Corea) – 10:52
8. Majestic Dance (Di Meola) – 5:01
9. The Magician (Clarke) – 5:29
10. Duel of the Jester and the Tyrant Part I & II (Corea) – 11:26

Track 1 - 4: from No Mystery (1975)
Track 5 - 10: from Romantic Warrior (1976, complete)





* Chick Corea - Electric piano, Fender Rhodes, Acoustic piano, organ, Yamaha organ, Harpsichord,
Gongs, Hohner Clavinet, Synthesizers, Mini Moog, ARP Odyssey, Marimba, Polymoog

* Stanley Clarke - Electric bass, Fuzz, bass, Bell-tree, Hand bells, Yamaha organ, Chimes, Acoustic bass,
Alembic bass with Instant Flanger, Piccolo bass

* Al Di Meola - Electric guitar, Acoustic 12-string guitar, Acoustic guitar, Soprano guitar, Hand bells, Slide whistle

* Bill Connors - Electric and acoustic guitars

* Lenny White - Drums, Percussion, Congas, Bongos, Marimba, Timpani, Timbales, Hand bells,
Snare drum, Suspended cymbals, Alarm clock.

Créditos: LooloBLog

Ney Matogrosso - Vinte e Cinco (1997)



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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Consumidores, uni-vos!

Há um truque banal no recém-lançado "manifesto" dos publicitários. Ao apresentar a propaganda como base da liberdade de expressão, ele despreza público e sociedade. Mas ignora os movimentos pela radicalização da democracia — que exigem, inclusive, um novo padrão de propaganda

Ivana Bentes


Custou, mas apareceu, o "manifesto" dos publicitários, que se dizem ameaçados pela tentativa de regulamentação da publicidade por parte dos órgãos de defesa do consumidor e da saúde pública.

A retórica e estratégia são conhecidas: qualquer tentativa do Estado de regular a mídia (seja a faixa etária indicativa de programas na TV, seja a veiculação de publicidade de cigarros, bebida alcoólica, gordura trans ou uma cota de filmes brasileiros na TV); qualquer movimento social que ameace os lucros exorbitantes da publicidade e a liberdade de empresa são considerados "censura" e "ataque a liberdade de expressão".

Em nova embalagem, a velha retórica. De forma grosseira, as emissoras de TV já tinham veiculado anúncio dizendo que o governo queria "tirar o direito do telespectador de escolher seus programas", diante da proposta em votação no Congresso de uma cota para conteúdo brasileiro nas TVs a cabo.

Como se os pacotes com enlatados e programas comprados pelas emissoras tivessem algum grau de "escolha" e participação do espectador, obrigado ainda a levar no pacotão que compra uma porcentagem de lixo cultural adicional.

Mas o manifesto dos publicitários vai mais longe. Faz uma inversão ainda mais espetacular ao esvaziar totalmente o lugar de poder (o zapping é um deles) que está nas mãos da audiência e do público. O verdadeiro "produto" que é "vendido" para os anunciantes a peso de ouro e que sequer é mencionado no texto.

Os publicitários escamoteiam que sociedade é quem produz valor simbólico e real. Conteúdos, opiniões, produtos, mídia — inclusive de graça e de forma colaborativa, com as novas formas de produção e difusão da cultura

O manifesto tenta nos convencer do contrário. Não, não somos nós — a audiência o espectador, o público e a sociedade — que sustentamos o mercado e a mídia e sim "a publicidade" em si. São eles, os mediadores, os publicitários, diz o manifesto, os verdadeiros protagonistas dessa história.

Transformados em arautos da democracia e da "livre expressão", os publicitários defendem no seu manifesto que "é a publicidade que viabiliza, do ponto de vista financeiro, a liberdade de imprensa e a difusão de cultura e entretenimento para toda a população. É a publicidade que torna possível a existência de milhares de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, assim como de outras expressões da mídia." (!!!)

Ou seja: para os publicitários, estamos num cenário em que os mediadores são os protagonistas todo-poderosos da sociedade! Para eles, é a publicidade o esteio da democracia (e não o contrário: a radicalização da democracia que vai democratizar inclusive a publicidade corporativa). Que vende quase qualquer coisa, que cria necessidades, fidelidades, hábitos e valores, estilos mais ou menos predadores... É essa publicidade que quer se "auto-regulamentar"?

Os publicitários escamoteiam que é o espectador, a audiência, o público, a sociedade que produz valor simbólico e real. Conteúdos, opiniões, produtos, mídia — inclusive de graça e de forma colaborativa, hoje, com as novas formas de produção e difusão da cultura livre pós-internet. Produtos que, aliás, podem ser acessados diretamente, sem a mediação da publicidade tradicional.

A campanha sequer cogita os movimentos que exigem saber a origem da mão-de-obra dos produtos, a forma da produção, o caráter transgênico ou não. Ou seja: liberdade de sabermos o que ingerimos, vestimos, lemos, consumimos

O manifesto dos publicitários não discute o que poderia ser uma publicidade democrática ou com objetivos "públicos" e não simplesmente predadora ou visando o lucro imediato. Sequer cogita a emergência de uma série de movimentos e ativistas, que batalham no campo do consumo. Exigindo rótulos explicativos e indicativos dos venenos que ingerimos e que a publicidade vende sob um lindo design e letras miúdas.

Movimentos que exigem saber a origem da mão-de-obra de certos produtos, a forma de produção, a origem natural ou modificada, transgênica ou não, com ou sem agrotóxicos, etc. Ou seja: a liberdade de sabermos o que afinal ingerimos, calçamos, vestimos, lemos, vemos, consumimos.

Movimentos que mostram que o preço embutido da publicidade encarece os produtos de forma exorbitante! O que também não é dito no manifesto, ou seja, que somos nós que pagamos a própria publicidade que consumimos.

Incutindo o medo. Com décadas de atraso em relação a outros países, e apesar do lobby poderoso, a propaganda de cigarros foi proibida na mídia brasileira. O que não levou à falência nem as emissoras de TV e jornais, nem as fábricas de cigarros (que passaram a apoiar festivas de música e produtos culturais).

O fim da propaganda de cigarro também não levou a uma diminuição da "liberdade de expressão" de ninguém. Quem quer fuma, mas diminuiu-se, sim, os riscos de câncer de pulmão em nível planetário.

Ninguém deixará de tomar sua bebida alcoólica. Mas o consumo será balizado por outras forças, que não simplesmente o bombardeamento diário da publicidade ostensiva e reiterativa

Agora, a batalha é proibir a publicidade de bebidas alcoólicas, sendo o alcoolismo uma epidemia de ricos e pobres, no Brasil. Ninguém deixará de tomar sua cerveja, cachaça, vinho, whisky, o que for. Mas, sem dúvida, o consumo será balizado por outras forças, que não simplesmente o bombardeamento diário da publicidade ostensiva e reiterativa.

Ao tentarem neutralizar a força do consumidor e se colocarem na "origem" da liberdade de expressão e como fonte primordial de sustentação da mídia democrática, os publicitários fazem uma peça de marketing ruim e corporativa, distorcida.

Esquecem, que o telespectador e a audiência, o público, o "prossumidor" (o consumidor que se tornou produtor e publicista) está mobilizado e é a nova forca de transformação no capitalismo midiático e imaterial.

A Mídia somos nós, a liberdade de expressão não tem nada a ver com propaganda de cerveja ou de gordura trans! Mesmo parados diante da TV estamos trabalhando para a audiência. O poder de consumo, de produção, criação e difusão está em toda a sociedade. É a sociedade que deve ser empoderada! Ao invés da defesa incondicional da "perenidade" do mercado publicitário, principalmente num capitalismo da abundância e da emergência da economia da gratuidade.

Precisamos de uma nova publicidade: de democratização, colaborativa e feita pelo próprio consumidor. O que falta são mais movimentos de consumidores e telespectadores — para exigir, opinar, protestar e pressionar

O estágio atual é de politização do consumo! Não precisamos de manifesto de publicitários defendendo sua corporação e propondo "adequar" os cursos de Comunicação a suas exigências, adestrando os jovens a um complexo industrial/publicitário em crise. Precisamos de uma nova publicidade, de democratização, colaborativa e feita pelo próprio consumidor.

O que falta são mais movimentos de consumidores, de telespectadores que pudessem exigir, opinar, protestar e pressionar os fabricantes de produtos e os publicitários. Algo que o anonimato e a impessoalidade da audiência não estimulam.

Como dar credibilidade a um manifesto que apaga o consumidor como fonte de poder e valor e coloca no seu lugar...os publicitários. Ou que demoniza o Estado, que quer regular e restringir certas propagandas?

O Manifesto dos Publicitários torna-se uma jogada de marketing ruim, pois:

Para os publicitários, não existe comunicação sem publicidade!

Para os publicitários, a proibição de anunciar bebida alcoólica vai levar a mídia a falência!

Para os publicitários, sem a publicidade não existe "liberdade de expressão"!

Para os publicitários, para não "desaquecer" o mercado não se pode intervir nem restringir certos anúncios, como o de "bebidas alcoólicas, remédios, alimentos, refrigerantes, automóveis, produtos para crianças, entre outras".

Um Civita e um Marinho, com seus ternos cinzas, vozes monocórdias e rostos descansados, adentraram a nossa casa, pela concessão pública que lhes demos, para fazer sua própria publicidade e anunciar essa estranha contrafação

Seria o equivalente a dizer que para não "desaquecer" o mercado de drogas não se pode intervir no sistema de venda, de tráfico de armas e de corrupção existente. Pois esse é um mercado aquecidíssimo e que movimenta zilhões, sem publicidade!

"Seria demais pedir a um anunciante que proponha o desestímulo ao consumo", nas palavras de Gilberto Leifert, presidente do Conar, ao vender o texto — ou, melhor, a publicidade dos publicitários. Perfeito, é essa a lógica do Manifesto!

"O objetivo central é sempre o fortalecimento da indústria da comunicação", completa o texto, ou seja, a manutenção de um mercado publicitário "perene" a qualquer custo. A mesma lógica "desenvolvimentista" que ainda é dominante na política, apesar de ultrapassada e discutível.

Os publicitários querem criar uma confusão entre as liberdades individuais, o "risco escolhido" (consumir, viver e morrer, ter prazer fumando cigarro, ingerindo gordura trans, bebendo ou usando drogas leves e pesadas, por vontade própria), a "liberdade de expressão" (que tem a ver com a possibilidade da pluralidade e da autonomia). Capturam a defesa legítima dessas liberdades com a sua defesa de "liberdade comercial", mesmo que essa liberdade das empresas afronte a saúde pública e a construção do comum.

É muito preocupante que os publicitários transformem a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Congresso em inimigos públicos número um de sua categoria! Ou seja, o que está sendo descartado são as questões de saúde pública! E a construção do interesse "comum".

Estranhamente os publicitários não falam em democratizar as verbas públicas destinadas as suas empresas e que são repartidas entre uns poucos veículos de comunicação. Essa repartição pouco democrática do bolo nem sequer é mencionada. Ou seja, o Estado só incomoda quando quer regular para todos, não quando privilegia poucos.

O manifesto dos publicitários que ganhou ampla repercussão na própria TV, em horário nobre, teve dois garotos-propaganda de peso. Um Civita e um Marinho, donos de corporações de mídia e TV, com seus ternos cinzas, voz monocórdia e rosto descansado, adentraram a nossa casa, pela concessão pública que lhes demos, para fazer a sua própria publicidade e anunciar essa estranha contrafação.