por James Petras
Chury: Ao iniciar nosso panorama internacional de notícias, como sempre às segundas-feiras, temos as análises ponderadas de James Petras nos Estados Unidos. Bem vindo, Petras.
Petras: Aqui estamos a analisar os acontecimentos em Honduras e as respostas internacionais num panorama por um lado muito claro e por outro muito escuro.
Chury: Certamente quando me falas de escuro referes-te a Honduras.
Petras: Sim, falamos do golpe de estado e das respostas dos diferentes organismos internacionais, regionais e também a resposta da Venezuela e do presidente Zelaya.
Chury: Aqui há expectativa sobre qual é a atitude assumida pelo governo norte-americano frente ao primeiro golpe que se verifica sob o governo de Barak Obama.
Petras: Bem, mais uma vez uma divisão. Um sector de esquerda analisa os vínculos entre os militares hondurenhos, o Pentágono e organizações clandestinas norte-americanas como a CIA e as fundações com as ONGs golpistas e concluem que os EUA estavam implicados, são cúmplices, porque o controle que têm, a influência que tiveram os militares norte-americanos nas Honduras, é muito profunda e de muito longo prazo...
Chury: Que vem do tempo dos contra também.
Petras: Sem, há muito tempo Honduras foi trampolim para o golpe contra Arbenz em 1954; foi a ponta de lança para a invasão de Cuba em 1961; foi a casa dos contras com 20 mil soldados mercenários lançados a partir de Honduras. É um país muito colonizado desde há muito tempo e Zelaya, por outro lado, é um burguês reformista tibiamente crítico ou, poderíamos dizer, independente de algumas políticas norte-americanas do passado e da actualidade e tenta conseguir benefícios ligando-se à Venezuela por causa da ajuda petrolífera, a ajuda económica. O facto de ter assumido uma autonomia relativa em relação à integração do ALBA associando-se à Venezuela foi a razão para o deslocarem. Agora, a política de Obama é muito mais subtil do que no passado. Diplomaticamente condenaram a situação de violência e em primeira instância não condenaram os militares pelo golpe, mas depois de a OEA o ter feito de forma unânime é que eles se somaram à denúncia. Mas sabemos que o que dizem em público, em fóruns onde não têm alternativa, é uma coisa e o que fazem a partir dos seus contactos e ligações em Honduras é outra. Agora, a prova do envolvimento ou não dos Estados Unidos vai passar pelas medidas que tome a OEA. Há várias possibilidades. A política é: as forças devem dialogar com os golpistas no Congresso e o presidente títere trata de resolver o conflito. Como só restam seis meses do regime eleito, poderiam prolongar as negociações para que ele volte ao governo por pouco tempo mas sem possibilidade de aprovar a reforma da Constituição.
Há que reconhecer várias coisas: Zelaya não propunha um referendo. Era uma consulta que não tinha força de lei. E segundo, foram os militares que se negaram a cumprir as ordens do presidente eleito. E, neste contexto, dizer simplesmente que haja um diálogo entre os violentos, os ilegais, os golpistas, com o presidente eleito parece-me um disparate. Por esta razão: Washington quer castigá-lo como um exemplo para os outros países no Caribe, do que lhes poderia acontecer se eles se envolvem com Chávez. E é uma dupla política. O que a esquerda deveria saber, inclusive alguns que deveriam conhecer isso melhor, é que simplesmente criticar formalmente não significa nada com este presidente que temos. É o mesmo que se passou no Irão com o golpe fracassado, criticar o processo eleitoral enquanto estão a fomentar e financiar os golpistas nas ruas.
Neste caso utilizaram uma parte da institucionalidade e no Irão lançaram os estudantes e os sectores mais pró ocidentais às ruas. Mas é o segundo golpe do senhor Obama, muito bem disfarçado e com a cumplicidade da esquerda que só enfoca no aspecto mais superficial: os militares, que são simplesmente instrumentos da política norte-americana. Todos treinados pelos Estados Unidos, todos assessorados pelos Estados Unidos, todos receberam ajuda financeira e armas dos Estados Unidos. Actualmente há inclusive assessores norte-americanos que funcionam na Embaixada e temos o caso dos militares norte-americanos que em momento algum intervêm para dizer "nós nos opomos a este acontecimento".
Chury: Quer dizer então que na realidade é muito hipócrita a posição do governo de Obama.
Petras: Bem, é muito inteligente manejar melhor as relações públicas e o que cala é bom para que a OEA não condene os Estados Unidos mas condene simplesmente os militares, e enquanto isso as declarações da OEA são que os protestos devem respeitar o âmbito constitucional. Que âmbito constitucional existe quando o Congresso, o Tribunal Supremo e os militares destituíram o presidente eleito? Não há âmbito constitucional; é um quadro anti-democrático e anti-constitucional. Então só querem que a gente marche em protesto e volte para casa. Os sindicatos e os camponeses têm outro projecto: uma greve geral indefinida e marcha permanentes até que o governo de Zelaya retorne. Então há uma diferença subtil que devemos anotar porque as grandes manchetes dizem "OEA repudia o golpe", muito bem. Mas e depois? Como vão manejar a situação, a negociar com estes poderes golpistas que são uma frente muito poderosa? E o que poderia sair disso, desarmar a possibilidade de um voto constitucional e retorna Zelaya como preso na presidência sem capacidade de criar um quadro melhor para que os processos democráticos marchem em Honduras? Por isso digo que há uma parte clara e uma parte escura nisso. Por que todo o mundo aplaude que as Nações Unidas, a OEA, o ALBA, o Mercosul, a Unasur, condenem o golpe. Sim, está bem, mas quais são as acções práticas? Vão impor um embargo, vão romper relações com os golpistas, vão organizar algum embargo sobre o comércio? Que medidas práticas vão tomar? Os Estados Unidos vão retirar o seu embaixador, vão retirar seus assessores golpistas?
Porque uma denúncia simplesmente folclórica e que tudo siga normalmente económica e politicamente parece-me um acto meramente simbólico e inconsequente.
Chury: Petra, isto leva-me a Roma e Júlio César. Parece que para Honduras a sorte está lançada.
Petras: Bem, não sei em que grau. Por exemplo, o que preocupa Bachelet e os outros governos burgueses na América Latina é que este golpe é contra um governo burguês liberal, o de Zelaya, que não mudou nenhuma propriedade, não nacionalizou, não fez nenhuma reforma agrária mas apenas facilitou os direitos democráticos das organizações sociais para que possam articular as suas reivindicações. Nesse sentido é um democrata, mas sem nenhuma radicalidade em medidas sócio-económicas. Por isso queria rever a Constituiçã para introduzir algumas mudanças sócio-económicas, mas até agora as medidas mais progressistas estão na política externa. Mas todos os governos da América Latina devem estar muito preocupados porque eles se podem identificar com um governo liberal democrata e se há um golpe contra Zelaya por que não se podem multiplicar os golpes agora na América Latina a partir das crises económicas e das dificuldades para continuar com a política económica actual? São os seus próprios interesses que estão em jogo agora. Inclusive o governo do Uruguai deve considerar que um golpe na América Central pode parecer algo comum e que não está neste círculo, mas os militares têm um modo de tomar lições do que se passa em outras partes e do que se pode fazer, que podem não escapar a um castigo exemplar. Por esta razão todos querem condenar o golpe; porque poderia ser um efeito dominó: um golpe em Honduras, depois um golpe no Equador, um golpe na Bolíva, ... E por esta razão que é muito perigoso e Washington está a olhar para ver como tudo isso vai acontecer. A primeira prioridade de Washington é deslocar um aliado de Chávez e a segunda, o mal menor, é que volte a ser governo mas enquadrado num contexto em que não possa continuar a mandar, como um presidente preso no palácio presidencial. E depois, em Novembro, em menos de seis meses, outra eleição em que o partido liberal muda o candidato, põe um reaccionário de turno e termina o perigo de uma aliança centro-americana com Chávez.
Há dois carris em Washington: um é simplesmente deslocar Zelaya e o outro é terminar com um prolongamento falso deste governo.
Uma indicação de tudo isso é a reportagem da BBC que lemos esta manhã. Tem uns 15 parágrafos e 13 estão a dar a voz e a opinião da direita. Inclusive a dizer mentiras, como que o senhor Zelaya queria fazer uma emenda à Constituição, o que é falso porque era uma simples consulta, não era propriamente um referendo. E segundo, há comentários do governo dos golpistas, comentários de alguém na rua que diz estar alegre por ter caído o governo.
É um artigo pró golpe esse da BBC, o qual é um media muito degenerado nos últimos anos. Os media reflectem algo do que realmente pensam em Washington e os argumentos que vão mencionar: que os militares estavam apoiados pelo Tribunal Suprema, que não é uma violação ao governo civil e sim que os militares estão a controlar, revertendo a ordem completamente. Tratam de esconder com uma nuvem de fumo o grande significado do golpe, dar-lhe legitimidade enfatizando o novo presidente do Congresso. Dizem que era o segundo na hierarquia presidencial, etc. Devemos ler com atenção o que dizem os media neste sentido, que tentam minimizar o significado da derrubada.
Chury: Em síntese, Petras, os Estados Unidos são alheios a este golpe em Honduras ou são parte dele?
Petras: Eu creio que estão implicados e há que dizê-lo. Os EUA não tiveram problemas em convencer os militares devido aos seus próprios interesses e ideologia e toda a oligarquia estava contra simplesmente porque não controlava Zelaya tão bem como controlava todos os mal chamados presidentes passados. Então foi uma confluência de interesses imperialistas, oligárquicos e militares. E não tenho nenhuma dúvida de que com a presença norte-americana, a presença militar profunda em Honduras, não há nenhuma possibilidade de este golpe ter ocorrido sem a cumplicidade dos Estados Unidos.
Ninguém pode imaginar forças armadas mais subordinadas ao Pentágono que as de Honduras, que não actuam simplesmente por sua conta, não actuam independentemente dos EUA, não actuam sem que os EUA e os militares, que funcionam nos mesmos quartéis, nos mesmos Ministérios, não se pode imaginar que o general do exército de Honduras possa actuar sem a cumplicidade activa dos Estados Unidos.
Chury: Vamos deixar este tema, que certamente vai dar muito o que falar. Tivemos eleições no Rio da Prata. As eleições para a renovação do Congresso argentina e a eleições internas do Uruguai.
Petras: Da Argentina recebemos a notícia de que os Kirchner estão muito enfraquecidos, que subiu a direita dura e, como previmos, com a crise económica o centro-esquerda que é responsável pela política de dependência sofreu muito e então a direita é a primeira beneficiária, mas Pino Solanas [NR] aumentou enormemente a votação.
Chury: Sim, é a surpresa.
Petras: Sim, mas também é uma expressão de como as crises dividiram o país e Pino teve a capacidade de aglutinar uma força, ao passo que todos os trotsquistas, o Partido Obrero, os PTS e os demais fragmentam-se não conseguem nada. O mesmo de sempre: quando aumentam de um por cento para um vírgula cinco crêem que é um grande êxito. Neste sentido creio que é um sinal de que o centro-esquerda está em crise. Dissemos isso há um ano aqui. Que frente à crise económica isto de tentar equilibrar forças entre exportadores, burgueses, industriais, operários, não tinha mais caminho, que não poderia continuar. Mas Kirchner e Cristina Fernández continuaram a mesma política anterior e à crise e a polarização vai contra eles, porque ambos assumem a responsabilidade pelos efeitos da crise capitalista porque são o governo e a direita aproveita na sua posição contra o governo para colher votos dos descontentes. Agora, poderias informar-me se Mujica subiu em relação a Astori e Tabaré?
Chury: Sim, mas não é o principal da eleição de ontem no Uruguai. O principal é que o Partido Nacional, con Lacalle à cabeça, ficou acima da Frente Ampla.
Petras: Repete-se o que se passou na Argentina. Repito: o centro-esquerda em tempos de crise é culpável pelos problemas sociais que surgem. Assumiram toda a responsabilidade pela trajectória capitalista, o capitalismo entra em crise e as pessoas deslocam-se para a oposição, independentemente de que a oposição vá continuar e aprofundar as mesmas medidas de crise que a Frente Ampla. Há uma votação significativa da classe média que diz: quem está a provocar as minhas dores, quem está a afectar o emprego?: é o governo. O governo é a Frenta Ampla, então assume todos os custos de continuar a sua política económica. O que se passa é que a esquerda não é suficientemente forte e diferenciada da Frente Ampla para aproveitar um deslocamento da Frente Ampla para a esquerda. É uma lástima, é trágico que por muito tempo a esquerda tenha estado associada com a Frente Ampla e por esta razão não acumulou uma imagem suficientemente crítica e contra ela para que possam servir como um pólo de atracção. Então ganham o Partido Nacional, Macri na Argentina...
Considero que isso vai ser um fenómeno continental: onde o centro esquerda maneja e manda neste período de crise, sofrerá golpes eleitores.
Chury: Petras, como estamos no final do tempo, tenho que agradecer a análise e dar-te um abraço muito grande. Encontramo-nos segunda-feira como sempre.
Petras: Um abraço para todos.
[*] Entrevista à CX36, Rádio Centenário, do Uruguai, a 29/Junho/2009.
[NR] Fernando Pino Solanas: Director de cinema, autor do filme argentino Memoria del Saqueo . Para encomendar DVDs seus clique em Mémoire d'un saccage e La dignite du peuple .
O original encontra-se em http://www.lahaine.org/index.php?blog=3&p=38940
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .