A saga do povo Mapuche pelo direito à terra
Assassinatos
de jovens indígenas evidenciam a repressão do Estado chileno sobre os
povos originários que lutam por reconhecimento e pela recuperação de
seus territórios
ancestrais
Por Carolina Coral
Santiago do Chile – A morte do jovem mapuche Jaime Facundo Mendonza Collio, da
comunidade Requem Pillan de Ercilla, em 12 de agosto desse ano, como
consequência de um disparo realizado por um policial durante uma
manifestação em
defesa de terras indígenas, não foi o primeiro caso de assassinato e
repressão por parte do Estado chileno contra o povo mapuche. Outras
vítimas, como Alex Lemun, em 2002; Juan Collihuin, em 2006, e Mathias
Catrileo, em 2008, evidenciam que as mortes não são meros casos
isolados, mas sim consequência de problemas que se arrastam por mais de
100 anos entre os povos originários e o governo nacional. Tais problemas
continuam sendo intensificados por atos de violência e pela falta de tolerância em relação às múltiplas etnias que constituem o Chile.
Segundo o historiador chileno José Bengoa, a cronologia da história indígena do Chile não é a mesma da história do país. Apesar das semelhanças históricas entre todos os povos indígenas da América Latina, também há particularidades de cada grupo indígena. No caso dos mapuche – povo indígena predominante no Chile e também
existente na Argentina – eles sempre estiveram predispostos a dialogar com o governo chileno. Entretanto, foi o próprio Estado chileno que rompeu com as possibilidades de diálogo, no final do século 19, quando iniciou sua expansão territorial. Além disso, não elaborou nenhuma política de proteção aos indígenas. Pelo contrário, os consideravam como um obstáculo para o desenvolvimento econômico da nação.
Foi nesse período de expansão territorial que os mapuche, por meio dos títulos de Merced – instrumento criado pelo governo chileno para se apoderar e controlar terras que não lhe pertenciam - ocorreu um processo abrupto de redução territorial dos povos originários, que permaneceram apenas com 5% das atuais províncias de Arauco, Bibio, Malleco e Cautín. No entanto, mesmo com os títulos em mãos, não se assegurou a permanência dos mapuche em suas terras devido à usurpação das terras por parte dos colonizadores estrangeiros e dos próprios chilenos.
Para Bengoa, a origem da pobreza indígena está diretamente ligada a tal redução territorial, pois essas poucas terras se tornaram insuficientes para suprir as necessidades dessa população, impedindo a construção de uma vida digna.
Além disso, entre fins do século 19 e princípio do século 20, houve um período denominado como “assimilação forçosa”, caracterizado por políticas estatais dirigidas aos povos indígenas com o objetivo de transformá-los em cidadãos chilenos, com base em um conceito de “identidade nacional homogênea”. Na visão do historiador, esse
projeto foi marcado por uma integração frustrada, porque até hoje os indígenas não estão totalmente inseridos na sociedade chilena.
Dissolução de território
Ainda hoje os mapuche vivem sob a ameaça da dissolução do seu território. Os maiores inimigos das terras indígenas são os projetos de investimentos privados, entre elas plantações florestais que afetam diretamente as comunidades.
Para Alfredo Segel, editor do informativo Mapuexpres - site de maior acesso com conteúdos sobre os mapuche – “a indústria florestal tem sido uma das atividades símbolos do ultraneoliberalismo do Estado chileno, pois seus proprietários são os empresários considerados mais ricos de toda a América Latina”. Atualmente, há 3 milhões de hectares de monocultura de espécies exóticas como o pinus e o eucalipto, que são como bombas que sugam a água do solo, prejudicando o meio ambiente, além de substituir os bosques nativos, as plantas com propriedades medicinais e a soberania alimentar dessas comunidades.
Os investidores da indústria florestal e suas derivações, como a de aquacultura, de criação de gado e da agricultura estão diretamente associados ao mercado financeiro e se dividem em nacionais, multinacionais e transnacionais. De acordo com Roberto Morales, diretor da Escola de Antropologia da Universidade Austral do Chile, taisgrupos também controlam a educação, a saúde, a energia e os meios de comunicação, e são os mesmos que controlam o aparato público estatal a seu favor e ajudam a implantar políticas repressivas que resultaram nas mortes dos jovens mapuche.
Carta branca do governo
Na avaliação de Segel, o governo da presidente Michelle Bachelet deu carta branca para uma radical expansão do extrativismo nas terras dos povos originários. No entanto, o modo como esses recursos serão explorados “diz respeito a todos e principalmente às comunidades que fazem parte desse ecossistema”, salienta. Explica, ainda, que a indústria florestal no Chile é representada principalmente por dois grupos econômicos: Matte (CMPC) e Angelini (Copec, Arauco y Celco), os quais controlam aproximadamente 70% do solo utilizado para plantações no país e já superam 7 milhões de dólares de fortuna. Além disso, estão se expandindo para outras regiões como Peru, Equador, Uruguai, Argentina e Brasil.
Segundo o advogado José Aylwin, diretor do Observatório Cidadão, e filho do ex-presidente Patrício Aylwin, depois que o Chile ratificou o Convênio 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) “para cada projeto realizado em terras indígenas deveria ser aplicado um processo de consulta adequada a tais povos, como forma de compensação pelos danos e maior participação nos benefícios que estes geram, exatamente como se estabelece no direito internacional”.
Aylwin também ressalta que, apesar do histórico de demandas negadas aos povos indígenas, a ratificação desse Convênio - firmado sob pressão de organismos nacionais e internacionais – ajudou a inserir a problemática indígena do país em um cenário internacional, representando um avanço e uma possibilidade de real transformação.
Contudo, “ainda assim são insuficientes, pois as políticas públicas ainda são muitas vezes contraditórias”.
Uma das contradições é a própria Constituição chilena, que distingue a propriedade da terra dos elementos que fazem parte dela. Assim, na maioria das vezes, dentro das propriedades indígenas ocorre uma exploração da vegetação e das águas por parte de empresas privadas, gerando um conflito em permanente expansão.
Carolina Coral é jornalista
Para ler a reportagem completa e outras matérias confira a edição de outubro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.
continuam sendo intensificados por atos de violência e pela falta de tolerância em relação às múltiplas etnias que constituem o Chile.
Segundo o historiador chileno José Bengoa, a cronologia da história indígena do Chile não é a mesma da história do país. Apesar das semelhanças históricas entre todos os povos indígenas da América Latina, também há particularidades de cada grupo indígena. No caso dos mapuche – povo indígena predominante no Chile e também
existente na Argentina – eles sempre estiveram predispostos a dialogar com o governo chileno. Entretanto, foi o próprio Estado chileno que rompeu com as possibilidades de diálogo, no final do século 19, quando iniciou sua expansão territorial. Além disso, não elaborou nenhuma política de proteção aos indígenas. Pelo contrário, os consideravam como um obstáculo para o desenvolvimento econômico da nação.
Foi nesse período de expansão territorial que os mapuche, por meio dos títulos de Merced – instrumento criado pelo governo chileno para se apoderar e controlar terras que não lhe pertenciam - ocorreu um processo abrupto de redução territorial dos povos originários, que permaneceram apenas com 5% das atuais províncias de Arauco, Bibio, Malleco e Cautín. No entanto, mesmo com os títulos em mãos, não se assegurou a permanência dos mapuche em suas terras devido à usurpação das terras por parte dos colonizadores estrangeiros e dos próprios chilenos.
Para Bengoa, a origem da pobreza indígena está diretamente ligada a tal redução territorial, pois essas poucas terras se tornaram insuficientes para suprir as necessidades dessa população, impedindo a construção de uma vida digna.
Além disso, entre fins do século 19 e princípio do século 20, houve um período denominado como “assimilação forçosa”, caracterizado por políticas estatais dirigidas aos povos indígenas com o objetivo de transformá-los em cidadãos chilenos, com base em um conceito de “identidade nacional homogênea”. Na visão do historiador, esse
projeto foi marcado por uma integração frustrada, porque até hoje os indígenas não estão totalmente inseridos na sociedade chilena.
Dissolução de território
Ainda hoje os mapuche vivem sob a ameaça da dissolução do seu território. Os maiores inimigos das terras indígenas são os projetos de investimentos privados, entre elas plantações florestais que afetam diretamente as comunidades.
Para Alfredo Segel, editor do informativo Mapuexpres - site de maior acesso com conteúdos sobre os mapuche – “a indústria florestal tem sido uma das atividades símbolos do ultraneoliberalismo do Estado chileno, pois seus proprietários são os empresários considerados mais ricos de toda a América Latina”. Atualmente, há 3 milhões de hectares de monocultura de espécies exóticas como o pinus e o eucalipto, que são como bombas que sugam a água do solo, prejudicando o meio ambiente, além de substituir os bosques nativos, as plantas com propriedades medicinais e a soberania alimentar dessas comunidades.
Os investidores da indústria florestal e suas derivações, como a de aquacultura, de criação de gado e da agricultura estão diretamente associados ao mercado financeiro e se dividem em nacionais, multinacionais e transnacionais. De acordo com Roberto Morales, diretor da Escola de Antropologia da Universidade Austral do Chile, taisgrupos também controlam a educação, a saúde, a energia e os meios de comunicação, e são os mesmos que controlam o aparato público estatal a seu favor e ajudam a implantar políticas repressivas que resultaram nas mortes dos jovens mapuche.
Carta branca do governo
Na avaliação de Segel, o governo da presidente Michelle Bachelet deu carta branca para uma radical expansão do extrativismo nas terras dos povos originários. No entanto, o modo como esses recursos serão explorados “diz respeito a todos e principalmente às comunidades que fazem parte desse ecossistema”, salienta. Explica, ainda, que a indústria florestal no Chile é representada principalmente por dois grupos econômicos: Matte (CMPC) e Angelini (Copec, Arauco y Celco), os quais controlam aproximadamente 70% do solo utilizado para plantações no país e já superam 7 milhões de dólares de fortuna. Além disso, estão se expandindo para outras regiões como Peru, Equador, Uruguai, Argentina e Brasil.
Segundo o advogado José Aylwin, diretor do Observatório Cidadão, e filho do ex-presidente Patrício Aylwin, depois que o Chile ratificou o Convênio 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) “para cada projeto realizado em terras indígenas deveria ser aplicado um processo de consulta adequada a tais povos, como forma de compensação pelos danos e maior participação nos benefícios que estes geram, exatamente como se estabelece no direito internacional”.
Aylwin também ressalta que, apesar do histórico de demandas negadas aos povos indígenas, a ratificação desse Convênio - firmado sob pressão de organismos nacionais e internacionais – ajudou a inserir a problemática indígena do país em um cenário internacional, representando um avanço e uma possibilidade de real transformação.
Contudo, “ainda assim são insuficientes, pois as políticas públicas ainda são muitas vezes contraditórias”.
Uma das contradições é a própria Constituição chilena, que distingue a propriedade da terra dos elementos que fazem parte dela. Assim, na maioria das vezes, dentro das propriedades indígenas ocorre uma exploração da vegetação e das águas por parte de empresas privadas, gerando um conflito em permanente expansão.
Carolina Coral é jornalista
Para ler a reportagem completa e outras matérias confira a edição de outubro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.