Uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas. Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da informação no Brasil. Surge em boa hora a proposta de criação de uma Associação Brasileira de Empresários da Comunicação Alternativa. Ela vem maré montante da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realizará de 14 a 17 de dezembro próximo, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. A proposta é pertinente, inclusive, a partir do uso da palavra “Alternativa” para qualificar o empreendimento e, por tabela, seus empreendedores. A expressão não vem sem controvérsia. Há quem a repudie, por várias razões. Primeiro, vamos a um pouco de história. A expressão “Imprensa alternativa” (então se falava muito pouco em “mídia”) ganhou ímpeto no Brasil dos anos 70 (1) . Ela surgiu de várias fontes (entre elas esse escriba), como uma resposta ao carinhoso apelido que o escritor João Antonio deu aos jornais, em geral pequenos, que se contrapunham à censura da ditadura militar e à auto-censura praticada no jornalismo convencional brasileiro: “imprensa nanica”. O termo “nanica” não ofendia nem desqualificava. Pelo contrário, trazia à tona a metáfora de Davi contra Golias. Pitoresco, dava o sabor de um certo heroísmo, quixotesco ou não, à atividade dos grupos de jornalistas e intelectuais que se reuniam em cooperativas ou com outras formas de organização para se opor à hegemonia que a ditadura e a auto-proclamada “grande imprensa” construíam diariamente no campo da informação – não sem conflitos entre si, como atestam os casos de censura, por exemplo, ao Estadão e em outros episódios. Mas se ele não desqualificava, tampouco qualificava muito. Não me refiro ao campo moral, mas sim ao conceitual. Deixava brechas importantes. Por exemplo: como qualificar o gigantesco empreendimento de Última Hora, de Samuel Wayner, de quem nos considerávamos herdeiros? Esse empreendimento nada tivera de “nanico”. Mas fora sim alternativo. Alternativo a quê? À busca de hegemonia pela então “grande imprensa” na sua luta (sanha, talvez) para derrubar Getúlio Vargas. O Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, era, na verdade, um “nanico” que só cresceu com o manto protetor de Roberto Marinho, com seu O Globo, e de outros órgãos da imprensa conservadora. Assim, “na história brasileira os freqüentes alternativos seriam jornais [ou mídia, no sentido atual, mais amplo] que se oporiam ou se desviariam das tendências hegemônicas na imprensa convencional brasileira, que esta pretende [cartelizando-se] tornar hegemônicas no país” (2). Além de ter profundidade histórica, a expressão “alternativa (o)” ganhou ampla aceitação acadêmica. O exemplo mais conspícuo disso é o clássico Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, de Bernardo Kucinski (3), tese de doutorado defendida pelo autor em 1991, na ECA/USP. Também deve-se citar que o termo “alternativa (o)” tem larga aceitação internacional, em várias línguas, na esteira do pensamento de Noam Chomsky, Edward S. Herman, Mike Gunderloy e outros, em contraposição ao que denominam, em inglês, a “mainstream mídia”, que, valendo-se do “propaganda model”, definido pelo primeiro, perseguiriam a construção de um “manufactured consent”. Os que se opõem ao termo preferem, em geral, outras expressões, mas elas padecem de particularismo (como no caso de “mídia de esquerda”, “dos trabalhadores”, “popular”, etc.) ou vão ao encontro de palavras que os próprios próceres da mídia convencional (também chamada de corporativa ou conservadora) usam para se qualificar: “livre”, “independente”, por exemplo. Pode-se perguntar: “livre” ou “independente” do quê? Essas últimas expressões recendem a uma visão também convencional, aquela mesma que quer vender o peixe de que é possível um jornalismo “isento”, “neutro”, e outros pingentes da coroa liberal com que a mídia tradicional quer se cingir. Quanto ao fato da proposta ser para a formação de uma associação de empresários, também isso vem em boa hora. É inegável que uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas, mediante publicidade ou outros meios (isenção de impostos, etc.). Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da informação no Brasil, para que, ao invés do “manufactured consent” que a “grande mídia” quer impor cotidianamente, se dêem asas a possibilidade da dissensão, do contraditório, do múltiplo, em larga escala. Esperemos que a iniciativa se concretize, já a partir da 1ª Confecom. Notas (1) V. Aguiar, Flávio – “Imprensa alternativa: Opinião, Movimento, Em Tempo”. Em Martins, Ana Luiza e De Luca, Tânia Regina (orgs.) – História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. (2) V. Aguiar, Flávio – op. cit., nota 1, p. 236. (3) São Paulo: Edusp, 2003. 2a. ed. (Envolverde/Carta Maior ) |
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Rumo a Confecom...
Interesse chines pela Namibia...
China ajuda poderosos na Namíbia
Assim como os pais em todos os lugares do
mundo, mães e pais na Namíbia, uma nação empobrecida no sul da África
[que faz fronteira com Angola e Zâmbia ao norte, Botsuana a leste e
sul, e África do Sul ao sul, e cuja capital é Windhoek], se preocupam
com os custos universitários e com as oportunidades disponíveis para
seus filhos. O governo chinês tomou uma atitude para ajudar nesse
sentido – a uns poucos, seletos e poderosos.
Nesse ano, o governo de Pequim já concedeu secretamente bolsas de
estudo na China para os filhos de nove oficiais do alto escalão,
incluindo a filha do presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba. Dois
jovens parentes do ex-presidente da Namíbia e patriarca nacional, Sam
Nujoma, também receberam esse benefício.
A descoberta dessas bolsas de estudo, reveladas primeiro por um
contencioso jornal da Namíbia, desencadeou uma onda de fúria por parte
de grupos da sociedade civil e de organizações de jovens locais. Num
país onde cinco em cada seis formados no ensino médio não vão para a
universidade, muitos consideraram inescrupuloso o fato de líderes do
governo com altos salários aceitarem bolsas de estudo em universidades
estrangeiras para seus filhos.
“Apenas pessoas em altos cargos do governo sabiam sobre as bolsas de
estudo”, disse Norman Tjombe, diretor de um centro de assistência
jurídica sem fins lucrativos. “Não foi dada nenhuma chance para o
público em geral”.
A controvérsia reacendeu um tenso debate na Namíbia sobre as
relações com o governo chinês, relações essas já sob análise dos
promotores da Namíbia. Investigações lá e em outros países em
desenvolvimento da África e da Ásia têm lançado uma nova luz sobre a
maneira pela qual a China muitas vezes usa seu dinheiro de empréstimos
e ajuda estrangeiros para criar alianças com elites locais e facilitar
a aprovação de contratos de exclusividade.
Mesmo alguns dentro do partido governista da Namíbia, Swapo [sigla
em inglês para Organização do Povo da África do Sudoeste, no poder
desde 1990], estão se perguntando se a China está tentando comprar
influência com as lideranças políticas locais para ganhar acesso às
fontes de minério ou conquistar mercados para suas companhias bem
relacionadas.
“Como é possível isso ter caído do céu como maná [alimento dado por
Deus aos judeus direto do céu]?”, questionou Elijan Ngurare, secretário
geral da liga jovem do Swapo, em uma entrevista por telefone. “é óbvio
que eles devem querer algo.”
Para alguns especialistas em relações internacionais, a controvérsia
das bolsas de estudo aponta o ponto cego na agressiva estratégia
chinesa para cimentar alianças diplomáticas, conseguir os direitos
sobre fontes de recursos naturais e fechar negócios no continente
africano. Pelo menos na Namíbia, os oficiais do governo chinês parecem
ter sido pegos de surpresa por um escrutínio público feito por uma
vibrante sociedade civil.
O escândalo das bolsas de estudo foi revelado primeiramente pelo tablóide independente Informante,
da capital Windhoek, como o orgulhoso lema: “você esconde, nós
revelamos.” Não aconteceu assim na China, onde mesmo os mais agressivos
meios de comunicação logo pararam de levantar questões desconfortáveis
sobre as negociações dos altos oficiais ou de seus filhos.
Bates Gill, diretor do Instituto Internacional de Pesquisas para a
Paz de Estocolmo [sigla em inglês SIPRI, organização que realiza
pesquisas científicas em questões sobre conflitos e realiza ajuda de
importância para a paz e segurança internacional], disse que a China
estava habituada a relações obscurecidas e controladas com outros
governos. “O envolvimento da China na África está indo mais longe e
mais rápido do que sua habilidade de entender e saber o que está
acontecendo lá”, disse Gill. Como resultado, “os constrangimentos serão
inevitáveis.”
A lista na Namíbia está crescendo. Em julho, investigadores
anticorrupção alegaram que uma estatal chinesa facilitou um negócio de
55,3 milhões de dólares [cerca de R$96 milhões] para vender ao governo
da Namíbia detectores de metal com milhões de dólares em propina. A
investigação é particularmente delicada porque até o ano passado, Hu
Haifeng, filho do presidente [chinês] Hu Jintao, dirigia a companhia de
materiais de segurança. Um oficial do Ministério do Comércio da China
disse recentemente que seu país estava cooperando com as autoridades da
Namíbia.
Outra investigação está centrada nas alegações de que uma companhia
chinesa de armamentos forneceu 700 mil dólares [cerca de R$1,2 milhões]
ao Tenente General Martin Shalli, comandante das forças armadas da
Namíbia. O presidente da Namíbia suspendeu em julho o General Shalli de
seu posto, que até agora não quis comentar o caso.
Bates Gill afirmou que tais alegações ameaçaram minar a
impressionante campanha chinesa para ligar seu desenvolvimento ao da
África. Acima de tudo, enquanto a China está fazendo “uma enorme e
positiva contribuição ao desenvolvimento da África,” disse Gill, ela
está desacostumada às dinâmicas de algumas democracias africanas.
No Fórum sobre Cooperação entre China e África este mês [novembro],
o Primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, anunciou que a China dobraria o
valor dos empréstimos oferecidos à África para 10 bilhões de dólares
[cerca de R$17 bilhões] nos próximos três anos, aumentaria o número de
bolsas de estudo e reduziria as tarifas sobre produtos importados das
nações mais pobres.
Porém, ele pareceu frustrado quando foi perguntado se a China estava
interessada somente nos recursos naturais da África. “Por que sempre há
acusações contra a China?”, questionou Wen Jiabao numa entrevista
coletiva concedida no dia 8 de novembro, no Cairo. “Esse é um ponto de
vista da África ou particularmente o do Ocidente?”
Na Namíbia, cientistas políticos dizem que estão aumentando as
inquietações sobre se oficiais estão negociando contratos teoricamente
isentos de interesses com a China. “As pessoas estão pensando que a
China está fazendo negócios secretos com o governo aqui, e elas estão
tendo todo tipo de suspeitas,” disse Carola Engelbrecht, uma ativista.
Entre os que receberam as bolsas de estudo estão os filhos de alguns
dos mais poderosos oficiais da Namíbia, incluindo o inspetor geral da
polícia da Namíbia e o ministro da justiça, que é também o secretário
geral do Swapo. Um grande beneficiário é o filho do ministro da Defesa,
cuja agência compra armamentos da China. Um outro é o filho do ministro
de Assuntos Internos e Imigração, cuja agência é responsável pela
aprovação das autorizações de residência e trabalho para um exército de
trabalhadores chineses cujas companhias ganharam contratos estatais ou
privados para negócios com a Namíbia.
Outros três beneficiários são filhos de um ministro, um
ministro-adjunto, e um oficial do terceiro escalão do Ministério de
Minas e Energia. Em julho, o Ministério renovou a licença que dá a uma
subsidiária de uma companhia estatal chinesa direitos exclusivos sobre
o urânio e outros minerais em áreas com grande potencial de exploração.
A comissão nacional anticorrupção deu início a uma investigação
preliminar sobre como as bolsas de estudo eram distribuídas. Oficiais
do governo chinês reagiram de forma bem típica: três agências
governamentais em Pequim não responderam questões por escrito.
Xia Lili, primeiro secretário da embaixada chinesa em Windhoek,
afirmou que não tinha obrigação de responder perguntas. “Está
encerrado,” ele disse.Porém, com as eleições nacionais marcadas para o
final do mês, está claro que o assunto não está encerrado. Bill
Lindeke, um cientista político do Instituto de Pesquisa sobre Políticas
Públicas em Windhoek, afirmou que os oficiais da Namíbia poderiam ser
forçados a pagar pela educação de seus filhos na China para acalmar a
controvérsia.
Oficiais da embaixada chinesa inicialmente insistiram para que o
Ministro da Educação fosse o responsável pelo processo de seleção. No
entanto, o ministro Nangolo Mbumba disse em uma entrevista coletiva
esse mês que seu ministério concedeu apenas 10 bolsas de estudo para
estudantes carentes e que não tinha nada a ver com as outras concessões
– algumas das quais aparentemente cobrem cinco anos de estudos.
O ministro ainda afirmou que a filha do presidente, Ndapanda
Pohamba, que está atualmente estudando na Universidade de Cultura e
Línguas de Pequim, “solicitou a bolsa de estudos por conta própria e só
depois comunicou aos seus pais.”
A afirmação do ministro de que “não se pode subornar alguém com
bolsas de estudos” desencadeou uma onda de indignação em uma nação
cujas duas universidades podem atender apenas cerca de 2 mil dos 12 mil
estudantes que se formam todo ano no ensino médio.
“Sr. Mbumba: qualquer coisa de valor que se aceite, ou ainda pior,
que se peça, constitui propina caso se trate de um órgão público”,
disse um cidadão em comentário postado no site do The Namibiam, um
jornal diário de Windhoek.
Sharon LaFraniere
Tradução: Aline Oliveira
Para acessar o texto original, clique aqui.
Fotografia de Stephen Walli, retirada daqui
A hipocrisia americana e o Irã
Luiz Eça - Correio da Cidadania
As visitas de Shimon Peres e Mahmoud Abbas ao Brasil não mereceram
reparos nem da grande imprensa, nem dos intelectuais que passaram pelas
mesas redondas e noticiários da TV. Mesmo os políticos de esquerda que
vimos na emissora de TV do Senado trataram-nos com todo respeito.
Já com Ahmadinejad as coisas foram diferentes. Os meios de comunicação
emitiram reprimendas ao governo por recebê-lo, além de veicularem
acusações pesadas ao Irã da fina flor do conservadorismo americano e
seus clones brasileiros.
Alguns comentaristas e políticos, no máximo, admitiram que a relação
com o Irã pode trazer vantagens econômicas ao Brasil. Mas sempre
insistindo na necessidade do governo Lula deixar bem clara sua oposição
aos "graves desvios" iranianos, especialmente para manter-se fiel à
amizade e aos princípios do nosso grande vizinho do norte.
O interessante, porém, é que uma breve análise mostra que os EUA
praticam o mesmo tipo de ações que no Irã rotulam como demoníacas e
ameaçadoras da paz mundial. A diferença é que, quando são de autoria
americana, o Ocidente as vê com benevolência, sem nada de criticável.
Leia e tire suas conclusões
Torturas - Parece inegável que a polícia iraniana torturou
participantes dos protestos contra as eleições. Só que nesse quesito os
americanos ganham de dez a zero. Em Guantánamo, relatórios de ONGs e
até do FBI provaram torturas aos detentos. Em Abu Ghraib, as
brutalidades cometidas por soldados americanos chocaram o mundo. E os
raptos de suspeitos no estrangeiro pela CIA para serem levados a países
onde se tortura livremente foram flagrados em diversas ocasiões.
Recentemente, um tribunal italiano condenou a penas de prisão agentes
italianos e americanos que seqüestraram suspeito islamita e o levaram
ao Egito onde foi devidamente torturado.
Eleições desonestas - No Irã continuam merecendo a indignação
mundial. Mas não se deve esquecer que a primeira eleição de George Bush
foi ganha no tapetão – não nas urnas.
Armas nucleares – Segundo El Baradei, chefe dos inspetores da
ONU e Prêmio Nobel da Paz, não há sequer indícios de que o programa
nuclear iraniano tenha objetivos militares.
Por outro lado, é de pleno conhecimento que Israel está muito avançado
nesse setor, já dispondo de 150 a 200 artefatos nucleares, com
capacidade de produzir 20 por ano, na base secreta de Dimona. Os EUA
têm negado esse fato devido à emenda Symington, que proíbe ajuda
americana a países que desenvolvam programas de enriquecimento nuclear
fora do controle internacional. Por esta emenda, Obama teria de acabar
com o envio anual de 2,5 bilhões de dólares a Israel.
Direitos Humanos - É fato que foram desrespeitados pelo exército
e as milícias iranianas na repressão aos protestos contra as eleições
presidenciais. Nesse assunto, de Direitos Humanos, as violações em Gaza
foram muito mais graves: 1.500 árabes mortos, a maioria civis,
inclusive centenas de crianças.
Investigando o que aconteceu no ataque, a comissão da ONU, presidida
pelo juiz judeu Goldstone, respeitado internacionalmente, concluiu que
o exército israelense cometeu crimes de guerra e contra a humanidade.
Novamente os EUA defenderam o governo de Telaviv.
Contestaram o relatório final, sem fornecer um único argumento, e agora
impedem que ele seja discutido no Conselho de Segurança da ONU. Apóiam
o governo israelense que se nega a atender ao apelo, inclusive da
França e da Inglaterra, para fazer uma investigação isenta sobre as
acusações, identificando os culpados.
Outro desrespeito aos Direitos Humanos pelo governo dos EUA foi
revelado na apresentação dos motivos para não fecharem Guantánamo no
prazo dado por Obama: a necessidade de manter presos, sem julgamento,
indivíduos considerados perigosos, pois não há provas capazes de
condená-los.
Apoio ao terrorismo – Os EUA acusam o Irã de apoiar o Hizbollah
e o Hamas, que consideram movimentos terroristas. Na verdade, ambos
abandonaram o terrorismo há muitos anos. São hoje partidos políticos
legais.
O Hizbollah defendeu o Líbano durante a última invasão israelense que
causou a morte de 1.500 libaneses e destruiu parte da infra-estrutura
do país. Recentemente, recebeu do governo libanês (apoiado pelo
Ocidente) o direito de manter armas para proteger o país.
O Hamas governa Gaza e só começou a lançar foguetes sobre território
israelense depois que o Telaviv fechou as fronteiras, causando uma
verdadeira crise humanitária na região, que ficou privada de alimentos,
medicamentos e materiais essenciais à sua economia.
Na verdade, quem ajudou terroristas foram os EUA. O governo George Bush
supriu com recursos financeiros o movimento Jundalá, integrante da
lista de terroristas dos próprios americanos e que atua na fronteira
iraniana praticando atentados contra soldados, funcionários públicos e
camponeses. Seu líder, Abdel Malik Regi, é
assim descrito por Aléxis Debat, expert em contra terrorismo do Nixon
Center: "Ele é parte traficante, parte talibã e parte ativista sunita".
Julgamentos de oposicionistas – Os acusados de liderar os
protestos contra as eleições iranianas estão, de fato, sendo alvo de
processos sumários com penas pesadas (cinco foram condenados à morte) e
injustas.
Israel faz algo semelhante com acusados de ações terroristas. Muitos
deles foram julgados secretamente (sem direito a advogados, portanto),
não por tribunais, mas pelo Mossad. Tendo havido a aprovação do
primeiro-ministro, seguiram-se as execuções dos presumíveis culpados,
em casa ou na rua, através de mísseis disparados por aviões ou por
raids de forças especiais, muitas vezes com a morte de pessoas que
tiveram o azar de estar próximas. Trata-se, sem dúvida, de um rito
processual mais próprio de Gengis Khan do que de um país civilizado. E
que tem sido defendido pelos EUA como "direito de defesa" de Israel.
Além desses tipos de transgressões, compartilhados por Irã, EUA e
Israel, algumas acusações, pautadas pela Casa Branca, foram repetidas à
saciedade pelos seus seguidores no Brasil.
Assim, a negação do Holocausto é mostrada como algo criminoso. Eu diria
que é absurda, que não faz honra à inteligência de Ahmadinejad. É mais
uma afirmação demagógica, para agradar ao público islâmico de setores
iletrados, indignado com o que os judeus fazem aos árabes na Palestina.
Como foi também a frase, "Israel deve ser varrido do mapa", a qual,
porém, Ahmadinejad esclareceu. Disse que não pretende jogar os
israelenses no mar... É, sim, contra o caráter racista do país,
expresso, aliás, no início da sua Constituição: "Israel é um Estado
democrático e judaico". Atacar o país seria uma loucura. Que chances
teria contra as 200 bombas nucleares de Israel, sem falar do
avassalador apoio militar americano? O que Ahmadinejad quis dizer é que
a História tornará inviável o regime sionista e a Palestina (Israel +
Cisjordânia) acabará se tornando um Estado de todos: judeus, islamitas
e cristãos.
Acho que Israel não vai mudar. É um país que já existe há 41 anos como
"lar nacional judaico", suas instituições estão plenamente
consolidadas. Mas, defender a tese da injustiça e do fim inevitável de
um Estado sionista e sua substituição por um país leigo e sem caráter
racial é um direito, não um crime.
A criminalização do homossexualismo e a restrição aos direitos
femininos no Irã são tristes realidades que vêm sendo paulatinamente
ofuscadas pelo progresso da sociedade iraniana. São cada vez mais raros
os casos de punições por questões de sexo, enquanto que as mulheres
ganham cada vez mais espaços. Por exemplo: hoje existem mais
universitárias do que universitários no Irã.
Não devemos esquecer que até os anos 70 havia até leis racistas nos
Estados Unidos. Mesmo depois, o racismo sobreviveu, custando a
desaparecer da sociedade americana, ainda que não completamente.
Não é preciso gastar muitas páginas para demonstrar que tudo que se
critica no Irã é ou foi praticado pelos EUA, até mesmo com maior
intensidade. No entanto, é tal o poder da hegemonia ianque que a
maioria dos nossos jornais, intelectuais e políticos fazem vistas
grossas a esta realidade. E competem entre si para imitar os grupos
mais reacionários da terra do Tio Sam através da repetição das teses
que interessam ao país do Norte, ainda que sejam contrárias a nós.
No caso da disputa com o Irã, a hipocrisia americana manifesta-se de
uma maneira muito clara. E continua imperturbável, pois raros são
aqueles detentores de poder no mundo que ousam denunciá-la.
Luiz Eça é jornalista.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Como Israel ganhou a batalha dos colonatos... outra vez.
Ramzy Baroud - Portal do PSOL
Quando
o Ministro dos Negócios Estrangeiros, David Miliband, proferiu algumas
palavras sobre a ilegalidade dos colonatos israelitas na Cisjordânia
ocupada, muitos quiserem acreditar que Londres estaria a tomar uma dura
atitude para com as continuas violações do direito international por
parte de Israel. Infelizmente, estavam errados.
O facto é que a declaração de Miliband, feita durante a conferência
de imprensa que se seguiu às conversações com o rei da Jordânia,
Abdullah II em Amã, foram meramente tácticas, dirigidas de forma a
diminuir o impacto da fraca posição assumida por Washington sobre o
mesmo assunto,
Isto foi o que Miliband disse: "Os colonatos são ilegais e, do nosso
ponto de vista, são um obstáculo ao estabelecimento da paz na
Cisjordânia e em Jerusalém Orientar. Os colonatos desafiam o coração
de... um Estado palestiniano."
De seguida acrescentou: "É tão importante para aqueles que se
interessam pela segurança e pela justiça social nesta região que as
discussões sobre fronteiras e território recomecem de forma séria,
porque se se conseguir fazer progressos nestas questões, pode
resolver-se o problema dos colonatos."
Isto é clássico de Miliband. Embora as suas afimações claras e
decisivas acerca da ilegalidade dos colonatos e o facto de estes
constituirem um obsctáculo à paz sejam bem-vindas, não é possível
decifrar declarações de políticos sobre detalhes; para serem
verdadeiramente apreciados, têm de ser compreendidos como um todo.
O perigo reside na afirmação seguinte na qual ele mudou
propositadamente a ordem da solução proposta para a crise do Médio
Oriente para centrá-la "na retoma das discussões sobre fronteiras e
território de forma séria", o que significa negociações sem condições
porque "o progresso" nessa vertente "iria resolver o problema dos
colonatos".
Mas não é precisamente este o tipo de diálogo que Israel deseja
tomar parte: conversações de paz sem condicionantes, sem prazos, sem um
fim determinado, enquanto persiste na construção de colonatos ilegais
constituindo uma violação flagrante do direito internacional? Mais, não
foi isto que os palestinianos, todos os palestinianos, rejeitaram
veementemente?
A liderança palestiniana percebe que negociações incondicionais
trará aos palestinianos, a parte mais franca em qualquer negociação,
nada mais do que humilhação, enquanto que a parte forte determinará a
solução, qualquer solução, que achar adequada aos seus interesses.
Tendo em conta que Israel não está sob uma pressão séria, apenas sob
uns discursos verbais sobre o processo de paz proferidos ocasionalmente
or Washington e Londres, o governo de direita de Benjamin Netanyahu não
tem razão para parar ou até abrandar os seus projectos de colonatos
ilegais e a consequente limpeza étnica dos palestinianos.
Miliband é um político esperto. Não obstante as suas palavras
federem a constradições, estão dispostas de tal maneira que dão a
impressão que está a construir-se um mudança significativa nas
políticas.
As declarações supostamente fortes de Miliband acerca dos colonatos
surgiram numa altura em que a política da administração Obama, uma
pequena tentativa de se apresentar como a antítese o legado odiado de
George Bush, está a desfazer-se.
Em Maio, no seguimento do primeiro encontro entre Obama e Netanyahu,
a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, quis não
deixar dúvidas sobre as novas políticas americanas acerca dos
colonatos. Os EUA "querem que os colonatos parem - não alguns
colonatos, nem postos avançados, nem excpeções de crescimento natural."
Isto soa muito bem, melhor que as afirmações de Miliband. Mas desde
então, a administração Obama obviamente descobriu os limites da
"audácia da esperança": um lóbi israelita forte, unido; um gorveno de
direita israelita decisivo; países árabes e muçulmanos fragmentados e
tudo o resto.
Portanto, não foi uma surpresa ver a senhora Clinton, durante a sua
recente visita ao Médio Oriente, retroceder em todas as promessas que o
seu governo fez. Segundo o Times (de 1 de Novembro), ela "alegou que a
construção de colonatos nunca foi um pre-condição para retomar as
conversações."
Pior, não apenas falhou em convencer Netanyahu da posição dos EUA,
que mais ou menos consitente com o direito internacional, como
elogiou-o por falhar na concretização daquilo que foi considerado como
uma forte exigência norte-americana.
A mudança aconteceu durante a sua visita de um dia a Jerusalém.
"Aquilo que o primeiro-ministro (de Israel) tem oferecido em termos de
restrições às políticas dos colonatos... não tem precedentes," disse
ela sobre a promessa de Netanyahu para abrandar a expansão de colonatos
na Cisjordânia.
Há mais de 500 mil colonos judeus na Cisjordânia e Jerusalém
ocupados que vivem em vários colonatos que são considerados ilegais de
acordo com a IV Convenção de Genebra e numerosas resoluções das Nações
Unidas
Para acrescentar o insulto, a senhora Clinton continuou, em casa
paragem, a exigir aos árabes e aos muçulmanos que estendam a sua mão e
Israel. Que é que este fez para merecer uma normalização com os árabes
e muçulmanos, mercados abertos e o estabelecimento de relações
diplomáticas? Por que é que Israel deve ser compensado pelos seus
massacres em Gaza, pela sua ocupação militar da Cisjordânia e Jerusalém
Oriental, pelos contínuos ataques à Mesquita al-Aqsa e outras?
Simultaneamente, a Autoridade Palestiniana estará talvez a aperceber
o erro que cometeu ao confiar que a determinação da administração Obama
prevaleceria sobre a obstinação de Israel.
O alto representante da AP, Nablil Abu Rudeinah, afirmou que "as
negociações estão em estado paralítico," cupando tanto "a
intransigência israelita como o retrocesso americano."
"Não há esperança para futuras negociações," Abu Rudienah acrescentou.
Contudo, as palavras de chefe das negociações palestiniano, Saeb
Erekat, na conferência de imprensa em Ramallah no dia 4 de Novembro,
foram ainda mais pessimistas. Talvez seja a altura de o presidente
palestiniano Mahmoud Abbas "dizer ao seu povo a verdade que devido à
continuação da expansão dos colonatos, a solução de dois Estados já não
é uma opção," disse ele.
Ele disse o que muitos não querem ouvir, incluindo o próprio
Miliband que insiste em manter viva uma 'solução' expirada enque nada
faz para a tornar realidade.
"É importante que não percamos de vista a importância da solução de
dois Estados para todos os povos da região. Penso que as alternativas
são obscuras e mal-vindas por todas as partes," declarou Miliband.
Todavia, ele falhou em demonstrar-nos como é que a sua solução
'brilhante e bem-vinda' vai ser concretizada à medida que Israel
continua a capturar Jerusalém e a Cisjordânia centímetro por
centímetro, à vista dos media internacionais e com o conhecimento e com
o acordo tácito dos políticos em regredir, incluindo a senhora Clinton
e ele próprio.
Publicado em Palestine Chronicle
Tradução: Ana Sofia Gomes
Fonte: Todos Por Gaza - http://todosporgaza.blogspot.com/2009/11/como-israel-ganhou-batalha-dos.html
domingo, 29 de novembro de 2009
Eleições no Uruguai II
Nesse momento através de transmissão da TELESUR, o pronunciamento do candidato Lacalle, do Uruguai, dá por perdida as eleições, reconhecendo triunfo do candidato José "Pepe" Mujica da Frente Ampla. Reconhecendo o civismo do povo oriental, Lacalle pede a todos os derrotados que cumpram seus deveres como cidadãos, participando ativamente desse governo que se instalará no pais a partir de março de 2010.
Eleições no Uruguai
Os últimos informes que chegam das rádios uruguaias, dão conta de que a Frente Ampla, com seu candidato Jose "Pepe" Mujica, poderá vencer as eleições com 51% dos votos. Essa eleição, teve uma caracteristica essencial de que mais de 92% do leitorado compareceu as urnas, sendo que existem 10% de uruguais morando fora do país, configurando uma atuação histórica dos eleitores em uma eleição democrática, como ocorreu por lá.Espera-se que Mujica, antigo militante da esquerda uruguaia, durante a ditadura militar, defendendo a bandeira do grupo "tupac amaro"(tupamaros) como eram chamados, concretize seu ideário socialista, promovendo uma gestão encima de geração de empregos, principalmente para a juventude, e de uma participação ativa junto aos paises que formam o "bloco socialista latino americano", na defesa de nossos interesses e de nosso povo.
BLUES: A VOZ DO BLUES
Blues, o que é isto?
Texto de : Hamilton Coragem
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Uma
definição completa e exata do Blues é difícil, pois, se ele é, claro,
um gênero musical, foi também muito mais que isso para o povo negro
americano que o criou. E, se os especialistas analisam (freqüentemente
com certa dificuldade) o Blues em termos musicais, os criadores dessa
arte só falam dela de forma lírica. Mas escutemos uns e outros. Veja
então uma interessante definição musicológica e histórica: "A escala do Blues nasce da contaminação da escala diatônica ocidental pelo sistema africano.
As melodias se organizam no interior de um sistema pentatonal que
ignora o semitom, compreendendo uma escala de cinco tons inteiros que
coincidem com cinco dos intervalos da escala diatônica e não concordam
com dois deles, o terceiro e o sétimo, que são semitons na escala
diatônica e são, dessa forma, estranhos ao ouvido africano.
Quando colocado em contato com uma música de um tom maior diatônico, o africano tem tendência a não mais saber onde se encontra. Todas as vezes em que aproxima do terceiro e do sétimo em qualquer acorde, ele terá tendência a distorcê-los por violentos efeitos de vibrato até que entrem em sua escala alterando por sustenido ou por bemol. 0 tempo passa, e tais modificações tendem a cristalizar-se sob a forma de novas escalas que não devem ser consideradas muito tempo como fantasias... De uma dessas escalas saiu toda a tradição do jazz americano. Essa escala, que é a maior adicionada de terceiras e de sétimas menores, foi algumas vezes chamada de "escala Blues". A escala Blues apresenta, por conseguinte, dois pontos de ambigüidade: a nota do terceiro grau - a mediante é de bom grado desviada de semitom, determinando assim, com a tônica, um intervalo de terça menor; o mesmo ocorre com a do sétimo grau - a sensível - determinando assim um intervalo de sétima menor. São essas notas - que fazem com que a escala Blues hesite constantemente entre o modo maior e o modo menor e gere, com isso, seu clima expressivo característico - que chamamos de Blue notes... Essa escala, através do significado equívoco que instaura, comanda toda a música negro-americana autêntica..." Mas que pensam os criadores negros? Destaquemos os títulos de alguns Blues mais conhecidos:
Blues is a feeling, I'm drinking my Blues away, Blues, stay away from me, The Blues will never die. Robert Johnson, no célebre Walkin' Blues, vai mais longe e define: Some people tells you the worried Blues ain't so bad/But it's the worst feelin' a good man' most ever had, que só podemos grosseiramente traduzir por: "Alguns lhes dirão que este Blues atormentado não é tão terrível / mas é o pior sentimento que um homem pode jamais experimentar". E o pianista-cantor Little Brother Montgomery descreve seu encontro com o Blues, magnificamente personalizado em First time I met the Blues: "The first time I met the Blues, I was walking through the woods / He knocked at my house and done me all the harm he could / Now the Blues got after me Lord and run me from tree to tree / You should have heard me begging: `Mister Blues, don't murder me' / Good morning, Mr. Blues, what are you doing here so soon? / You be's with me in the morning and every night and noon".
Como a abordagem artístico-psicológica do Blues feita por seus criadores aparece assim tão diferente de sua definição musicológica feita pelos especialistas exteriores, tentamos dar conta dessa dualidade no pequeno artigo "Blues" da Enciclopédia do Blues: "Define-se em geral o Blues através de diversas características técnicas: e uma parte cantada poética de 12 compassos segundo o esquema A-A-B... mas esses compassos são muito irregulares, deixando lugar a uma resposta do instrumento: essa interação entre o canto e a parte instrumental é uma outra característica do Blues (e estendeu-se a toda a música negra americana): o instrumento prolonga ou imita a voz humana. 0 Bluesman não se acompanha ao violão, ele o faz responder a sua voz; desde então, a exatidão métrica, as notas trocadas corretamente ou a melodia do conjunto contam menos que as inflexões tiradas do instrumento, a sonoridade que se lhe dá e a intensidade da emoção do músico no momento em que toca (feeling)... o Blues é uma música relativamente rígida e limitada, o que freqüentemente dá a impressão a um ouvinte menos advertido de que 'todos os Blues são iguais'. É claro que isso não é verdade, mas um Blues difere de outro segundo a qualidade do swing e do feeling transmitido pelo artista, e o amador julga o músico a partir de sua aptidão em comunicar seus sentimentos. Em nossa opinião, ainda que cômoda, não podemos nos limitar à definição técnica do Blues.
Pois, música de origem africana, o Blues desempenhou um papel considerável na história do povo negro americano, sendo que o Bluesman ocupou na América, com toda evidência, o lugar ocupado pelo feiticeiro da África, que era também simultaneamente poeta e músico. A comunidade negra pedia ao Bluesman que fosse compositor, improvisador, poeta, coletor e arranjador de temas tradicionais, cantor, virtuose de seu instrumento, animador público, sociólogo, e ele era julgado por seus contemporâneos pela extensão de seus talentos em todos esse campos... Além disso, o Bluesman também desempenhava um papel psicoterápico para si mesmo e para seu auditório. Juntos, encontravam no Blues um efeito catártico para seus tormentos. Aliás, o termo 'Blues' mal-definido é geralmente sinônimo de fossa... Melhor que uma longa exegese, o título de um Blues célebre resume bem tudo o que é essa música:
The Blues ain't nothing but a good man feeling bad (0 Blues não é nada além de um bom homem se sentindo mal)". A partir desses pontos de vista diferentes mas complementares, agora compreende-se sem dúvida que o Blues foi, no sentido amplo do termo, uma música étnica: a criação espontânea do povo negro-americano que, condenado ao isolamento e ao desespero, carregou de toda emoção a única forma de arte que lhe foi verdadeiramente aberta na África: a música. Então o Blues, para ser compreensível, deve ser recolocado em seu contexto real: o itinerário histórico, psicológico, sociológico do povo negro em terra americana, do qual foi a expressão privilegiada, seguindo sua evolução e desposando seus contornos.
Quando colocado em contato com uma música de um tom maior diatônico, o africano tem tendência a não mais saber onde se encontra. Todas as vezes em que aproxima do terceiro e do sétimo em qualquer acorde, ele terá tendência a distorcê-los por violentos efeitos de vibrato até que entrem em sua escala alterando por sustenido ou por bemol. 0 tempo passa, e tais modificações tendem a cristalizar-se sob a forma de novas escalas que não devem ser consideradas muito tempo como fantasias... De uma dessas escalas saiu toda a tradição do jazz americano. Essa escala, que é a maior adicionada de terceiras e de sétimas menores, foi algumas vezes chamada de "escala Blues". A escala Blues apresenta, por conseguinte, dois pontos de ambigüidade: a nota do terceiro grau - a mediante é de bom grado desviada de semitom, determinando assim, com a tônica, um intervalo de terça menor; o mesmo ocorre com a do sétimo grau - a sensível - determinando assim um intervalo de sétima menor. São essas notas - que fazem com que a escala Blues hesite constantemente entre o modo maior e o modo menor e gere, com isso, seu clima expressivo característico - que chamamos de Blue notes... Essa escala, através do significado equívoco que instaura, comanda toda a música negro-americana autêntica..." Mas que pensam os criadores negros? Destaquemos os títulos de alguns Blues mais conhecidos:
Blues is a feeling, I'm drinking my Blues away, Blues, stay away from me, The Blues will never die. Robert Johnson, no célebre Walkin' Blues, vai mais longe e define: Some people tells you the worried Blues ain't so bad/But it's the worst feelin' a good man' most ever had, que só podemos grosseiramente traduzir por: "Alguns lhes dirão que este Blues atormentado não é tão terrível / mas é o pior sentimento que um homem pode jamais experimentar". E o pianista-cantor Little Brother Montgomery descreve seu encontro com o Blues, magnificamente personalizado em First time I met the Blues: "The first time I met the Blues, I was walking through the woods / He knocked at my house and done me all the harm he could / Now the Blues got after me Lord and run me from tree to tree / You should have heard me begging: `Mister Blues, don't murder me' / Good morning, Mr. Blues, what are you doing here so soon? / You be's with me in the morning and every night and noon".
Como a abordagem artístico-psicológica do Blues feita por seus criadores aparece assim tão diferente de sua definição musicológica feita pelos especialistas exteriores, tentamos dar conta dessa dualidade no pequeno artigo "Blues" da Enciclopédia do Blues: "Define-se em geral o Blues através de diversas características técnicas: e uma parte cantada poética de 12 compassos segundo o esquema A-A-B... mas esses compassos são muito irregulares, deixando lugar a uma resposta do instrumento: essa interação entre o canto e a parte instrumental é uma outra característica do Blues (e estendeu-se a toda a música negra americana): o instrumento prolonga ou imita a voz humana. 0 Bluesman não se acompanha ao violão, ele o faz responder a sua voz; desde então, a exatidão métrica, as notas trocadas corretamente ou a melodia do conjunto contam menos que as inflexões tiradas do instrumento, a sonoridade que se lhe dá e a intensidade da emoção do músico no momento em que toca (feeling)... o Blues é uma música relativamente rígida e limitada, o que freqüentemente dá a impressão a um ouvinte menos advertido de que 'todos os Blues são iguais'. É claro que isso não é verdade, mas um Blues difere de outro segundo a qualidade do swing e do feeling transmitido pelo artista, e o amador julga o músico a partir de sua aptidão em comunicar seus sentimentos. Em nossa opinião, ainda que cômoda, não podemos nos limitar à definição técnica do Blues.
Pois, música de origem africana, o Blues desempenhou um papel considerável na história do povo negro americano, sendo que o Bluesman ocupou na América, com toda evidência, o lugar ocupado pelo feiticeiro da África, que era também simultaneamente poeta e músico. A comunidade negra pedia ao Bluesman que fosse compositor, improvisador, poeta, coletor e arranjador de temas tradicionais, cantor, virtuose de seu instrumento, animador público, sociólogo, e ele era julgado por seus contemporâneos pela extensão de seus talentos em todos esse campos... Além disso, o Bluesman também desempenhava um papel psicoterápico para si mesmo e para seu auditório. Juntos, encontravam no Blues um efeito catártico para seus tormentos. Aliás, o termo 'Blues' mal-definido é geralmente sinônimo de fossa... Melhor que uma longa exegese, o título de um Blues célebre resume bem tudo o que é essa música:
The Blues ain't nothing but a good man feeling bad (0 Blues não é nada além de um bom homem se sentindo mal)". A partir desses pontos de vista diferentes mas complementares, agora compreende-se sem dúvida que o Blues foi, no sentido amplo do termo, uma música étnica: a criação espontânea do povo negro-americano que, condenado ao isolamento e ao desespero, carregou de toda emoção a única forma de arte que lhe foi verdadeiramente aberta na África: a música. Então o Blues, para ser compreensível, deve ser recolocado em seu contexto real: o itinerário histórico, psicológico, sociológico do povo negro em terra americana, do qual foi a expressão privilegiada, seguindo sua evolução e desposando seus contornos.
Tracks
1. A.C. REED, M. J.Vaughn - A.C.Reed & M.J. Vaughn - Help Me Spend My Gold (6:03)
2. Albert Cummings - Barrelhouse Blues (7:18)
3. Buddy Guy - Girl You´re Nice & Clean (4:41)
4. Buddy Guy & Junior Wells - Poor Man's Plea (3:10)
5. John Cephas and Phil Wiggins - John Henry (5:38)
6. Chephas and Wiggins - Richmond BLues (3:59)
7. Vargas Blues Band feat. Chris Rea - Do You Believe In Love (5:18)
8. Bill Wyman's Rhythm Kings feat. Chris Rea - Rollin' & Stumblin' (3:47)
9. Cream - Strange Brew (2:52)
10. Erasmo Carlos - Voce Me Acende (2:57)
11. Eric Sardinas - Flames of Love (3:42)
12. Freddie King - Play It Cool (3:45)
13. Janis Joplin - Kozmic Blues (4:24)
14. Janis Joplin - Summertime (4:02)
15. Jimi Hendrix Experience - Red House (3:44)
16. Johnny Winter - I'll Drown In My Tears (4:46)
17. Luiz Melodia - Maravilhas Conteporâneas (2:07)
18. Roberto Carlos - Lobo Mau (The Wanderer) (2:48)
19. Ry Cooder - Paris, Texas
20. Ry Cooder - The Bourgeois Blues
21. Solon Fishbone Y Los Cobras - Licks From Heaven
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O golpe em Honduras...
Hondurenhos não pretendem legitimar o golpe
Neste domingo (29), 4,6 milhões de hondurenhos estão convocados para as eleições mais controversas de sua história. Do total de eleitores, estima-se que 50% devam comparecer às urnas, de acordo com os índices habituais de abstenção. Em 2005, não votaram 44% do eleitorado, e amanhã o número pode ser ainda maior, já que muitos se negam a participar de um pleito organizado sob uma ditadura. Eles não pretendem ajudar a legitimar o golpe que tirou do poder o presidente que elegeram, Manuel Zelaya.
A
Frente Nacional Contra o Golpe de Estado fez um chamado para que a
população boicote as eleições golpistas . A maioria da comunidade
internacional mantém a mesma postura, assegurando que não há garantias
democráticas para a disputa e que não se pode concorrer ao cargo sem
que o último presidente eleito, Manuel Zelaya, tenha sido restituído ao
poder.
Da mesma maneira, a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) negaram-se a enviar observadores internacionais às eleições.
Apesar do repúdio ao golpe de 28 de junho ter sido uma posição inicialmente unificada da comunidade internacional, no decorrer destes cinco meses o consenso foi se alterando e alguns países - Estados Unidos e os subalternos Panamá, Peru e Costa Rica - já recuaram e agora contradizem sua própria posição, afirmando que reconhecerão o governo eleito.
Segundo o analista político hondurenho Héctor Soto, estas eleições significam a “reciclagem do golpe de Estado”. A opinião dele é compartilhada por muitos compatriotas, como a Frente de Resistência e o próprio Zelaya, que já avisou que impugnará os resultados.
Na quinta-feira (26), o presidente deposto voltou a pedir à ONU e à OEA a formação de um tribunal internacional contra a perseguição política em Honduras, no qual ele seria o primeiro a se submeter. Na carta, ele insiste que "as eleições neste regime não serão, de nenhuma maneira, a solução da crise, senão o seu aprofundamento e perpetuação”.
Ainda assim, a não ser que a pressão internacional seja mais contundente, o partido que ganhar o pleito formará o governo a partir de 27 de janeiro. Entretanto, para o economista Gustavo Irías, este será um governo “debilitado”, pois “terá sobre suas costas o espectro do golpe, eleições ilegítimas e fraudulentas e com baixo consenso nacional e internacional”. Neste sentido, ele destaca que as eleições “não garantem a governabilidade democrática do país”.
A farsa eleitoral
Zelaya acompanhará as eleições gerais a partir da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, aonde chegou de surpresa em 21 de setembro, após quase três meses de exílio desde o golpe de Estado realizado pelos militares em 28 de junho.
O governante de fato, Roberto Micheletti, ausentou-se do poder desde quarta-feira, mas sem renunciar ao cargo, em uma tentativa de dar ares de legalidade à disputa.
Nas ruas, contudo, continuam as denúncias contra o atentado à democracia e a violação de direitos e é difícil imaginar o futuro de um governo eleito a partir desse cenário que a resistência chama de "farsa eleitoral".
O candidato independente, Carlos Reyes, um reconhecido dirigente sindical de esquerda, renunciou a três semanas das eleições, porque Zelaya não foi restituído no poder.
O minoritário partido Unificação Democrática (UD), confirmou sua participação nas eleições até o último dia 21, em uma assembleia realizada em Tegucigalpa e na qual apoiou seu candidato César Ham.
As outras legendas que participam da disputa são o Partido Liberal de Honduras, no poder; o Partido Nacional de Honduras, principal força de oposição; e os minoritários Partido Democrata-Cristão de Honduras e Partido Inovação e Unidade/Social-Democrata.
Observadores
As eleições se realizarão no domingo sob o olhar de 250 observadores, conforme informou o Tribunal Supremo Eleitoral. Entretanto, não haverá supervisão de organismos internacionais.
No total, são 250 observadores vindos de 70 países – muitos deles foram por conta própria a Honduras, já que são poucos os governos que reconhecem as eleições – para supervisionar 5.300 colégios eleitorais que teriam de atender 4,6 milhões de pessoas.
Os observadores são empresários, funcionários eleitorais e políticos, a maioria destes filiada a partidos de direita. Da América Latina, destacam-se as visitas de ex-presidentes, como o boliviano Jorge Quiroga e o salvadorenho Armando Calderón. De brasileiro, estará lá o deputado federal Raul Jungmann, do PPS-PE, convidado pelo Parlamento local, que deve chegar hoje a Honduras.
O ministro da Economia do governo de Zelaya, Nelson Ávila, disse ao Opera Mundi que, com esse número de observadores, não será possível documentar fraudes nas eleições. “Necessitaríamos de milhares de pesquisadores independentes perto de cada urna, aferindo a intenção de voto, para contrastar com os resultados finais”, explica. Ele acredita que haverá fraude no próximo domingo, tal e como já anunciou o presidente deposto.
Entretanto, o Tribunal Supremo Eleitoral se diz convencido que os 250 observadores “são mais do que suficientes” para garantir eleições que sejam “as mais transparentes e técnicas” da história de Honduras.
A postura frente às eleições hondurenhas e as conseguintes tensões se transferiram para fora do país centro-americano. O Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) lamentou o apoio dos Estados Unidos ao processo eleitoral hondurenho e considera que "causa um gravíssimo dano à credibilidade da Administração do presidente Barack Obama", e "afetará seriamente as relações e as políticas americanas no continente".
Na Guatemala, o envio de observadores pelo Tribunal Supremo Eleitoral, algo que finalmente não acontecerá, levou o presidente guatemalteco, Álvaro Colom, a advertir que desautorizaria sua representatividade em nome do país.
A Unasul também declarou enfaticamente que não aceitará o resultado do pleito. "A Unasul não vai respaldar os resultados das eleições presidenciais de Honduras," disse o equatoriano Rafael Correa numa entrevista coletiva em Bruxelas.
"Também pediria (à União Europeia) que não aceite (o resultado) porque isso seria aceitar um golpe de Estado dos mais grosseiros," acrescentou.
O Parlamento Europeu se mostrou dividido sobre a legitimidade das próximas eleições, com o grupo majoritário na câmara, o Partido Popular Europeu, junto com conservadores e reformistas, a favor do envio de observadores. Já os socialistas, liberais, verdes e da Esquerda Unitária são contra.
O secretário de Estado espanhol para a região ibero-americana, Juan Pablo de Laiglesia, afirmou que o pleito não será "democraticamente aceitável" sem Zelaya no poder.
Direitos humanos
Também está no país uma delegação de 20 representantes norte-americanos e canadenses de organizações sociais e sindicais para vigiar possíveis violações aos direitos humanos. Uma das observadoras, Sidney Frey, assegura que “não há condições necessárias para eleições livres e democráticas depois de cinco meses de graves violações aos direitos humanos: suspensão das garantias individuais e coletivas, Exército nas ruas, hostilidade, repressão e assassinatos de membros da Resistência”.
Ela assegura que a repressão pode se intensificar amanhã, com os 35 mil efetivos dos corpos de segurança mobilizados em todo o país. Esta comissão se dividirá por diferentes cidades para evitar que haja enfrentamentos entre a polícia e a Resistência, embora Sidney reconheça que 20 pessoas é pouco e que o Exército poderá atuar impunemente na maioria das colônias e municípios, se houver algum tipo de protesto.
As Forças Armadas hondurenhas convocaram 5.000 reservistas para "reforçar a segurança das eleições", uma medida inédita. O esquema conta ainda com 14 mil soldados e 12 mil policiais.
A ONG Anistia Internacional relatou nesta sexta que o governo interino comprou 10 mil granadas de gás lacrimogêneo, 5.000 projéteis para granadas de gás lacrimogêneo e um tanque de água. A organização teme que o material seja usado de forma "excessiva e desproporcional".
Nos últimos meses, Honduras registrou cerca de 30 ataques de bombas caseiras ou granadas contra locais públicos e instituições contrárias ao presidente deposto, Manuel Zelaya. Na madrugada de ontem, quatro bombas de pequena potência explodiram em escolas -que serão centro de votação- de San Pedro Sula, a segunda cidade do país, provocando danos materiais leves. Nesta semana, uma granada atingiu a Corte Suprema (sem deixar mortos ou feridos graves).
Por esse motivo, a Frente de Resistência decretou um “toque de recolher popular”, pedindo para que as pessoas permaneçam em suas casas no domingo.
O recuo servil de Árias
O presidente da Costa Rica, Óscar Árias, admitiu que sua gestão como mediador na crise política hondurenha foi um fracasso e decidiu agora que reconhecerá as polêmicas eleições organizadas pelos golpistas que ele condenava até pouco tempo.
A surpreendente decisão de Árias se contrapõe ao discurso adotado por ele até então. Em 2 de julho ele afirmou categoricamente: "Espero que o mundo inteiro não reconheça o governo de fato de Honduras. Estamos chamando de volta nosso embaixador e veremos a possibilidade de rom per relações diplomáticas se não for restituído Zelaya na presidência".
Essas palavras, reproduzidas por inúmeros sites se opõe ao que o costarriquenho agora defende: "Ao final tem que reinar a cordura e a cordura diz que, se tudo transcorrer bem, normalmente", nas eleições deste domingo, "a grande maioria dos países do mundo deve reconhecê-las (as eleições)".
Cenário pós-eleições ilegítimas
Os candidatos favoritos são Porfirio Lobo, do Partido Nacional, e Elvin Santos, do Partido Liberal, ambos conservadores e pertencentes a duas instuições com mais de um século de história. Lobo, perdedor diante de Zelaya em 2005, disputa a Presidência pela segunda vez, enquanto Santos era vice-presidente do deposto governante, mas renunciou em 2008 ao cargo para apresentar sua candidatura.
Qualquer candidato que vencer assumirá os destinos de um país órfão de reconhecimento internacional e suspenso como membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde 4 de julho.
Um dos desafios para o próximo Governo de Honduras será a falta de apoio financeiro para uma nação com 7,8 milhões de habitantes que está entre as mais pobres do continente americano, junto com Bolívia, Haiti e Nicarágua.
Da mesma maneira, a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos) negaram-se a enviar observadores internacionais às eleições.
Apesar do repúdio ao golpe de 28 de junho ter sido uma posição inicialmente unificada da comunidade internacional, no decorrer destes cinco meses o consenso foi se alterando e alguns países - Estados Unidos e os subalternos Panamá, Peru e Costa Rica - já recuaram e agora contradizem sua própria posição, afirmando que reconhecerão o governo eleito.
Segundo o analista político hondurenho Héctor Soto, estas eleições significam a “reciclagem do golpe de Estado”. A opinião dele é compartilhada por muitos compatriotas, como a Frente de Resistência e o próprio Zelaya, que já avisou que impugnará os resultados.
Na quinta-feira (26), o presidente deposto voltou a pedir à ONU e à OEA a formação de um tribunal internacional contra a perseguição política em Honduras, no qual ele seria o primeiro a se submeter. Na carta, ele insiste que "as eleições neste regime não serão, de nenhuma maneira, a solução da crise, senão o seu aprofundamento e perpetuação”.
Ainda assim, a não ser que a pressão internacional seja mais contundente, o partido que ganhar o pleito formará o governo a partir de 27 de janeiro. Entretanto, para o economista Gustavo Irías, este será um governo “debilitado”, pois “terá sobre suas costas o espectro do golpe, eleições ilegítimas e fraudulentas e com baixo consenso nacional e internacional”. Neste sentido, ele destaca que as eleições “não garantem a governabilidade democrática do país”.
A farsa eleitoral
Zelaya acompanhará as eleições gerais a partir da Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, aonde chegou de surpresa em 21 de setembro, após quase três meses de exílio desde o golpe de Estado realizado pelos militares em 28 de junho.
O governante de fato, Roberto Micheletti, ausentou-se do poder desde quarta-feira, mas sem renunciar ao cargo, em uma tentativa de dar ares de legalidade à disputa.
Nas ruas, contudo, continuam as denúncias contra o atentado à democracia e a violação de direitos e é difícil imaginar o futuro de um governo eleito a partir desse cenário que a resistência chama de "farsa eleitoral".
O candidato independente, Carlos Reyes, um reconhecido dirigente sindical de esquerda, renunciou a três semanas das eleições, porque Zelaya não foi restituído no poder.
O minoritário partido Unificação Democrática (UD), confirmou sua participação nas eleições até o último dia 21, em uma assembleia realizada em Tegucigalpa e na qual apoiou seu candidato César Ham.
As outras legendas que participam da disputa são o Partido Liberal de Honduras, no poder; o Partido Nacional de Honduras, principal força de oposição; e os minoritários Partido Democrata-Cristão de Honduras e Partido Inovação e Unidade/Social-Democrata.
Observadores
As eleições se realizarão no domingo sob o olhar de 250 observadores, conforme informou o Tribunal Supremo Eleitoral. Entretanto, não haverá supervisão de organismos internacionais.
No total, são 250 observadores vindos de 70 países – muitos deles foram por conta própria a Honduras, já que são poucos os governos que reconhecem as eleições – para supervisionar 5.300 colégios eleitorais que teriam de atender 4,6 milhões de pessoas.
Os observadores são empresários, funcionários eleitorais e políticos, a maioria destes filiada a partidos de direita. Da América Latina, destacam-se as visitas de ex-presidentes, como o boliviano Jorge Quiroga e o salvadorenho Armando Calderón. De brasileiro, estará lá o deputado federal Raul Jungmann, do PPS-PE, convidado pelo Parlamento local, que deve chegar hoje a Honduras.
O ministro da Economia do governo de Zelaya, Nelson Ávila, disse ao Opera Mundi que, com esse número de observadores, não será possível documentar fraudes nas eleições. “Necessitaríamos de milhares de pesquisadores independentes perto de cada urna, aferindo a intenção de voto, para contrastar com os resultados finais”, explica. Ele acredita que haverá fraude no próximo domingo, tal e como já anunciou o presidente deposto.
Entretanto, o Tribunal Supremo Eleitoral se diz convencido que os 250 observadores “são mais do que suficientes” para garantir eleições que sejam “as mais transparentes e técnicas” da história de Honduras.
A postura frente às eleições hondurenhas e as conseguintes tensões se transferiram para fora do país centro-americano. O Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) lamentou o apoio dos Estados Unidos ao processo eleitoral hondurenho e considera que "causa um gravíssimo dano à credibilidade da Administração do presidente Barack Obama", e "afetará seriamente as relações e as políticas americanas no continente".
Na Guatemala, o envio de observadores pelo Tribunal Supremo Eleitoral, algo que finalmente não acontecerá, levou o presidente guatemalteco, Álvaro Colom, a advertir que desautorizaria sua representatividade em nome do país.
A Unasul também declarou enfaticamente que não aceitará o resultado do pleito. "A Unasul não vai respaldar os resultados das eleições presidenciais de Honduras," disse o equatoriano Rafael Correa numa entrevista coletiva em Bruxelas.
"Também pediria (à União Europeia) que não aceite (o resultado) porque isso seria aceitar um golpe de Estado dos mais grosseiros," acrescentou.
O Parlamento Europeu se mostrou dividido sobre a legitimidade das próximas eleições, com o grupo majoritário na câmara, o Partido Popular Europeu, junto com conservadores e reformistas, a favor do envio de observadores. Já os socialistas, liberais, verdes e da Esquerda Unitária são contra.
O secretário de Estado espanhol para a região ibero-americana, Juan Pablo de Laiglesia, afirmou que o pleito não será "democraticamente aceitável" sem Zelaya no poder.
Direitos humanos
Também está no país uma delegação de 20 representantes norte-americanos e canadenses de organizações sociais e sindicais para vigiar possíveis violações aos direitos humanos. Uma das observadoras, Sidney Frey, assegura que “não há condições necessárias para eleições livres e democráticas depois de cinco meses de graves violações aos direitos humanos: suspensão das garantias individuais e coletivas, Exército nas ruas, hostilidade, repressão e assassinatos de membros da Resistência”.
Ela assegura que a repressão pode se intensificar amanhã, com os 35 mil efetivos dos corpos de segurança mobilizados em todo o país. Esta comissão se dividirá por diferentes cidades para evitar que haja enfrentamentos entre a polícia e a Resistência, embora Sidney reconheça que 20 pessoas é pouco e que o Exército poderá atuar impunemente na maioria das colônias e municípios, se houver algum tipo de protesto.
As Forças Armadas hondurenhas convocaram 5.000 reservistas para "reforçar a segurança das eleições", uma medida inédita. O esquema conta ainda com 14 mil soldados e 12 mil policiais.
A ONG Anistia Internacional relatou nesta sexta que o governo interino comprou 10 mil granadas de gás lacrimogêneo, 5.000 projéteis para granadas de gás lacrimogêneo e um tanque de água. A organização teme que o material seja usado de forma "excessiva e desproporcional".
Nos últimos meses, Honduras registrou cerca de 30 ataques de bombas caseiras ou granadas contra locais públicos e instituições contrárias ao presidente deposto, Manuel Zelaya. Na madrugada de ontem, quatro bombas de pequena potência explodiram em escolas -que serão centro de votação- de San Pedro Sula, a segunda cidade do país, provocando danos materiais leves. Nesta semana, uma granada atingiu a Corte Suprema (sem deixar mortos ou feridos graves).
Por esse motivo, a Frente de Resistência decretou um “toque de recolher popular”, pedindo para que as pessoas permaneçam em suas casas no domingo.
O recuo servil de Árias
O presidente da Costa Rica, Óscar Árias, admitiu que sua gestão como mediador na crise política hondurenha foi um fracasso e decidiu agora que reconhecerá as polêmicas eleições organizadas pelos golpistas que ele condenava até pouco tempo.
A surpreendente decisão de Árias se contrapõe ao discurso adotado por ele até então. Em 2 de julho ele afirmou categoricamente: "Espero que o mundo inteiro não reconheça o governo de fato de Honduras. Estamos chamando de volta nosso embaixador e veremos a possibilidade de rom per relações diplomáticas se não for restituído Zelaya na presidência".
Essas palavras, reproduzidas por inúmeros sites se opõe ao que o costarriquenho agora defende: "Ao final tem que reinar a cordura e a cordura diz que, se tudo transcorrer bem, normalmente", nas eleições deste domingo, "a grande maioria dos países do mundo deve reconhecê-las (as eleições)".
Cenário pós-eleições ilegítimas
Os candidatos favoritos são Porfirio Lobo, do Partido Nacional, e Elvin Santos, do Partido Liberal, ambos conservadores e pertencentes a duas instuições com mais de um século de história. Lobo, perdedor diante de Zelaya em 2005, disputa a Presidência pela segunda vez, enquanto Santos era vice-presidente do deposto governante, mas renunciou em 2008 ao cargo para apresentar sua candidatura.
Qualquer candidato que vencer assumirá os destinos de um país órfão de reconhecimento internacional e suspenso como membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde 4 de julho.
Um dos desafios para o próximo Governo de Honduras será a falta de apoio financeiro para uma nação com 7,8 milhões de habitantes que está entre as mais pobres do continente americano, junto com Bolívia, Haiti e Nicarágua.
Sitio do vermelho Com agências
sábado, 28 de novembro de 2009
MST: a luta continua....
Os vencidos não se entregam
Luana Lila, de Iaras - Carta Capital
No acampamento Rosa Luxemburgo, como em tantos outros ligados ao MST,
as condições de vida são precárias. As lonas esquentam em demasia
durante o dia, falta água e energia elétrica. Mas o que mais incomoda
as 180 famílias acampadas nos arredores de Iaras, no sudoeste de São
Paulo, são as tempestades. “Você nunca sabe se vai deitar e amanhecer
em pé ou não. Tudo sai voando, eu tenho um medo terrível. Se cai
granizo é pior ainda, porque você vê que a lona não vai resistir.
Depois que passa, a gente sai para ver o que sobrou, todo mundo tem de
se ajudar para reconstruir”, afirma Rosalina Beatriz de Oliveira,
acampada há cerca de um ano.
A fazenda Agrocentro, que dá lugar ao acampamento, foi declarada improdutiva pelo Incra e aguarda a conclusão do processo de desapropriação. Para chegar lá, depois de três horas pelas modernas estradas do estado, o progresso do agronegócio se faz mais tímido e grandes buracos no asfalto dificultam a circulação dos veículos. Em seguida, o carro segue derrapando na areia grossa, ao longo de 32 quilômetros de estrada de terra cercada de plantações de eucalipto e cana.
Na fazenda o pasto deu lugar aos barracos de lona que surgem no horizonte. Com o sol forte na cabeça e a terra fervendo sob os pés, o olhar insiste na busca por um abrigo, mas são poucas as árvores que sobraram. No interior dos barracos a temperatura é insuportável.
Na varanda improvisada com um puxadinho de lona está Marta Pereira da Silva, que mora há oito meses no acampamento. Marta parece ter bem menos idade do que os 40 anos que sua certidão de nascimento aponta, mas está doente. Tem pressão alta e diabetes e toma mais de vinte comprimidos por dia.
Quando vai ao pronto-socorro, em Bauru, sempre ouve que a primeira coisa a fazer, se quiser continuar viva, é deixar o acampamento o mais rápido possível. Os médicos sabem que, da próxima vez que passar mal, ela pode não chegar a tempo ao hospital. Dependerá da boa vontade de um companheiro de carro ou da polícia, que já foi acionada em momentos de emergência e não apareceu. Marta prefere correr o risco: “Os médicos falam para eu sair daqui, mas e a minha terra, e a minha luta? ”
O acampamento Rosa Luxemburgo não está ali por acaso. Na região existem 50 mil hectares de terras públicas indevidamente ocupados por particulares. A história começou em 1920, quando a União adquiriu a área, que abrange os municípios de Águas de Santa Bárbara, Iaras, Borebi, Lençóis Paulista e Agudos, para a colonização de famílias de imigrantes. O problema é que as terras não foram discriminadas regularmente e, com o passar do tempo, particulares começaram a tomar conta e registrar as áreas em cartório.
Foi só a partir de 1994 que o Incra começou a fazer um levantamento da área pública total, conhecida como Núcleo Colonial Monção. Em 2002, o Instituto passou a identificar os ocupantes irregulares, concluindo que os atuais proprietários não são os mesmos que tomaram as terras originalmente, pois, ao longo dos anos, elas foram vendidas diversas vezes. Isso acaba dando bases para longas disputas judiciais, enquanto o Incra solicita a devolução das terras à União, mediante indenização. Ele se baseia em artigo da Constituição que determina que as terras públicas devem ser prioritariamente direcionadas à reforma agrária.
Para complicar ainda mais, além das terras públicas, existem na região onze fazendas, cerca de 15 mil hectares, que já foram vistoriadas e consideradas improdutivas pelo Incra, mas aguardam uma certidão de uso e ocupação do solo da prefeitura de Agudos para que o processo de desapropriação tenha início. Mas o prefeito Everton Octaviani, que por enquanto concedeu o documento apenas para a fazenda Agrocentro, afirma que, dos onze imóveis, ao menos quatro proprietários entraram com ações na Justiça contra o laudo de improdutividade. Quanto aos outros, o prefeito explica a demora na emissão do documento: “Eu ainda não emiti porque não quero que venham para o município essas famílias de outras localidades, que são do MST. Eu tenho negociado com o Incra e exijo que sejam colocadas ali famílias da minha cidade, famílias de trabalhadores que vão fazer um bom uso da terra, que vão produzir. Eu não posso dizer que só quero agudenses, mas preferencialmente de Agudos, e que não sejam do MST”.
No meio desse entroncamento de interesses estão centenas de pessoas que, após uma história de despejos violentos e promessas não cumpridas, aguardam um lote para se estabelecer. Rosalina é uma delas. Aposentada, ela trabalhou em Bauru durante muitos anos como atendente de enfermagem. Sua experiência é útil ao acampamento, assim como os ensinamentos familiares sobre o uso de ervas medicinais. “O tradicional do hospital não serve para nada aqui.”
Enquanto as famílias vivem no acampamento, as pequenas hortas pipocam lá e cá, fartas. São plantações de mandioca, abóbora, chuchu, almeirão e alface. Mesmo com a situação indefinida, eles já podem se alimentar do que plantaram, mas não expandem o cultivo por medo de ser expulsos a qualquer momento, como aconteceu diversas vezes com Francisca Ângela dos Santos: “Quando acontece o despejo, a gente tem de levar a casa inteira nas costas. A minha casa está toda aqui, você já pensou se for para sair dentro de 24 horas, o que vou fazer com isso? Eu tenho de levar os animais, o que não puder ir fica”.
As primeiras ocupações do MST na região datam de 1995, quando o movimento percebeu a complexidade agrária do local e vislumbrou uma possibilidade para o assentamento de suas famílias. Desde então, a disputa judicial entre o Incra e os fazendeiros rendeu alguns frutos aos trabalhadores. Segundo o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires Silva, entre Iaras e Bauru existem cerca de mil famílias assentadas. Algumas empresas preferiram fazer acordos de permuta nos quais cedem à União uma área equivalente à que ocupam, mas em outro local, para não perder as benfeitorias já instaladas. O mesmo tipo de acordo foi discutido durante seis meses com a Cutrale, mas ela decidiu continuar o processo judicial.
Para Paulo Beraldo, dirigente regional do MST, isso explica a ação do movimento na fazenda Santo Henrique, no início de outubro: “Ocupamos em 2008 em busca de um acordo para passar uma área equivalente para que a Cutrale não tivesse de mexer nas laranjas. Tendo o acordo, a gente respeitava aquela área como deles, só queríamos saber onde seria a nossa”.
O MST alega ainda que as acusações de depredação das benfeitorias da empresa e o roubo de funcionários não foram ações efetuadas por eles, e, sim, nas palavras de Paulo, por “alguém que se aproveitou da situação e, como estava lá, saiu na conta do movimento”. Segundo ele, alguns tratores destruídos estavam danificados na própria oficina da fazenda.
Enquanto as investigações sobre o caso não são concluídas, o superintendente do Incra critica a ação do MST na fazenda da Cutrale: “A reforma agrária não é um processo de revolução para fazer o socialismo. A reforma agrária implica um debate sobre a nossa dívida social. Estamos empregando uma família, dando condições de vida, de cidadania”.
A fazenda Agrocentro, que dá lugar ao acampamento, foi declarada improdutiva pelo Incra e aguarda a conclusão do processo de desapropriação. Para chegar lá, depois de três horas pelas modernas estradas do estado, o progresso do agronegócio se faz mais tímido e grandes buracos no asfalto dificultam a circulação dos veículos. Em seguida, o carro segue derrapando na areia grossa, ao longo de 32 quilômetros de estrada de terra cercada de plantações de eucalipto e cana.
Na fazenda o pasto deu lugar aos barracos de lona que surgem no horizonte. Com o sol forte na cabeça e a terra fervendo sob os pés, o olhar insiste na busca por um abrigo, mas são poucas as árvores que sobraram. No interior dos barracos a temperatura é insuportável.
Na varanda improvisada com um puxadinho de lona está Marta Pereira da Silva, que mora há oito meses no acampamento. Marta parece ter bem menos idade do que os 40 anos que sua certidão de nascimento aponta, mas está doente. Tem pressão alta e diabetes e toma mais de vinte comprimidos por dia.
Quando vai ao pronto-socorro, em Bauru, sempre ouve que a primeira coisa a fazer, se quiser continuar viva, é deixar o acampamento o mais rápido possível. Os médicos sabem que, da próxima vez que passar mal, ela pode não chegar a tempo ao hospital. Dependerá da boa vontade de um companheiro de carro ou da polícia, que já foi acionada em momentos de emergência e não apareceu. Marta prefere correr o risco: “Os médicos falam para eu sair daqui, mas e a minha terra, e a minha luta? ”
O acampamento Rosa Luxemburgo não está ali por acaso. Na região existem 50 mil hectares de terras públicas indevidamente ocupados por particulares. A história começou em 1920, quando a União adquiriu a área, que abrange os municípios de Águas de Santa Bárbara, Iaras, Borebi, Lençóis Paulista e Agudos, para a colonização de famílias de imigrantes. O problema é que as terras não foram discriminadas regularmente e, com o passar do tempo, particulares começaram a tomar conta e registrar as áreas em cartório.
Foi só a partir de 1994 que o Incra começou a fazer um levantamento da área pública total, conhecida como Núcleo Colonial Monção. Em 2002, o Instituto passou a identificar os ocupantes irregulares, concluindo que os atuais proprietários não são os mesmos que tomaram as terras originalmente, pois, ao longo dos anos, elas foram vendidas diversas vezes. Isso acaba dando bases para longas disputas judiciais, enquanto o Incra solicita a devolução das terras à União, mediante indenização. Ele se baseia em artigo da Constituição que determina que as terras públicas devem ser prioritariamente direcionadas à reforma agrária.
Para complicar ainda mais, além das terras públicas, existem na região onze fazendas, cerca de 15 mil hectares, que já foram vistoriadas e consideradas improdutivas pelo Incra, mas aguardam uma certidão de uso e ocupação do solo da prefeitura de Agudos para que o processo de desapropriação tenha início. Mas o prefeito Everton Octaviani, que por enquanto concedeu o documento apenas para a fazenda Agrocentro, afirma que, dos onze imóveis, ao menos quatro proprietários entraram com ações na Justiça contra o laudo de improdutividade. Quanto aos outros, o prefeito explica a demora na emissão do documento: “Eu ainda não emiti porque não quero que venham para o município essas famílias de outras localidades, que são do MST. Eu tenho negociado com o Incra e exijo que sejam colocadas ali famílias da minha cidade, famílias de trabalhadores que vão fazer um bom uso da terra, que vão produzir. Eu não posso dizer que só quero agudenses, mas preferencialmente de Agudos, e que não sejam do MST”.
No meio desse entroncamento de interesses estão centenas de pessoas que, após uma história de despejos violentos e promessas não cumpridas, aguardam um lote para se estabelecer. Rosalina é uma delas. Aposentada, ela trabalhou em Bauru durante muitos anos como atendente de enfermagem. Sua experiência é útil ao acampamento, assim como os ensinamentos familiares sobre o uso de ervas medicinais. “O tradicional do hospital não serve para nada aqui.”
Enquanto as famílias vivem no acampamento, as pequenas hortas pipocam lá e cá, fartas. São plantações de mandioca, abóbora, chuchu, almeirão e alface. Mesmo com a situação indefinida, eles já podem se alimentar do que plantaram, mas não expandem o cultivo por medo de ser expulsos a qualquer momento, como aconteceu diversas vezes com Francisca Ângela dos Santos: “Quando acontece o despejo, a gente tem de levar a casa inteira nas costas. A minha casa está toda aqui, você já pensou se for para sair dentro de 24 horas, o que vou fazer com isso? Eu tenho de levar os animais, o que não puder ir fica”.
As primeiras ocupações do MST na região datam de 1995, quando o movimento percebeu a complexidade agrária do local e vislumbrou uma possibilidade para o assentamento de suas famílias. Desde então, a disputa judicial entre o Incra e os fazendeiros rendeu alguns frutos aos trabalhadores. Segundo o superintendente do Incra em São Paulo, Raimundo Pires Silva, entre Iaras e Bauru existem cerca de mil famílias assentadas. Algumas empresas preferiram fazer acordos de permuta nos quais cedem à União uma área equivalente à que ocupam, mas em outro local, para não perder as benfeitorias já instaladas. O mesmo tipo de acordo foi discutido durante seis meses com a Cutrale, mas ela decidiu continuar o processo judicial.
Para Paulo Beraldo, dirigente regional do MST, isso explica a ação do movimento na fazenda Santo Henrique, no início de outubro: “Ocupamos em 2008 em busca de um acordo para passar uma área equivalente para que a Cutrale não tivesse de mexer nas laranjas. Tendo o acordo, a gente respeitava aquela área como deles, só queríamos saber onde seria a nossa”.
O MST alega ainda que as acusações de depredação das benfeitorias da empresa e o roubo de funcionários não foram ações efetuadas por eles, e, sim, nas palavras de Paulo, por “alguém que se aproveitou da situação e, como estava lá, saiu na conta do movimento”. Segundo ele, alguns tratores destruídos estavam danificados na própria oficina da fazenda.
Enquanto as investigações sobre o caso não são concluídas, o superintendente do Incra critica a ação do MST na fazenda da Cutrale: “A reforma agrária não é um processo de revolução para fazer o socialismo. A reforma agrária implica um debate sobre a nossa dívida social. Estamos empregando uma família, dando condições de vida, de cidadania”.
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