quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Peter Gabriel - Ein Deutsches Album (1980)

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01. Eindringling (05:06)
02. Keine Selbstkontrolle (04:05)
03. Frag Mich Nicht Immer (06:08)
04. Schnappschuss (Ein Familienfoto) (04:31)
05. Und Durch Den Draht (04:32)
06. Spiel Ohne Grenzen (04:11)
07. Du Bist Nicht Wie Wir (05:35)
08. Ein Normales Leben (04:25)
09. Biko (08:58)

Agrotóxicos: Anvisa e deputados paulistas avaliam retirar do mercado substâncias proibidas em outros países

Simão Pedro - Eduardo Sezimbra

Uma ofensiva contra os agrotóxicos – A luta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tirar do mercado brasileiro 14 princípios ativos presentes em mais de 200 agrotóxicos pode ganhar um novo aliado: a Assembléia Legislativa de São Paulo. O deputado estadual Simão Pedro (PT-SP) protocolou ontem um projeto de lei que determina a retirada desses 14 produtos em todo o estado de São Paulo a partir de 1º de janeiro. A maioria dos princípios ativos – abamectina, acefato, carbofurano, cihexatina, edossulfam, forato, fosmete, glifosato, lactofem, metamidofós, paraquate, parationa metílica, tiram e triclorfom já é proibida nos Estados Unidos, Japão, Canadá e alguns países da Comunidade Européia.

Levantamento recente feito pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa constatou a presença de acefato, endossulfam e metamidófos em amostras recolhidas de abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva. Reportagem de Luciana Abade, no Jornal do Brasil.

Pioneiro – Vamos dialogar com o governador José Serra para assim como foi com a lei antifumo e com a proibição do amianto na construção civil, o estado de São Paulo seja pioneiro nessa luta – afirmou o deputado.

- Não podemos usar produtos que favoreçam o agronegócio em detrimento da saúde. Temos no estado 18 institutos de pesquisa e três universidades de ponta. Podemos desenvolver produtos que favoreçam a produção sem prejudicar a saúde da população.

A proposição obriga as unidades de saúde das redes pública e privada a notificar todos os casos de doenças e óbitos ocasionados pela exposição a qualquer tipo de agrotóxico sob o argumento de que as ocorrências são subnotificadas. No Brasil, a segunda causa de intoxicação, depois de medicamentos, é por agrotóxicos.

Quem infringir as novas regras está sujeito às penalidades previstas no Código Sanitário do estado que vão desde advertência ao cancelamento de licença de funcionamento da empresa e até invenção. As multas podem chegar a R$ 150 mil.

- O uso desses produtos é responsável por uma forte incidência de câncer. Precisamos proteger a população que está desprotegida e desinformada – ressaltou o autor da proposta. – E o estado de São Paulo deve ser responsável por 40% dos US$ 7 bilhões que o mercado de agrotóxico movimentou no país no ano passado.

No Brasil, o registro de um agrotóxico é eterno. A reavaliação toxológica ocorre quando novos estudos apontam o perigo que esses produtos podem trazer à saúde. A reavaliação dessas 14 substâncias estava prevista na Agenda Regulatória da Anvisa desde 2007, mas uma série de ações judiciais impetradas pela indústria do agrotóxico em 2008 impediram o processo. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (Sindag), por exemplo, entrou na Justiça para conseguir a suspensão da reavaliação de nove ingredientes ativos.

Com o apoio do Conselho Nacional de Saúde e da AdvogaciaGeral da União, a Anvisa conseguiu recentemente reverter as decisões judiciais para reavaliar as substâncias, mas ao contrário do previsto, não foi possível finalizá-las até junho. Até o momento, apenas a cihexatina será retirada do mercado brasileiro. O produto deve estar banido até novembro de 2011.

Ferramenta Por meio de nota, o setor de agroquímicos, representado pelas entidades Andef, Andav, Sindag, Abifina e Aenda, admitiu que o instituto da reavaliação é condição essencial para que a sociedade possa se beneficiar, com segurança toxicológica, ambiental e agronômica, do uso dessa tecnologia como ferramenta para a produção agrícola brasileira. Mas que no Brasil esse processo tem sido realizado com “imperfeições que implicam a perda de qualidade”. Entre as mais evidentes, o setor cita que a Anvisa, ao relacionar as 14 substâncias a serem reavaliadas, não atendeu a nenhum dos requisitos previstos no Decreto 4074 que trata da reavaliação de produtos. E que os documentos que embasaram as reavaliações deveriam ficar à disposição dos interessados, o que não ocorre.

O uso desses produtos é responsável por uma forte incidência de câncer. Precisamos proteger a população – Simão Pedro deputado estadual (PT-SP)

Veias abertas

aaaaaamilitares

Por Emiliano José*, de Salvador (BA), na Terra Magazine

A anistia foi uma grande conquista do povo brasileiro. O dia 28 de agosto de 1979 foi um dia de alegria. De reencontro. Um dia em que se celebrava a saída de tantos companheiros da prisão. A volta de tantos outros do exílio. A saída de muitos da vida clandestina.

A anistia foi resultado da luta do Movimento Feminino pela Anistia, do Comitê Brasileiro Pela Anistia, da Igreja Católica e de igrejas evangélicas, de parlamentares que se dedicaram a ela, e nos lembramos com emoção da luta de um Teotônio Vilela.

Na Bahia, é justo simbolizar as homenagens da luta pela anistia, correndo sempre o risco das injustiças, primeiro nos que estiveram à frente do Movimento Feminino pela Anistia, dona Isabel Santana (Bebé Santana) e do Comitê Brasileiro pela Anistia, Joviniano Neto e Ana Guedes.

Depois, nos advogados, e lembro o meu advogado, José Borba Pedreira Lapa, exemplo de coragem, sabedoria jurídica e dignidade, e mais Inácio Gomes, Jaime Guimarães e Ronilda Noblat. Os dois últimos já não estão entre nós.

E por fim, simbolizar as homenagens nos familiares: nossas mães, irmãs, pais, parentes, nossas mulheres, que nunca nos abandonaram.

A anistia foi parte importante da luta contra a ditadura. A partir da anistia, aumentou o ritmo das mobilizações populares, cresceu a organização da sociedade civil e menos de seis anos depois, em 1985, a ditadura acabava.

Sair da prisão, voltar do exílio, respirar o novo clima de liberdade não era pouco, e era obviamente um motivo de grande alegria. Não há como desconhecer isso. Voltávamos à vida, à militância política aberta. Para quem vive mergulhado na política, ser afastado dela compulsoriamente é quase a morte. E a anistia nos repunha na cena política, legalmente. A anistia reanimava nossas esperanças.

Ela, no entanto, não veio ampla, geral e irrestrita. Deixou de lado alguns dos nossos companheiros que estavam presos sob o argumento de que tinham praticado “crimes de sangue”. Sobre estes, Teotônio Vilela, o inesquecível Teotônio Vilela, em sua cruzada pela anistia, dizia não ter encontrado neles nenhum traço terrorista, mas jovens idealistas que haviam arriscado a vida pelo bem do Brasil, completando, com propriedade: “Convidaria todos eles para se hospedarem em minha casa, convite que não faço a muitos ministros do atual governo”. O “atual governo” era a ditadura.

A anistia de então perdoou torturadores e criminosos, recusou-se a qualquer investigação sobre mortos e desaparecidos.

Até hoje lutamos para esclarecer as circunstâncias das mortes de tantos companheiros e para saber onde estão os seus corpos. Não podemos perdoar torturadores. Não devemos. Em nome da humanidade, dos direitos humanos, do direito brasileiro, do direito internacional.

O governo Lula já constituiu comissão destinada a procurar os corpos dos desaparecidos do Araguaia e tomou medidas claras destinadas a abrir todos os arquivos da repressão política organizada pela ditadura. E isso nos alegra, nos conforta. Mas não nos deixa descansados.

E quando começamos a falar disso, penso, começamos a contrariar um pouco àqueles que nos pedem para não falar de dores. Sim, porque às vezes nos pedem, a nós, que lutamos contra a ditadura e sobrevivemos, que não falemos de dores. Nosso amor e nossa esperança, nossos sonhos e nossas utopias, não são desencarnados, no entanto. Têm história, trajetória. Há homens, mulheres e crianças no meio dessa história. Homens, mulheres e crianças que foram torturados, trucidados, mortos, despedaçados.

Para que os nossos sonhos não morram, é preciso que reconheçamos nossas cicatrizes. E, ainda, nossas veias abertas, nossas feridas, nossos corpos que ainda sangram com a lembrança de tantos mortos, torturados, desaparecidos. As feridas da alma, que volta e meia nossa imaginação apalpa, e as do corpo, aquelas que balas e torturas deixaram inscritas em nossa carne.

Como há de se apagar a morte de Carlos Lamarca, fuzilado impiedosamente no meio da caatinga, quase no mesmo lugar onde tombou Corisco?

Como há de se apagar as mortes de José Campos Barreto – Zequinha -, que tombou ao lado de Lamarca? Ou a de Otoniel Campos Barreto, irmão de Zequinha, assassinado no primeiro cerco dos assassinos da ditadura na caçada à Lamarca?

Como esquecer os sofrimentos de outro irmão, Olderico Campos Barreto, ferido à bala, impiedosamente torturado durante dias e dias mesmo com a mão ferida em frangalhos?

Como esquecer as torturas, nesse episódio, de idosos, camponeses, toda uma população submetida a um cerco implacável por assassinos como Fleury e Nilton Cerqueira? Eu e Oldack Miranda contamos tudo isso no livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, a caminho da 16ª edição.

Nós continuamos simplesmente irmãos de nossos irmãos.

Como pedir a Diva Santana que esqueça de sua irmã Dinaelza Santana? Como pedir à sua família que o faça? Como esquecer de Gildo Macedo Lacerda, meu companheiro de AP e de movimento estudantil, preso na Bahia, e mandado para ser morto em Recife? Sua filha Tessa, nascida depois de seu martírio e assassinato, e Mariluce Moura, viúva dele, podem esquecer de tudo isso? Devem esquecer? Não. Nunca.

Como pedir que me esqueça de José Carlos da Matta Machado, Honestino Guimarães, Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz? Todos meus companheiros de movimento estudantil, pertencentes à AP, e barbaramente assassinados?

Como esquecer o baiano Carlos Marighella, assassinado friamente em São Paulo?

Nós vamos exigir sempre que a humanidade seja respeitada. Nós caminhamos muito, lutamos muito para que a civilização alcançasse o patamar atual. Não podemos retroceder, abrir mão de valores essenciais. O direito de sepultar o ser querido é sagrado desde tempos imemoriais, e até isso a ditadura nos negou em tantos casos, e nós não podemos fingir que isso não ocorreu.

Como tirar de nossa memória as torturas a que tantas pessoas foram submetidas?

De vingativos, às vezes nos acusam.

Como vingativos?

Lembrar disso tudo é nossa obrigação, é nossa lealdade não só política, mas de sentimentos com os que se foram em nome dos nossos sonhos. Aqueles que morreram defendendo a liberdade, a democracia, o socialismo, a justiça, a melhoria de condições de vida do povo, ideias vistas às vezes como vagas, impalpáveis, e por isso mesmo, mais fortes porque anunciadoras do futuro.

Há muito tempo, trabalhando na pesquisa sobre o padre Renzo Rossi, figura importantíssima de nossa luta pelas liberdades, pude revisitar o horror da ditadura, não tivesse eu próprio visto ele de perto.

Não falo sequer das torturas em pessoas adultas, nas agressões que as mulheres sofreram, nas torturas sexuais, na tortura que levou tantos à morte. Isso já é parte do nosso acervo, macabro acervo.

O que pude revisitar naquela oportunidade, de forma particular, foi o massacre de crianças, como os dois filhos de César Teles e Maria Amélia Teles, de São Paulo, casal preso em dezembro de 1972. Janaína e Edson Luís, de cinco e quatro anos, respectivamente, foram levados presos para a OBAN, em São Paulo, obrigados a ver os pais massacrados. As crianças perguntavam por que estavam ali. Quando os torturadores diziam que ali era um hospital, elas, na sua inocência, perguntavam se a mãe estava doente, e se era por isso que ela estava tão roxa. No inferno, e percebendo ali ser o inferno de uma prisão, indagavam se a mãe era bandida. Ou, ainda: “por que o pai está tão verde?”

As duas crianças foram levadas para Belo Horizonte, onde ficaram meses, em algum aparelho da repressão, e quando os pais voltaram a vê-las, seis meses depois, estavam desestruturadas, sem conseguir articular palavra, com medo de tudo.

A família Teles tem desenvolvido uma luta persistente, política e judicial, pela punição do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, durante muito tempo comandante da tenebrosa OBAN.

Lembro-me ainda de Jessie Jane, de seu marido Colombo Vieira, presos no Rio de Janeiro em 1970. Quando a filha dela nasceu, os dois presos, em setembro de 1976, fizeram-lhe toda sorte de pressões e de terror, na linha de “Filho de comunista tem é que morrer”, apavorando-a durante a noite, impedindo a filha de poucos dias de mamar. Essa saga integra meu livro sobre o padre Renzo ¿ As asas invisíveis do padre Renzo.

Esses são apenas alguns exemplos de tantos outros que conhecemos. Lembro-me de outro: os três filhos de Antônio e Anete Rabelo, crianças ainda, terem sido presos pela repressão na Bahia em 1971, junto com os pais.

A ditadura era uma excrescência, era um regime doente, incontrolável nos seus desvarios, na sua violência, no terror a que submetia toda a população brasileira e particularmente àqueles que se dispunham a lutar contra ela.

Basta que olhemos para qualquer dossiê de mortos e desaparecidos. Dos arquivos da ditadura, alguns dos quais abertos, emergem os corpos trucidados de nossos companheiros. Emerge o sangue de nossos companheiros e companheiras. Qualquer um de nós podia hoje figurar nessa triste galeria. Basta que se olhe o livro de Nilmário Miranda e de Carlos Tibúrcio. Ou o livro editado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, do governo Lula. Os livros que tenho escrito compõem também um painel de revelação do terror, pequeno painel.

Sinto-me em dívida com meus companheiros e companheiras trucidados pela ditadura. Sou um sobrevivente e imponho-me a tarefa de contribuir para a elucidação de um período tão trágico para a vida da Nação. Não, nós não queremos esquecer.

Os nossos companheiros, os tantos que ficaram pelo caminho, que morreram lutando e em condições tão adversas, são parte de nossa vida.

De um lado, eles nos recordam o terror e a covardia de um regime doente – de que modo pode-se qualificar um regime senão de covarde e terrorista quando ela mata pessoas na tortura? E de outro, eles nos lembram do que o sonho é capaz.

Nós caminhávamos no meio da névoa, sob tempestades permanentes, nos feríamos, sentíamos a pele se rasgar na caminhada, caíamos, morríamos tantos, os sobreviventes seguiam, movidos sempre pela necessidade de derrotar a ditadura, iniciar um novo tempo. Às vezes não sabíamos direito o caminho a seguir, tanta a névoa. Mas, seguíamos. Seguíamos sempre movidos por ideais de profundo amor pela humanidade e de ódio à ditadura.

Os nossos mortos deixaram a marca dos mártires, a marca dos que não se dobram, dos que resistem, dos que acreditam em suas idéias. Deixaram a marca dos homens e mulheres que não têm preço.

Nesse momento de tantas lembranças, penso na diferença de atitudes entre o torturador e nós, os torturados. O torturador hoje busca a penumbra, se possível a escuridão completa. Ele foge das luzes. Ele só se esgueira à noite. Esconde-se da luz do dia.

Nós, não.

Fomos massacrados, machucaram nossos corpos, mas nós nunca deixamos de lutar pela luz, pela praça, pelo debate, pela discussão, pela democracia, pela liberdade. Continuamos e queremos continuar no meio da multidão. No meio da plebe que se rebela, que sempre se rebelará. À luz do dia.

Certa vez, quando um coronel me mandou um e-mail reagindo a um artigo em que eu falava de torturas no Quartel de Amaralina, em Salvador, respondi duramente e disse-lhe que ele viesse a público, pelos jornais, dizer-me que ali não houvera torturas, e eu lhe responderia e daria os nomes. Ele sumiu. Continuou nas trevas. As luzes da democracia deixam os torturadores atemorizados.

Nossas dores, que não foram poucas, nossos mortos, que foram muitos, longe de enfraquecerem nossos sonhos e nossas esperanças, nos deram a certeza de que é preciso continuar olhando para a frente, caminhando, lutando por um novo tempo e um novo mundo, lutando para desmistificar a história oficial. É isso o que, com a tranqüilidade de quem apenas cumpre um dever, estamos fazendo hoje. Marcados pelas nossas cicatrizes, com saudades dos que se foram lutando, e convictos de que o sonho e a esperança continuam.

Continuamos a lutar pela abertura completa dos arquivos, certos de que contamos com o interesse do governo Lula para tanto, como, também, contamos, para falar de meu Estado, com o interesse do governador Wagner.

Continuamos a lutar pela punição dos torturadores porque defendemos que o crime da tortura é imprescritível, como têm defendido também os ministros Paulo Vannucci e Tarso Genro. Continuamos a lutar pelo resgate dos corpos dos companheiros e companheiras desaparecidos. A natureza parcial da anistia nos convida a continuar a lutar.

Nossa geração cometeu muitos erros no percurso do combate à ditadura. Sabemos disso. E temos dito isso. Mas a ela, e falo de milhares de combatentes, de militantes donos de uma garra extraordinária, a essa geração não se pode negar a generosidade, a solidariedade com o povo brasileiro, a atitude de colocar a vida em risco, de sacrificar a própria vida em favor dos ideais da democracia e do socialismo.

É por tudo isso que essa geração deve ser lembrada.

Os nossos mortos regaram com sangue o caminho que nos trouxe a esse extraordinário momento de liberdades que vivemos no País.

*Emiliano José é jornalista, ex-preso político e deputado federal (PT-BA). Site: www.emilianojose.com.br.

Midia de esgoto descontente com o pré-sal de Lula...

O pré-sal, O Globo e seu delírio privatista

O jornal O Globo, órgão central das poderosas e multimidiáticas Organizações Globo, perdeu as estribeiras com os projetos do governo Lula para o pré-sal. Além do editorial Delírio estatista, a edição desta terça-feira (1º) traz a manchete Regras estatizantes para pré-sal assustam mercado e, na capa do caderno de economia, De volta para o passado.


Por Bernardo Joffily

O diário da família Marinho ostenta em todos os títulos sua indignação com o "nacionalismo" e o "estatismo" das propostas presidenciais. Mas o editorial é qualquer coisa.

"Visão estreita" de quem?


"Esse novo arcabouço regulatório que o governo Lula pretende estabelecer se distancia do que seria racional, e se aproxima de um delírio, algo somente explicável pela visão ideológica estreita que formuladores de política pública sempre nutriram dentro da atual administração", investe o editorialista.

"O preocupante [...] é a motivação dessa mudança, a visão estreita de que a abertura do mercado é prejudicial ao Brasil. [...] O governo [...] adota o sistema de partilha de produção, situando o Brasil ao lado de países com regimes políticos autoritários ou pouco democráticos, com estruturas tributárias muitas vezes frágeis e vulneráveis à corrupção", conclui.

O jornal carioca puxa a brasa para a sardinha do Rio de Janeiro – que hoje abocanha 67% dos royaltes pagos pela Petrobras: comemora que "o presidente Lula, pelo menos, acabou recuando na idéia de concentrar excessivamente nas mãos da União recursos que poderão resultar da exploração de novas áreas do pré-sal, ficando a decisão final com o Congresso". Mas isso é um detalhe. O eixo do editorial é o privatismo delirante.

Petrobras, enfraquecida ou forte demais?


O "gancho" que sustenta o editorial, e a manchete, é que as ações da Petrobras caíram 4,4% nas bolsas de São Paulo e Nova York. O recuo expressou o temor de investidores privados com o anúncio de que a empresa será capitalizada em US$ 50 bilhões, o que diluiria o valor de cada ação. No dia seguinte os papéis da estatal brasileira voltaram a subir, pois o pacote de Lula evidentemente fortalece a Petrobras.

Aliás, o próprio editorial o reconhece, ao reclamar do "modelo de partilha da produção, que terá apenas uma companhia operadora, a Petrobras, cuja participação compulsória nos consórcios que poderão se formar será de no mínimo 30%".

O Globo não se incomoda com a incoerência de um texto que acusa Lula enfraquecer e fortalecer em excesso a estatal. A única lógica que lhe interessa é a do privatismo. Sua queixa é que "o Estado brasileiro voltou com tudo ao setor petrolífero" e "os braços estatais surgem via fortalecimento da Petrobras, criação da estatal Petro-Sal, e o novo formato para a exploração no país", como diz o artigo sobre o marco regulatório, também pesadamente editorializado.

O Globo não aprendeu com Alckmin

Difícil será o jornal da família Marinho ganhar a opinião pública com tão pobres argumentos. O debate que se iniciou nesta semana, no Congresso Nacional e na cidadania, recoloca de fato com ênfase a realação eontre o público e o privado na economia brasileira. Mas é de se prever que o presidente Lula, com sua proposta de encarar o pré-sal como "patrimônio da União, riqueza do Brasil e passaporte para o nosso futuro", irá ganhar mais uns pontinhos em sua já estratosférica popularidade. E que o privatismo delirante de gente como o editorialista do Globo fique ainda mais isolado em suas trincheiras midiático-oposicionistas.

Na eleição presidencial de 2006, o candidato do Globo, Geraldo Alckmin (PSDB), já pagou um alto preço por sua imagem de privateiro. Todos recordam a desesperada manobra de Alckmin ao aparecer na reta final da campanha exibindo um blusão com as siglas de uma dúzia de estatais, aflito para se livrar da pecha que lhe custou não poucos votos.

Porém depois disso veio ainda a crise mundial capitalista, que tomou conta do planeta a partir de Wall Street, santuário número um da "livre iniciativa". O Globo parece quanto não ter se dado conta do quanto ela é também uma crise da ideologia do pensamento único privateiro – ou, para usar as palavras de Lula, de que "os países e os povos descobriram que, sem regulação e fiscalização do Estado, o deus-mercado é capaz de afundar o mundo num abrir e fechar de olhos".

"Que venga el toro"...


Por fim, a conexão do novo marco regulatório com as eleições de 2010. No Globo, ele ficou confinado à coluna Panorama Econômico, a cargo da interina Regina Alvarez, para quem "o discurso presidencial, com forte viés nacionalista, deixou claro que o governo tem pressa porque a sucessão presidencial ocupa corações e mentes".

É claro, Regina Alvarez, que existe uma conexão pré-sal-2010. Mas deste ponto de vista o governo Lula com certeza não tem o menor motivo para tratar do assunto "a toque de caixa". Longe disso. O pedido de urgência na tramitação dos projetos tem outros motivos. Mas ninguém viu o Planalto roer as unhas de impaciência durante os longos 22 meses em que o marco regulatório foi examinado por uma comissão interministerial.

Quanto mais se discutir o pré-sal, daqui para outubro de 2010, mais feliz da vida ficará o presidente, assim como sua candidata confessa, Dilma Rousseff, que até derramou uma lágrima comovida durante a cerimônia desta segunda-feira. O discurso de Lula, com todas as suas afirmações provocativas, políticas e até ideológicas, deixou isso claro. Ele deve estar pensando, como os espanhóis: "Que venga el toro". Para Lula, em 2010, nada viria mais a calhar que um touro privatista – quem sabe aquele que serve de símbolo a Wall Street –, enfurecido pelas bandeirolas da crise global, arremetendo furioso contra a Petrobras. Alckmin que o diga.

A cara de pau dos ruralistas


Do blog animot

Digamos que um proprietário de terras rurais tenha 20 mil hectares, mas produza o mesmo que se produziria em 2 mil hectares. Levando em conta as práticas agrárias atuais e a tecnologia, esse proprietário está mantendo 18 mil hectares ociosos. Quem ganha com isso? Talvez ele, como especulador de terras. Quem perde com isso? Vários:
  • os agricultores que querem trabalhar e produzir, pois as terras encarecem pela menor oferta
  • os famintos, pois menos alimentos produzidos é alimentos mais caros
  • o país, pois exporta menos
Assim, é fácil ver o que ocorre se é exigido que a terra seja devidamente utilizada: mais emprego, mais produção, mais divisas e menos fome. Levando isso em conta, é pura cara de pau os ruralistas fazerem tanto barulho contra a atualição dos índices de produtividade agrária.

E, por mais estranho que pareça, temos que reconhecer que, no fundo, Elton Brum da Silva foi morto por defender as bases do capitalismo contra o feudalismo. Aliás, o quanto a reforma agrária é importante para o desenvolvimento do capitalismo é muito bem explicado no livro O Mistério do Capital. Nesse livro, Soto mostra que, na história da Américas, a diferença fundamental entre os ricos países da América do Norte e os pobres países da América Latina está, fundamentalmente, na facilidade com que terras são negociadas nos primeiros, mas se mantém estagnadas nas mãos de uns poucos nos segundos. Se nossas leis fundiárias fossem mais modernas, muitos bilhões de dólares entrariam na nossa economia, sem precisarmos de empréstimo externo algum. A atualização dos índices de produtividade agrária vai nessa direção.

O triângulo da subversão

O triângulo da subversão
Luís Carapinha“A escalada da agressividade e do militarismo contra os processos de soberania, emancipação e cooperação na América Latina – em que pontifica o exemplo a abater da ALBA – terá que contar com a resistência dos trabalhadores e das massas populares, a que não falta a solidariedade dos comunistas e das forças que se juntam no combate pelo socialismo e um mundo qualitativamente melhor. Como se vê nas próprias Honduras, onde há mais de 60 dias consecutivos e contra a repressão e o silenciamento mediático, a acção do movimento sindical e da resistência popular não dá tréguas aos golpistas.”
Luís Carapinha* - Odiario.info

A intensificação da contra-ofensiva do imperialismo na América Latina é uma realidade, como o comprova o golpe de estado nas Honduras de 28 de Junho.

Assiste-se a uma vasta manobra para aplacar os processos progressistas em curso na região que configuram uma ameaça à perpetuação do domínio das oligarquias e do capital monopolista, envolvendo as forças e os meios mais sinistros. Em toda a cerrada movimentação, nos planos diplomático, político, militar e subversivo, que pauta as últimas semanas, sobressai, a diferentes níveis, a dinâmica de concertação e divisão de tarefas entre os EUA, a Colômbia e… Israel.

A intervenção qualificada do regime sionista na América Latina não é uma novidade, ocupando-se daquilo que melhor sabe fazer e, já há muito, regularmente pratica na Palestina ocupada, Líbano, Síria, etc. Como recorda o diário colombiano El Espectador, foram mercenários do exército israelita que treinaram os primeiros grupos paramilitares colombianos em técnicas de tortura, atentados e massacres (Tribuna Popular, 20.08.09).

A questão que se coloca agora, mais além dos estreitos laços políticos, económicos e militares entre Telavive e Bogotá, é a do papel e o momento da intervenção de Israel na Colômbia, dentro dos planos de subversão invariavelmente conduzidos desde Washington na América Latina e, em especial, da conspiração movida contra a Venezuela Bolivariana.

Segundo informação recentemente disponibilizada pelo site do Partido Comunista Colombiano, os serviços secretos israelitas duplicaram a sua acção operacional sobre a Venezuela e a Mossad estabeleceu em Bogotá um quartel-general exclusivamente dedicado à actividade de desestabilização no país vizinho. A nota sublinha que o governo de Netanyahu investe actualmente ainda mais recursos para apoiar a oposição anti-Chávez que o próprio governo norte-americano.

É neste contexto de arrastar de espadas (e de armar setas envenenadas) que se inseriu, no final de Julho, o périplo de Avigdor Lieberman a quatro países da América do Sul, a primeira à região de um responsável das relações externas de Israel em 22 anos. No Brasil, Argentina, Peru e Colômbia, o dirigente sionista, conhecido pelas suas posições racistas e de extrema-direita, insistiu na tese dos vínculos perigosos entre o Governo de Teerão e a Venezuela, Bolívia e Equador, ao mesmo tempo que a máquina de contra-informação israelita se entregava à cabala das células do Hezbollah na zona venezuelana da fronteira com a Colômbia.

Quantas vezes já ouvimos este tipo de estórias quando o imperialismo trata de preparar o terreno, congregar apoios e conjurar obstáculos, tendo em vista o desencadear de operações de largo alcance?

O que está em causa é muito sério. E se dúvidas ainda restassem, o acordo para, pelo menos, mais sete bases militares – aéreas, navais e do exército – dos EUA na Colômbia, concluído na passada semana, vem dissipá-las.

A braços com a crise profunda do sistema capitalista, os arautos da nova ordem mundial hegemónica apostam tudo em suster e inverter a roda da História.

Contudo, a escalada da agressividade e do militarismo contra os processos de soberania, emancipação e cooperação na América Latina – em que pontifica o exemplo a abater da ALBA – terá que contar com a resistência dos trabalhadores e das massas populares, a que não falta a solidariedade dos comunistas e das forças que se juntam no combate pelo socialismo e um mundo qualitativamente melhor.

Como se vê nas próprias Honduras, onde há mais de 60 dias consecutivos e contra a repressão e o silenciamento mediático, a acção do movimento sindical e da resistência popular não dá tréguas aos golpistas.


Este texto foi publicado em Avante nº 1.865 de 27 de Agosto de 2009

* Analista de política internacional

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Belo Monte, Lula e o Monstro







Escrito por Rodolfo Salm

A apropriação dos minérios e dos rios da Amazônia é um projeto antigo do capital internacional. Neste contexto, o PAC, com Belo Monte no topo das suas grandes obras, é uma reedição da ALCA, mas de maneira indireta. Se sua energia fosse realmente pensada como suporte para o sistema hidrelétrico nacional, as linhas que permitiriam a transmissão dos alegados 11.000 MW para o resto do país já estariam orçadas e incluídas no projeto. Mas, embora isto possa parecer um total absurdo a qualquer pessoa minimamente razoável, não estão. Não estão, pois seriam economicamente inviáveis dada a sua ociosidade em boa parte do ano, como nesta época, quando o nível do Xingu é extremamente reduzido, e a produção projetada de energia tende a zero.

Então está claro que, além dos interesses imediatos das empreiteiras e da burocracia corrupta, a pressa na mobilização dessa energia é mesmo para a exploração mineral da Amazônia para a exportação, atendendo a demandas do capital internacional. Isso fica claro na declaração recente de José Antonio Muniz, presidente da Eletrobrás, que já admite que "não será preciso uma linha de transmissão somente para Belo Monte, porque a idéia é de que parte da energia da usina fique no Pará"... "Como existem no Pará inúmeros projetos minero-metalúrgicos, é possível que parte da energia da usina fique no estado". Ou seja, esta energia será "internacionalizada" na forma de minerais beneficiados.

A interpretação da figura do presidente Lula e de suas conseqüências para a "história deste país" ainda será por muitos anos um tema para calorosos debates. Especificamente como ele conseguiu, sem prejudicar sua popularidade e seu apelo popular (na verdade fazendo ambos crescerem), subverter o programa histórico do partido de cuja criação foi um dos principais artífices. Em seu primeiro discurso como presidente eleito, em 2003, Lula declarou que seu governo seria "um guardião da Amazônia e da sua biodiversidade" e que seu programa de desenvolvimento, em especial para a região, seria "marcado pela responsabilidade ambiental".

Num artigo que escrevi na época (e que hoje me constrange pela ingenuidade), concluí que Lula poderia ser um dos "cinco presidentes inteligentes e amantes da natureza", necessários "para salvar a Amazônia". Isso, segundo o pensamento do professor Warwick Kerr, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em referência à destruição então prevista para os vinte anos seguintes. Por outro lado, o que ali se manifestava desde o início era uma das principais características de Lula, presentes até hoje: sua tão comentada capacidade de permanecer em campanha depois da posse e, especificamente na área ambiental, de adotar um discurso progressista, mas incompatível com as práticas do governo no mundo real. Com o decorrer do tempo, foi ficando cada vez mais clara sua opção pela internacionalização da região, através do apoio inconteste ao agronegócio exportador, às mineradoras e às grandes hidrelétricas, tudo em detrimento da nossa diversidade cultural e biológica.

Recentemente, apesar de desiludido com o presidente Lula no que se refere à problemática ambiental, fiquei intrigado quando soube que o bispo da Prelazia do Xingu, D. Erwin Krautler, fora atendido no pedido de uma audiência com o presidente em 22 de julho (ver Belo Monte: Carta a Lula) dirigida ao presidente). Seria uma oportunidade para que as lideranças do movimento pela preservação do rio expusessem seus motivos contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte (ou "Belo Monstro", como é conhecida entre os diretamente afetados pelo projeto). O Correio da Cidadania também publicou uma mensagem do professor de engenharia mecânica da Unicamp, Oswaldo Sevá, entregue ao presidente Lula durante a audiência. Nela, Sevá relembrou as conseqüências nefastas dos projetos hidrelétricos previstos para o rio Xingu. Conseqüências, bom que se repita, mais do que suficientes para que Belo Monte "não deva ser licenciado nem implantado pelo seu governo, nem em nenhum outro".

Eu soube pelos presentes à reunião que foram admitidos na sala oito representantes da oposição ao barramento do Xingu. E mesmo assim eles não puderam entrar com celulares, gravadores ou qualquer coisa que pudesse registrar o que aconteceria ali. Além do próprio D. Erwin Kräutler, participaram do encontro a senhora Antonia Melo (da Fundação Viver, Produzir e Preservar), uma das principais lideranças da resistência à construção da barragem e ligada a vários movimentos sociais, o professor do Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP, Célio Bermann, e os procuradores da República e do Ministério Público Federal do Pará Felício Pontes e Rodrigo Costa e Silva. Além das lideranças indígenas presentes ao encontro (Ozimar Juruna e José Carlos Arara), que rechaçaram novamente e com veemência o empreendimento, diante de um presidente da Funai constrangido.

Com o apoio de slides, os quais transcrevo integralmente abaixo, Bermann fez uma apresentação focada na inviabilidade técnica e econômica do projeto visando chamar a atenção do presidente para alguns dos nossos argumentos:

"O projeto da Usina de Belo Monte é tecnicamente inviável, pois a potência instalada prevista, de 11.233 MW, só estará disponível durante três a quatro meses. O ganho de energia firme, de apenas 4.462 MW médios (1/3 do total), inviabiliza financeiramente o projeto.

1) Impacto humano bem maior do que vem sendo anunciado; mais de vinte e cinco mil brasileiros moradores de Altamira, da área rural da Transamazônica e barranqueiros do Xingu serão obrigados a se mudar, e isso os tornará ainda mais pobres;

2) A obra prevista é bastante complexa, com três grandes barragens de concreto, vários canais concretados, largos e longos, cinco represas nas terras firmes, entre a Transamazônica e a margem esquerda do Xingu, com dezenas de quilômetros de diques no seu entorno, mais uma grande represa na calha do rio, com a água entrando por bairros de Altamira - algo que custará entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. A depender dos contratos feitos, poderá provocar na economia nacional uma sangria duas ou três vezes maior do que os prejuízos que amargamos com os contratos da usina de Tucuruí desde 1984.

3) Seria em parte destruído e em parte totalmente adulterado um dos locais mais esplêndidos do país, 100 quilômetros seguidos de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas e outras relíquias arqueológicas - um verdadeiro monumento fluvial do planeta: a Volta Grande do Xingu".

Não são nada claros os resultados práticos do encontro. O professor da USP considerou que o presidente ficou impressionado com esses dados, pedindo "estudos mais aprofundados sobre o empreendimento". Um passo positivo, sem dúvida, mas estudos mais aprofundados não são necessários. As empresas do setor elétrico já fizeram seus estudos enviesados e garantem a aprovação da obra antes mesmo que o EIA-Rima esteja completo. Os ambientalistas já demonstraram inúmeras vezes a inviabilidade técnica, financeira, a falta de necessidade da obra, a possibilidade de fontes substitutas, os inúmeros crimes ambientais que seriam cometidos, a irreversibilidade dos impactos, as perdas com o turismo potencial etc. Diversos movimentos sociais e moradores das regiões afetadas já se manifestaram contrários à obra, mesmo com o enorme esforço de cooptação. As cartas já estão todas na mesa. A solução agora é política e, antes de tudo, ética.

D. Erwin avaliou a reunião como positiva, pois pela primeira vez conseguiram colocar para o presidente sua "angústia e indignação", e que Lula, segundo avaliou, teria ficado sensibilizado com os dados apresentados e com os relatos sobre os impactos da obra para as comunidades ribeirinhas e indígenas, ficando claro que os críticos da barragem se prepararam muito bem e entendem do assunto.

O presidente Lula garantiu ao pessoal ali presente que Belo Monte só sai após ampla discussão e se for viável. E garanto que não é. E prometeu ao bispo do Xingu que esta não foi a última reunião e que "o diálogo e o debate continuarão". O melhor que se pode falar do encontro, segundo os presentes, é que, ao ouvir os nossos motivos, o presidente afirmou que"jamais empurrará o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte goela abaixo das comunidades envolvidas".

Acontece que, apesar da aparente boa vontade do presidente, o Ministério de Minas e Energia sustenta que o processo de licitação terá início já em outubro e quatro audiências públicas estão previstas para a primeira quinzena de setembro. Curiosamente, os ministros do Meio Ambiente, das Minas e Energia e da Casa Civil, convidados para o encontro, não compareceram, como se o que o presidente fala não tivesse nada a ver com as suas atribuições. O que poderiam ter de mais importante para tratar do que o futuro da maior e mais controversa obra do PAC? Naquela data, Dilma Rouseff estava nos EUA em uma cúpula cópula com empresários. Ou seja, encontrando-se com os maiores interessados no empreendimento.

O mais sinistro é que você, leitor, contribuinte brasileiro, é quem pagaria, através de financiamentos do BNDES e da participação de estatais, por boa parte dos custos desta empreitada de conseqüências devastadoras. As empresas como Chesf, Eletronorte, Furnas e Eletrosul poderão entrar juntas ou isoladamente no leilão para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Resumindo, o povo brasileiro todo irá financiar o lucro imediato das empreiteiras e o lucro a longo prazo das empresas mineradoras, mas não receberá os benefícios, pois parte dos lucros será remetida ao exterior, e o restante estará concentrado na mão de poucos. De quebra, o povo brasileiro ainda arcará com os custos ambientais.

Num encontro de especialistas de diversas áreas reunidos recentemente na UFPA, em Belém, para a discussão do Estudo de Impacto Ambiental da barragem, o biólogo e pesquisador do INPA Philip Fearnside comparou a mentira institucionalizada de Belo Monte àquela montada nos Estados Unidos com relação à Guerra do Vietnã: os jovens que se opunham à guerra (e, agora, à barragem) eram tachados de inconseqüentes irresponsáveis. Os que não podiam ser desqualificados como tal por serem respeitados intelectuais eram acusados de "mal informados". Ainda em Belém, conversando com um burocrata do setor hidrelétrico defensor da barragem sobre as possibilidades de resistência ao barramento do rio, ele admitiu que somente um governo realmente autoritário, linha dura, "uma ditadura mesmo", conseguiria levar a cabo a construção desta hidrelétrica. Ao insistir nesta idéia, com a perspectiva da realização do leilão de Belo Monte ainda este ano, sob a complacência do presidente Lula, a ministra Dilma pode dar um importante passo neste sentido.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.

Aquecimento global, um problema de todos....



Vídeo: Aquecimento Global - se nós desistirmos, eles desistem

Criada pela agência McCann Erickson Portugal e produzida pela Seagulls Fly São Paulo, esta campanha lançada pela Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza (Portugal) alerta para o problema do aquecimento global e como ele atinge todos os seres vivos.


(Envolverde/Ecoagência)

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O Alcorão e o papel da mulher.....

Reinterpretando o Alcorão com visão de gênero

Por Suad Hamada

Mulheres de Bahrein promovem a reinterpretação das leis islâmicas com perspectiva de gênero mediante uma série de painéis, este ano e no próximo, uma iniciativa nova para este país do Golfo Pérsico ou Arábico. A Associação de Mulheres para o Desenvolvimento de Bahrein começou em maio a realizar painéis com o objetivo de propiciar um debate sério sobre o “verdadeiro significado” dos versos do Alcorão, livro sagrado do Islã, nos quais se fundamenta a supremacia masculina.

“Não estamos contra o Islã e não queremos promover nossa perspectiva’’, explicou Asma Rajab, ativista e integrante da direção da associação. “Queremos que nossa sociedade considere as mulheres com seres humanos completos”, acrescentou. O avanço da condição feminina registrado em vários países, incluído Bahrein, indica que é o momento de reinterpretar os versos do Alcorão, afirmou. O Islã é uma religião capaz de adaptar-se a todas as situações e períodos. Suas normas devem ser reinterpretadas para se ajustarem à situação atual das muçulmanas”, disse Rajab.

Entre as normas que violam os direitos femininos estão a tutela masculina, desigualdade hereditária, violência doméstica e o menor valor do testemunho das mulheres nos tribunais regidos pela shariá (lei islâmica), bem como a crença difundida de que não podem ser presidentes, juizas e nem legisladoras. Essas práticas são incompatíveis com os princípios islâmicos, assegura a Associação, que questiona as autoridades religiosas e outras pessoas para as quais as mulheres são inferiores aos homens.

Os painéis sobre “Mulheres, uma perspectiva renovável” pretendem corrigir séculos e séculos de malentendidos que sustentam que a discriminação de gênero tem o aval religioso. O segundo encontro aconteceu no último dia 15 e o terceiro está previsto para dezembro. “Para mudar as sociedades organizadas sobre a primazia masculina o mundo muçulmano deve aceitar a flexibilidade do pensamento islâmico e do Corão”, insistiu Rajab. As mulheres são discriminadas de muitas formas.

Os tribunais da shariá, para os quais o testemunho de duas mulheres equivale ao testemunho de um homem, “não são realistas e são degradantes para a mulher e suas conquistas”, disse à IPS o advogado Hassan Ismail, que também questionou a desigualdade dos direitos hereditários, tema que será objeto do último painel que acontecerá no próximo ano. “Antes as mulheres eram donas de casa e dependiam economicamente dos homens. Mas as coisas mudaram e agora compartilham essa responsabilidade. Então, por que eles podem receber o dobro de uma herança”, perguntou Ismail.

O religioso e xeque Ibrahim al Jufairi, que concorda com Ismail, disse que o Alcorão foi mal citado no tocante à questão do testemunho feminino nos tribunais da shariá. “Os versos que dizem que o testemunho de duas mulheres conta como um não é para todos os casos, mas apenas para quando um homem pede dinheiro a outro”, explico. “Uma delas é testemunha e a outra a ajuda lembrar algo que tenha esquecido”. Não passa disso. Al Jufairi integra há quase 10 anos a Sociedade Cultural Al Tajdid, cujos membros, pessoas com estudos e altos cargos públicos e privados, acreditam que o pensamento islâmico deve ser atualizado. “Infelizmente, a maioria dos eruditos não aceitam o testemunho das mulheres entre o aparecimento da lua no começo do mês sagrado do Ramada até seu termino, com a festividade de Eid”, afirmou. “É inaceitável. As mulheres são seres humanos com olhos e podem ver a lua como os homens”, acrescentou.

Quanto à tutela masculina, a professora da Universidade do Cairo Hiba Eizat assegurou que enquanto crente não pode aceitar que o Islã degrade as mulheres e as trate como objeto propriedade dos homens. “Muitos versos do Alcorão sofreram distorções e isso fica evidente quando os extremistas usam o livro sagrado para justificar seus atos desumanos”, disse Eizat. “Por que temos de deixar que os homens nos controlem. Só porque alguns negam às mulheres gozar de seus direitos, serem independentes e controlarem suas vidas”, ressaltou.

“O Islã promove seu desenvolvimento e por isso permite novas fatwas (decreto), mas, lamentavelmente, os que ditam essas ordens religiosas se opõem à evolução e às mudanças positivas”, disse Eizat. Se as mulheres não podem ocupar cargos de decisão, como presidente e juíza, “como é possível que nos primeiros tempos do Islã, antes da morte do profeta Maomé, foram aceitas suas fatwas e seus ensinamentos religiosos”, perguntou Eizat.

Os hádices (relatos atribuídos a Maomé) foram distorcidos propositalmente para controlar as mulheres, e muitos estudiosos muçulmanos são conscientes disso, afirmou o pesquisador de Barhein Jalal Al Ghasab. Em lugar de controlar as mulheres “para proteger a reputação do Islã, os muçulmanos devem questionar as velas fatwas e voltar a revisar as normas islâmicas e garantir o total poder feminino”, ressaltou. Mas, nem todos pensam igual. A conferencista Fatima Bosandal disse à IPS que o Alcorão e os hádices não podem ser separados.

“O Islã é claro a respeito da herança, da tutela e do peso do testemunho das mulheres nos tribunais, que se justifica pela frágil natureza feminina. Os homens são responsáveis por sustentá-las econômica e emocionalmente”, afirmou a conferencista. As tentativas de interpretações modernas do Alcorão obedecem a pressões do Ocidente sobre o mundo muçulmano com a intenção de frear a observância dos princípios islâmicos, ressaltou Bosandal.

Por IPS/Envolverde

Suad Hamada

Entrevista ao dirigente haitiano Henry Boisrolin


"O nosso povo continuará a resistir às tropas de ocupação das Nações Unidas"
Povo Hondurenho manifesta-se massivamente contra o golpe de estadoQue notícias há nos meios de comunicação sobre o Haiti e do seu povo mártir? Onde estão o respeito pelos Direitos Humanos e a pela soberania dos países? Que crimes têm praticado as tropas ocupantes agora comandadas pelo exército brasileiro? Quem julga os crimes delito comum dos soldados ocupantes?

Nesta entrevista de Carlos Aznarez com Henry Boisrolin, dirigente do Comité Democrático Haitiano, é dado um panorama da dramática situação do Haiti.


Carlos Aznárez* - Odiario.info

Há um país na América Latina, que não só foi o primeiro a libertar-se, como também ajudou que outras nações subjugadas pelos espanhóis acelerassem o caminho para a sua emancipação. Trata-se do mais esquecido e deplorado dos lugares do nosso continente: Haiti. É precisamente lá que se está desenvolvendo uma importante escalada de resistência popular, não só contra o mau governo de René Preval, mas também contra aqueles que afirmam estar em terra haitiana para colaborar com a sua população. Referimo-nos às tropas das Nações Unidas (MINUSTAH).

Mais concretamente, em finais de 2008, a MINUSTAH contava com a participação de 9.028 uniformizados (7.000 soldados e 2.019 polícias), apoiados por 502 funcionários internacionais, 1.197 funcionários nacionais e 205 voluntários da ONU, todos sob o comando de militares brasileiros.

Estas tropas mercenárias, entre as quais há argentinos, uruguaios, brasileiros, chilenos, bolivianos e de outros países, operam repressivamente contra a população haitiana e é por isso que vêm surgindo inúmeras denúncias que, geralmente, ficam pela total impunidade.

Um dos casos apresentados por organizações haitianas de direitos humanos, refere-se ao massacre ocorrido em 22 de Dezembro de 2006, na comunidade de Cité Soleil, depois de uma manifestação de cerca de dez mil pessoas, que exigiam o regresso do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide ao país e a retirada dos efectivos militares estrangeiros. Segundo relatos da população local e imagens de vídeos produzidos pela organização Haiti Information Project - HIP (Projecto de informação de Haiti) as forças da ONU atacaram a multidão e mataram cerca de 30 pessoas, incluindo mulheres e crianças.

Isto ocorre também num contexto de silêncio generalizado a nível informativo. O Haiti não conta para as crónicas dos jornais e muito menos para os écrans de televisão. O seu povo, não entra nas estatísticas populacionais. Todavia, apesar disso, o povo não se resigna a ser dominado, e luta.

Desta realidade e das suas consequências para a América Latina, falámos com o dirigente do Comité Democrático Haitiano, Henry Boisrolin, que recentemente chegou da capital haitiana onde esteve com a missão de reclamar a solidariedade urgente com quem hoje está à cabeça da resistência popular, os estudantes universitários e do secundário que se encontram, desde há meses, ocupando vários estabelecimentos de educação.

Carlos Aznárez (CA): - Qual é a situação do Haiti na actualidade?
Henry Boisrolin (HB): - O Haiti encontra-se ocupado, mas os media internacionais apresentam este facto com se se tratasse de «ajuda humanitária». Mesmo a própria Missão da ONU diz que é «para a estabilização do Haiti». Há um conjunto de 40 países que integram esta Missão e, infelizmente, temos tropas latino-americanas a ocupar o país. Como é sabido, o comando militar encontra-se sob a liderança do Brasil. Nós rejeitamos esta situação, porque entendemos que é uma violação da nossa auto-determinação, da nossa soberania e dignidade como povo.

A resistência vem de sectores distintos da população, mas ultimamente são os estudantes universitários, a que se juntam alguns das escolas secundárias, que têm ganhado as ruas para exigir a retirada das tropas e a promulgação duma lei sobre o salário mínimo, que foi votada pelo Parlamento. O que se passa é que o governo de Preval não a aceita, sob o pretexto de que se Haiti já tem 70% da sua população activa no desemprego, promulgar uma lei que significa aumentar de 1,7 a 4 ou 5 dólares o salário mínimo diário, «iria provocar uma avalanche de despedimentos que agravaria ainda mais a situação dos trabalhadores». Para os estudantes, esta resposta é uma nova falácia do governo, e vão lançar acções de resistência, ocupando várias Faculdades.

CA: - Como reagiu o governo de Preval?
HB: - Reprimindo os estudantes. Houve vários mortos e dezenas de detenções, professores perseguidos, lançadas bombas de gás lacrimogéneo e balas de chumbo sobre os manifestantes. A Missão das Nações Unidas foi acompanhar a polícia haitiana em toda essa tarefa repressiva. É isto que pretendemos denunciar e, ao mesmo tempo, pedir solidariedade para que os governos dos países sul-americanos percebam que não é essa a via, que Haiti não necessita de elementos militares. Do que nós precisamos é da ajuda que nos dão Cuba e Venezuela, é esse o modelo válido de apoio, de humanidade, de respeito pela nossa independência e soberania.

CA: - Vamos a ficar neste último tema. As tropas das Nações Unidas dizem que vão cumprir tarefas humanitárias. Pelo menos, é isso que explicam as chancelarias dos países que estão implicados nesta manobra, como a Argentina, o Uruguai, o Brasil e outros. Inclusivamente, alguns partidos progressistas encarregaram-se de explicar que «era melhor que se retirassem as tropas latino-americanas a que Haiti seja invadido pelos Estados Unidos». Que tem a dizer sobre essa questão?
HB: - Antes de mais nada, há que desmentir uma coisa: não houve nenhuma autoridade legítima do meu país que tivesse pedido a intervenção, isso é uma mentira. Em 2004, o ano do bicentenário da nossa independência, havia um presidente legítimo, que era Jean-Bertrand Aristide. Havia distúrbios no país e em nome dessa desculpa entrou um comando militar norte-americano, que sequestrou o presidente, meteram-no num avião e mandaram-no para o exílio na República Centro-Africana, e agora está na África do Sul. Uma acção muito semelhante aquilo que fizeram ao Presidente Zelaya. Não são casos isolados e abrem precedentes que ameaçam a segurança e a democracia no resto dos países latino-americanos.

Isto foi o que aconteceu, ninguém pediu tal intervenção. Impuseram um governo, que organizou as eleições e que deram a vitória a Preval, assim legitimando o golpe, igual ao que se passou agora nas Honduras.

É verdade que o presidente Preval, que venceu nos sufrágios, pediu a manutenção da MINUSTAH, mas, originalmente, não houve nenhuma autoridade haitiana que a tenha pedido.

Por outro lado, não porque Preval o tenha feito, tem que ser o sentimento do povo haitiano e essa é outra falácia. Há que ir a Haiti e andar nas ruas dos seus bairros mais populares, para compreender a recusa maioritária das pessoas à presença das tropas de ocupação.

CA: - Qual é a actuação das tropas invasoras?
HB: - A actuação das tropas das Nações Unidas ofende qualquer ser humano que tenha um pouco de sensibilidade. Num país, onde 70% da sua população activa não tem trabalho, onde temos uma taxa de mortalidade infantil superior a 80 por mil e uma taxa de analfabetismo, no campo, que supera os 70%, e que nas cidades é de 50%, e onde a esperança de vida não ultrapassa os 50 anos. Estamos a falar de um país com as suas estruturas económicas destruídas, onde 60% do seu orçamento provém de ajuda internacional e das remessas que enviam os haitianos que trabalham no estrangeiro. Por tudo isto, dizer que é preciso ir com tanques, aviões e helicópteros para resolver a situação, é totalmente falso e cruel.

Que fizeram estes «salvadores»? Violaram raparigas e mulheres haitianas, espancaram e torturaram os nossos jovens. Não somos nós que o dizemos, mas uma investigação da ONU confirmou esse facto, e a única coisa que se fez foi retirar alguns soldados e mandá-los para casa, porque segundo o Convénio da Resolução 545, que permitiu a entrada das tropas no dia 1 de Junho de 2004, Haiti não tem o direito de julgar nenhum militar estrangeiro, mesmo que tenha cometido crimes contra a humanidade. Mais submissão que isto não pode existir. E há que dizer, que há soldados do Sri Lanka, do Uruguai e de outros países, acusados destes abusos.

CA: - Ou seja, violações dos direitos humanos realizados no âmbito de uma "legalidade" imposta, que permite mais impunidade.
HB: - Exacto. Todavia há outro tema que desejo abordar e que às vezes fica postergado porque aprofundamos mais o estudo da realidade política ou económica de um país. Refiro-me à dignidade humana, o valor da relação e dos sentimentos humanos, o contacto entre os povos. Quer dizer, uma história em comum. Haiti, depois de se tornar independente, concedeu uma solidariedade efectiva a muitos povos latino-americanos, ajudou a Francisco Miranda, a Bolívar, em duas ocasiões, com espingardas, dinheiro e outros abastecimentos, mas, fundamentalmente, com voluntários. Centenas de haitianos morreram pela independência da Venezuela e de outros países. Por isso dizemos, que receber este tratamento actual é uma afronta à história. O nosso povo não cometeu nenhum crime, apenas pediu mais justiça. E sofremos o comportamento mercenário, pois muitos destes invasores vêm pelo dinheiro, ganham milhares de dólares sem gastar absolutamente nada. Em seis ou sete meses que ali permanecem, voltam aos seus respectivos países bem recheados de dinheiro, situação que não podem ter nos seus lugares de origem.

Então, aproveitando um momento de debilidade, de falta de capacidade do movimento popular haitiano para inverter a situação, vieram e avassalaram o Haiti…

Vemos, por exemplo, em Puerto Princípe, nalguns bairros menos pobres, como pela noite (não há praticamente vida nocturna em Haiti, não há luz, nem os serviços que há noutros países) se vê um contínuo desfilar de automóveis das Nações Unidas à frente dos melhores bares e restaurantes, gastando muitos dólares, e, nas redondezas, o povo a dormir nas ruas.

CA: - É realmente ofensivo e indigno...
HB: - Isto obriga à reflexão, porque temos ouvido dizer a alguns governos, quando passam os furacões ou acontecem outras acções climáticas, que as tropas estão lá precisamente para nos ajudar nos maus momentos. Mas isso não é determinante, nem mais ou menos. A ocupação de Haiti é um novo esquema para vergar a rebelião popular, num país onde as classes dominantes não têm alguma possibilidade de ganhar eleições através de processos limpos. Então, é preciso impor, pela força das armas, uma estratégia de domínio. É esse o verdadeiro papel dos ocupantes. E para aqueles que dizem que «é melhor essas tropas em vez das dos Estados Unidos», nós dizemos o contrário, pois dessa forma teríamos de frente o inimigo de maneira mais clara. Por outro lado, é duríssimo ver irmãos latino-americanos, enviados por governos que deveriam ter outro tipo de comportamento para com o drama haitiano. Estive em bairros populares que foram muito castigados por estas tropas e ouvi o que dizia o coração dessa gente. A indignação, com que contam como os bombardeiam de madrugada, nestes bairros, para querer apanhar supostos bandidos. Ou quando os soldados entram em tropel, e dão pontapés nas portas, arrastando para fora os aterrorizados habitantes. Por isso, não há lugar a mais mentiras: trata-se de uma ocupação desavergonhada e clara da República do Haiti e na medida que esta situação continue haverá mais resistência.


Este texto foi publicado em Resumen Latinoamericano


* Carlos Aznárez é jornalista argentino e director de Resumen Latinoamericano. Henry Boisrolin é dirigente do Comité Democrático Haitiano



Tradução de João Pinheiro