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Há qualquer coisa de surrealista na matéria “Cobertura da imprensa desagrada a israelenses”, do enviado especial do Estado de S.Paulo, Gustavo Chacra, publicada na sexta-feira, 9. Nada de errado com a reportagem. Tudo, francamente, com a reação de Israel, que ela descreve, ao noticiário sobre os seus atrozes ataques a Gaza. Um jornal israelense, relata o repórter, “chegou a chamar a imprensa internacional de mentirosa” em matéria de primeira página. ”Mentirosa”? Relatório da ONU divulgado na mesma sexta diz que 257 crianças palestinas morreram e 1.080 ficaram feridas nos 14 primeiros dias da ofensiva. Como escreve o brasileiro, “o cenário [midiático] poderia ainda ser pior [para Israel] se jornalistas estrangeiros tivessem permissão para entrar no território palestino”. Ou, conforme o correspondente da revista britânica The Economist, Gideon Lichfield, escrevendo no diário israelense Haaretz, é difícil vencer a guerra de propaganda [se é que de “propaganda” se trata], quando os números mostram [mostravam, àquele altura] “600 palestinos mortos de um lado e 9 israelenses de outro”. Impossível não lembrar da resposta de Picasso ao oficial alemão na França ocupada que lhe perguntara se ele é que tinha feito "isso" - o retrato da destruição da cidade basca de Guernica pela aviação alemã na guerra civil espanhola. "Não", respondeu o pintor. "Foram vocês." "O que você não sabe sobre Gaza" Sob esse título, o New York Times publicou na quinta-feira o seguinte artigo de Rachid Kahlidi, professor de Estudos Árabes da Universidade Columbia: ”Quase tudo o que você foi levado a crer sobre Gaza está errado. Abaixo, alguns pontos essenciais que parecem ausentes da conversação, muito da qual se desenrola na imprensa, sobre os ataques de Israel à Faixa de Gaza. A maior parte dos habitantes de Gaza não está lá por escolha. A maioria do 1,5 milhão de pessoas que abarrotam os cerca de 360 quilometros quadrados da Faixa de Gaza pertencem a famílias que vieram de cidades e aldeias em outros lugares, como Ashkelon e Beersheba. Foram tocadas para Gaza pelo exército israelense em 1948. Os gazenses têm vivido sob ocupação israelense desde a Guerra dos Seis Dias em 1967. Israel continua sendo considerado em ampla medida um poder ocupante, mesmo depois de retirar as suas tropas e colonos da Faixa em 2005. Israel continua controlando o acesso à área, as importações e exportações, e a entrada e saída das pessoas. Israel controla o espaço aéreo de Gaza e a costa marítima, e as suas forças entram na área ao seu bel-prazer. Como poder ocupante, Israel responde, sob a Quarta Convenção de Genebra, pelo bem-estar da população civil da Faixa de Gaza. O bloqueio da Faixa por Israel, com o apoio dos Estados Unidos e da União Européia, tornou-se cada vez mais estrito desde que o Hamas venceu as eleições para o Conselho Legislativo Palestino em janeiro de 2006. Combustível, eletricidade, importações, exportações e o movimento pela fronteira têm sido lentamente sufocados, criando problemas devastadores de saneamento, saúde, suprimento de água e transporte. O bloqueio sujeitou muitos ao desemprego, à penúria e desnutrição. Isso equivale à punição coletiva – com o apoio tácito dos Estados Unidos – de uma população civil por exercer seus direitos democráticos. O levantamento do bloqueio, juntamente com a cessação dos lançamentos de mísseis, era um dos termos cruciais do cessar-fogo de junho entre Israel e o Hamas. Esse acordo reduziu o número de mísseis disparados de Gaza de centenas, em maio e junho, a um total inferior a vinte nos quatro meses seguintes (conforme dados do governo israelense). O cessar-fogo ruiu quando forças israelenses lançaram ataques por ar e terra no início de novembro; seis ativistas do Hamas foram mortos, ao que se divulgou. Usar civis como alvo, seja pelo Hamas ou por Israel, é um crime de guerra em potencial. Toda vida humana é preciosa. Mas os números falam por si: cerca de 700 palestinos, a maioria civis, foram mortos desde que o conflito estourou no fim do ano passado. Em contraste, houve cerca de uma dezena de israelenses mortos, muitos deles soldados. A negociação é um meio muito mais efetivo de lidar com mísseis e outras formas de violência. Isso poderia ter acontecido se Israel tivesse cumprido os termos do cessar-fogo de Junho e levantasse o bloqueio da Faixa de Gaza. A guerra ao povo de Gaza não é realmente sobre mísseis. Nem sobre “restaurar a capacidade dissuasória de Israel”, como a imprensa israelense quer levá-lo a crer. Muito mais reveladoras são as palavras de Moshe Yaalon, então chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, em 2002: “Os palestinos devem ser levados a entender nos mais profundos recessos de sua consciência que são um povo derrotado.” |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 11 de janeiro de 2009
Do observatorio da Imprensa
sábado, 10 de janeiro de 2009
Brilhante texto sobre a midia de esgoto...
A BBC sem olhos, em Gaza
Muhammad Idrees Ahmad é militante da Spinwatch.org.
Seu blog está em www.Fanonite.org.
Dia 29 de fevereiro do ano passado, a página da BBC na internet mostrou um dos assessores do ministro da Defesa, deputado Matan Vilnai, ameaçando Gaza de "um holocausto". Com manchete em que se lia "Israel ameaça Gaza de 'holocausto' ", a matéria passou por nove revisões nas 12 horas seguintes. Antes do fim do dia, a manchete dizia "Militantes pró-Gaza 'arriscam-se a sofrer um desastre' ". (Depois, a matéria continuou a ser modificada, acrescida de uma nota de desculpas). Um funcionário do governo de Israel que ameace alguém de "holocausto" pareceu inadmissível, até para quem, rotineiramente invoca o mesmo espectro para afastar qualquer crítica que apareça contra o comportamento criminoso do Estado de Israel. Mas a nova versão da manchete jogou toda a responsabilidade e a culpabilidade claramente sobre os "militantes pró-Gaza".
Poder-se-ia argumentar que a radical alteração que a BBC promoveu na história refletiria a sensibilidade da rede ao tipo de pressão pela qual é bem conhecida a bem azeitada máquina do lobby israelense. Mas, como se pode demonstrar com vários exemplos, essa história só é excepcional porque, na primeira versão, o fato foi corretamente noticiado – e divulgou-se informação correta que poderia arranhar a imagem de Israel. A BBC auto censurou-se. Mais uma vez, censura reflexa.
Para encontrar provas do jornalismo vicioso que a BBC pratica, basta recolher amostras do noticiário sobre a guerra em curso entre Israel e Palestina que se vê hoje na internet. Em momento de conflito declarado, a cobertura da BBC acompanha invariavelmente o ponto de vista de Israel. Mais do que em qualquer outro aspecto, vê-se isso nos aspectos semânticos e no enfoque da reportagem. Mais do que no viés quantitativo (aspecto que foi meticulosamente examinado pelo Glasgow University Media Group, em estudo intitulado "Más notícias de Israel"), é o viés qualitativo que, de fato, encobre a realidade da situação. Isso se faz, quase sempre, construindo-se uma falsa paridade, um falso equilíbrio, falsificando-se uma isenção jornalística que iguala tudo, o poder, as culpas, a legitimidade, também do jornalismo. No atual conflito, tudo se repete.
"Líder do Hamás morto em ataque aéreo" foi a manchete na página internet da BBC, na 5ª-feira. À parte a manchete que 'legaliza' uma morte, são 14 parágrafos e a necessária referência a quatro israelenses mortos, antes da informação de que "pelo menos mais nove pessoas morreram, entre as quais quatro membros da família do líder assassinado, no bombardeio contra sua casa, no campo de refugiados de Jabaliya."
De fato, houve 16 mortos, 11 dos quais crianças; 12 feridos, 5 dos quais, crianças; 10 casas foram destruídas e mais 12 ficaram abaladas e ainda podem desabar. De fato, foi um massacre, uma carnificina.
Se o Hamás bombardeasse e matasse 28 cidadãos israelenses, dos quais, 16 crianças... a cobertura seria diferente. Seria infindável. Seria o que foi a cobertura da BBC para a evacuação dos colonos israelenses ilegalmente instalados em Gaza, em 2005, em terra roubada. Mike Sergeant, da BBC, sentado em Jerusalém, não é homem de sentimentalismos. Então, não há civis mortos na Palestina. A tragédia da Palestina é uma massa de corpos sanguinolentos que Sergeant coroa com "é clara indicação de que os militares israelenses sabem onde estão escondidos os líderes do Hamás."
"Israel reage ao ataque do Hamás," foi a manchete obscena do dia seguinte, na primeira página. Com a palavra Hamás sempre antecedida de "terroristas do" ou "militantes do" e sempre sobre imagens de corpos mutilados e destroços, o leitor médio facilmente aceita que não pode haver nada pior do que o Hamás. "Deu na internet" que a quarta mais poderosa máquina de matar do mundo está enfrentando um exército muito maior, mais cruel, mais poderoso, chamado Hamás, na Palestina. Depois, a BBC informou que, dentre outros "alvos", Israel bombardeou uma mesquita e uma família que dormia em casa.
A manchete da BBC, no mesmo dia, horas mais tarde – "Gaza enfrenta 'emergência crítica' " – foi até melhor. No texto, cita-se Maxwell Gaylard, coordenador do auxílio humanitário da ONU na região, que fala da extensão da crise humanitária. Depois, o alerta da Oxfam: a situação piora dia a dia; não há água potável, combustível, comida; os hospitais estão sobrecarregados e os esgotos vazam nas calçadas.
Em seguida, vem "o outro lado": Israel declarou, informa a BBC, que "não faltam nem comida nem remédios". Não seria difícil verificar quem mente e quem diz a verdade. Mas a investigação, nesse caso, provavelmente, violaria "o reconhecido padrão de isenção da BBC."
Há outro motivo, mais mundano, pelo qual a BBC não investigou, mas está escondido na linha do artigo.
Israel, lemos ali, "recusa-se a permitir a entrada de jornalistas internacionais em Gaza" (incluídos na proibição, é claro, jornalistas da BBC). Qualquer boa ética jornalística obrigaria a informar, na primeira linha, que ninguém sabe o que está acontecendo em Gaza. Que o jornalismo mundial alimenta-se hoje dos folhetos de propaganda distribuídos pelo exército de Israel.
O ato final da chicana vem em forma de barra lateral, na qual se contabiliza o número de Qassam disparados pelos palestinenses, por dia do conflito. Inacreditável, mas em matéria jornalística que se oferece como análise das conseqüências do bloqueio e dos bombardeios feitos por Israel, não se contabilizam os mísseis e bombas de fragmentação e de fósforo e a artilharia pesada, de Israel, que chove sobre a Palestina.
A fonte da qual a BBC recolhe suas informações isentas é o Intelligence and Terrorism Information Center, de Israel. A BBC não noticia que se trata de um instituto "privado" (um think tank), órgão do cinturão militar de propaganda israelense que, de acordo com o The Washington Post, "é diretamente ligado às lideranças militares israelenses e mantém escritório no prédio do ministério da Defesa." Falas de palestinenses, por sua vez, jamais são confiáveis e sempre aparecem entre aspas... por mais que seja facílimo verificar se são fato, ou se são propaganda comprada.
As aspas são sinal muito útil para mostrar que ali pode haver alguma mentira, algum interesse ocultado, alguma opinião pela qual a BBC não se responsabiliza. É recurso útil, se for aplicado com critério. Na BBC, não é.
Para ficarmos só num exemplo: depois da guerra do Líbano, quando a Anistia Internacional acusou os dois lados, Israel e o Hizbóllah, de terem praticado crimes de guerra, a acusação feita a Israel apareceu, na página da BBC, entre aspas. A acusação feita ao Hizbóllah... foi publicada sem aspas.
Assim, com manipulação sutil – e também com manipulação nada sutil – da linguagem, a BBC está ocultando de seus leitores a horrenda realidade da Palestina ocupada.
No léxico da reportagem da BBC, os palestinenses "morrem"; os israelenses "são mortos" ("morrer" implica causas naturais; "ser morto" implica ser assassinado... pelo Hamás); os palestinenses "provocam"; os israelenses "respondem"; os palestinenses "alegam"; os israelenses "declaram".
Além disso, escolas, mesquitas, universidade e postos de policiamento de trânsito são órgãos da "infra-estrutura do terror do Hamás"; os "militantes" "enfrentam" aviões F-16s e helicópteros Apache. O "terrorismo" é item presente no DNA dos palestinenses; os israelenses "defendem-se" – sempre, todos os dias, fora das fronteiras de Israel.
Todos os debates, comecem onde começarem e sejam quais forem os fatores ou as circunstâncias, estão relacionados com a "segurança" de Israel – os palestinos não precisam de segurança. Se se fala do muro que cerca terra anexada na Cisjordânia, só se fala da "efetividade" da barreira (de segurança). Nos casos, muito raros, em que se ouça alguma voz palestinense articulada, o debate é introduzido por matéria pré-editada, que visa a pô-la na defensiva. Quando tudo falha, sempre há o excelente argumento "da isenção". Quando a BBC não consegue acomodar os fatos em imagens, então recorre aos recursos de linguagem.
E há os contextos: a violência praticada por Israel sempre é analisada em termos de "objetivos"; a violência palestinense é sempre "absurda". O leitor médio é manipulado. E a palavra "ocupação" praticamente jamais apareceu na cobertura feita pela BBC. Nas últimas 20 matérias publicadas sobre Gaza, na página Internet da BBC, não aparece nem uma vez. E, se "ocupação" apareceu alguma vez... a expressão "Resoluções da ONU", essa, jamais foi ouvida ou lida. Na televisão é ainda pior, e o ponto de vista de Israel predomina absolutamente.
Embora seja difícil saber quem escreve os boletins que a BBC distribui, há meios para conhecer o contexto de opinião editorial no qual os jornalistas trabalham, por exemplo, em artigo do The Observer assinado pelo editor da BBC para o Oriente Médio, Jeremy Bowen – homem cujas ralas competências analíticas só se comparam à sua ignorância em matéria de história. Atrelado ao cavalo de batalha da BBC – a "isenção" – que se intromete em cada linha, Bowen acrescenta ao clichê a omissão. Não se fala em ocupação.
Bowen foi convenientemente posto em Sderot – onde foram instalados todos os jornalistas de confiança do departamento de propaganda do exército de Israel, bem longe do alcance dos rojões do Hamás, para que possam informar sem risco (e portanto com simpatia) –, e faz o que o mandaram fazer. Pelo 'outro lado', não há correspondentes para contar o que se passa nas áreas sobre as quais chovem as bombas israelenses. "Mortos entre a população civil" é ruim, mas só na medida em que impliquem "muita publicidade negativa para Israel". A partir dessa constatação, ele então conclui que "em nome da isenção, deve-se dizer que [Israel] não acerta todos os alvos que gostaria de acertar. Acertasse, o número de mortos seria muito maior." Então, especula sobre os possíveis objetivos de Israel; mas, apesar da obsessão com "os dois lados", nada diz sobre possíveis objetivos do Hamás.
Numa conferência em Londres, em 2004, um jornalista da BBC que trabalhava nos Territórios Palestinenses Ocupados contou-me que, no que tenha a ver com Israel, os parâmetros editoriais são são estreitos, que os jornalistas acabam aprendendo a adaptar as matérias para não terem problema com os editores. Ao mesmo tempo, os editores também logo aprendem a não criar problemas para os chefes e gerentes que são funcionários públicos nomeados. Desde os dias de Lord Reith, fundador da BBC, que ensinou o establishment a "confiar [que a BBC] nunca seria realmente isenta" em matéria de política internacional, a empresa tem atuado praticamente como braço de propaganda do Estado (alguma independência que tenha algum dia tido evaporou no expurgo executado por Tony Blair, no início do Inquérito Hutton).
Ao contrário do que se lê na maioria dos jornais dos EUA, cujos jornalistas mais progressistas não se cansam de elogiar a BBC, em comparação com a mídia nos EUA, a cobertura que a BBC tem dado aos eventos do Oriente Médio é pífia.
Como observou um especialista em estudo de mídia, David Miller, durante a guerra do Iraque ouviram-se menos vozes de oposição à guerra na BBC do que nos jornais norte-americanos. Estudo do Frankfurter Allgemeine Zeitung descobriu que a BBC é a empresa jornalística menos tolerante à crítica, dentre todos os jornais analisados, em cinco países.
Exatamente quando o correspondente da BBC no Iraque festejava a queda de Bagdá em termos de "Blair está vingado", o correspondente em Washington foi muito mais cauteloso na exultação: "Não há dúvidas de que o ímpeto de levar o bem, de levar valores norte-americanos ao resto do mundo, especialmente hoje, como se vê, ao Oriente Médio, está intimamente ligado ao poderio militar dos EUA."
A parcialidade da BBC na cobertura do conflito Israel-Palestina é simples reflexo da íntima afinidade que há entre sucessivos governos ingleses e Israel. Tanto Blair quanto seu successor Gordon Brown foram membros do grupo "Labour Friends of Israel". O ministro das Relações Estrangeiras, David Miliband, tem parentes que são colonos em áreas da Cisjordânia. Os três maiores escândalos de corrupção nos últimos cinco anos envolveram líderes do partido New Labour e dinheiro de milionários judeus sionistas (todos membros da confraria "Labour Friends of Israel").
Se a BBC não é imparcial, muito mais parcial é o governo inglês; a BBC apenas reflete a parcialidade 'oficial'. Apesar das pressões do lobby israelense, o ombudsman da BBC ("Independent Panel") concluiu recentemente que a cobertura da luta dos palestinenses não foi "ampla e equilibrada" e que apresentou "quadro parcial e, nesse sentido, enviesado".
Contudo, embora seja imenso o abismo que separa o mundo paralelo em que a BBC vive e os fatos que a mídia independente tem testemunhado e relatado, John Pilger escreveu: "Apesar das vozes que, na BBC, operam para tornar idênticos o ocupante e o ocupado, o ladrão e a vítima, apesar da avalanche de e-mails de elogios enviados pelos fanáticos de Sion, apesar do esforço para ocultar o empenho do Estado de Israel para destruir a Palestina, a verdade é hoje muito mais visível do que jamais foi."
O artigo original,em inglês, pode ser lido em:
http://electronicintifada.net/v2/article10122.shtml
www.viomundo.com.br
De Israel, Gideon Levy convida: "Vamos pensar na outra metade de nossa humanidade"
Corneteiro, à contra-mão
Gideon Levy, no jornal israelense Haaretz, Telavive
http://www.haaretz.com/hasen/pages/ShArt.jhtml?itemNo=105391
E também: "Como se pode falar da racionalidade de homens que prometem qualquer coisa, inclusive matar, em assassinatos que os governos, isso é, alguns homens que chegam a algumas posições, comandarão?" Pode-se também recorrer a "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas". Mas há outra via: posso admitir que também sou patriota.
Poderia citar um e-mail que recebi de Mahmut Mahmutoglu, da Turquia: "Você é uma das mais belas vozes que vejo ou ouço, de Israel ... Hoje, depois de ler sua coluna, cheguei ter esperanças de paz e a crer que a humanidade prevalecerá." Porque há também Robert, que escreve de Israel, e que comentou a mesma coluna com uma frase: "Não sou médico, mas esse cara é doente." Ou o leitor George Radnay, um, dentre centenas, que escreveu de New York: "Exílio interno à moda russa. Deve ser instituído em Israel. Você e outros inimigos da raça humana devem ser exilados em Sderot. Sem poder fugir! Pregar o ódio, de bolso cheio e em poltrona estofada e com passaporte! Você deve ser preso em nome da decência e da paz."
A vasta maioria quer banir qualquer tipo de crítica, toda e qualquer manifestação de pensamento alternativo, de todos os sentimentos heréticos, sobretudo no que tenham a ver com essa guerra, a qual já estou cansado de amaldiçoar.
Nessa guerra, em todas as guerras, um espírito do mal desce sobre os homens. Um colunista pressuposto iluminado descreve a horrenda coluna de fumaça que sobe de Gaza como "pintura espetacular"; o ministro da Defesa diz que as centenas de funerais em Gaza são demonstração das "realizações" de Israel; uma manchete enorme, "Feridos em Gaza" refere-se só a soldados israelenses feridos e vergonhosamente ignora os milhares de feridos palestinenses, cujas feridas não podem ser medicadas nos superlotados hospitais de Gaza; comentaristas objeto de lavagem cerebral festejam o imaginário sucesso da incursão; soldados objeto de lavagem cerebral pulam de arma na mão, na orgia do próximo combate, para matar, matar, para destruir homens e mulheres em massa, e provavelmente, deus nos guarde, para destruir-se também, eles mesmos, chacinar famílias inteiras, mulheres e crianças; apavorantes imagens idênticas ao que se viu em Darfur, do hospital Shifa, mostram crianças agonizando pelo chão; e a resposta patriótica é urrar: "Hurrah! Bem-feito! Hurrah! Glória ao país que faz tudo isso, essa barbárie."
Chora, meu país amado; esse não é o meu patriotismo. Mas meu patriotismo, ainda assim, é supremo patriotismo.
De fato, a reação furiosa contra qualquer mínimo farrapo de crítica faz-me pensar que, talvez, alguns israelenses já saibam, no fundo de seus corações esterilizados, dessensibilizados, que algo terrível arde sob seus próprios pés, que uma vasta conflagração ameaça fazer explodir o grosso, denso, estupefaciente, paralisante, espesso, venenoso nevoeiro que os envolve.
Que talvez não sejamos tão certos, tão bons como nos repetem que seríamos, da manhã à noite, talvez algo de horrendo esteja acontecendo ante os nossos olhos arregaladamente fechados. Se os israelenses tivessem tanta certeza da correção de sua causa, não seriam tão violentamente intolerantes, contra tudo e todos que tentam defender outra causa, outro ponto de vista.
Esse é precisamente a hora para criticar; não há melhor hora do que essa. Essa é a hora das grandes perguntas, das perguntas radicais, das perguntas decisivas.
Não perguntemos apenas se esse ou aquele outro movimento da guerra é certo ou errado, nem nos preocupemos apenas com estarmos ou não avançando "conforme planejado". Temos também que perguntas se a própria idéia de nos ter posto nessa guerra é boa para os judeus, se é boa para Israel, e se o outro lado merece a desgraça que Israel lançou sobre ele.
Sim, até nas guerras – e sobretudo nas guerras – é preciso pensar também no outro lado. Saber que "crianças do sul" não significa apenas as crianças de Sderot, mas também as crianças de Beit Hanun, cujo destino é imensuravelmente mais amargo.
Nos encolher de vergonha e de culpa, à vista do Hospital Shifa não é traição: é sinal de que somos humanos. É sinal de que Israel conserva sua humanidade básica. É imperioso preocupar-se com o destino daquelas crianças, perguntar se é inevitável aquele sofrimento, se é justo, moral, legítimo. Perguntar se as coisas poderiam ter sido feitas de outro modo. Perguntar se não teria sido mais certo tentar outra linguagem, que não fosse a linguagem da violência, da força, que Israel invoca, sempre, rotineiramente, como a única linguagem que somos capazes de usar, a única que somos competentes para articular, como se nem soubéssemos que há outras.
É hora de perguntar sobre a atitude moral de Israel. A hora é agora, é precisamente agora, nenhum momento seria mais adequado; lançar dúvidas sobre essa horrenda guerra, perguntar se é útil, não fechar os olhos para o sangue e a dor do outro lado da fronteira, lá, do outro lado, na outra metade da nossa mesma humanidade.
O nosso tempo não pode ser tempo só de militarismo, só de uniformes e das fanfarras da guerra. O nosso tempo também é tempo de humanidade, de visão crítica, de compaixão. É tempo para uma imprensa que pensa, que critica, imprensa para seres humanos, não só tempo de imprensa insensível, cega, bestial. É tempo para uma imprensa que busque a verdade, não só e sempre um mesmo lado de propaganda e mentiras. Nosso tempo é precisamente o tempo de informar a opinião pública sobre os dois lados, sobre os dois lados da fronteira, por terrível que seja mostrar o outro lado das fronteiras de Israel, sem mentir, sem encobrir, sem varrer o horror (nosso horror) para baixo do tapete. Que os leitores façam o que queiram com a informação; que festejem ou que chorem sobre ela; mas que saibam o que está sendo feito em seu nome. Hoje, esse é o único papel que se pode esperar de jornalistas que tenham olhos na cara, cérebro no crânio e que, sobretudo, tenham alguma espécie de coração no peito.
Gente que use todos os seus sentidos em tempos difíceis, não é gente menos patriótica do que os que fechem os olhos, obscureçam os sentidos, deixem que lhes lavem o cérebro. Quem mais for patriota hoje, em Israel, tem de dizer: "Basta!"
Patriotismo? Quem sabe aferir quem mais ajuda e quem mais desgraça o Estado de Israel hoje? E unir-se ao coro dos cegos, dos imbecis? Mais ajuda ou mais desgraça Israel hoje? Ou, talvez, a melhor e maior contribuição que se possa oferecer à democracia e à imagem do Estado de Israel, hoje, seja levantar as questões, propor as perguntas mais duras, mais difíceis, hoje, precisamente nesses tempos? Será hora para silenciar, e esfrangalhar ainda mais a frágil democracia israelense, ou será hora de tentar salvá-la, de defender não só o direito de calar e concordar, mas, hoje, também o direito de gritar, discordando? O punhado de israelenses que lutam para salvar Israel serão, talvez, menos bons israelenses? Serão talvez menos preocupados com o destino do país, do que a maioria, que hoje já nada vê, se não for pela mira dos canhões?
E desde quando alguma maioria seria garantia de justiça? Faltam exemplos na história de Israel? Na história moderna, na história antiga, na história universal ou na história de Israel, de casos em que a maioria esteve mortalmente errada, e a minoria, certa?
Será que uma voz diferente, baixa, ocultada que seja, mas que ainda assim emerge de dentro dessa Israel escura da "maioria", não poderá lançar alguma luz sobre Israel, mais para salvar Israel aos olhos da comunidade internacional, do que para ofender Israel? Um assovio na escuridão sempre é um assovio, um sinal de vida, quando a escuridão que desceu sobre Israel nada é, se comparada à escuridão que Israel fez descer sobre Gaza.
A hora é hoje, para perguntar as perguntas que – ninguém duvide – serão perguntadas depois, então, é claro, desgraçadamente tarde demais. E quem é o traidor? Quem decidiu em nosso nome que fazer essa guerra seria patriotismo, ou quem diga que fazer essa guerra é trair Israel? Só seriam patriotas os militares, os nacionalistas, os chauvinistas que, sim, há em Israel? Só esses? Só eles? Terão alguma franquia proprietária, sobre o patriotismo? Ou, talvez, serão patriotas os judeus norte-americanos da extrema-direita? Aqueles que entram em delírio orgiástico cada vez que Israel põe-se a matar e destruir? Quem decide sobre patriotismo? Não será o caso de ver que o terrível dano que Israel está sofrendo, por causa dessa guerra, é, esse sim, a maior de todas as traições?
Já cobri outras guerras. No inverno de 1993, vi Sarajevo sitiada e vi lá o que nunca havia visto em Israel. Até que começou a guerra de Gaza. Nunca conseguirei esquecer uma velha, bósnia, escavando a terra com os dedos, à procura de alguma raiz para comer. Não esquecerei o pânico, nas ruas, para escapar dos tiros, a bomba que destruir o mercado, a música que vinha de um rádio velho, numa noite de nuvens pesadas, de dentro da escuridão, em plena cidade sitiada: "La ultima noche." A última noite. No verão passado cobri a guerra da Georgia, vi refugiados correndo, com seus miseráveis pertences, tentando encontrar algum abrigo, qualquer abrigo, os olhos duros, cheios de medo e de ódio. Naquelas duas guerras senti-me distante, afastado, dessensibilizado, como correspondente de guerra que vive de uma guerra para a outra, para outra. Naquelas guerras, não éramos cúmplices, nem eu era cúmplice, nem meus filhos eram cúmplices, nem os amigos dos meus filhos eram cúmplices de um crime.
Então, foi fácil, para mim, emocionalmente e relativamente fácil, naquele caso, cobrir a guerra, escrever sobre ela. Hoje e aqui, não. Hoje e aqui se trava a minha guerra, nossa guerra, guerra pela qual todos os israelenses somos responsáveis, e pela qual todos somos culpados.
Indispensável, inadiável, para todos os israelenses fazer ouvir a nossa voz, uma voz diferente, "alucinatória", talvez, para ouvidos dessensibilizados, insensíveis, voz que soa como "traição", de "ódio aos judeus". Uma voz diferente. Uma voz que diz "Não!" a essa guerra. É mais do que direito meu, direito nosso; é nosso absoluto dever em relação ao Estado ao qual estamos tão visceralmente ligados. Vai-se ver, somos nós, sou eu, o canalha patriota.
Vida Vegetariana...
www.vidavegetariana.com
Todo mundo sabe o quanto é importante adquirir hábitos saudáveis de alimentação desde a infância para se ter boa saúde ao longo da vida. Isso é o que acontece na cooperativa de ensino Vela Verde da cidade de Alfragide, em Portugal, em que o ovo-lacto-vegetarianismo é praticado.
Crianças entre 3 e 5 anos de idade aprendem a pôr a mesa, cuidar da horta orgânica da cooperativa e, as vezes, chegam a cozinhar.
"Consideramos que não há recursos alimentares suficientes no mundo para se comer tanta carne e tanto peixe. É bom que as crianças conheçam, desde pequenas, alternativas que sejam tão válidas em termos nutritivos", explica Lusa Margarida Zoccoli, mãe e uma das fundadoras da Vela Verde.
A creche da cooperativa, que funciona há 9 anos, surgiu com a dificuldade que os pais enfrentavam para encontrar uma instituição que tivesse uma filosofia de sustentabilidade.
Das 25 crianças que alí passam o dia, apenas uma é vegetariana. Mas segundo Lusa, elas passam a adaptar-se aos legumes, verduras e aceitam, sem problemas, a dieta vegetariana praticada. "Eu antigamente não gostava de couve, mas agora papo", conta João, de quatro anos, durante o almoço, em que até repetiu a salada.
Na Vela Verde, a carne e o peixe são substituídos por outras proteínas animais (ovos, leite e queijo), proteínas vegetais (tofu, seitan e soja) e proteínas que se encontram nas leguminosas (feijão, grão, lentilhas). Esta opção alimentar está também ligada a outros aspectos pedagógicos articulados, diz Lusa.
Ali, cada ano letivo "começa do zero". No jardim-de-infância as crianças já percebem que há coisas que é preciso ajudar a fazer, então marcam num mapa as tarefas de cada um, como pôr a mesa ou tratar da horta. "A aprendizagem das crianças é feita em contexto real. Por exemplo, não é vamos brincar na horta, mas sim vamos fazer uma horta", explica.
Dar continuidade em casa ao que se passa dentro da sala de aula é um dos objetivos da comunicação diária entre a escola e os pais, por e-mail, telefone ou através do sumário do dia que os meninos ajudam a escrever e é afixado na porta da sala.
A comunicação até passa pelo intercâmbio de receitas. "Temos percebido que muitas famílias estão a adotar um regime alimentar idêntico ao da escola. Ajudamos as pessoas a encontrarem alternativas que não sabem onde estão", conclui Lusa.
Jazz de Shirley Scott...
Shirley Scott - Lean on me
O disco conta com a participação de vários jazzman's que contribuem muito para que uma sonzeira fina seja feita, destaco entre eles o baterista Idris Muhammad.
Drums - Idris Muhammad
Engineer - Steve Katz
Flute, Saxophone [Alto] - J. Daniel Turner
Guitar - Roland Prince
Organ - Shirley Scott
Saxophone [Tenor] - George Coleman
01. Lean on me
02. Royal love
03. Smile
04. Funky blues
05. By the time i get to Phoenix
06. How insensitive
07. You can't mess around with love
08. Carla's dance
...Bon Voyage!
ao som de Shirley Scott
Uploader: Jazz(notas agudas)
causa palestina...
Irã pede apoio do Brasil em julgamento contra Israel
O documento foi entregue pelo ministro iraniano de Assuntos Cooperativos, Mohammad Abbassi, ao assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência brasileira, Marco Aurélio Garcia, confirmaram porta-vozes da Presidência.
A carta também exige o cessar-fogo imediato em Gaza, a retirada do Exército israelense e a reabertura dos acessos à ajuda humanitária na região, explicou Abbassi em entrevista coletiva realizada na embaixada iraniana. O enviado iraniano disse que o "Holocausto real aconteceu hoje em Gaza", recolheu a Agência Brasil.
Abbassi foi também recebido pelo ministro de Assuntos Exteriores, Celso Amorim, que visitará Israel, a Autoridade Nacional Palestina, Síria e Jordânia entre os próximos domingo e terça-feira.
As autoridades brasileiras reafirmaram a Abbassi a posição do Governo sobre a necessidade de aumentar os esforços por um "cessar-fogo imediato" e pela facilitação da distribuição de ajuda humanitária entre as vítimas palestinas.
Em sua viagem ao Oriente Médio, Amorim se reunirá com representantes dos Governos da região para tentar intensificar suas gestões diplomáticas para encontrar uma saída pacífica às hostilidades.
O ministro ligou para o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para o da Liga Árabe, Amre Moussa, e para seus colegas de Estados Unidos, França, Egito, Turquia, Síria, Espanha e Suíça.
A iniciativa partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que criticou duramente a Organização das Nações Unidas (ONU) por sua falta de "coragem" para resolver o conflito, o que, assegurou, se deve ao poder de veto dos EUA no Conselho de Segurança.
O Israel prosseguiu em sua ofensiva em Gaza após rejeitar o chamado do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo na faixa, onde o número de mortos se aproxima de 800 ao cumprir-se hoje duas semanas de guerra.
Fonte: G1
sexta-feira, 9 de janeiro de 2009
A voz de um homem exemplar
Essa guerra, talvez mais que as anteriores, está expondo as veias profundas da sociedade de Israel. Racismo e ódio erguem a cabeça, o vingancismo e a sede de sangue. A "tendência do comando" no exército de Israel hoje é matar, "matar o mais possível", nas palavras dos porta-vozes militares, na televisão. E ainda que falassem dos combatentes do Hamas, ainda assim essa disposição seria sempre horrenda.
A fúria sem rédeas, a brutalidade é chamada de "exercitar a cautela": o apavorante balanço do sangue derramado – 100 palestinos mortos a cada israelense morto – não levanta questões, como se Israel tivesse decidido que o sangue dos palestinos vale 100 vezes menos que o sangue dos israelenses, o que manifesta o inerente racismo da sociedade de Israel. Direitistas, nacionalistas, chauvinistas e militaristas são o bom-tom da hora. Ninguém fale de humanidade e compaixão. Só na periferia ouvem-se vozes de protesto – desautorizadas, descartadas, em ostracismo e ignoradas pela imprensa –, vozes de um pequeno e bravo grupo de judeus e árabes.
Além disso tudo, soa também outra voz, a pior de todas. A voz dos cínicos e dos hipócritas. Meu colega Ari Shavit parece ser o seu mais eloquente porta-voz. Essa semana, Shavit escreveu nesse jornal ("Israel deve dobrar, triplicar, quadruplicar a assistência médica em Gaza", Haaretz, 7/1): "A ofensiva israelense em Gaza é justa (...). Só uma iniciativa imeditata e generosa de socorro humanitário provará que, apesar da guerra brutal que nos foi imposta, nos lembramos de que há seres humanos do outro lado."
Para Shavit, que defendeu a justeza dessa guerra e insistiu que Israel não poderia deixar-se derrotar, o custo moral não conta, como não conta o fato de que não há vitória possível em guerras injustas como essa. E, na mesma frase, atreve-se a falar dos "seres humanos do outro lado". Shavit pretende que Israel mate e mate e, depois, construa hospitais de campanha e mande remédios para os feridos? Ele sabe que uma guerra contra civis desarmados, talvez os seres mais desamparados do mundo, que não têm para onde fugir, é e sempre será vergonhosa.
Mas essa gente sempre quer aparecer bem. Israel bombardeará prédios residenciais e depois tratará os feridos e mutilados em Ichilov; Israel meterá uns poucos refugiados nas escolas da ONU e depois tratará os aleijados em Beit Lewinstein. Israel assassinará e depois chorará no funeral. Israel cortará ao meio mulheres e crianças, como máquinas automáticas de matar e, ao mesmo tempo falará de dignidade. O problema é que nada disso jamais dará certo. Tudo isso é hipocrisia ultrajante, vergonhoso cinismo.
Os que convocam em tom inflamado para mais e mais violência, sem considerar as consequências, são, de fato, os que mais se autoenganam e os que mais traem Israel. Não se pode ser bom e mau, ao mesmo tempo. A única "pureza" de que cogitam é "matar terroristas para purificar Israel", o que significa, apenas, semear tragédias cada vez maiores. O que está sendo feito em Gaza não é desastre natural, terremoto, inundação, calamidades em que Israel teria o dever e o direito de estender a mão aos flagelados, mandar equipes de resgate, como tanto gostamos de fazer. Toda a desgraça, todo o horror que há hoje em Gaza foi feito por mãos humanas – as mãos de Israel. Quem tenha mãos sujas de sangue não pode oferecer ajuda.
Nenhuma compaixão nasce da brutalidade. Pois ainda há quem pretenda enganar todos todo o tempo. Matar e destruir indiscriminadamente e, ao mesmo tempo, fazer-se de bom, de justo, de homem de consciência limpa. Prosseguir na prática de crimes de guerra, sem a culpa que os acompanha sempre. É preciso ter sangue frio. Quem justifica essa guerra justifica todos os crimes.
Quem prega mais guerra e crê que haja justiça em assassinatos em massa perde o direito de falar de moralidade e humanidade. Não existe qualquer possibilidade de, ao mesmo tempo, assassinar e reabilitar aleijados. Esse tipo de atitude é perfeita representação das duas caras de Israel, sempre alertas, ao mesmo tempo: praticar qualquer crime, mas, ao mesmo tempo, auto-absolver-se, sentir-se imaculado aos próprios olhos. Matar, demolir, espalhar fome e sangue, aprisionar, humilhar – e sentir-se bom, sentir-se justo (sem falar em não se sentir cínico). Dessa vez, os senhores-da-guerra não conseguirão dar-se esses luxos.
Quem justifica essa guerra justifica todos os crimes. Quem diga que se trata de guerra de defesa prepare-se para suportar toda a responsabilidade moral pelas consequências do que faz e diz. Quem empurra os políticos e os militares para ainda mais guerra, saiba que carregará a marca de Caim estampada na testa, para sempre. Os que apóiam essa guerra, apoiam o horror".
Tradução: Caia Fitipaldi
Créditos: Marco Aurélio Weissheimer
Nazismo, sionismo e genocidio...
NAZISMO: A CONEXÃO NORTE-AMERICANA.
Como se deu a intensa colaboração intelectual entre o nazismo e cientistas e personalidades dos EUA, nos anos 1920 e 30. Por que Hitler encantou-se com Henry Ford. Omitidos pela história oficial, fatos sugerem repensar as relações entre modernidade, homogenização e totalitarismo
Michael Löwy , Eleni Varikas
Le Monde Diplomatic
Certos autores, como Daniel Goldhagen, tentam explicar o nazismo como uma perversidade anti-semita exclusivamente alemã. Outros, como Ernst Nolte, com um espírito visivelmente apologético, falam de comportamento “asiático” ou de imitação dos bolcheviques. E, se o racismo e o anti-semitismo nazistas tinham origens ocidentais [1] e, até mesmo, filiações norte-americanas? Entre as leituras favoritas dos fundadores do Terceiro Reich encontra-se o livro de um personagem norte-americano bastante representativo: Henry Ford. Aliás, as doutrinas científicas e as práticas racistas políticas e jurídicas dos Estados Unidos tiveram um impacto não negligenciável sobre as correntes equivalentes na Alemanha.
Essa conexão norte-americana remonta, antes de tudo, à longa tradição da fabricação jurídica da raça — uma tradição que exerce grande fascínio sobre o movimente nazista desde suas origens. Realmente, por razões históricas ligadas, entre outras, à prática ininterrupta, durante séculos, da escravatura dos negros, os Estados Unidos representem, talvez, o único caso de uma metrópole que exerceu tão cedo, e no seu próprio território, uma classificação racista oficial como fundamento da cidadania. Isso se dá por meio das definições da “brancura” e da “negritude” que, apesar de sua instabilidade, perduram há três séculos e meio como categorias jurídicas, e também por políticas de imigração admiradas por Adolf Hitler desde os anos 1920. Ou ainda, por práticas de esterilização forçada praticadas em determinados Estados, várias décadas antes da ascensão do nazismo na Alemanha. A conexão norte-americana, embora não seja a única, oferece um terreno privilegiado para repensar as origens propriamente modernas do nazismo, e suas continuações inconfessas com determinadas práticas políticas das sociedades ocidentais (inclusive democráticas).
Denunciar o anti-semitismo e o genocídio judeu é, hoje, um dos importantes componentes da cultura política dominante nos Estados Unidos. Tanto melhor. Impera, em contrapartida, um silêncio incômodo sobre alianças, afinidades e conexões entre personagens importantes da elite econômica e científica dos Estados Unidos com a Alemanha nazista. Foi somente ao longo dos últimos anos que surgiram livros que abordam diretamente essas questões embaraçosas. Duas dessas obras merecem uma atenção particular: The Nazi Connection. Eugenics, American Racism and German National Socialism [2], de Stefan Kühl, e The American Axis. Henry Ford, Charles Lindbergh and the Rise of the Third Reich [3], de Max Wallace. Stefan Kühl é um universitário alemão que fez pesquisas nos Estados Unidos e Max Wallace, um jornalista norte-americano estabelecido há muito tempo no Canadá.
Políticas de migração racistas e esterilização forçada nos EUA seduziram nazistas
“Atualmente, existe um país no qual podemos ver os primórdios de uma melhor concepção da cidadania”, escreveu Hitler em 1924. Ele se referia ao esforço dos Estados Unidos para manterem a “preponderância da raça nórdica” por meio de sua política relativa à imigração e à naturalização. O projeto de “higiene racial” desenvolvido em Mein Kampf tomava como modelo o Immigration Restriction Act (1924), que proibia a entrada nos Estados Unidos dos indivíduos portadores de doenças hereditárias, como também de migrantes provenientes da Europa do Sul e do Leste. Quando, em 1933, os nazistas instauraram seu programa para a “melhoria” da população, por meio da esterilização forçada e da regulamentação dos casamentos, eles se inspiraram abertamente nos Estados Unidos, onde vários Estados já aplicavam há décadas a esterilização dos “defeituosos”, uma prática sancionada pela Suprema Corte em 1927.
O estudo notável de Stefan Kühl rastreia essa sinistra filiação, pesquisando os estreitos laços que se tecem entre os eugenistas norte-americanos e os alemães, no período entre as duas guerras; as trocas de idéias científicas e de práticas jurídicas e médicas. Bem documentada e defendida com rigor, a tese principal do autor é: o apoio contínuo e sistemático dos eugenistas norte-americanos aos seus colegas alemães, até a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, e sua adesão à maioria das medidas da política racial nazista constituíram uma fonte importante de legitimação científica do Estado racista de Hitler.
Contrariamente a uma parte considerável da historiografia dominante, Kühl mostra que os eugenistas norte-americanos que se deixaram seduzir pela retórica nazista da limpeza racial não eram um punhado de extremistas ou de marginais, mas um grupo considerável de cientistas cujo entusiasmo não se atenuou quando a retórica nazista tornou-se realidade. O estudo das transformações dessas relações entre as duas comunidades científicas permite ao sociólogo e historiador alemão evidenciar a múltipla influência que os “progresssos” da eugenia norte-americana (notadamente a eficácia de uma política de imigração que “combinava a seleção étnica e eugenista”) exerceram sobre os adeptos da limpeza racial. Kühl também aponta o sucesso que obteve o movimento eugenista dos EUA ao conseguir que fossem adotadas as leis a favor da esterilização forçada.
Enquanto, na República de Weimar, os trabalhadores sociais e os responsáveis pela saúde pública preocupavam-se em reduzir os gastos com a proteção social, os especialistas em higiene racial estavam com os olhos voltados para as medidas de esterilização forçada, praticadas em diversos Estados da América do Norte para reduzir o custo com os “deficientes”. A referência aos Estados Unidos, primeiro país a institucionalizar a esterilização forçada, abunda em todas as teses médicas da época. Uma das explicações comumente utilizadas para interpretar esse status de vanguarda do qual gozava a eugenia norte-americana era a presença dos negros, que teria “obrigado, muito cedo, a população branca a recorrer a um programa sistemático de melhoria da raça”. Essa mesma explicação será apresentada mais tarde pelos apologetas norte-americanos do regime nazista, como o geneticista T. U. H. Ellinger, que comparava a perseguição dos judeus ao tratamento brutal dos negros nos Estados Unidos.
Até a II Guerra, eugenistas norte-americanos aplaudem e colaboram com Hitler
Com a ascensão do nazismo, os eugenistas norte-americanos, a exemplo de Joseph De Jarnette, membro do movimento de esterilização de Virgínia, descobrem, surpresos e fascinados, que “os alemães nos superam no nosso próprio jogo”. O que não impede — ao menos até os Estados Unidos entrarem na guerra (dezembro de 1941) — o apoio ativo às políticas racistas dos nazistas, como também o silêncio da grande maioria dos eugenistas diante da perseguição dos judeus, ciganos e negros.
Na verdade, a comunidade eugenista não foi homogênea, como demonstram as acusações virulentas de cientistas como Herman Muller e Walter Landauer; as do geneticista progressista L.C. Dunn e do célebre antropólogo Franz Boas. Mas, contrariamente aos dois últimos, que eram críticos da eugenia, Muller e Landauer faziam uma crítica científica do nazismo. Ao mesmo tempo em que negavam a hierarquia das raças, reconheciam a necessidade de aperfeiçoar a espécie humana por meio da reprodução de indivíduos “capazes” e da proibição da reprodução dos indivíduos “inferiores”.
O Capítulo 6 do livro de Kühl, (Ciência e racismo: A influência de diferentes conceitos de raça sobre as atitudes em relação às políticas racistas nazistas) apresenta um desmentido à tese canônica, segundo a qual as tendências “pseudocientíficas” da eugenia norte-americana — responsáveis pela lei racista de 1924 sobre a imigração — teriam dado lugar, a partir dos anos 1930, a uma eugenia progressista, mais “científica”, totalmente dissociada da higiene racial.
A complexa tipologia que o autor constrói demonstra que as diferenciações no seio do movimento eugenista norte-americano nada têm a ver com seu futuro mais “científico”. Ele sublinha que a luta no interior da comunidade científica internacional a respeito da política racial nazista era, antes de tudo, uma luta entre posições científicas divergentes, relativas ao aperfeiçoamento da raça e aos meios científicos, econômicos e políticos de consegui-lo.
Por isso, o autor propõe duas noções que considera necessárias para a compreensão do fenômeno estudado — “racismo étnico” e “racismo genético”. O primeiro foi condenado abertamente pelo tribunal de Nuremberg. Já o segundo foi mais difícil. A maioria dos higienistas raciais não foi julgada pela esterilização forçada de 400 mil pessoas. E pesquisas recentes mostraram que uma parte da acusação tentou apresentar os massacres em massa e as experiências nos campos de concentração como práticas separadas da “eugenia autêntica”.
Henry Ford: bem mais que um retrato na parede do Fuhrer
Em 1939, T. U. H. Ellinger escreveu, no Journal of Heredity, que a perseguição aos judeus não era uma perseguição religiosa, mas “um projeto de criação em grande escala, visando eliminar da nação os caracteres hereditários da raça semítica”. E acrescentava: “Mas quando se trata de saber como o processo de criação pode ser realizado com maior eficácia, uma vez que os políticos julgaram-no de utilidade econômica, a ciência pode ajudar até os nazistas”. Alguns anos mais tarde, Karl Brandt, médico responsável pelo programa de eliminação das pessoas deficientes físicas, declarava perante os seus juízes que esse programa tinha sido baseado em experiências norte-americanas, algumas das quais datavam de 1907. Ele citava, para sua defesa, Alexis Carel, que foi nome de um centro de estudos francês até há pouco tempo atrás [4].
A obra de Max Wallace analisa as relações com o nazismo de dois ícones norte-americanos do século 20: o construtor automobilístico Henry Ford e o aviador Charles Lindbergh. Esse, consagrado herói da aviação depois de ter atravessado pela primeira vez o Atlântico (1927), desempenha um significativo papel político, nos anos 1930, como norte-americano simpatizante do Terceiro Reich e, a partir de 1939, como um dos organizadores (juntamente com Ford) da campanha contra Roosevelt, acusado de desejar intervir na Europa contra as potências do Eixo.
Menos conhecido, o caso de Ford é mais importante. Como demonstra muito bem Max Wallace — é um dos pontos fortes do seu livro — a obra The International Jew (O judeu internacional), de Ford, inspirado pelo mais brutal anti-semitismo, teve um impacto considerável na Alemanha. Traduzida a partir de 1921 para o alemão, ela foi uma das principais fontes do anti-semitismo nacional-socialista e das idéias de Adolf Hitler. Em dezembro de 1922, um jornalista do New York Times, em visita à Alemanha, contou que “a parede situada atrás da mesa de Hitler, no seu escritório particular, é decorada com um grande quadro representando Henry Ford”. Na ante-sala, uma mesa estava coberta por exemplares de Der Internationale Jude. Um outro artigo do mesmo jornal norte-americano publicou, em fevereiro de 1923, as declarações de Erhard Auer, vice-presidente da Dieta bávara, acusando Ford de financiar Hitler, por ser favorável ao seu programa que previa “o extermínio dos judeus na Alemanha”.
Wallace observa que tal artigo é uma das primeiras referências conhecidas aos projetos exterminadores do dirigente nazista. Em 8 de março de 1923, em uma entrevista para o Chicago Tribune, Hitler declarou: “Nós consideramos Heinrich Ford como o líder do movimento fascisti crescente na América. Admiramos, particularmente, sua política anti-judia, que é a mesma da plataforma dos fascisti bávaros” [5]. Em Mein Kampf, publicado dois anos mais tarde, o autor presta homenagem a Ford, o único indivíduo que resiste aos judeus na América (mas sua dívida para com o industrial é bem maior). As idéias do International Jew estão onipresentes no livro, e certas passagens são extraídas quase que literalmente — em particular no que se refere ao papel dos conspiradores judeus nas revoluções ocorridas na Alemanha e na Rússia.
Um livro que influenciou alguns dos maiores dirigentes nazistas
Alguns anos mais tarde, em 1933, já tendo o partido nazista assumido o poder, Edmund Heine, gerente da filial alemã da Ford, escreveu ao secretário do industrial norte-americano, Ernest Liebold, para contar-lhe que The International Jew era utilizado pelo novo governo para educar a nação alemã na compreensão da Questão Judaica [6]. Ao reunir essa documentação, Max Wallace estabeleceu, de forma incontestável, que o empresário automobilístico dos EUA fazia parte das mais significativas fontes do anti-semitismo do nacional-socialista.
Como lembra Max Wallace, Hitler concedeu a Henry Ford, em 1938, a Grande Cruz da Ordem Suprema da Águia Alemã — uma distinção criada em 1937 para homenagear as altas personalidades estrangeiras — por intermédio do cônsul alemão nos Estados Unidos. Anteriormente, a medalha, uma cruz de Malta cercada de suásticas, havia sido concedida a Benito Mussolini.
Entretanto, Wallace não explica por que, considerando a abundância de trabalhos anti-semitas europeus, particularmente alemães, o autor de Mein Kampf era fascinado pela obra estadunidense. Por que ele decorou seu escritório com o retrato de Henry Ford, ao invés de decorá-lo com o de Paul Lagarde, Moeller van der Bruck e muitos outros ilustres ideólogos anti-semitas alemães? Além do prestígio associado ao nome do industrial, parece que três razões podem explicar esse interesse pelo The International Jew: a modernidade do argumento, seu vocabulário “biológico”, “médico” e “higienista”; seu caráter de síntese sistemática, articulando, em um discurso grandioso, coerente e global, o conjunto das diatribes anti-semitas do pós-I Guerra; e sua perspectiva internacional planetária, mundial.
Wallace mostra, baseado em documentos, que Hitler não foi o único dos dirigentes nazistas a sofrer a influência do livro editado em Dearborn. Baldur von Schirach, líder da Hitlerjugend [7] e, mais tarde, gauleiter [8] de Viena, declarou, durante o processo de Nuremberg, em 1946: “O livro anti-semita decisivo que li naquela época, e o livro que influenciou meus colegas foi o de Henry Ford, O Judeu Internacional. Eu o li e me tornei anti-semita”. Joseph Goebbels e Alfred Rosenberg figuram, igualmente, entre os dirigentes que mencionaram tal obra entre as referências importantes da ideologia do Partido Nacional-socialista Alemão (NSDAP) [9].
Indagações incômodas sobra a relação entre Ocidente, Modernizade e Terceiro Reich
Em julho de 1927, ameaçado de um processo de difamação e preocupado com a queda das vendas dos seus automóveis, Ford retratou-se devidamente. Em um comunicado da imprensa, afirmou, sem corar, que “não tinha sido informado” sobre o conteúdo dos artigos anti-semitas publicados no Dearborn Independent, e pedia aos judeus “perdão pelo mal involuntariamente causado” pelo panfleto The International Jew [10]. Considerado pouco sincera por uma boa parte da imprensa norte-americana, a declaração, entretanto, permitiu a Ford eximir-se da responsabilidade penal. Ela não o impediu de continuar a apoiar, clandestinamente, uma série de atividades e de publicações de caráter anti-semita [11].
“Henry Ford, precursor do nazismo” foi amplamente ocultado nos Estados Unidos, em benefício do grande industrial, criador do automóvel fabricado em série e vendido a preços baixos. Era esse homem que o escritor inglês Aldous Huxley apresentava ironicamente, em sua distopia Admirável Mundo Novo (1932), como uma divindade moderna, com a oração dirigida ao “Our Ford” substituindo a antiga, dirigida ao “Our Lord” (”Nosso Senhor”).
O longo silêncio é compreensível. O “caso” Henry Ford levanta questões delicadas sobre o lugar do racismo na cultura norte-americana e sobre as relações entre nossa “civilização ocidental” e o Terceiro Reich, entre a modernidade e o mais delirante anti-semitismo, entre o progresso econômico e a regressão humana. Aliás, o termo “regressão” não é pertinente: um livro como The International Jew não poderia ter sido escrito anteriormente ao século 20, e o anti-semitismo nazista também é um fenômeno radicalmente novo. O dossiê Ford lança uma luz crua sobre as antinomias daquilo que Norbert Elias chamava de “o processo civilizatório”.