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Escrito por Gabriel Brito - Correio da Cidadania | |
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Nesta semana, o BNDES anunciou ao público uma linha de crédito no valor de 4,8 bilhões de reais para a construção dos estádios que abrigarão os jogos da Copa do Mundo de 2014. De acordo com o plano, o banco concederá 400 milhões para cada uma das novas arenas, ficando de fora apenas os estádios do Morumbi (São Paulo FC), Beira Rio (Internacional) e Arena da Baixada (Atlético-PR), impedidos de aderirem ao financiamento por serem particulares.
Com a decisão, vai ficando cada vez mais pavimentado o caminho para o uso indiscriminado do dinheiro público na farra que se avizinha, pois já é líquido e certo que serão os governos estaduais de cada sede a botarem a mão na massa e erguerem os estádios. Apesar de ainda se buscarem parceiros privados, a falta de sinais vindos desse setor já deixa claro que os estados e municípios terão de criar os filhotes (de elefante).
E como demonstração cabal de um país desprovido de qualquer sentido cidadão, o presidente da CBF Ricardo Teixeira, após decantar o contrário desde a escolha do Brasil como sede, foi obrigado a reconhecer (com muito pesar, é certo) de que realmente será necessário dinheiro público na construção dos novos campos, uma vez que a crise internacional (sempre ela) teria afastado os investidores (nunca apresentados) dos projetos.
Como prova do país leniente que também somos, expirou no último dia 31 o prazo estabelecido pela FIFA e Comitê Organizador da Copa para abertura de licitações para as obras, o que já preocupa os dirigentes máximos do órgão. Jerome Valcke, secretário geral da entidade, já disse que passou da hora de o país começar de fato a tocar o projeto do mundial.
Como dar jeitinho é algo rotineiro por aqui, Ricardo Teixeira já se antecipou aos imprevistos e estendeu, só de boca, o prazo para início das obras de fevereiro para março de 2010. Enquanto isso, podemos observar contradições e intrigas em torno de cada um dos projetos, sem exceção, aventura que ainda não sabemos que preço cobrará do futebol nacional em seu cotidiano até e depois da Copa.
Financiar maquete ou o que já existe?
Estranhamente, excluíram-se da linha de crédito os três citados estádios, com a alegação de que já têm seus respectivos donos. No entanto, quantas dezenas de projetos o BNDES já financiou para a iniciativa privada, sem qualquer contrapartida social? Até fazenda identificada por impor trabalho escravo foi detectada como receptora de financiamento do banco recentemente.
Portanto, se o Morumbi será o estádio paulista da Copa, por que não financiá-lo também? Afinal, trata-se de empréstimo apenas. Não é mais seguro oferecer crédito a um estádio já erguido, com conhecidas fontes de receita e no principal centro econômico do país do que jogar um rio Amazonas de dinheiro público em localidades que só têm as maquetes de feira de ciências até agora? Para muita gente, trata-se de um inconfessado desejo de construir um novo estádio na metrópole, fazendo a alegria de muitos envolvidos.
Pois será assim. Na hora dos anúncios, festa, tapinha nas costas e garantia de retorno ao investimento. Porém, é difícil imaginar que tamanha fortuna não vá para o ralo em determinados, ou vários, casos. O argumento básico é de que os estádios serão ‘multiuso’, ou seja, poderão receber shows, eventos, vender espaços, camarotes, ter restaurantes, salas de cinema e por aí afora, de modo a potencializar os ganhos com o local, algo muito comum na Europa, mas nunca feito por aqui (exceto no estádio do Atlético-PR!).
Tudo legítimo, correto, pois o estádio precisará ser mantido além de construído. Porém, deixa-se de lado que tais premissas não cabem em todos os lugares. Primeiro, porque a razão primordial de sua existência ainda serão as partidas de futebol. Outra coisa: os Rolling Stones já tocaram em Manaus? Não que não possam, mas é evidente que tal empreitada só pode ter (alguma) garantia de retorno em centros mais ricos, que fazem parte do circuito internacional das finanças, entretenimento etc. Logo, recuperar tal monta de investimentos em determinadas praças será missão praticamente impossível.
Vá tomando nota
Dentre as cidades contempladas como sede, algumas seguem cobertas de incerteza, e, se já está difícil angariar apoio privado em grandes centros, em outros já é óbvio que tudo recairá sobre os cofres públicos. Além do mais, como já alertado neste espaço, nossa iniciativa privada sempre foi muito, digamos, ‘mimada’ pelos governos de plantão.
Ou seja, qualquer grupo empresarial que possa ter interesse nos eventuais lucros dos estádios e que possua o mínimo conhecimento de como funcionam as coisas por aqui saberá que a hora de injetar dinheiro não é essa. Sabedores de que a aventura já foi assumida oficialmente pelo país, têm a certeza de que as arenas serão levantadas, de um jeito ou de outro.
Depois, com tudo prontinho, já poderemos esperar os governos dizerem que os custos de manutenção são demasiado elevados e que é necessário passar sua administração a algum grupo capaz de gerenciar. E aí eles entram em cena, e, sob os auspícios dos próprios governantes, ganham de presente um enorme patrimônio feito com verba pública. Foi assim com o Engenhão, construído para o Pan 2007 por 380 milhões, e que passou para as mãos do Botafogo sob o módico aluguel de 36 mil reais por mês. Com um exemplo desses, quem vai ser trouxa de abrir a carteira?
Pra tentar finalizar esse tema cheio de desdobramentos, e com diversos casos que merecem uma abordagem mais específica, chegamos ao ponto em que já não temos tanto tempo para tocar todas as obras, inclusive as estruturais, a tempo do Mundial, ainda que o tempo pareça longo.
Sendo assim, e já foi avisado, muitos estádios terão de ser fechados por um período doloroso. Mineirão e Maracanã deverão ser fechados por dois e três anos respectivamente, pois a FIFA ordena que assim se faça nos estádios que abrigarão jogos. Pois é, enquanto se prepara a farra da qual o torcedor nem sabe se poderá participar (teme-se por preços exorbitantes nos jogos), este poderá ficar privado de seu futebolzinho cotidiano também.
Os clubes mineiros ainda não têm idéia do que fazer. Já os cariocas terão de se contentar com palcos menores e infinitamente menos queridos; lembrando que o estádio já fechara por dois anos entre 2004 e 2006.
Desse modo, o cenário parece montado. A torneira governamental será aberta, os estádios estarão em pé, licitações serão atropeladas em nome da urgência e, depois de voltarem à realidade das partidas para 3 mil pessoas em Brasília, Manaus ou o que seja, nossos ‘capitães da copa’ entregarão suas brincadeiras faraônicas para os privilegiados de sempre, locupletando-se todos, como sempre também. Tudo isso descontando as hipóteses de irregularidades em todo o processo, assunto, esse sim, que ficará como principal ‘legado’ da Copa do Mundo no Brasil.
Gabriel Brito é jornalista. |