Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Tiro de calibre 12 mata Sem Terra
Sobre Marina e o PT...
Gil pra Marina no PV: "ob, observando hipócritas"
Dizem que o Gilberto Gil (que foi um grande Ministro da Cultura) pode ser o vice de Marina Silva no PV.
Desde que ouvi essa história, não sei por que, uma música genial de Gil não me sai da cabeça:
"Não Chores Mais" (leitores lembram que a música na verdade é uma versão do Gil, para música do Bob Marley)
(...)Ob... observando hipócritas
Disfarçados, rondando ao redor
Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais
Nas recordações retratos de um mal em sí
Melhor é deixar pra trás
Não, não chores mais... não, não chores mais
"Ob, observando..."
A UDN do Leblon está em festa. O PV do Rio (com Sirkis aliado do DEM, e Gabeira aliado do FHC) já avisou que a Marina será sublegenda do Serra.
Serra, como se sabe, é um homem preocupado com verde. Só isso explica que tenha colocado Marcio Fortes numa estatal paulista. É o homem dos verdes.
Mas os hipócritas não estão só entre os tucanos, demos e colunistas de jornal - que agora "descobriram" a importância do "desenvolvimento sustentável"; descobriram que o Sarney é um "oligarca malvado".
Não. Do lado governista também é possível "ob, observar hipócritas".
A porção UDN do PT descobriu agora que é muito feio fazer aliança com o Sarney.
Ora, sem aliança, o governo Lula não existiria. Os avanços sociais do governo Lula não existiriam.
Essa turma deveria ter saído do PT lá atrás. Fingiu que não estava acontecendo nada? Fingiu não perceber que o partido se transformava - já em 2002 - numa máquina social-democrata, ao estilo do PSOE espanhol, ou do velho PTB getulista?
Quando Lula era uma espécie de "bom selvagem", que assustava e não tinha chance de ganhar, conheço muita gente que achava lindo apoiar o Lula.
O Lula, e o PT podiam ter continuado onde estavam. Era uma escolha possível: oposição eterna. Pra ganhar nesse Brasil de passado senhorial, foi preciso fazer aliança.
Em 88, Erundina ganhou (e tentou governar) em São Paulo - sem aliança. Mas o que ficou?
Erundina foi arrasada pela imprensa paulista. Não tinha força pra se defender.
O PT udenista queria que Lula virasse uma Erundina?
Não teria terminado o primeiro mandato.
Respeito muito a Erundina. Mas, prefiro um governo que deixe marcas.
Lula tem 4 grandes méritos:
- política social massiva (Bolsa Família e outros);
- política externa independente (sem tirar sapatos pros EUA);
- política econômica levemente expansionista (com aumento de salário mínimo, bancos públicos jogando no ataque, e fim das privatizações);
- respeito aos movimentos sociais.
Lula fez (e faz) um governo social-democrata. Trabalhista, se preferirem a nomenclatura mais brasileira.
Fez pouco? Menos do que se esperava, mas fez muito para reduzir o passivo brasileiro de exclusão e entreguismo.
O resto é discurso da UDN!
Em 2005/2006, muita gent.e achava que o PT ia acabar. Parlamentares abandonaram o barco. A bancada federal caiu para 81 deputados em 2006.
Pois bem: na eleição daquele ano, o PT elegeu 83 deputados federais.
Por isso: calma, minha gente.
Parlamentares que entram em pânico por causa de manchete da imprensa udenista não servem pra defender um governo que já nasceu assim: amplo e cheio de contradições.
Daqui, de longe, dá vontade de cantarolar pra eles: "ob, observando hipócritas".
Eles podem ficar tranquilos. Podem votar na Marina em 2010. E ajudar a eleger o Serra.
As pedras de Tegucigalpa
Honduras: a revolução nacional-libertadora tardia
Neste texto, Ivan Pinheiro, um revolucionário, não só analisa as manobras para a legitimação do golpe, como testemunha a resistência desarmada do povo hondurenho. “O golpe em Honduras é parte do plano imperialista para tentar travar a ALBA e os processos de mudanças sociais na América Latina. Honduras fica entre a Nicarágua e El Salvador, vizinhos hoje governados por antigos movimentos guerrilheiros de libertação nacional, agora em versão moderada, que se desmilitarizaram nos anos 90: a Frente Sandinista e a Frente Farabundo Marti”.Ivan Pinheiro*
Os dias que passei em Honduras, na fraterna companhia de Amauri Soares e Marcelo Buzetto, serviram para consolidar as impressões que, desde o Brasil, expusera no artigo "Contra a manobra do pacto de elites".
Definitivamente, o golpe não só contou como ainda conta com o apoio material e político do imperialismo estadunidense, que foi obrigado a dissimular sua participação em razão dos erros cometidos na execução do golpe, sobretudo o fato de o mundo ter sido surpreendido com a prisão e a retirada à força de Manuel Zelaya do país, sem uma satanização prévia.
O golpe em Honduras é parte do plano imperialista para tentar travar a ALBA e os processos de mudanças sociais na América Latina. Honduras fica entre a Nicarágua e El Salvador, vizinhos hoje governados por antigos movimentos guerrilheiros de libertação nacional, agora em versão moderada, que se desmilitarizaram nos anos 90: a Frente Sandinista e a Frente Farabundo Marti.
Além disso, o país possui grandes reservas não exploradas de petróleo, minério abundante e outros recursos naturais, além da base de Soto Cano, a mais importante e estratégica para os ianques na América Central. Zelaya é o detalhe do golpe, que é muito mais contra a ALBA, contra Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e os dois vizinhos limítrofes.
Ao que tudo indica, está a ponto de se consumar o plano B que o império adotou a partir da repulsa mundial no início do golpe: a sua legitimação e, em seguida, legalização.
A cada dia que passa fica mais difícil a volta de Zelaya ao governo, ainda que apenas para presidir as eleições gerais de novembro com as mãos atadas, sem ALBA, sem Constituinte, nem mesmo o direito de se candidatar ao mais simples cargo eletivo.
Um dos mais importantes lances deste plano B se deu no dia 12 de agosto, quando os membros da Corte Suprema e do Tribunal Superior Eleitoral anunciaram oficialmente a manutenção das eleições gerais para o dia 29 de novembro próximo. Logo em seguida, simulando surpresa, o presidente golpista reconhece a decisão do judiciário, como se estivesse submetendo-se a um poder autônomo, ao "império da lei e da justiça, ao estado democrático de direito".
Tudo isso em cadeia nacional de televisão. No horário nobre, como convém a uma boa novela. Em seguida, ainda ao vivo, Honduras ganha de quatro a zero da rival Costa Rica, pelas eliminatórias da Copa do Mundo.
A sinalização é óbvia: até a posse do novo Presidente, em janeiro, Micheletti preside o país, o TSE realiza as eleições, a Corte Suprema as preside, as Forças Armadas as garantem e observadores internacionais escolhidos a dedo as legitimam. Tudo para passar um ar de legalidade. Se assim for, Zelaya não volta nem para passar a faixa ao futuro Presidente.
No mesmo dia, em entrevista coletiva após uma cúpula do Nafta, entre sorridentes presidentes do Canadá e do México, Obama fez uma jogada de mestre, abandonando Zelaya à própria sorte. Aproveitando-se das ilusões alimentadas por este, de voltar ao poder por iniciativa dos EUA, Obama lavou as mãos, apontando a incoerência das pressões para que intervenha em Honduras por parte dos que pedem o fim da intervenção dos EUA nos países da América Latina.
No mesmo evento trilateral, Felipe Calderón – eleito presidente numa monumental fraude contra López Obrador – anuncia o reconhecimento do México ao governo Micheletti, seguindo o exemplo pioneiro do Canadá, cujas mineradoras transnacionais com sede no país ocupam quase um terço do território hondurenho. Para os que ainda não se deram conta de que o capitalismo brasileiro é parte do sistema imperialista, a mais poderosa dessas mineradoras tidas como canadenses (a INCO) foi recentemente comprada pela "nossa" Vale do Rio Doce.
Tudo indica que o núcleo duro da oligarquia e da cúpula militar que assumiu o governo em Honduras há mais de cinqüenta dias – agora falando grosso pelo decurso de prazo no poder – está com força para impor seu próprio projeto de pacto de elites para superar a crise e legitimar o golpe. Não só rechaçou as propostas conciliadoras feitas pelo Presidente da Costa Rica, como, em 10 de agosto, não recebeu uma delegação de chanceleres latino-americanos que, em nome da OEA, iriam a Tegucigalpa tentar mediar a crise. E olha que eram representantes apenas de governos moderados ou pró-imperialistas: Argentina, Canadá, Costa Rica, Jamaica, México e República Dominicana. Os golpistas só admitiram receber a Comissão da OEA no próximo 24 de agosto, ganhando mais duas semanas sem "mediações".
Os golpistas conseguiram unificar todas as instituições e personalidades das classes dominantes: as cúpulas das Forças Armadas, da Igreja Católica, das entidades empresariais, do Judiciário, a grande maioria do Congresso Nacional, incluindo parlamentares do próprio partido de Zelaya, aliás o mesmo de Micheletti, o centenário Partido Liberal, uma espécie de PMDB hondurenho.
Esta unificação se expressa na mídia. Estão com o golpe todos os quatro jornais diários e, com a intervenção militar no canal 36 e a repressão a jornalistas independentes, todas as emissoras de televisão. Apenas uma estação de rádio ainda resistia, mas quando escrevo, deve estar fora do ar.
Creio que presenciamos em Honduras os momentos cruciais para o desfecho desta batalha, um capítulo da luta de classes que se expressa no país. Nos dias 11 e 12 de agosto, não por coincidência, chegaram ao auge a mobilização popular e a repressão. Sinto expressar a impressão de que os golpistas saíram mais fortalecidos dessas dramáticas 48 horas.
No dia 11, os protestos em Tegucigalpa, São Pedro de Sula e outras localidades envolveram quase cem mil manifestantes. Na capital, a marcha tentou ir até a Casa Presidencial, sede do governo federal, que fica num bairro de elite afastado do centro, sendo reprimida por um aparato de milhares de soldados da Polícia Nacional e do Exército. Na dispersão, como expressão da revolta popular, as pedras das mal calçadas ruas de Tegucigalpa se transformaram em armas contra símbolos do capital: as vidraças de bancos e redes multinacionais de comida rápida.
Na noite do dia 11, o governo retoma o toque de recolher. Na madrugada, veículos sem placa percorrem a capital com atiradores em trajes civis metralhando os dois principais locais de reunião da direção da Frente Nacional Contra o Golpe de Estado: as sedes do Sindicato dos Trabalhadores de Bebidas e da Via Campesina.
Na manhã do dia 12, quando nova manifestação pacífica se dirigia ao centro da cidade, para um protesto diante do Congresso Nacional, a repressão já havia montado um aparato impressionante, destinado a evacuar todo o centro da cidade com violência contra quem estivesse nas ruas, fossem ou não manifestantes.
Sou testemunha ocular de que o pretexto para justificar a violenta repressão foi montado por agentes provocadores que, numa ação combinada, simularam uma agressão e logo em seguida a proteção do Vice-Presidente do Congresso Nacional, um dos principais articuladores do golpe. Exatamente na hora em que passavam os manifestantes, ele saíra sozinho à porta do Parlamento em plena sessão legislativa. Estas cenas, algumas horas depois, foram exibidas à exaustão em todas as emissoras de televisão hondurenhas e possivelmente no mundo todo.
Na dispersão desordenada, grande parte dos manifestantes se dirigiu ao quartel general da resistência desde o início das mobilizações, o até então inviolável campus da Universidade Pedagógica, onde se realizam as Assembléias da resistência e se alojavam os militantes que moram fora da capital. Mas o campus já estava tomado pelas tropas, que sequer permitiram aos alojados retirarem seus pertences pessoais, cuja apreensão ainda serviu para manipular a "descoberta" de coquetéis molotov.
É impressionante a combatividade, a coragem e a determinação do povo hondurenho. É digna de registro a unidade das forças que impulsionam até aqui a resistência, organizadas na Frente Nacional Contra o Golpe de Estado, apesar das debilidades políticas, materiais e organizativas dos movimentos sociais e grupos de esquerda. Não fossem estas debilidades, a história poderia ser outra. Nos momentos seguintes ao golpe havia um conjunto de fatores que poderiam configurar uma situação pré-revolucionária.
Os sindicatos ainda não têm a força desejável, sobretudo na iniciativa privada, onde a greve geral não vicejou. Os agrupamentos revolucionários só agora estão se reorganizando, recuperando-se da desarticulação das décadas de 80 e 90, em função da derrota da luta armada, da repressão e da crise na construção do socialismo. Para se ter uma idéia, dois partidos que se reivindicavam comunistas se dissolveram naquele período e só agora alguns comunistas estão refundando o Partido.
Mas as classes dominantes, para além do Estado, possuem uma arma decisiva numa batalha como esta: a mídia, sobretudo a televisão. É por este meio que os golpistas conseguiram calar, enquadrar e cooptar a grande maioria da pequena burguesia, restringindo a resistência aos setores proletários e parte minoritária das camadas médias.
Com muita competência, diuturnamente, todos os canais de televisão legitimam o golpe e satanizam a resistência. Jogam com o medo, mostrando cenas de violência nas ruas, em que as tropas só atacam para se defender dos "violentos" manifestantes, chamados de bárbaros e terroristas. Jogam com o risco de se perderem empregos e negócios, por conta da paralisação de parte importante da economia do país. Jogam com o sentimento de autodeterminação, acusando a resistência de ser dirigida e financiada pela Venezuela e pela Nicarágua.
Todos os meios de comunicação se utilizam do mesmo padrão de manipulação. Os manifestantes são "vândalos, terroristas"; o golpe é uma "sucessão constitucional". Não há qualquer debate na mídia eletrônica, em que haja espaço para o contraditório. Como aqui no Brasil, todos os "especialistas" chamados a comentar os fatos têm a mesma visão de mundo. A manipulação midiática não é apenas o que noticiam, mas também o que não noticiam. A solidariedade internacional não é conhecida pelo povo hondurenho. Zelaya tem sido satanizado como um meliante político, que queria rasgar a Constituição, a serviço de Hugo Chávez. Nesta fase de legitimação do golpe, o noticiário sobre Honduras vai sumindo na mídia mundial.
Confesso que foi impossível resistir à atração de vivenciar pessoalmente os confrontos do centro da cidade, ao lado dos manifestantes e do povo, para ajudar no que fosse possível. Confesso que foi difícil reprimir o impulso que as mãos suplicavam, quando as pedras me olhavam do chão.
A ofensiva da direita pode levar a um natural refluxo do movimento de massas, sobretudo face ao cansaço, à falta de resultados, ao isolamento social e, de uns tempos para cá, a uma certa desconfiança sobre a determinação de Zelaya. Ainda por cima, a mídia legitimou a repressão, o que dá ao governo golpista mãos livres para radicalizar mais nas próximas escaramuças.
Há muitos indícios de que o imperialismo já selou o destino de Zelaya: a possibilidade de uma volta ao país, "anistiado", após a posse do novo Presidente. Não há qualquer sinal da saída de Micheletti antes disso, nem com a assunção de um tertius para disfarçar o golpe. Se um fato novo não ocorrer, Micheletti passa a faixa para o novo Presidente, em janeiro, certamente um cidadão "ilibado, acima das classes, de união nacional", ou seja, da absoluta confiança do imperialismo e das classes dominantes locais.
Sinceramente, gostaria de trazer de Honduras avaliações diferentes.
Um exemplo deste plano é que, em 13 de agosto, partiu de Honduras para os EUA uma comissão de "notáveis" indicados pelo governo golpista, para explicar as razões do golpe ao Departamento de Estado, a convite deste. Lembram-se do compromisso de Obama de não receber delegações do governo golpista?
Os golpistas estão trocando os representantes diplomáticos hondurenhos no mundo todo, como a Cônsul Gioconda Perla, do Rio de Janeiro, que ficou fiel a Zelaya. Salvo os que aderiram ao golpe. Preencheram todos os cargos federais. O governo funciona a pleno vapor. As estradas estão sendo desobstruídas, para escoar a circulação de bens e a exportação, reativando a economia. Os defensores de Zelaya na elite política se calaram, com raras exceções. O caso mais emblemático do oportunismo político é do Embaixador hondurenho no Brasil, que havia sido nomeado por Zelaya. Como já sentiu para onde os ventos sopram, simulou uma internação por problema cardíaco no dia da chegada de Zelaya em Brasília, quando este foi recebido pelo Presidente Lula.
Como se vê, vai de vento em popa a tática da legitimação do golpe, ajudada pelo quase fim do mandato de Zelaya e, agora, por uma agenda eleitoral que dominará a cena política hondurenha daqui a poucos dias. Para se ter idéia do processo eleitoral, haverá mais de 20.000 candidatos a cerca de 2.850 cargos (Presidente, Deputados, Prefeitos, Vereadores), inclusive do único Partido considerado de esquerda entre os cinco registrados, o social democrata UD (Unificación Democrática), que tem seis Deputados - nem todos participando publicamente da resistência - numa Câmara de pouco mais de cem.
A partir deste 31 de agosto, os partidos e os candidatos registrados já poderão divulgar suas campanhas em matérias pagas, inclusive na televisão. Isto mudará a pauta nacional.
Aliás, a participação ou não no processo eleitoral pode ser um fator de divisão da Frente contra o golpe, que reúne a Unificación Democrática e o Bloque Popular, em que se encontram as organizações sociais e políticas mais à esquerda. A UD já lançou publicamente um candidato a Presidente, enquanto o Bloque Popular defende a não participação nas eleições, com o argumento de não legitimar o golpe.
Enquanto isso, Zelaya, num comportamento pendular, abandonou seu posto em território nicaragüense, em Ocotal, na fronteira com seu país, de onde anunciara que iria comandar pessoalmente a resistência popular, exatamente nos dias 11 e 12 de agosto, para os quais estava convocada a jornada de luta. Nesses dias, Zelaya optou por um giro pela América do Sul, visitando o Brasil e o Chile, para sinalizar uma inflexão do eixo Chávez/Ortega para Lula/Bachelet.
Mas já ontem o presidente deposto havia voltado ao seu posto na fronteira, de onde divulgou ao povo hondurenho um comunicado conclamando à manutenção da luta de resistência contra o golpe e ao não reconhecimento do processo eleitoral convocado, nem dos seus resultados. E as manifestações continuam, ainda que com participação menor. Neste domingo, haverá um grande concerto musical contra o golpe.
Em verdade, mesmo assim, parece chegar ao fim um dos últimos capítulos da ilusão da revolução nacional-libertadora, que já há algumas décadas passou do prazo de validade.
Zelaya, eleito por um partido da ordem, representava o que ainda resta de setores da burguesia hondurenha, pequenos e médios empresários, que têm algum nível de contradição com o imperialismo. Sua aproximação com a ALBA e a Petrocaribe não tinha um sentido de transição ao socialismo, ainda que o difuso "socialismo do século XXI". Tratava-se do interesse desses setores não monopolistas da burguesia hondurenha de fazer crescer o mercado interno e ter acesso ao mercado dos países da ALBA. Para isso, precisavam nacionalizar algumas riquezas nacionais, participar de uma integração não imperialista para importar petróleo e outros insumos mais baratos e mitigar as injustiças para aumentar o poder de consumo popular, através de políticas compensatórias e aumento do salário mínimo.
A realidade está mostrando que estes setores residuais da burguesia não têm a mínima condição de disputar com os setores monopolistas. Na fase imperialista do capitalismo, ainda mais em meio à sua crise, a hegemonia no Estado burguês pertence aos segmentos associados aos grandes monopólios. Quem manda em Honduras são os bancos, o agronegócio, os exportadores de matéria prima, e as indústrias maquiadoras voltadas, como no caso da Nike, para o mercado externo.
Mas em Honduras, nada será como antes, principalmente a esquerda e sua vanguarda. Amadurecem e formam-se nesta legendária luta milhares de militantes e quadros. O comando da Frente, em especial do Bloque Popular, já ajustou corretamente a linha política e a organização popular às necessidades desta nova fase da luta. A bandeira da convocação da Constituinte, livre e soberana, com ou sem Zelaya, é um dos eixos políticos principais. Em Assembléia neste domingo, a resistência resolveu priorizar a organização popular, a partir das bases.
A grande lição que os militantes hondurenhos aprenderam é que os proletários só podem contar com eles próprios. Para grande parte desta heróica vanguarda, acabaram-se as ilusões em alianças com a burguesia, nas possibilidades de humanização do capitalismo e de transição ao socialismo nos marcos da institucionalidade burguesa.
E a certeza de que não bastam as pedras de Tegucigalpa.
* Ivan Pinheiro é Secretário-Geral do PCB
Este texto foi publicado no site do Partido Comunista Brasileiro no dia 19 de Agosto de 2009: www.pcb.org.br/honduras4.pdf
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
medicina em Cuba...
Validação de diplomas de médicos de Cuba: uma questão humanitária | | | |
Escrito por Marcelo Chaves | |
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No dia 20 de agosto próximo, às 19 horas, acontecerá na Assembléia Legislativa estadual de São Paulo uma Audiência Pública para que os setores interessados da sociedade debatam uma questão que tem tido pouca repercussão na imprensa. Trata-se do problema da revalidação dos diplomas de brasileiros(as) que se formam em medicina em Cuba, mas que, em verdade, pauta uma discussão muito mais ampla, pois envolve os brasileiros formados em medicina em outros países e os estrangeiros que querem atuar profissional e legalmente no Brasil.
Mas por que a Audiência só tratará sobre os formados em Cuba? Por que esse caso merece destaque? Simplesmente pelo fato de ser Cuba o único país no mundo a oferecer oportunidade para os brasileiros pobres se tornarem médicos. Com um detalhe, tudo arcado pelo governo da Ilha. E mais: há um dado quantitativo relevante: já são cerca de 1.000 jovens, entre formados e estudantes pela Ilha socialista.
No entanto, um aspecto qualitativo sempre é posto em questão. O nosso país tem mesmo que verificar a qualidade da formação adquirida fora das nossas fronteiras, pois, sabemos, há uma verdadeira indústria de profissionais e de diplomas, dentro e fora do país. Nesse sentido, mais uma vez, Cuba se sobressai positivamente, pois ali a saúde e o ensino não foram mercantilizados, portanto, aquele país não faz parte da rota de fabricação de diplomas. Além do mais, os índices de saúde cubanos são mundialmente conhecidos e a formação do médico de lá já foi verificada por diversas missões brasileiras que constataram a qualidade e a compatibilidade com o currículo praticado por aqui.
Resta, então, responder a uma singela questão? Por que os diplomas desses brasileiros formados em Cuba não são automaticamente revalidados aqui? Por incrível que possa parecer, a resposta não é tão simples. Há médicos demais no Brasil? Não, pelo contrário, há uma enorme carência desse profissional, não obstante a estatística simples informar que o nosso quadro é compatível com o índice exigido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
As estatísticas oficiais indicam que no Brasil há 1,15 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes. Porém, em vez de revelar, esse dado só encobre verdades sobre a realidade brasileira. Se formos estratificar esses índices, enxergaremos uma realidade absurda. Há cerca de 500 municípios que não têm um médico sequer. Há estado no país que tem média de 0,5 médico para mil habitantes. Se tomarmos os dados de certas regiões muito pobres ou distantes, veremos que o quadro chega a ser caótico. Dados oficiais reconhecem carência de mais de 30% de certas especialidades em hospitais: anestesistas, obstetras, pediatras e psiquiatras, por exemplo.
Hoje as opções de especialização são maciçamente voltadas para as especialidades "rentáveis", como cardiologia, cirurgias plásticas, e por aí vai. Qual a política pública que visa corrigir essa distorção? Desconheço-a. Uma sociedade absolutamente voltada para a produção de mercadorias a qualquer custo terá dificuldade em enquadrar ou disciplinar o rentável filão do "mercado da saúde". O sistema de saúde público, por si só, não tem capacidade de enfrentar a lógica mercadológica e ainda atender às grandes necessidades da enorme população brasileira.
Aliás, uma população socialmente desequilibrada e prenhe de agravos na saúde pública que extrapolam em muito as simples doenças a serem tratadas: alto índice de assassinatos e de violência causadora de traumatismos; alto índice de populações sem acesso a saneamento básico e alto índice de acidentes, principalmente os de trânsito, são elementos que provocam superlotação dos nossos equipamentos de saúde.
Então, a questão continua a incomodar: por que não se revalida rapidamente os diplomas dos(as) brasileiros(as) formados(as) em Cuba? Bem, sobra-nos uma hipótese plausível e incômoda. Em um país capitalista, socialmente apartado como o nosso, onde se pratica uma medicina mercantilizada e elitista, há uma instituição corporativa que só pensa em "proteger" seu "mercado" e que exerce forte influência no parlamento e nas universidades brasileiras. Portanto, tudo isso pode se resumir a uma sigla: CFM (Conselho Federal de Medicina).
Pois bem, a Audiência Pública convocada por uma Frente Parlamentar do legislativo do estado de São Paulo, apoiada por uma Associação de Familiares, é uma ótima oportunidade para que a sociedade brasileira tome conhecimento sobre esse assunto e constate como ele revela uma questão social muito mais profunda.
Marcelo Chaves é da Associação de Familiares e Amigos de Estudantes em Cuba (AFAC).
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Preconceito explicito na radio da midia de esgoto do RS(RBS)
E ainda falam mal de Chavez....
Cardiológico Infantil venezuelano salvou mais de 3mil latinoamericanos
CARACAS, ABN.— A quase 3 anos de funcionamento, o Hospital Cardiológico Infantil Latinoamericano Dr.Gilberto Rodriguez Ochoa salvou a vida de 3.158 pacientes entre venezuelanos e outros procedentes de diversos paises da America Latina, que possuiam cardiopatias congênitas.
A diretora do Instituto Cardiológico, Isabel Iturria, indicou que esses numeros, 1.729 correspondem a intervenções por cirurgia e 429 por aplicação de mecanismos de hemodinâmica.
Iturria disse que o sistema operacional do Instituto vem melhorando a cada ano, pela diminuição do tempo de cirurgia graças aos equipamentos de alta tecnologia que se encontram funcionando.
Durante o primeiro semestre deste ano, especificamente ao final de junho, de acordo com Irrutia, o Instituto de Cardiologia realizou 570 intervenções, das quais 267 foram por cirurgia e 303 por tratamento hemodinamico.
original aqui
tradução: turquinho
Moscou e suas mudanças pós-socialismo...
Um Reencontro Doloroso
Miguel Urbano Rodrigues voltou a Moscovo 15 anos após a sua última visita.
Encontrou ali uma sociedade capitalista com diferenças de classe abissais.
Neste artigo transmite as suas impressões sobre o que viu e ouviu durante dez dias na grande cidade que foi capital da União Soviética, um país que já não existe.
O que sentirei no reencontro?
A pergunta, enquanto o avião corria pela pista do aeroporto Domodedevo, em Moscovo, incomodou-me por repetida. Desembocava no vazio.
Voltava a Moscovo 15 anos após a última visita realizada como membro de uma delegação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Nessa época a Rússia, em transição para o capitalismo, vivia dias caóticos.
Agora, transcorridas 24 horas, ainda tenho dificuldade em arrumar ideias e interpretar emoções, em inserir numa reflexão coerente o que vejo e sinto.
Estou numa esplanada do Gum, na Praça Vermelha, em frente do Mausoléu de Lenine. Sobre o Grande Palácio ondeia a bandeira actual da Rússia. Nela figura, por decisão recente, a águia bicéfala dos Romanov. A guarda de honra, que antes era permanente, foi retirada.
Nada corresponde ao esperado, embora tudo na expectativa fosse vago, indefinível. As surpresas encadeiam-se numa cadeia desordenada.
Na memória o que ficou gravado não foram imagens e sentimentos de passagens pela cidade na agonia da perestroika e no início do consulado de Ieltsine. O que permanece como referência, como termo de comparação, é a lembrança da Moscovo que visitei mais de uma dúzia de vezes quando era a capital da URSS, um pais que desapareceu.
O dia está luminoso, quase não há nuvens num céu muito azul, e o sol quente da manhã incide sobre o zimbório da catedral de São Basílio.
Há pouca gente ainda a circular pela Praça e na lonjura adivinho as cúpulas douradas de algumas das brancas catedrais do Kremlin.
Pagamos, minha companheira e eu, 2.500 rublos, o equivalente a 56 euros, por duas saladas, uma cerveja – estrangeira porque não serviam russa - uma água mineral e dois cafés.
Foi o primeiro alerta, para não esquecer que Moscovo é hoje a cidade mais cara da Europa.
O Gum, que conhecera como gigantesco centro comercial onde tudo era barato, assumiu a fisionomia de um shopping onde transnacionais da União Europeia e dos EUA vendem produtos de luxo.
NA ARBAT E NA NOVA ARBAT
Voltei à Arbat num domingo frio e ventoso. Ao entrar na rua que aparecia aos forasteiros como um ex libris da velha Moscovo tive inicialmente a sensação de que o tempo havia parado ao avistar, vindo do metro da Smolenskaya, o palacete verde onde Puskin viveu tempos de felicidade com a mulher, Natalia Goncharova.
A ilusão logo se desfez.
Alguns artistas expunham, como antes, os seus quadros no meio da rua e pintavam retratos de turistas.
Mas a atmosfera da Arbat transmutara-se. A modernidade transformadora exibia-se nas terrasses de estilo francês dos cafés, dos restaurantes de cozinha italiana, asiática, até americana, na decoração dos estabelecimentos de souvenirs, mas também na secura dos vendedores, na frieza das empregadas de todas as lojas.
Choque maior foi o sentido depois, ao descer a antiga avenida Kalinin. Mudou de nome como muitas ruas e cidades. Trocaram-no para Nova Arbat. Reconheci, imutáveis, os enormes edifícios da época soviética. Mas, caminhando pelos passeios – talvez os mais largos do mundo – a sensação de que pisava terreno desconhecido foi imediata. A publicidade, antes inexistente, agride hoje o forasteiro.
Os casinos da avenida foram fechados recentemente por decisão de Medvedev no cumprimento de uma lei que era desrespeitada. O jogo passou a ser permitido somente em quatro cidades do país. Mas as fachadas berrantes dos casinos ainda não foram alteradas. Ali perdiam-se e ganhavam-se milhões na roleta e no poker e as slot machines eram um sorvedouro de dinheiro.
Entrei em dois centros comerciais super luxuosos onde as lojas de grandes costureiros de Paris e Roma e de perfumes famosos chamam a atenção. Os preços são astronómicos. Vi expostos casacos de peles cujo custo excedia 500.000 rublos (11.200 euros). Numa loja de vinhos – há hoje dezenas em Moscovo - uma garrafa de Bordeaux de nome para mim desconhecido era oferecida pela bagatela de 45.000 rublos ( 1.000 euros). Outras custam mais de 20.000 rublos (445 euros).
Alguns supermercados funcionam durante as 24 horas do dia.
Num parque de estacionamento da Nova Arbat os carros top gama eram mais numerosos do que os comuns. Vi ali Bentleys, Porsches, Mercedes, Jaguares, Ferraris, Volvos, BMW, Mercedes, Lexus e Infinitis japoneses, alguns de modelos inexistentes em Portugal. Disseram-me que em Moscovo há mais Rolls Royce do que na Inglaterra.
Para surpresa minha há hoje em circulação mais carros importados do que russos. Das marcas tradicionais, segundo me informaram, somente continuam em produção o Volga e o Lada.
Mas as contradições na capital são tamanhas que na Sadovaya, a primeira circular, muito perto da Nova Arbat, um outro supermercado vendia cerveja russa barata, excelentes vinhos chilenos a 200 rublos (4,4 euros) e legumes e frutas a preços comparáveis aos portugueses.
COMO FOI POSSÍVEL?
Não ocorreu na história contemporânea acontecimento comparável ao terramoto social que assinalou o desaparecimento da União Soviética.
A transição do capitalismo para o socialismo, difícil e imperfeita, caracterizara-se por uma exacerbada e prolongada luta de classes.
A transição do socialismo para o capitalismo, essa foi rápida, caótica, selvagem.
Li milhares de páginas sobre esse período de barbárie. Em duas visitas breves, em 1993 e 1994, testemunhei o início da transformação da sociedade.
Conhecia os factos, mas não a herança.
Com frequência, veteranos comunistas perguntam em Portugal:
«Como foi possível?»
No reencontro com amigos russos – jornalistas, ex-diplomatas, tradutores – escutei, nas respostas a uma infinidade de perguntas, versões do sismo social nem sempre coincidentes nos pormenores mas que não diferiam muito no tocante aos efeitos do vendaval contra-revolucionário e ao quadro em que se desenvolveu o capitalismo selvagem.
Na destruição das estruturas económicas do Estado Soviético foi tudo tão rápido, absurdo e violento que a imaginação tem dificuldade em acompanhar o processo.
A Moscovo dos bilionários e dos pobres, separados por uma classe média anémica que sobrevive recorrendo ao duplo e triplo emprego, nasceu na atmosfera caótica da barbárie social incentivada e tutelada por Ieltsine após o fim da URSS.
A destruição da propriedade social, empreendida sob a direcção de uma burocracia que havia renunciado há muito aos princípios e valores do socialismo, concretizou-se através de mecanismos criminosos concebidos para permitir a acumulação em tempo brevíssimo de fortunas colossais.
O sistema dos vouchers foi apresentado ao Ocidente como uma opção democrática destinada a transformar os trabalhadores em proprietários das suas empresas. Na prática funcionou como instrumento de concentração de riqueza e poder nas mãos de uma classe dominante de tipo mafioso.
A desordem imperante, o desabar da Segurança Social, o desaparecimento de direitos e garantias, o desemprego galopante, o desabastecimento, carências generalizadas contribuíram para que em tempo mínimo os trabalhadores vendessem por preço vil os vouchers recebidos, para eles papéis sem valor.
Ex-directores das empresas e ex-altos funcionários do Estado foram os principais beneficiários do processo de espoliação dos trabalhadores. A venda de fábricas inteiras ao estrangeiro – muitas vezes por menos de um décimo do seu valor – em negociatas escandalosas, apadrinhadas pelo Governo, facilitou também o aparecimento de uma geração de milionários. Os anos 90 ficarão na Historia como a década das máfias, um período de caos social, durante o qual a criminalidade atingiu o auge com os grupos mafiosos a controlar o Poder Central enquanto se digladiavam no contexto do capitalismo selvagem. Quase tudo no fluir da vida económica era ilegal. Mas a ilegalidade torrencial, por rotineira e abrangente, era tolerada, aceite como fenómeno quase natural.
Homens e mulheres – Berezovsky, Abramovitch, a filha de Ieltsine Tatianja Diatchenko, entre muitos outros - que anos antes viviam de modestos salários tiveram, de repente, os seus nomes inscritos na lista das grandes fortunas do mundo.
A nova economia russa assentava, entretanto, em bases virtuais, tão desligadas da produção que ruiu instantaneamente.
Na crise do ano 98 veio tudo abaixo. O rublo tornou-se de um dia para outro um papel sem valor e a pobreza generalizada agravou-se em todo o pais, assumindo proporções alarmantes.
A ascensão de Putin à Presidência ficou a assinalar o início da transformação do sistema. O sucessor de Ieltsine percebeu que era urgente por termo à fase do capitalismo selvagem, tutelado pelas máfias, e instaurar no país um capitalismo com regras e outro rosto, inspirado no modelo neoliberal ocidental. E o que ocorreu?
A continuidade de uma política anti-social, com a peculiaridade de ser aprovada e elogiada pelos EUA e pelos governos da União Europeia.
Assistiu-se, a partir do ano 2001, à legalização daquilo que fora roubado.
A corrupção em larga escala não desapareceu. Assumiu novas formas. O Governo Putin ganhou a respeitabilidade de que carecia o de Ieltsine.
MOSCOVO, OUTRO PAÍS
Moscovo tem oficialmente 10 milhões e meio de habitantes. É a mais populosa cidade da Europa depois da turca Istambul. Mas as estatísticas mascaram a realidade. Poucos arriscam números, mas admite-se que na capital vivam actualmente 13 milhões de pessoas. Porquê a diferença?
Ninguém pode morar na cidade sem autorização de residência e os ilegais não constam obviamente do censo.
Ouvi repetidamente que Moscovo é actualmente um país dentro de outro, diferente, que é a Rússia.
O comentário facilita o entendimento da contradição: uma prodigiosa concentração de riqueza na capital de um país empobrecido, terceirizado.
Moscovo é um polvo monstruoso que atrai e digere a riqueza produzida na vastidão do maior país do mundo. Ali se concentram nas mãos de uma classe de inimigos do povo os lucros do gás, do petróleo, dos diamantes, do ouro, de grande parte da mais valia que o jovem capitalismo russo consegue acumular à custa do suor e do sofrimento dos povos do território do planeta mais rico em recursos naturais.
Mas Moscovo é uma cidade de desigualdades chocantes. A prosperidade arrogante da urbe de novos-ricos, que se exibe como vitrina do século XXI, é privilégio de uma pequena minoria. Na megalópolis a pobreza e mesmo a miséria coexistem com o mundo fechado da classe bilionária de raízes mafiosas.
Nos estamentos mais baixos de uma classe média pauperizada são raros os que para sobreviver não têm de recorrer ao duplo emprego ou a biscates.
Quase tudo o que antes nos serviços públicos era gratuito ou tinha um preço simbólico é agora pago.
O ensino nas Universidades do Estado – as privadas são por ora inexpressivas - continua a ser teoricamente gratuito. Mas o custo das propinas atinge níveis elevadíssimos. Na Lomonossov, de Moscovo, uma escola que gozava de prestígio mundial, a anuidade em algumas Faculdades anda pelos 225.000 rublos (5.000 euros).
A situação criada pela corrupção no Ensino suscita tantas críticas que Medvedev numa reunião com os lideres dos grupos parlamentares representados na Duma sugeriu há dias a constituição de uma Comissão Especial incumbida de estudar o problema e propor medidas que permitam o acesso à universidade aos filhos dos trabalhadores que hoje nelas não podem ingressar por falta de recursos. O ensino superior voltou a ser, como na época imperial, privilégio de uma elite.
Na Saúde o panorama não é muito diferente.
O antigo sistema ruiu. Pela lei os cuidados de saúde são ainda gratuitos. Mas os hospitais não a cumprem. Fora das urgências quase tudo é pago. A corrupção envolve funcionários administrativos, médicos, enfermeiros, a totalidade dos serviços.
Os medicamentos são caríssimos.
PARA QUE SERVE A LEI?
Uma legislação abundantíssima ficou a assinalar na Rússia a transição para o capitalismo. Foram redigidas, aprovadas e promulgadas milhares de leis.
A maioria não é cumprida.
No que se refere aos salários, os trabalhadores encontram-se na prática desarmados perante o patronato. Não existe um salário mínimo nacional. Em seu lugar o Poder Local, estabelece em cada região um mínimo de sobrevivência que na maioria das cidades é inferior a 3.000 rublos mensais (67 euros). Essa quantia, não chega para uma má alimentação.
A lei estabelece o 13º salário. Mas em milhares de empresas os trabalhadores não o recebem. Os lay off são frequentes e muitos empresários não pagam sequer o salário do mês a trabalhadores que tomam férias.
Os despedimentos, colectivos ou individuais, não são dificultados por mecanismos minimamente eficazes. Os sindicatos são incapazes de defender os direitos dos trabalhadores. Foram reduzidos à condição de organizações de fachada que não cumprem a sua função social.
Tentei informar-me com amigos sobre a escala dos salários em diferentes actividades profissionais. Mas não consegui ir longe. Em primeiro lugar os salários em Moscovo são muito mais elevados do que em qualquer outra das grandes cidades, incluindo Petersburgo, a antiga Leninegrado.
Soube que a maioria das empresas, para evitar impostos, paga uma parte do vencimento por fora. Muitos patrões retêm percentagens do salário estipulado com os trabalhadores.
As disparidades, entretanto, são enormes tanto no sector público, como no privado.
Um general de quatro estrelas ou um magistrado no topo da carreira poderá atingir uns 80.000 rublos (um pouco menos de 1.800 euros). Um médico, um engenheiro ou um professor universitário ganham metade disso.
Daí o alastramento da corrupção, uma lava que escorre pelo conjunto da sociedade.
Há controlo de preços em alguns produtos. Mas é ficcional. Verifiquei que o mesmo produto é vendido ao público em cada supermercado por preços muito diferentes, em alguns casos por quase o dobro ou metade do afixado numa loja próxima.
Um amigo de Orel, cidade a uns 360 quilómetros a sudoeste de Moscovo, mostrou-me a folha dos salários pagos no complexo açucareiro local que emprega cerca de 800 trabalhadores. Ali o director tem um salário de 35.000 rublos (780 euros); os carregadores de sacos de 50 quilos, em turnos de 12 horas, trabalho devastador para a saúde recebem 30.000 (uns 670 euros); o engenheiro-chefe ganha 25.000 (550 euros); os economistas 17.000 (380 euros); os operários da refinaria 8.000 (180 euros); os capatazes e os serralheiros também 8.000, o mínimo é de 4.000 (90 euros).
A disparidade com Moscovo é considerável.
Perguntei-lhe como conseguem sobreviver com salários tão baixos, sendo tão alto o custo de vida.
«Os que podem – esclareceu - têm outro emprego. Quase todos possuem ali casa própria. O meu irmão não tem grandes problemas com a alimentação porque cria galinhas e cultiva legumes e frutas num terreno que recebeu quando destruíram o Sovkhose local. Mas é quase unânime a convicção de que se vivia muito melhor na época da União Soviética. Veja o meu caso, tive de emigrar para não cair na miséria...»
A ESPERANÇA AUSENTE
NUM PRESENTE SOMBRIO
Nos meus dez intensos dias moscovitas muitas horas foram ocupadas por longos passeios por ruas, praças e lugares da cidade que eu conhecera e tinha amado quando era a capital da União Soviética.
Que procurava ao revisitar pela imaginação o passado?
É difícil responder. Tentava talvez compreender a Rússia actual, uma sociedade atormentada, desconhecida, resultante daquilo que me aparecia como uma tragédia para a Humanidade.
Caminhei muito pela Praça Vermelha, desci e subi diariamente a Teverskaya, a grande rua que foi durante dois séculos para Moscovo o que os Champs Elisées representam para Paris e a Avenida da Liberdade para Lisboa.
Eu a descobri quando se chamava Gorky em homenagem ao autor de A Mãe. Fisicamente pouco nela mudou. São raros os novos edifícios que substituíram os derrubados. Mas o rosto da Tervskaya moldada pelo capitalismo não lembra o da Gorky.
Antes o ritmo da vida era lento. Ninguém parecia ter pressa. Agora, a multidão que a percorre, de manhã ao entardecer, neste Agosto azul pouco difere, até no vestuário, daquelas que num fluxo de contornos kafkianos se movimentam nas grandes capitais do Ocidente com medo de perder cada minuto.
Entrei em muitas lojas. Impressionou-me especialmente um supermercado que há trinta anos me chamou a atenção por estar instalado no piso térreo de um antigo palácio. A decoração das paredes e tectos, belíssima, foi mantida. Mas hoje somente ali são oferecidos ao público produtos de grande qualidade, a preços proibitivos. O estabelecimento adquiriu uma marca de classe.
Consagrei uma tarde a revisitar hotéis onde me hospedara nas minhas frequentes visitas a Moscovo.
O velho Minsk, na Teverskaya, já não existe. O Ucrânia e o Leninegrado, remodelados, continuam, a ser inflorescencias na cidade, por terem surgido em torres da época staliniana. O Moskva, no Okhotnyi Ryad, foi demolido para ser edificado um igual no antigo espaço. O Metropol e o Nacional, construídos no início do século XX, que conheci como confortáveis mas muito modestos, são hoje cinco estrelas muito procurados pelas personalidades do jet set internacional. O Oktiabrskaya II, que era o maior dos hotéis do Comité Central, chama-se hoje President e é um 4 estrelas muito procurado pelos homens de negócios.
Revisitei, naturalmente, alguns museus.
No da História da Rússia, instalado no gigantesco palácio vermelho de estilo gótico revivalista que fecha a Praça Vermelha do lado oposto à Catedral de São Basílio, nada mudou na aparência. É um museu que sempre me encantou. Cada salão é nele uma obra de arte, o que envolve os visitantes numa atmosfera mágica no passeio pela Historia da Rússia, desde o neolítico ao fim da autocracia czarista.
Dediquei também horas a percorrer o Museu da História Contemporânea da Rússia. Antes chamava-se Museu da Revolução, mas um bom senso elementar, excepcionalmente, impediu que os novos governantes, ousassem reescrever a História das Revoluções de 1905 e de 1917.
A tentativa de manipulação limitou-se a alguns parágrafos de pequenos textos em inglês colocados à entrada nas salas.
No Museu Pushkin tive também a sensação de que o tempo havia parado. À museologia soviética falta a tecnologia e a sofisticação da francesa e da britânica. Mas aquele maravilhoso museu, nas salas dedicadas às antigas civilizações, faz recordar o Louvre e o British Museum, empurra os visitantes em cavalgada pelo tempo para a Grécia, Roma, o Egipto, a Assíria, a Pérsia dos Aqueménidas. A pinacoteca é deslumbrante.
Estive pela primeira vez na Catedral do Salvador, um templo enorme, o maior da Rússia. Foi ressuscitado em circunstâncias que fazem dele uma aberração. O czar Alexandre I, para comemorar a vitória sobre Napoleão, decidiu em 1814 edificar em Moscovo uma catedral gigantesca. Interrompida várias vezes a sua construção foi inaugurada em 1883. Em 1931 foi demolida por decreto. No lugar foi então instalada a céu aberto uma piscina de água quente na qual se nadava em pleno Inverno. O último absurdo consumou-se quando Ieltsine decidiu que a Catedral fosse reconstruída de acordo com o projecto original. A Rússia vivia então a fase do capitalismo selvagem com o povo a sofrer tremendas privações. A obra foi um sorvedouro de dinheiro. Mármores caríssimos foram importados de Itália e outros países; no interior, um autêntico museu com ícones antiquíssimos, o ouro dos altares e capelas é tanto que fere o olhar dos visitantes.
Na manhã que por ali passei eram escassos os fiéis.
Para quê reinventar uma Catedral como aquela, aliás sem tradições? Para quê se esbanjaram naquele capricho de Ieltsine milhões numa época de miséria?
Todas as pessoas com quem abordei a questão coincidiram na conclusão de que a iniciativa confirma a irresponsabilidade que ficou a assinalar a passagem pelo Poder do homem que destruiu não apenas a URSS, mas a Rússia, motor do Estado desaparecido.
MEDITAÇÃO NO KREMLIN
Vinte anos transcorreram desde a última visita que fizera ao Mausoléu de Lenine, quando a URSS estava prestes a desagregar-se.
Senti o desejo de voltar ali com a minha companheira. A fila era enorme. Enquanto esperávamos, apareceu uma senhora que se nos dirigiu e aos outros estrangeiros para garantir acesso imediato desde que lhe pagássemos cada um 10 euros. Alguns aceitaram.
Num cálculo sumário, avaliei num mínimo de 4.000 euros mensais o que a sua actividade ilegal lhe pode proporcionar, quantia colossal num pais de salários muito baixos.
Cito o caso porque ilumina bem o funcionamento da máquina da corrupção na Rússia contemporânea. A economia paralela garante hoje a sobrevivência a muitos milhões de pessoas. Sem ela, no actual contexto, a maioria da população vegetaria na miséria. Mas o preço social desse cancro que corrói a nação é assustador.
Caminhei durante uma hora pelo recinto do Kremlin, entre as velhas catedrais, o Grande Palácio, o Palácio dos Congressos e outros edifícios. Senti, mais uma vez que naquele espaço, fechado pelas muralhas de tijolo vermelho da fortaleza medieval, o visitante atravessa as paredes do tempo numa viagem pela história profunda dos povos da Rússia.
No meu caso, cada sector da fortificação, cada torre, cada igreja, cada palácio me confronta com épocas e pessoas cuja passagem por ali deixou marcas na Historia da Rússia e da Humanidade. Penso em Ivan III, no rei polaco invasor, em Pedro o Grande, em Catarina II, em Napoleão, no último czar, em Kerenski, Lenine e Stalin. Contemplando o relógio da Torre do Salvador, tomo consciência de que não voltarei a Moscovo, que me despeço nesta visita da cidade e da Rússia.
Foram dias intensos, num reencontro doloroso. Insuficientes para compreender a complexidade da nova vida num país com uma cultura sem similar no mundo, muito diferente de qualquer das culturas da Europa Ocidental.
Para sintetizar num mínimo de palavras o sentimento - balanço destes dias moscovitas direi que regressei a Portugal com a convicção de que o povo da grande cidade perdeu muito da sua antiga alegria de viver. É uma impressão na aparência absurda, mas muito forte.
Falei com gente amiga e outra que conheci agora. Essas conversas e o que vi empurram-me para a conclusão de que, exceptuada, no vértice, a nova classe de multimilionários e os estamentos sociais de uma burguesia em formação que leva uma existência folgada, a esmagadora maioria dos moscovitas com mais de 45 anos sente já a nostalgia da vida antiga.
A grande cidade modernizou-se, adquiriu a fisionomia de uma megalópolis europeia cosmopolita onde ao longo do dia, a circulação de carros e pessoas é permanente, alucinatória a certas horas.
O metro, que se degradara nos anos de Ieltsine, recuperou a beleza e o asseio. Moscovo voltou a ser uma capital muito mais limpa do que Paris ou Roma.
Mas sobre ela, invisível, paira um manto de tristeza.
A falta de perspectivas é real e transparente. Mesmo aqueles – e são, repito, a maioria – que no paralelo entre o presente e o passado esboçam um quadro sombrio da vida actual não acreditam numa mudança em tempo previsível. Recordam com saudade os anos da segurança no trabalho, da ausência do desemprego, das pensões, saúde e ensino garantidos, das ferias pagas. Mas não vislumbram sequer a possibilidade de uma humanização do capitalismo implantado no país.
O deslumbramento com o estilo americano de vida, que nos anos posteriores ao fim da URSS envolveu amplas camadas da juventude, cedeu o lugar a uma visão realista da cultura exportada pelos EUA. Os seus efeitos negativos continuam a pesar muito no quotidiano moscovita, mas a própria imagem do presidente Barack Obama, recebido com entusiasmo, perdeu já o poder de atracção inicial. As guerras imperiais dos EUA inspiram hoje um repúdio cada vez mais generalizado.
Nesse sentido, a politica de recuperação da dignidade nacional, transparente no novo tipo de diálogo com Washington, contribuiu para o prestígio de Putin e Medvedev.
Não falei, em contrapartida, com uma só pessoa que não manifestasse desprezo e aversão por Ieltsine. Identificam nele não apenas o coveiro da União Soviética, mas um politico corrupto, submisso perante os EUA, um aventureiro ambicioso, um alcoólatra degradado.
Com alguma surpresa minha, pouco se fala já de Gorbatchov e Kruschev. Foram quase esquecidos, ao contrário de Brejnev recordado com saudade por muita gente.
Apagou-se totalmente a esperança no povo russo?
Não é essa a minha convicção.
Mais de uma vez a velhos amigos e a gente moça ouvi, ao comentarem os males do presente, a afirmação de que a caminhada do povo russo pela História tem sido trágica, mas que sempre, após sofrimentos inenarráveis, ele encontrou maneira de sair da escuridão para a luz.
Pensei na misérrima, famélica e atrasada Rússia medieval, indefesa perante as ininterruptas invasões de nómadas asiáticos, no flagelo que foram os três séculos da ocupação de parte do país pelas hordas mongóis, nas invasões de polacos e suecos, na entrada de Napoleão em Moscovo e na sua posterior derrota, nos monstruosos crimes cometidos pelos alemães nas duas guerras mundiais. Recordei os séculos da servidão. Mas quando ninguém esperava, foi também na Rússia que surgiu e venceu a primeira revolução socialista da História.
Admito que o renascimento da nação russa, inevitável, será dialecticamente facilitado pela decadência do poder imperial dos EUA. A actual crise do capitalismo é estrutural e não cíclica como as anteriores. Tende a agravar se ao contrário do que afirmam Obama e os banqueiros de Wall Street.
Esse naufrágio, sem data no calendário, criará condições favoráveis à emergência de um mundo multipolar. E nele o povo russo terá um papel insubstituível a desempenhar.
Sou optimista. Ao sair do túnel, a Rússia, acredito, reencontrará a luz e o calor do sol.
Moscovo e Serpa, Agosto de 2009
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Marina Silva de verde...
O Partido Verde vai amadurecer
por Lelê Teles
Nisso crê Marina Silva. Nisso não cremos nós. O PV, como sabemos, faz na política o que Mané Garrincha fazia com seus adversários nos gramados: ilude a todos, faz que vai para a esquerda e vai para a direita; depois finge que vai para a direita e se envereda pela esquerda. O PPS é pai e mãe desses dribles; Roberto Freire é o mentor e já teve como seguidores Heloísa Helena, Cristovam Buarque, Gabeira… uma lista ainda por terminar. Marina Silva é a neófita da vez. Vai lendo.
As eleições que se aproximam serão um plebiscito, disso não se pode fugir. Mas se pode protelar. Nas eleições passadas já o fizeram. Um plebiscito, digo, mas não que seja a disputa entre dois nomes e dois homens – mesmo porque termos aí uma mulher –, mas entre duas forças, duas correntes. De um lado, Lula da Silva, Dilma Rousseff e uma multidão de brasileiros que passaram a comer melhor, se vestir melhor, tiveram acesso à universidade e uma diversidade de melhorias e benesses. De outro lado, o senhor Ali Kamel, que é a mente demente dos filhos do Marinho, os próprios filhos marínicos e umas quatro famílias mais – Mesquita, Frias e os demais, falou de um falou de todos. E o Zé Serra, que até pensou em desistir, mas Lula meteu lá Ciro Gomes em seu calcanhar e ele será candidato, porque teme mais a Ciro do que a Lula e Dilma juntos, porque estes são cordiais; Ciro, jamais.
No passado, as forças anti-Lula lançaram os seus factóides: Heloísa Helena e Cristovam. Candidatos da direita, mas travestidos de esquerda. Tanto é que apareciam nos jornais como nunca. Lembremos que Helô teve sua biografia deslindada numa revistona. O mesmo fazem agora com Marina. Não que jornalões e revistonas torcessem para Cristó e Helô, não estavam preocupados em quantos votos eles poderiam ganhar, que seriam bem poucos, mas quantos conseguiriam tirar de Lula.
Eram caricatos. Cristó era monotemático, portanto inviável. Helô, balcão-de-negócios-sujos, era somente uma frasista. Mas encantou-se com os holofotes, chegou mesmo a levar um sobrinho para uma CPI, coisas de celebridade. Ao fim e ao cabo não fez cócegas no score eleitoral e ainda permitiu a eleição folgada de Fernando Collor para o Senado, ou seja, serviu duas vezes à direita. Enquanto fazia com Lula o que Denilma Bulhões fazia com o seu marido governador, para usar uma metáfora alagoana, ou seja, o lategava com uma toalha molhada em praça pública, Collor sorria o seu sorriso sujo para o Senado. Cristovam prometia uma revolução na educação, o que ele queria ter feito em três meses sendo ministro e que não fez nos quatro anos em que governou o Distrito Federal. Passadas as eleições, nenhum jornal quis saber de Helô, e Cristovam voltou ao noticiário porque serve aos jornalões chicoteando Sarney, depois sumirá novamente.
É nessa seara e no mesmo cenário que surge Marina Silva. Com a vantagem, para a direita, que faz o que os dois faziam sendo uma só: é monotemática e tem a língua afiada. Será a anti-Dilma. Já foi enganada pelo PV quando lhe disseram que ela teria 15% de votos logo de saída. O Datafolha mostrou que é um quinto disso, e vai terminar com menos, mas vai fazer um estrago em Dilma, que chegará um pouco trôpega no segundo turno. Depois Marina se desencantará do PV ou ele dará um jeito de se livrar dela, e ela terá que ir para o PSOL ou para o PSTU, ou criar uma nova legenda.
Todos sabemos que quem veste camisetas com dizeres como salvem as baleias, viva a natureza, libertem as focas… são os jovens da classe média, e estes não elegeram nem Gabeira pra prefeito, como elegerão uma presidente? Mas Marina vai sair bem na foto. Já está saindo – ontem mesmo vi uma foto dela no blog do Noblat, retocada, com luz profissional, parecia uma imagem de Caravaggio. É assim que a direita ilude os vaidosos. Vai nessa, Marina. Ou, usando uma metáfora futebolística: pedala, Robinho!
http://www.amalgama.blog.br/08/2009/o-partido-verde-vai-amadurecer/#more-467
Festival de cinema de Gramado...
"Corumbiara", vencedor do Festival de Gramado: Um filme político
A cerimônia de premiação da 37ª edição do Festival de Cinema de Gramado ainda estava para acontecer, mas o diretor Vincent Carelli já era um dos mais cumprimentados pelo documentário Corumbiara. O grito de denúncia do filme comoveu a plateia do evento, dando a ele uma expectativa na conquista de Kikitos que viriam a se confirmar com os prêmios de melhor filme, júri popular, estudantes de cinema, direção e montagem, este pelo trabalho de Mari Corrêa.
Nesta entrevista ao Diario de Pernambuco, dada horas antes da cerimônia, Carelli explica como surgiu seu trabalho com as câmeras, relata suas experiências com os índios, interpreta algumas opções do filme, fala sobre a questão indígena no país e convida os envolvidos no massacre de Corumbiara a abrirem um processo contra ele.
O filme Corumbiara, produção pernambucana rodada em Rondônia, é fruto do esforço de 20 anos do indigenista Carelli, coordenador da organização não-governamental Vídeo nas Aldeias, com sede em Olinda.
Assim como seu trabalho na ONG, o documentário foi feito com o objetivo de usar a câmera para fazer justiça onde os meios convencionais das leis se mostraram ineficientes. No filme, Carelli tenta resgatar a versão dos índios sobre o massacre na Gleba Corumbiara, promovido pelos latifundiários da região para ampliar a extensão de suas terras.
Ainda que a urgência do tema dispensasse quaisquer preocupações estéticas, Carelli consegue organizar os trâmites burocráticos envolvendo a interdição de terras por meio de uma narrativa cinematográfica. Com ritmo, suspense, responsabilidade ética e sutileza para registrar os meandros culturais dos índios encontrados.
O que faz o documentário transcender a questão política para avançar em questões antropológicas, tanto em relação aos índios, como em nossa própria sociedade. O filme revela a torre de Babel em que vivemos, a ausência de diálogo entre as diferentes tribos indígenas, do homem branco com os índios, da Funai com os fazendeiros e madeireiros, com outras instâncias públicas como a Justiça, a polícia e o Ibama.
Confira abaixo a entrevista de Vincent Carelli:
Como foi o início do seu trabalho com vídeo e essa relação com os índios?
O vídeo nasce de uma militância política. Em novembro completo 40 anos de indigenista. Minha fotografia já foi inspirada nesse trabalho com os índios, porque entrei em contato com eles aos 16 anos, e isso revolucionou minha vida. Já que tive esse privilégio, senti a necessidade de compartilhar. Depois fui procurado por um cineasta, o Andrea Tonacci, que fez Serras da desordem, para um projeto de usar o vídeo como elo entre os povos. Mas não vingou porque ainda era muito cedo, a tecnologia era difícil, cara.
Quando saiu o VHS camcorder, comecei a revisitar os povos com quem já tinha trabalhado, com lideranças visionárias e projetos de resistência cultural, oferecendo minha câmera para seus projetos. Nessa trajetória, fiz uma série de vídeos que tratavam do videoprocesso das comunidades e serviram como meu braço de financiamento. Depois que comecei vi que, essa questão dos índios assumirem a produção, era um caminho já indicado em muitos lugares. Então começamos a implantar oficinas, de formação e captação de cineastas indígenas. Já estamos há 10 anos nessa linha.
Como é a relação dos índios com a própria imagem?
Tem uma série de tabus. A cultura é um processo dinâmico, o fascínio pela imagem é tão grande que esses tabus são revistos e reinterpretados. Nos oiampis, eles logo disseram que o perigoso era a imagem em preto e branco, mas colorido estava tudo bem. Eles aderem, esse jogo de espelho provoca uma revisão. Você sempre tem uma outra imagem de você, quando nos vemos, há o confronto com a autoimagem.
Há um processo de ajuste, será que era assim que gostaria de me ver? Isso rebate, provoca reações, uma consciência do processo de mudança da cultura. Também reforça o discurso deles, estimulava essas comunidades a fazer um exercício de memória, de reencenar, atualizar seu rituais.
Corumbiara levou 20 anos para ser feito. Como foi o processo de edição, que envolveu horas de filmagem e diversas tecnologias?
Começamos pelo VHS, fomos parao super-VHS, passamos pelo high eight, Betacam, mini-DV. Em 2006 nem quis filmar em HD para não criar mais um problema. O Corumbiara acompanhou todo esse processo do Vídeo nas Aldeias, correndo por fora porque meu foco era a mídia com os índios.
Minha perspectiva era justamente o contrário, queria fugir dessa visão miserabilista de que os índios estão acabando. Eu trabalhava no sentido da recuperação das coisas. O Corumbiara atravessou meu caminho, correu por fora, é outra linha, uma história arrasadora.
Corumbiara já surgiu como um filme? Quando você percebeu que esse material poderia se transformar em documentário?
Ele sempre foi pensado que, algum dia, daria um filme. Ao longo do processo, a imagem foi fundamental. A partir de 1995, quando fizemos o contato com esses índios e jogamos na televisão, no dia seguinte o juiz de Porto Velho assinou a interdição da área. A imagem serviu para resguardar os sobreviventes. Mesmo que não tivesse o filme, a filmagem cumpriu seu papel histórico.
No ano seguinte, a gente descobriu que um fazendeiro, ao ver as imagens da televisão, decidiu acabar com o terceiro grupo de índios porque, se a gente descobrisse, ele iria perder uma parte da fazenda. Isso gerou outro massacre. A gente foi chegando tão perto das evidências, que cheguei a pensar que conseguiríamos pegar os caras. Mas não aconteceu, o caso nunca foi investigado.
Eram horas de material, o filme ficou engavetado. Anos depois veio uma jornalista da Holanda escrever um livro sobre essa história e, de repente, veio me entrevistar. Fiquei emocionado ao lembrar. Então fiz a viagem de 2006 e parti para a edição.
Como tem sido a recepção ao filme?
Em geral, os gringos se interessam mais pelos índios do que os brasileiros. Mas nesse caso, o filme está sendo feito para o Brasil. Hoje percebo que pouco importa a impunidade. Contar essa história é mais importante, proporcionar esse testemunho, esse choque emocional. É um caso emblemático, raríssimas vezes se conseguiu documentar um massacre.
Ficcionou-se, mas o documentário tem uma força além da ficção, porque é real, tem um impacto enorme sobre a plateia. Esse gesto de apertar o gatilho é o mesmo gesto do bandeirante caçando índio, uma atitude que se perpetua. O filme é uma reflexão para o Brasil sobre a dívida histórica com os índios.
Houve alguma reclamação por parte dos madeireiros e fazendeiros envolvidos?
Tive esse retorno recentemente quando voltei à área do índio do buraco, logo depois do filme passar no festival É tudo verdade. Quando o filho do fazendeiro percebeu que eu tinha feito o filme, começou a me xingar, quis me bater na hora. Todas as entrevistas foram consentidas, mas as imagens do fazendeiro que mandou atirar no índio do buraco foi uma câmera escondida.
Em tese, ele poderia me processar, foi um risco que assumi. Acharia até bom, não só para o filme. Não acredito que ele tenha interesse em fazer isso, porque finalmente se abriria um processo judicial sobre o caso e teríamos que ir à questão do massacre. Eles devem estar uma arara com o filme, mas por enquanto está todo mundo quieto.
Por que a opção de assumir a narração em primeira pessoa, com comentários e reflexões?
O fim imaginado do filme era o julgamento e os caras indo para cadeia, mas não se concretizou. E também porque o filme é a história da minha vida, foram 20 anos, marcou minha vida. Só podia ser na primeira pessoa, não tinha como ser uma voz off. Em 2006, foi muito emocionante a maneira como eles nos trataram.
Para mim, eles eram parte de minha vida e percebi que eu fazia parte da deles. Tem uma coisa de vivência, que acrescenta ao filme. Não foi um comentário de fora, foi uma das histórias mais emocionantes e tristes que já vivi.
O foco do filme é a questão fundiária, da reserva indígena, mas também tem a preocupação de registrar os rituais dos índios. Por que isso?
Primeiro quis transmitir a dificuldade de comunicação, foi algo muito doloroso estar ali e não conseguir falar com eles. Surgiu uma discussão aqui em Gramado de que esse filme era muito etnográfico e não deveria estar no festival.Corumbiara não é etnográfico, é um filme político.
Claro, tem descrições, é importante você dar essa perspectiva de pessoas que vivem em outro mundo, dar profundidade a essa diferença. Acho que essa atitude de tentar enclausurar a questão indígena a antropólogos e especialistas, guardadas as devidas proporções, é a mesma atitude das autoridades que jogaram esse crime de genocídio para debaixo do tapete. A importância de trazer esse filme para Gramado é justamente de romper esse gueto e jogar ele para o público.
Fonte: Diario de Pernambuco. Fusão de matérias de Thiago Corrêa publicadas nos dias 14 e 18 de agosto de 2009
Créditos: sitio vermelho
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Adital -
"A privatização do mar terminará por destruir a cultura "bordemar" do arquipélago de Chiloé: esta cultura implica no equilíbrio entre pessoas, espíritos e meio ambiente. Os problemas de saúde e bem-estar se agravam e a cultura como fator protetor está em perigo. Além de assinar, temos que fortalecer o perfil de proteção que a própria gente das ilhas e dos lugares isolados possui hoje para enfrentar o neoliberalismo", escreve Jaime Ibacache-Burgos, na petição da campanha contra a privatização do mar.
Através da rede, os aderentes à campanha têm manifestado seu repúdio porque consideram injusto que - apesar de as empresas de salmão terem operado por mais de 20 anos com poucas normas ambientais, sanitárias, trabalhistas e sociais, além de se comportarem desrespeitosamente com as comunidades costeiras de Chiloé, Aysén e Magallanes -, o Estado decida premiá-los entregando-lhes bens nacionais de uso público, como são as concessões aquícolas.
Além disso, chamam aos parlamentares a votar contra a iniciativa privatizadora de banqueiros, empresários de salmão e o Ministério da Economia.